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IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO

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O IMPACTO DA GLOBALIZAÇÃO NA “CONTABILIDADE” 
No dia 1 de Janeiro de 2005 assistimos àquela que tinha vindo a ser considerada por alguns como a maior revolução contabilística operada no espaço de uma geração, com a entrada em vigor de um conjunto de normas contabilísticas que as empresas, cotadas que apresentavam contas consolidadas, tiveram de passar a aplicar para efeitos da elaboração das respectivas demonstrações financeiras. 
Mais recentemente, no passado dia 16 de Abril, foi apresentado em Audição Pública o Novo Sistema de Normalização Contabilística (SNC) que visa substituir o atual POC – Plano Oficial de Contas e legislação complementar e que a curto prazo será de aplicação obrigatória em todas as empresas. O documento apresentado encontra-se agora, por um período de 60 dias, em audição pública, facto que configura um período de excepcional relevância para o seu debate. 
A entrada em vigor deste normativo surgiu num contexto europeu marcado pelo prolongamento da recessão, pronunciando-se, por isso, como um ambiente propício à sua implementação, pois os ciclos económicos têm-nos demonstrado que os mercados prósperos são maus para as reformas. 
Assim, este conjunto de normas contabilísticas além de assegurar um elevado grau de transparência, atendendo à utilização de uma “linguagem” comum compreensível por todos os utilizadores de cada país, não é mais do que o reflexo da crescente globalização económica e dos mercados financeiros, que impõe às empresas a necessidade de apresentarem informação mais transparente e mais credível, disponibilizada de uma forma célere e atempada. 
Um exemplo disso é a legislação publicada este ano pela CMVM referente à avaliação dos activos dos fundos de Capital de Risco que contempla já o método do justo valor a par com o do valor conservador numa medida que influencia centenas de empresas que, não sendo na sua vasta maioria cotadas, têm de conviver com os novos padrões de avaliação. 
A ocorrência dos pressupostos acima mencionados implica que as empresas não assumam apenas a necessidade de mudar as políticas de contabilidade dos seus países com os padrões constantes das Normas Internacionais de Informação Financeira (NIIF). 
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É preciso ir mais longe! As empresas têm, necessariamente, que ajustar as suas estratégias de negócio e os seus indicadores, bem como repensar as suas medidas de comunicação e de performance com o mercado de capitais. E, nessa medida, este processo de transição pode ser mesmo considerado como uma verdadeira revolução cultural, ao permitir que as empresas e os seus gestores passem a ser avaliados cada vez mais pelo mercado, uma vez que: o tempo de reacção dos investidores será cada vez mais curto; o tempo e os custos com o reporting financeiro mais reduzidos; os custos com a emissão de capital menores; a linguagem interna dos Grupos mais harmonizada e a qualidade da informação para a Gestão necessariamente melhorada. 
Este cenário de transição para um novo método de reporting trouxe implicações relevantes, e bem assim obrigações acrescidas para as empresas - como sejam a divulgação geral nas contas mais abrangente e rigorosa ou certos critérios de avaliação, como o do justo valor, bastante mais complexo de se aplicar do que o custo histórico - chegando por isso, em certos casos, a ser mesmo encarado como mais um constrangimento regulamentar e uma mudança difícil para as empresas. 
É certo que na Europa continental predomina a posição tradicional de que a contabilidade é feita por razões tributárias ou tendo os credores como principais destinatários, não sendo, por isso, especialmente orientada para os accionistas e investidores, como sucede no universo empresarial “anglo-saxónico”. Além disso, a Europa não possui uma tradição profunda no estabelecimento de normas, podendo uma das implicações das NIIF traduzirse na já referida mudança cultural. No entanto, a implementação destas não deixa de representar uma oportunidade única para as empresas europeias conquistarem terreno perdido na procura de maior credibilidade das suas demonstrações financeiras. 
As novas normas são, porém, altamente inspiradas das normas internacionais de contabilidade, passando a substituir o contraste jurídico do modelo atual para um modelo contabilístico de contraste económico. Esta alteração é evidente logo nas definições de ativo e passivo, sempre fazendo referência a recursos ou obrigações económicas, e a benefícios económicos futuros – raiz económica da definição. O que se afigura também mais relevante, ainda, são os critérios de mensuração em que se adopta abundantemente o critério de justo valor em que os ativos e os passivos mediante determinadas circunstâncias podem ser mensurados pelo justo valor em detrimento do custo histórico. 
No caso concreto da estrutura contabilística nacional, as NIIF embora venham introduzir alterações ao enquadramento vigente, na sua globalidade, não parecem anunciar 
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alterações profundas de procedimentos. Efectivamente, as normas de contabilidade portuguesas, já acolhem muito do conteúdo destas normas, na medida em que evidenciam um reconhecimento das transacções baseadas em normas que tentam conciliar a realidade económica e financeira com o cálculo dos impostos a pagar. No entanto, e considerando que as NIIF colocarão o enfoque na determinação da posição económica e financeira da empresa liberta do espartilho fiscal, será, então, necessário que a sua aplicação seja acompanhada pela separação clara da informação para efeitos de determinação do imposto a pagar da informação apresentada aos restantes stakeholders da organização: empregados, fornecedores, credores comerciais, clientes e investidores. 
Muita reflexão tem vindo a ser feita sobre esta matéria, e em particular sobre a melhor forma de alinhar as práticas contabilísticas nacionais com os novos procedimentos contabilísticos internacionais. 
Reportando esta realidade ao tecido empresarial português, significativamente marcado por PMES, importará agora ponderar o impacto desta nova realidade contabilística que nos permite captar uma fotografia da situação presente da empresa em vez de captar uma imagem do passado. Considero que a melhor forma de analisar esta questão passa por proporcionar uma análise prática de algumas das alterações técnicas que ocorreram em 2005. Analisemos, então, alguns exemplos comparativos: 
1.Contabilização de grandes reparações no valor de 250.000 Euros, num edifício valorizado, na altura da sua aquisição, em 1.500.000 Euros Procedimento Atual (POC) (D) 250.000 - Imobilizado (C) 250.000 – Fornecedores Valor da reparação deve ser “capitalizado” e posteriormente amortizado. Normas Internacionais Contabilidade (D) 250.000 – Custos do Exercício (C) 250.000 – Contas a Pagar Não existindo benefícios económicos futuros associados ao activo o custo será do exercício. 
2.Despesas de escritura e registos, 4000, relacionados com alterações dos estatutos sociais. Procedimento Actual (POC) (D) 4.000 – Imobilizado Incorpóreo. (C) 4.000 - Disponibilidades Os custos em causa são “capitalizados”. Normas Internacionais Contabilidade (D) 4.000 – Custos do Exercício (C) 4.000 – Disponibilidades Devem considerar-se como custos por não se prever virem a gerar benefícios económicos futuros. 
3.Despesas de investigação e pesquisa, 50.000, para um novo produto do qual não se conhece ainda o potencial de sucesso. Procedimento Actual (POC) (D) 50.000 – Imobilizado Incorpóreo (C) 50.000 – Consultores/Assessores Capitalização dos custos com pesquisa. Normas Internacionais Contabilidade (D) 50.000 – Custos do Exercício (C) 50.000 – Contas a pagar Não permite a capitalização dos custos relacionados com a pesquisa. 
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4.Imóvel está escriturado por 100.000 mas estudos de avaliação bem sustentados mencionam que o seu valor actual é de 280.000 euros. Procedimento Actual (POC) (D) 180.000 – Investimentos em Imóveis (C) 180.000 – Reserva de Reavaliação A reavaliação é permitida (DC 16) mas o seu reflexo é conta de situação líquida.Normas Internacionais Contabilidade (D) 180.000 – Investimento em Imóveis. (C) 180.000 – Proveitos Aplicação do modelo do justo valor com o excedente contabilizado em resultados. 
5.Diferenças de câmbio favoráveis, entre valor da factura e o pagamento, no valor de 800. Procedimento Actual (POC) (D) 800 – Fornecedores (C) 800 – Proveitos Financeiros Registo efectuado nos resultados financeiros. Normas Internacionais Contabilidade (D) 800 – Contas a pagar (C) 800 – Stocks Registo incide sobre o valor dos stocks. 
6.Correcção do valor contabilístico, líquido de amortizações, de um bem com o valor de 15.000 cujo valor de uso havia sido determinado em 10.000. ( IMPARIDADE) Procedimento Actual(POC) (D) 5.000 – Custos perdas extraordinária (C) 5.000 – Amortizações Acumuladas Estão previstas amortizações extraordinárias. Normas Internacionais Contabilidade (D) 5.000 – Custos do exercício (C) 5.000 – Imobilizado Devem ser registadas as perdas por imparidade.(1) 
(1) Quando na data do balanço um activo se encontra escriturado por um valor superior ao preço de venda líquido ou ao seu valor de uso. 
7.Empresa realiza uma Promoção: Satisfação garantida ou reembolso do seu dinheiro. Procedimento Actual O custo com as devoluções de clientes é reconhecido à medida em que estas se verificam. Normas Internacionais Contabilidade Criação de uma estimativa de custo para as garantias reais a prestar e para os produtos devolvidos O custo será reconhecido ao longo das vendas 
8.Empresa possui casos em Contencioso. Procedimento Actual Provisão efectuada apenas em casos de contencioso já em tribunal. Normas Internacionais Contabilidade Criação de uma provisão pela criação de um passivo contingente no caso de ser previsível saída de dinheiro face ao mesmo; 
9. Investimentos Financeiros de curto prazo. 
Procedimento Actual (POC) Débito de 1.000€ em títulos Negociáveis e de 50€ em Custos Financeiros por crédito em Bancos (1050€); 
Normas Internacionais Contabilidade Débito de 1.050€ em Instrumentos Financeiros por Crédito em Caixa de 1.050€; Em 31/Dez é apurada a valorização da acção com débito em Instrumentos Financeiros de 50€ por crédito nos Ganhos por aumentos de justo valor. 
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Importa referir que as empresas não cotadas, não tendo sido directamente afectadas pela entrada em vigor das NIC em 2005 terão em breve que abandonar os seus princípios de contabilidade actualmente aceites. Porém, se pensarmos que não é a dimensão das empresas que determina a sua responsabilidade social e que a adopção das NIIF proporciona consistência à contabilidade e contribui inevitavelmente para a modernização das empresas, tal poderá reflectir algum sentido prático. 
A par desta realidade, obviamente que os desafios da conversão para as empresas serão variáveis não somente de país para país, mas também entre os diversos sectores. Certo é que, independentemente do seu sector ou país, todas as empresas têm que entender que a transição para as NIIF vai muito mais além de um mero exercício técnico, na medida em que um projecto bem sucedido exigirá seguramente alterações empresariais profundas e que se estendem muito além dos departamentos financeiros e tesouraria. 
Tal implica um forte investimento ao nível da formação dos principais quadros, dos sistemas e infra-estruturas de TI e de todos os sectores operativos das empresas, os quais terão que estar muito mais preparados, designadamente para divulgar mais informação do que anteriormente acontecia. Isto porque as empresas além de ter que passar a estar conformes com as normas, terão também que explicar os procedimentos utilizados para fazê-lo. 
Para terminar, não poderei deixar de lançar uma consideração contextual sobre esta nova dinâmica que se avizinha. Para tal, e por considerar oportuno parafrasear o Professor Rogério Fernandes Ferreira, mentor que muito prezo, diria que “O mundo alargou-se e a regulação passou a ser-nos imposta de fora. As áreas de conhecimento em que a contabilidade se centra aparecem sujeitas a directivas e normas supranacionais.” 
No entanto, partilho inteiramente do seu entendimento quando afirma que “…as mudanças devem fazer-se em sentido útil, de progresso e de melhoria do existente.” Por isso, acredito, pois, que a nível nacional, à semelhança da generalidade dos países da Europa continental, nos primeiros períodos de implementação, irá ocorrer alguma falta de consistência ao nível da aplicação das normas no mercado, tendo em consideração que as divergências suscitadas na interpretação destas irão reflectir-se em muitos aspectos, mesmo tendo em conta o desbravamento realizado pelas organizações que já as utilizam desde 2005. Esta afigurou-se seguramente uma das ameaças mais sérias a todo o processo de transferência das empresas cotadas para as NIIF – a incapacidade do mercado compreender a informação que recebe. 
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A este fator não será estranha a instabilidade e a indefinição subjacente ao conteúdo das novas normas contabilísticas.Pois as consequências desta indefinição numa reforma contabilística desta dimensão poderão ser profundas. Significa assim que esta reforma apesar de ser um passo importante e absolutamente necessário na obtenção da homogeneização contabilística global, tem-se revelado um processo complexo e difícil, e nessa medida, apenas a longo prazo iremos obter contas transparentes e globalmente comparáveis, e consequentemente, um acesso mais fácil aos mercados de capitais. 
Às empresas competirá aprender as regras globais do jogo e adaptarem-se progressivamente à mudança. Afinal, em qualquer época da História e em qualquer lugar do Mundo, apenas as empresas capazes de se adaptar constantemente à evolução da técnica e do mercado conseguiram sobreviver. Assim, neste processo de transição contabilística a capacidade de adaptação das empresas é determinante, pois será a capacidade da empresa para se adaptar no momento apropriado e com as soluções adequadas que determinará o seu êxito ou o seu fracasso! 
Texto elaborado por Francisco Manuel Banha - Presidente do Conselho de Administração da Gesbanha- Gestão e Contabilidade, SA fbanha@gesbanha.pt www.gesbanha.pt

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