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Capítulo I As ontologias regionais: em qual mundo está o Direito? Considerações Gerais O que é um objeto? Francisco Romero e Eugênio Pucciarelli, com apoio de Abelardo Torré, respondem à primeira pergunta: “...desde um ponto de vista formal, denomina-se objeto tudo o que é capaz de admitir um predicado qualquer, tudo o que pode ser sujeito de um juízo. É, pois, a noção mais geral possível, já que não importa que o que é mentado exista ou não exista: basta que se possa pensar e dizer algo dele”. (apud TORRÉ, 1972, p29) Carlos Cóssio, com base em filósofos, procurou separá-los e classificá-los em setores, departamentos, regiões: daí a expressão “ontologias regionais”, (COSSIO, 1959, p23) isto é, as regiões do ser, as classes de objetos. De acordo, portanto, com a ideia trazida para o Direito por Carlos Cóssio, os objetos pertencem a quatro grandes regiões ônticas: 1) Ideais 2) Naturais 3) Culturais 4) Metafísicos Objetos ideais Não é ideal no sentido de “perfeito”, de “o mais desejável”; é ideal no sentido de só existirem na ideia, na mente de quem os pensa. É uma ideia, não uma coisa material. O que primeiro chama atenção nesses objetos é que eles são “inespaciais” e “intemporais”, isto é: não têm existência nem no espaço nem no tempo. Um triângulo serve como exemplo. Há uma infinidade de objetos ideais, tais como as figuras geométricas, os números, as relações, os conceitos, etc. Prosseguindo no exemplo do triângulo, deve-se esclarecer que um tal objeto, desenhado no quadro, num papel, não é “o” triângulo, mas a simples representação gráfica de um triângulo; e aí não se trata mais de um objeto ideal, mas de um objeto cultural, como veremos no devido lugar. Não podemos chegar a esses objetos pelos sentidos – Logo, eles não estão na experiência sensível. Objetos naturais São todos os elementos que integram o 'reino da natureza” e se subordinam “ao princípio da causalidade”. É evidente que, diferentemente dos objetos ideais, os objetos naturais existem no tempo (o próprio planeta um dia começou e um dia terminará) e no espaço. Logo, são reais. Podem portanto, ser conhecidos através dos sentidos (eu “vejo” uma árvore, “pego” em um sapo, etc) – estão, portanto, na experiência. No mundo da natureza, estamos dominados pelo princípio da causalidade; adiantando a matéria, devemos dizer que, no Direito, domina o princípio da imputabilidade. Estamos aqui diante da principal distinção: quando queremos delimitar o campo do Direito devemos, antes de mais nada, separá-lo do mundo da natureza. Causalidade e Imputação são dois diferentes modos de nexo funcional, que ligam uma condição (antecedente) a uma consequência: “A diferença entre ambos consiste na circunstância de que a imputação...é produzida por um ato de vontade, cujo sentido é uma norma, enquanto a causalidade (isto significa a relação entre causa e efeito descrita numa lei da natureza) é independente de qualquer intervenção”. (KELSEN) Isto é: as relações de causalidade, entre fenômenos naturais, ocorrem sem qualquer intervenção do homem. Elas existem, quer o homem queira quer não. Já as relações de imputação só existem como obra humana, isto é, cultural. Esses objetos naturais são de duas espécies: físicos, sendo tais os que têm dimensão tempo-espacial (uma planta, um animal, etc); e psiquícos, sendo tais aqueles que, embora existindo no tempo, não possuem dimensão espacial (uma emoção, uma sensação, etc.) (TORRÉ) Objetos culturais São os feitos pelo homem, segundo suas valorações. O objeto cultural necessita de um objeto natural que lhe sirva de substrato, de suporte. Mas a esse substrato se atribui um sentido. A uma flor – substrato – atribuo um sentido – é bela. Quer dizer – quando afirmamos que os objetos naturais se culturalizam quando lhes atribuímos um valor, necessitamos estar advertidos de que essa valoração pode ser positiva ou negativa. Atribuir um sentido positivo ou negativo a uma conduta humana é próprio das normas de conduta social. Mentir é indecente; ajudar ao próximo é meritório, diz a Moral. A primeira conduta (mentir) é axiologicamente negativa; a segunda (ajudar) é axiologicamente positiva. O valor que se atribui ao objeto cultural, portanto, é fundamental para o seu entendimento. O Direito, digamos logo, é um objeto cultural. Assim, o Direito estuda a conduta humana, não como ela simplesmente é (este é o objeto da sociologia), mas como ela pode ser valorada. Hessen demonstra que o valor pode apresentar-se como: a) algo que é objeto de uma experiência, de uma vivência; b) uma qualidade dos objetos; c) uma ideia sobre objetos. É imprescindível, ainda, anotar que o valor não existe por si só, independente do sujeito que valora. Objetos metafísicos Sobre os objetos metafísicos, há poucas referências entre os filósofos do Direito; é que eles estão fora de qualquer relação com a conduta humana normatizada. Bastariam, portanto, as observações de Cóssio: “...encontramos uma quarta família possível de objetos, que os filósofos chamam objetos metafísicos e que se caracterizam desta maneira: tem existência, não estão na experiência (porque não é possível chegar a eles por meio de nossos sentidos) e, ademais, são valiosos. O caso típico para apresentar como exemplo seria o de Deus, que sempre é pensado como a realidade realíssima, quer dizer, tem existência; não está na experiência, porque ninguém o pode ver, tocar ou ouvir, além disto, está concebido sempre como a suma de valores: a suma bondade, a suma beleza, a suma sabedoria.” Então podemos completar o quadro: Objetos 1º caráter 2º caráter 3º caráter 1) Ideais Irreais Fora da Experiência Neutros ao valor 2) Naturais Reais Dentro da Experiência Neutros ao valor 3) Culturais Reais Dentro da Experiência Valiosos 4) Metafísicos Reais Fora da Experiência Valiosos Com a exposição dos atributos desse objeto metafísico, constata-se a imediata diferença entre ele e os demais objetos do mundo, principalmente os culturais, como o Direito. Por estas razões, podemos concluir que entre as regiões do ser, o Direito se encontra entre os objetos culturais, nenhuma semelhança tendo com os outros tipos de objeto. E que o ambiente propício para a germinação, a vida e a morte do Direito é o ambiente social. Páginas 23 até a 42
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