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ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DA CONSTITUIÇÃO DA PRIMEIRA TÓPICA DO APARELHO PSÍQUICO EM FREUD

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ASPECTOS EPISTEMOLÓGICOS DA CONSTITUIÇÃO DA PRIMEIRA 
TÓPICA DO APARELHO PSÍQUICO EM FREUD 
Eloy San Carlo Maximo Sampaio- IP-USP 
Psicólogo, mestrando em Psicologia Clínica IP- USP, Bolsista FAPESP 2011/2013 
Eva Maria Migliavacca-IP-USP 
Professora Titular do IP -USP – 
 Psicanalista da Sociedade Brasileira de Psicanálise de São Paulo. 
 
Resumo: A teoria freudiana não é um corpo homogêneo. Com isso se designa que existem 
avanços e recuos por toda a obra. Tal característica é tributária ao modo de investigação e 
elaboração próprio da psicanálise. As amplas mudanças ao longo de toda história da psicanálise 
permite a indagação sobre a manutenção ou não da unidade epistemológica ao longo do projeto 
freudiano. Assim o presente trabalho objetiva discutir os embates epistemológicos existentes 
nos primeiros textos freudianos. São analisados dois momentos, o primeiro composto por uma 
série de textos denominados pré-psicanalíticos e o segundo composto pelos estudos que 
estruturaram a primeira tópica do aparelho psíquico. Como conclusão é apontada a dificuldade 
de se afirmar a existência de uma ruptura epistemológica, ainda que as mudanças no corpo 
teórico-conceitual tenham sido de grande relevo. 
Palavras-chave: Psicanálise freudiana, textos pré-psicanalíticos, primeira tópica, epistemologia 
 A psicanálise freudiana tem por característica apresentar um modo de 
desenvolvimento não linear. Ao longo de quase cinquenta anos de produção nota-se que 
uma série de problemáticas emergem, são desenvolvidas, abandonadas, para, por vezes, 
retornarem anos depois. Essa característica não está fundada na capacidade inventiva de 
Freud, mas sim é decorrente do método de investigação psicanalítico. A abordagem dos 
fenômenos se dá por meio desse caminho tortuoso, no qual a complexidade das análises 
feitas vai progressivamente impactando de maneira cada vez mais incisiva o corpo 
teórico e a prática clínica. 
 Dessa maneira é possível falarmos que a obra freudiana é constituída por 
avanços e recuso. Estaríamos diante de uma heterogeneidade inerente à psicanálise. 
Esse quadro possui duas facetas: a dimensão conceitual e a epistemológica. 
 No que diz respeito a primeira alternativa é ponto consensual a existência de 
uma não linearidade. Vários conceitos são criados e modificados no decorrer da 
proposta freudiana. Libido, narcisismo, pulsão, inconsciente, identificação são apenas 
alguns exemplos de uma lista que corrobora esse argumento e que poderia ser 
longamente estendida. 
 Todavia ao considerarmos o quadro epistemológico a afirmação da existência de 
uma ruptura ou de uma continuidade da obra freudiana se mostra bem mais 
problemática. Existe uma série de autores que tecem argumentos pertinentes para ambas 
posições, o que nos indica que esse é um campo fértil para reflexão. 
 Assim o presente trabalho objetiva discutir a condição epistemológica do 
pensamento freudiano no processo de constituição da primeira tópica. O recorte adotado 
aborda a passagem dos textos ditos pré-psicanalíticos para a Interpretação dos sonhos. 
Os textos a serem trabalhados são: Sobre as afasias (1981), Projeto para uma 
psicologia científica (1895) e as cartas trocadas com Flies, em especial a carta 59 datada 
de 1896. 
 Encontramos uma série de autores que nos auxiliam a obter uma resposta sobre 
esse problema. As respostas oferecidas nem sempre são coincidentes e por vezes se 
colocam em franca oposição. De maneira ressaltada serão trabalhadas os textos de 
Ricoeur (1977), Monzani (1989) e Garcia-Roza (1984,2001) 
 Tais escritos transitam entre duas compreensões: as que são continuístas, ou seja, 
que propõem que não é possível falarmos em ruptura do discurso freudiano e as que são 
descontinuistas, que entendem que a Interpretação dos sonhos é um saber 
absolutamente inaugural e que está apartada dos escritos anteriores à 1900. 
 Garcia-Roza (1984) no seu livro Freud e o inconsciente propõe que essa 
passagem para Traumdeutung foi de fato uma ruptura. Os textos anteriores à essa obra 
ainda seriam pré-psicanalíticos e estariam assentados em uma matriz biológica, 
fisicalista e quase que exclusivamente mecanicista. Analisando a passagem entre o 
Projeto... e a Interpretação dos sonhos o autor propõe que 
Certas ideias do Projeto, e dentre elas algumas referentes à natureza do 
processo onírico, serão retomadas no famoso capítulo VII de A interpretação 
dos sonhos. Isso fala a favor da tese continuísta (...). No entanto, apesar da 
semelhança temática, veremos como a problemática freudiana sofre um giro 
que propriamente instaura o discurso psicanalítico. (...). É o próprio capítulo 
VII da Traumdeutung, herdeiro do Projeto, que vai romper essa resistência e 
o giro teórico já se anuncia no próprio título do livro: A interpretação de 
sonhos. O sonho tem um sentido, e esse sentido é correlativo do trabalho de 
interpretação. A explicação neurológica cede lugar a uma decifração do 
sentido (GARCIA-ROZA, 1984, p. 60). 
 
Ou seja, a ruptura em questão seria a passagem de um método eminentemente 
explicativo para outro calcado na busca de sentido, na interpretação, ou em outras 
palavras, na hermenêutica. 
 Ricoeur (1977) compreende a obra freudiana como estando edificada sob uma 
dupla epistemologia : a energética e a hermenêutica. Para Ricoeur não existiria uma 
ruptura epistemológica do pensamento freudiano devido ao fato de que tanto o 
energetismo, quanto a busca de sentido, sempre se fizeram presentes, o que significa 
dizer que 
os escritos de Freud se apresentam, de imediato, como um discurso misto, até 
mesmo ambíguo, que ora enuncia conflitos de força justificando uma 
energética, ora relações de sentido justificando uma hermenêutica (p.67) 
Todavia apesar de defender a inexistência de uma fratura epistemológica 
também não é proposto uma continuidade absoluta do pensamento freudiano. Os 
primeiros escritos desse autor seriam mais próximos de uma concepção energética, ao 
passo que as obras mais maduras presariam prioritariamente pela busca de sentido, pela 
hermenêutica. 
Monzani (1989) possui uma interpretação particular sobre o estatuto 
epistemológico da teoria freudiana nesses primeiros anos que articula tanto a posição 
continuísta, quanto a descontinuista. Para esse autor ambas visões contam com 
argumentos pertinentes, todavia ao se radicalizar suas propostas alguns problemas 
insolúveis emergem. 
No que tange à primeira possibilidade seria muito difícil explicar a total 
linearidade de um pensamento ao nos depararmos com construções inaugurais presentes 
na Interpretação dos sonhos, como por exemplo: 
1) circunscrição e um fechamento mais claros do campo do inconsciente (...). 
2) uma divisão do sistema psíquico em subsistema mais diferenciados, cada 
um deles tendo leis e regras próprias de funcionamento (...). 3) uma 
articulação muito mais clara da teoria psicanalítica do desejo e de sua 
diferença com relação a necessidade (...). 4) a grande obra de A interpretação 
dos sonhos nesse mesmo nível teórico foi, pensando o inconsciente como um 
subsistema do sistema psíquico, codificar metodicamente o seu modo 
particular e característico de funcionamento, desvelando, assim, de maneira 
extremamente clara pela primeira vez as propriedades desse objeto por 
excelência do discurso psicanalítico (MONZANI, 1989, p.139). 
 
 Contra a tese descontinuísta alega-se que os binômios energética/ hermenêutica 
ou ainda explicação/ interpretação não se apresentam nunca em sua forma pura. Embora 
inicialmente seja mais visível um apelo energético e explicativo, tal como pode se 
perceber no Projeto..., seria completamente errôneo não reconhecer que a interpretação 
e a hermenêuticapossuem uma grande contribuição, uma vez que seriam elas que 
forneceriam o fenômenos que posteriormente seriam tratados de um modo mais 
positivo. 
 Para Monzani (1989) a aposta exclusiva na continuidade ou no seu oposto na 
descontinuidade epistemológica não é a melhor estratégia para entender a obra de 
Freud, afinal 
Tudo parece indicar que a possibilidade ou de um Freud que sempre disse a 
mesma coisa ou de um outro que em alguns momentos abandonou tudo para 
repensar a teoria a partir de outras e novas perspectivas é uma falsa 
alternativa (MONZANI, 1989, p.302) 
Assim uma alternativa mais fértil seria aquela que conseguisse articular a continuidade e 
a descontinuidade, entendendo as contribuições e limites de cada uma dessas opções. 
 Monzani oferece então duas metáforas para descrever a obra freudiana: o 
pêndulo e a espiral. A condição pendular diria respeito a uma característica dos escritos 
de Freud de abordar um determinado fenômeno, desenvolvê-lo, para depois se ocupar 
do seu contrário. Esses dois pólos aparentemente estanques seriam integrados no final e 
constituiriam uma unidade. 
 De maneira concomitante também se observa que alguns objetos são tratados em 
determinados pontos da obra freudiana e retomados anos depois, mas nunca na mesma 
posição. O nível de complexidade das análises e o impacto que as construções 
estabelecidas tem para a clínica e a teoria são largamente diferentes. Como exemplo 
podemos citar o caso do conceito de ego, que aparece no projeto, ganha uma 
compreensão diferenciada nos escritos metapsicológicos, para em 1923, no texto O ego 
e o id ser retomado em um outro patamar. 
 Fica claro então a existência de uma multiplicidade de compressões sobre a 
condição epistemológica da psicanálise freudiana, em especial no que diz respeito aos 
seus primeiros anos. Dessa maneira cabe agora analisarmos alguns aspectos dos textos 
freudianos, para entender o que neles consiste em uma ruptura ou em uma continuidade. 
 O processo de constituição da primeira tópica. 
Em 1900 Freud publica um livro que ocuparia um dos lugares de destaque no 
conjunto de sua obra. A Interpretação dos sonhos contribuiu de maneira decisiva para a 
psicanálise. É nesse escrito que é exposto o método interpretativo, fundamental para o 
desvelamento do inconsciente. Por meio de uma análise de vários elementos oníricos, 
Freud demonstra que aquilo que normalmente era considerado desprovido de 
importância e sem sentido poderia na realidade guardar uma profunda verdade sobre o 
sujeito. 
 Na interpretação dos sonhos podemos observar passo a passo o processo de 
investigação sobre o inconsciente e como Freud diante de uma massa de dados tenta 
propor uma sistematização e universalização das suas descobertas. É esse o objetivo do 
capítulo VII da Traumdeutung, no qual é explicitado a primeira tópica do aparelho 
psíquico. 
 Além da celebre divisão entre Inconsciente, Pré-consciente e consciente cabe 
observar alguns elementos constitutivos dessa primeira tópica, uma vez que ela 
fundamentalmente diz respeito a 
a) um recurso metafórico para explicar os fenômenos mentais. Freud deixa isso 
claro ao acentuar que existem processos mentais que se sucedem uns aos outros e que 
não se deve procurar um correlato biológico das instâncias propostas. 
b) Ao diferenciar as instâncias Inconsciente, Pré-consciente e Consciente Freud 
recorre a disponibilidade mnêmica. O inconsciente seria composto pelos resquícios 
mnêmicos impedidos de acenderem diretamente à consciência, o pré-consciente seria 
composto pelos conteúdos mnêmicos que podem se tornar conscientes mediante um 
aumento de catexia e a consciência propriamente dita seria a instância que se ocupa com 
a imediaticidade de estímulos, internos ou externos, não comportando memória alguma. 
c) A primeira tópica surge no interior da obra A interpretação dos sonhos, na 
qual é discutida o mecanismo de formação e funcionamento do universo onírico. É 
proposto que o sonho é composto de imagens, mas que estas aparecem, se condensam, 
se deslocam, de maneira a constituir um texto, ou seja, que o sonho é um veículo de 
linguagem. A constituição dessa linguagem, bem como suas vicissitudes, são 
determinadas pelas características do aparelho psíquico, o que nos permite afirmar que 
outra dimensão da primeira tópica é ela apresentar o psiquismo como um Aparelho de 
Linguagem. 
 Essa série de características nos remetem a alguns textos anteriores à 1900. A 
consideração destes textos é fundamental por permitir uma visão mais rigorosa sobre a 
continuidade ou ruptura empistemológica no interior do pensamento freudiano. 
 A primeira obra a ser considerada trata-se do escrito Sobre as afasias de 1981. 
Nele Freud tece críticas a teoria localizacionista, que propunham que todos os dados de 
linguagem possuíam uma correspondência ponto por ponto com o aparelho nervoso 
central. 
Para o autor os diversos estímulos sensoriais que seriam responsáveis pela 
linguagem não estariam em um lugar específico do cérebro, mas sim dispersos de 
maneira que para a emergência da linguagem haveria a necessidade de uma associação. 
 
Rejeitamos portanto as hipóteses segundo as quais o aparelho de linguagem é 
constituído de centros distintos, separados por regiões corticais isentas de 
funções, e além disso as hipóteses segundo as quais as representações 
(imagens mnêmicas) que servem para a linguagem estejam acumuladas em 
determinadas áreas corticais (...). Só nos resta pois formular a concepção 
segundo a qual a região cortical da linguagem é uma área contínua do córtex, 
no interior da qual se efetuam, com uma complexidade que desafia a 
compreensão, as associações e as transferências sobre as quais repousam as 
funções da linguagem ( FREUD, apud, GARCIA-ROZA, 2001, p.36-37) 
 Ao abandonar a noção de impressão neurológica Freud se aproxima de uma 
visão mais dinâmica da relação entre aparelho nervoso e linguagem. Cabe observar que 
nesse momento ainda não ocorre uma superação completo das referências neurológicas, 
todavia ao abandonar o localizacionismo Freud começa a desenvolver uma ideia muito 
importante para a posterior constituição da primeira tópica: a noção de aparelho mental. 
 A linguagem surgiria a partir de associações complexas de dados, regulada por 
um princípio que em parte superaria a mera condição biológica. É no texto sobre as 
afasias que Freud propõe a noção de Aparelho de linguagem. Um aspecto importante do 
Aparelho de linguagem é que ele funciona “como modelo para se pensar o inconsciente, 
o que o transforma no primeiro aparelho da alma, antecipando-se àqueles que Freud nos 
apresenta no Projeto de 1895 e em A interpretação de sonhos” (GARCIA-ROZA, 2001, 
p.28). 
 Um segundo texto que também é fundamental é o Projeto para uma psicologia 
científica, escrito em 1895. Nele Freud tenta esboçar uma explicação para o 
funcionamento mental a partir de uma base neurológica. Segundo o autor 
A intenção é prover uma psicologia que seja ciência natural: isto é, 
representar os processos psíquicos como estados quantitativamente 
determinados de partículas materiais especificáveis, tornando assim esses 
processos claros e livres de contradição (FREUD, 1985/1996, p.347). 
 
Há de se considerar que o Projeto... impactou várias obras posteriores de Freud, como o 
capítulo VII da Interpretação dos sonhos, Além do princípio de prazer (1920) e também 
algumas passagens do Ego e o id (1923). Todavia também deve-se atentar que a 
afirmação da existência de um continuum entre essas obras é problemática. 
 O Projeto se baseia na diferenciação de três tipos de neurônios (e de 
maneira que eles formam um sistema e a circulação de um tipo deenergia específica 
denominada de Q’. A diferenciação básica entres esses elementos repousa inicialmente 
no fato de que existe uma condição mutuamente excludente entre os neurônios 
responsáveis pela recepção de estímulos () e aqueles responsáveis pela retenção dos 
efeitos dessa estimulação, ou seja, pela memória ( ). Segundo Freud 
Existem neurônios permeáveis (que não oferecem resistência e nada retêm), 
destinados à percepção, e impermeáveis (dotados de resistência e retentivos 
de Q’), que são portadores da memória e, com isso, provavelmente também 
dos processos psíquicos em geral. Daqui por diante chamarei ao primeiro 
sistema de neurônios de e, ao segundo, de . (Freud, 1895/1996, p.352) 
Cabe observar a semelhança entre esse aparelho neuronal e as formulações sobre o 
aparelho psíquico desenvolvidas a partir de 1900, principalmente no que diz respeito ao 
caráter de exclusividade entre a percepção e a retenção do traço mnêmico. 
 Além dos neurônios e. também existiria uma terceira classe, denominada de 
 . Esse último grupo neuronal seria responsável pela dimensão qualitativa da mente, 
sendo responsáveis pela dimensão simbólica e pelas possibilidades de significação. 
Estaria ligado a essa classe as primeiras formulações sobre o ego, que é compreendido 
nesse momento da elaboração freudiana como o agente regulador dos níveis de Q’ que 
circulam no sistema. 
 Um terceiro texto a ser considerado é a carta 52 da correspondência entre Freud 
e Flies. Garcia-Roza propõe que essa obra está “situada a meio caminho entre o Projeto 
e o capítulo 7 de A interpretação dos sonhos, ela opera a passagem do modelo 
isomórfico para um modelo abstrato do aparelho psíquico” (2001, p.203). É possível 
constatar que nessa carta existe uma diferenciação entre a dimensão biológica do 
aparelho mental e a formulação analógico-metafórica sobre o mesmo, Freud inclusive 
faz referência a dois registros interligados, mas diferentes, denominando um de 
fundamento orgânico e o outro de superestrutura (FREUD, 1896/1996, p.286). 
 No que tange ao aspecto superestrutural Freud propõe um modelo que conta com 
cinco elementos. Nesse modelo se tem que W remete às percepções, Wz à indicação de 
percepção, Ub inconsciência, Vb pré consciência e Bews à consciência. Mais uma vez 
nota-se a condição mutuamente excludente entre memória e percepção. 
 Os conteúdos mentais seriam formados a partir da de W, ou seja, eles proveriam 
das percepções. A medida que houvesse um aumento catexial tais elementos 
transitariam para os outros níveis. Isso significa que qualquer elemento coletado pela 
percepção poderia em algum momento ascender a consciência, todavia além da falta de 
catexia um outro fato dinâmico também poderia interferir nesse processo, a saber, o 
recalcamento. 
 Tal condição é entendida nesse momento como uma defesa contra conteúdos 
mentais especialmente penosos, capazes de provocar desprazer. Normalmente, esses 
conteúdos seriam de natureza sexual, principalmente aqueles que seriam vivenciados na 
infância. 
Conclusão 
Desse modo agora estamos em condições de assinalar algumas características 
desses modelos precursores da primeira tópica do aparelho psíquico. No que diz 
respeito aos pontos de ruptura pode ser assinalado que O Aparelho de Linguagem, o 
Aparelho ,e ou ainda o modelo presente na carta 52 sempre tendem para uma 
representação real. Situação bem diferente da notada a partir de 1900, momento no qual 
Freud explicitamente tece uma concepção metafórica do aparelho psíquico. 
 Porém também se percebe elementos comuns a esses dois momentos da obra 
freudiana. O primeiro é a insistência da linguagem como fator constitutivo do aparelho 
psíquico. É essa condição que podemos constatar desde a obra sobre as Afasias e que se 
fará presente ao longo de toda A interpretação dos sonhos. Também é possível citar o 
caráter constitutivo da memória para as várias instâncias psíquicas. Se no Projeto ela irá 
atuar para a separação entre duas classes de neurônios, posteriormente ela será 
convocada para ser um dos elementos diferenciadores das instancias Inconsciente, Pré-
consciente e Consciente. A memória em todos os modelos é sempre colocada em uma 
posição de exclusividade em relação à percepção. A partir da carta 52 da 
correspondência entre Freud e Flies é desenvolvida uma concepção de aparelho 
psíquico como um fenômeno de distribuição energética temporal, no qual os signos de 
percepção incidem sobre o sujeito obedecendo uma seqüência. É nessa carta também 
que aparece pela primeira vez o termo Pré-consciente, já denotando a aproximação com 
as elaborações pós 1900. 
 No campo epistemológico é difícil afirmar uma ruptura completa, uma vez que 
várias ideias centrais dos escritos anteriores de 1900 ainda permanecem nas posteriores 
obras freudianas. Porém isso não significa dizer que uma continuidade pura e simples 
seja mais defensável, afinal é claro o acento biológico-neuronal sobre o aparelho mental 
nos primeiros escritos, ao passo que após a Interpretação dos sonhos essa característica 
e substituída por uma noção analógico-metafórica. Assim, tendemos a partilhar da 
posição de Ricoeur (1977) que propõe que a novidade da teoria freudiana está assentada 
na recusa de escolha exclusiva de duas matrizes epistemológicas aparentemente 
distintas, no caso a energética e a hermenêutica. A teoria freudiana faz com que um 
sentido brote das relações de energia, ao passo que a busca de significação parece ser 
um dos momentos das explicações econômicas. Esse quadro também nos aproxima das 
explicações propostas por Monzani (1989), que concebe o pensamento freudiano a 
partir da metáfora da espiral e do pendulo. Rupturas que apesar de amplas não são totais 
e continuidades de alguns pontos fundamentais parecem nos autorizar a falar que existe 
uma unidade epistemológica nos primeiros anos da obra de Freud. 
Referências bibliográficas 
FREUD, S. (1891) Sobre as afasias. Em: Edição Standard Brasileira das Obras 
Completas de Sigmund Freud. Vol. VII. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996. 
___________(1895) Projeto para uma psicologia científica. Em: Edição Standard 
Brasileira das Obras Completas de Sigmund Freud. Vol. XI. Rio de Janeiro: Imago 
Editora, 1996. 
___________(1897) Carta 52. Em: Edição Standard Brasileira das Obras Completas de 
Sigmund Freud. Vol. XI. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1996. 
GARCIA-ROZA, L.A. Introdução à metapsicologia freudiana 1. Rio de Janeiro: Zahar, 
2001. 
___________(1983) Freud e o inconsciente. Rio de Janeiro: Zahar 
MONZANI, L. R. Freud o movimento de um pensamento. Campinas: Unicamp, 1989. 
RICOEUR, P. Da interpretação: ensaio sobre Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1977.

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