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FILOSOFIA PARA O ENEM UNIDADE I – As escolas filosóficas gregas Parte I - Do mito ao logos. A busca pela essência: As escolas pré- socráticas Depois de um período marcado pelo iletramento e pela economia agrária, entre os séculos XII e VIII a.C., a Grécia volta a se relacionar com outros povos mediterrâneos. O florescimento do comércio, a retomada da economia monetária, o crescimento das cidades-Estado, e o contato cada vez maior com fenícios, lídios, cretenses e egípcios foram de suma importância para o surgimento da Filosofia. A cidade grega de Mileto ficava no litoral jônico e era uma ativa encruzilhada de negócios e comércio. É ali, na passagem do século VII a.C. para o VI a.C. que aparecerão os primeiros filósofos gregos. Tales de Mileto (623 a.C. - 558 a.C.) "Nem sempre muitas palavras indicam muita sabedoria" “Todas as coisas são feitas de água”. Essa é, possivelmente, a primeira afirmação filosófica da história. Sábio conhecedor da astronomia, da geometria e da economia, sua importância maior para a filosofia é, além de ter sido o primeiro filósofo grego, a de ter estabelecido a principal preocupação da filosofia naquele período: a indagação a respeito da essência das coisas. Anaximandro (610 a.C. - 547 a.C.) “Todos os seres derivam de outros seres mais antigos por transformações sucessivas” Inventor e homem prático, acredita-se que Anaximandro tenha sido o primeiro cartógrafo da história. Também nascido na cidade de Mileto, Anaximandro discordava da teoria cosmológica de Tales: para ele, a substância primária de que são feitas as coisas não poderia ser uma das suas próprias formas especiais. Deveria ser algo mais fundamental. Como todas as formas da matéria estão em eterna luta (quente contra frio, úmido contra seco, escuro contra claro), se tudo fosse feito de uma dessas formas, ela se sobreporia às outras. Sendo assim, estivesse Tales correto, o caráter úmido da água teria já eliminado o conceito de “seco”. Anaximandro imagina assim uma espécie de fluído universal, que ele chama de Ilimitado (apeiron): uma reserva infinita de material que se estende em todas as direções. Dele surge o mundo e a ele retornará no final. Anaxímenes (588 a.C. - 524 a.C.) “O ar é divino. É do ar que tudo deriva: deuses, seres, coisas” Para este filósofo milésio (isto é, de Mileto), as coisas do mundo se originaram de processos de condensação e rarefação do ar. Para ele, o ar é a substância de que é feita a alma (ponto de vista mais tarde adotado pelos pitagóricos) e toda a matéria. Marcelo Mangini Página 1 FILOSOFIA PARA O ENEM Enquanto a Jônia, marcada pelo intenso comércio, desenvolvia uma filosofia mais prática, cujo propósito central era estudar a natureza física das coisas. Em contrapartida, nas ilhas do Egeu era grande a influência órfica (orfismo, a religião que mais crescia na região, pregava uma vida mais feliz depois da morte, defendia a reencarnação e criava o conceito de pecado, pregando a necessidade de uma vida de renúncia aos prazeres físicos). É de uma dessas ilhas, a ilha de Samos, que virá um dos maiores filósofos do período: Pitágoras. Pitágoras (571 a.C. - 497 a.C.) “A Evolução é a Lei da Vida, o Número é a Lei do Universo” “Educai as crianças e não será preciso punir os homens” O mais conhecido filósofo pré-socrático foi o primeiro pensador a estabelecer a relação entre a matemática e a música. Uma das metas da escola pitagórica era encontrar a equação matemática que estabelecia a harmonia musical que regia o universo. Assim, é em Pitágoras que a matemática se desvincula das questões práticas. A abordagem abstrata da matemática está relacionada diretamente ao caráter mais religioso da sociedade insular (Ilhas do Egeu) e da concepção pitagórica de que o mundo se constitui de números. Para Pitágoras, uma vez descoberta a estrutura numérica que constitui todas as coisas, controlaremos o mundo e compreenderemos a harmonia universal. Heráclito (535 a.C. - 475 a.C.) "Da luta dos contrários é que nasce a harmonia” Combinando as ideias de Anaximandro (“as formas da matéria estão em eterna luta”) com as de Pitágoras (especialmente, a noção de harmonia), o filósofo Heráclito, da cidade de Éfeso, é o seguinte na linha da tradição filosófica. Para este filósofo jônio, conhecido por ser “enigmático”, pouco compreensível, o mundo real é resultado de um equilíbrio, uma afinação, de tendências antagônicas. Essa afinação não é evidente – o que sobressalta aos olhos dos homens é a luta entre os opostos, e não a harmonia que mantém a estrutura do mundo e permite a luta. Seguindo a tradição de Mileto, Heráclito busca compreender a essência do mundo: para ele, o fogo é a forma fundamental de que todas as coisas são feitas. A mais famosa frase de Heráclito, “não se pode entrar no mesmo rio duas vezes”, sintetiza o pensamento do filósofo efésio: a ideia de que todas as coisas estão em constante transformação, em constante movimento. A colonização grega no sul da Itália, na região conhecida como Magna Grécia, esteve diretamente relacionada à consolidação da filosofia. Pitágoras, que nasceu em Samos, no Egeu, viveu na Itália boa parte de sua vida, numa colônia chamada Crotona. Outro filósofo grego que viveu (e nasceu) no sul da Itália foi Parmênides. Natural da colônia de Eleia, fundou uma escola filosófica que ficou conhecida como eleática. Ele foi o primeiro filósofo a se contrapor às teorias que procuravam estabelecer o princípio de todas as coisas, a essência. Marcelo Mangini Página 2 FILOSOFIA PARA O ENEM Parmênides (530 a.C. - 460 a.C.) “o pensar e o ser são a mesma coisa” A crítica desse filósofo aos seus predecessores partia da afirmação de que quando se afirma que tudo é feito de alguma matéria básica, fala-se, ao mesmo tempo, do espaço vazio – como sinônimo da ausência da matéria. Parmênides diz que a matéria é o que “é”. O espaço vazio, portanto, “não é”. Falar sobre o espaço vazio, até mesmo imaginar o espaço vazio, é tratar o que “não é” como se fosse. Para ele, o mundo está cheio de matéria: o espaço vazio não existe. Em última instância, o mundo de Parmênides é uma esfera material, uniforme, sólida e finita, sem tempo, movimento nem mudança. Se a nossa percepção do mundo prova o contrário, devemos descartar a experiência sensorial como ilusória. Zenão (490 a.C. - 430 a.C.) "No correto está o incorreto e no falso também o verdadeiro" Discípulo e conterrâneo de Parmênides, Zenão ficou mais conhecido pelo ataque às doutrinas materialistas que procuravam se contrapor às ideias da filosofia eleática. Sua argumentação, apoiada no método dialético, normalmente partia de uma determinada suposição para chegar a duas diferentes conclusões contraditórias entre si. Desta forma, ele demonstrava que o conjunto de conclusões, mais que falso, era impossível. Exemplo disso são os paradoxos do movimento, criados para atacar a teoria dos pontos infinitos dos pitagóricos. O Paradoxo de Aquiles e a tartaruga Se Aquiles e uma tartaruga apostarem corrida, dandose qualquer vantagem à tartaruga, o herói grego jamais a alcançará. Suponhamos que a tartaruga percorra 10 metros de vantagem. A partir daí, Aquiles começa a correr. Quando ele tiver alcançado o ponto em que estava a tartaruga, ela já terá percorrido mais alguma distância. Enquanto Aquiles percorre essa nova distância, a tartaruga já se moveue está à frente de Aquiles. E assim sucessivamente, o espaço que distancia os dois será cada vez menor, Aquiles chegará mais e mais perto da maldita criatura mas nunca a alcançará. Empédocles (495 a.C. - 435 a.C.) “Nada pode surgir do que não é, bem como o que é não pode converter-se em nada" Seguidor da teoria eleática, esse filósofo de Agrigento procurou unir a ideia de Parmênides sobre o caráter eterno e imutável das substâncias ao preceito pré-socrático da necessidade de se buscar a essência do universo. Para ele, o mundo é feito não de um elemento básicos, mas de quatro elementos: terra, fogo, ar e água. Além dessas substâncias fundamentais, duas outras exercem o papel de princípio ativo que une e divide os quatro elementos: respectivamente, o amor e o ódio. Marcelo Mangini Página 3 FILOSOFIA PARA O ENEM Para prosseguirmos, é necessário uma pausa na filosofia para olharmos as profundas transformações pelas quais passam o mundo grego no século V a.C. 1. Com as Guerras Médicas (contra os persas), surgiu uma compreensão maior sobre a unidade linguística e cultural que era compartilhada por todas as cidades-estado, na Península e fora dela. Porém, se os vínculos culturais eram fortes, inúmeros costumes locais, nos campos econômico, social e político, faziam poleis (plural de Polis) como Esparta, Atenas, Corinto e Tebas serem substancialmente diferentes entre si; 2. Esparta se tornara uma cidade militarizada, fundada na disciplina e na valorização do vigor físico. Homens e mulheres compartilhavam uma posição social de igualdade. 3. Corinto, por sua posição geográfica privilegiada, desde cedo se voltou para o comércio. Era a metrópole de uma das mais importantes colônias gregas, Siracusa, na Sicília. A economia comercial corintiana a colocava em rota de colisão com os concorrentes de Atenas. 4. Tebas era uma polis politicamente isolada. Traíram os gregos ao lutarem ao lado dos persas. À medida em que o poder de Atenas crescia, Tebas era cada vez mais punida pela posição adotada décadas antes. Por isso, durante o florescimento da Idade de Ouro grega, Tebas ocupou uma posição de pouca relevância. 5. Atenas inaugurava então um novo modelo político: a democracia. A participação nas questões da cidade, na condução dos assuntos públicos, era de interesse de todos. Quando alguém não se interessava por política, era chamado de “idiota”. A palavra, em grego antigo, significa “aquele que só se interessa por assuntos particulares”. 6. A economia ateniense era fortemente voltada para o comércio. Isso a torna aberta ao contato com diversas culturas – especialmente na Ásia. 7. A democracia ateniense apresentava uma série de contradições. Entre elas, destaca-se o papel submisso da mulher, que não tinha direitos de cidadania, as restrições legais a imigrantes, cujos filhos, mesmo nascidos em Atenas, não tinham direito ao título de cidadãos, e ao relativamente intenso uso do trabalho escravo. Na política externa, Atenas se impunha às outras cidades gregas como um império autoritário e violento. Esse imperialismo ateniense acabou por levar a um conflito militar – as Guerras do Peloponeso – em que Esparta saiu vitoriosa e a democracia de Atenas foi extinta. 8. A cultura grega em geral, e a ateniense em específico, se consolidou no século V. O elemento central dessa cultura é o homem. Em todas as estruturas políticas da época, especialmente na Ásia, as leis eram vistas como ordenamentos divinos. Somente na Grécia eram entendidas como regras criadas pelos homens, para os homens. Sófocles, em sua famosa peça Antígona, afirmava “Existem muitas criaturas poderosas, mas nenhum mais poderosa do que o homem”. Marcelo Mangini Página 4 FILOSOFIA PARA O ENEM A busca pela verdade: Platão versus a Escola Sofista A democracia em Atenas abria as portas à participação política. Qualquer um poderia ser ouvido – desde que soubesse fazer o bom uso da palavra. A aristocracia perdera o monopólio sobre as instituições políticas, mas continuava sendo a classe bem educada, com domínio da retórica. Não demorou a surgir na cidade um grupo de professores que ofereciam a possibilidade, a qualquer um, de ocupar uma posição de destaque nos debates na polis (portanto, políticos). Em troca de uma remuneração, esses “mestres da argumentação”, chamados sofistas, afirmavam que não importava, na prática, quem estava certo; o importante era vencer o debate. A filosofia socrática apareceu como uma reação a esses homens. Para Sócrates e seu principal seguidor, Platão, a Verdade era o fim último da filosofia – e era papel do filósofo desmontar os discursos com aparência de verdade, desmascarar a retórica, para encontrar a “verdadeira” Verdade. Protágoras (480 a.C. - 410 a.C.) “O homem é a medida de todas as coisas, do ser daquilo que é, do não-ser daquilo que não é” Mais famoso filósofo da Escola Sofista e principal alvo das críticas de Sócrates e Platão. Protágoras e outros professores sofistas preocupavam-se, principalmente, com a educação literária de seus alunos. Mas davam também enorme importância à arte da retórica (a habilidade de proferir discursos), à prática da política (ensinava-se o funcionamento das instituições democráticas) e à erística (a arte da disputa, da manipulação de argumentos, com fins de vencer debates). Sócrates (469 a.C. - 399 a.C.) “É preferível sofrer uma injustiça a cometê-la” “Ninguém faz o mal voluntariamente, mas por ignorância, pois a sabedoria e a virtude são inseparáveis” Nenhum escrito foi deixado pelo mais importante (e mais conhecido) nome da história da Filosofia. As teorias que questionam a existência de Sócrates, no entanto, merecem pouca credibilidade: ele não é só um “personagem” criado por Platão. Xenofonte, general grego, historiador, filósofo e aluno de Sócrates, cita o mestre com frequência. Além disso, Aristófanes, dramaturgo que se dedicava a comédias, escreveu uma famosa peça com o objetivo de ridicularizar Sócrates (relatos da época, curiosamente, afirmam que Sócrates foi a uma apresentação da peça e deu gargalhadas do começo ao fim). Sua forma de agir antecipa a escola estoica e a cínica, pelo seu pouco cuidado com as questões materiais. O maior interesse filosófico de Sócrates era o Bem. Assim, nos diálogos platônicos onde a figura do mestre mais se destaca, ele está sempre à procura de definir questões éticas, como a moderação, a amizade, a coragem. Extremamente otimista, ele acredita que o que faz um homem agir de forma antiética é a ignorância. Se possuirmos o conhecimento, agiremos sempre eticamente. Platão (427 a.C. - 347 a.C.) “Facilmente perdoamos a criança que teme o escuro; a real tragédia da vida são homens temem a luz” “A justiça nada mais é que a conveniência do mais forte" O mais célebre discípulo de Sócrates nasceu quando Atenas iniciava seu rápido declínio. A democracia deixou de existir com a derrota para Esparta na Guerra do Peloponeso, em 404 a.C. - Platão tinha então 24 anos. O retorno do sistema aristocrático e a condenação à morte de Sócrates, quatro anos depois, foram fatores que convenceram o jovem a abandonar uma iniciada trajetória política e se dedicar exclusivamente à filosofia. A maior parte de suas ideias foi desenvolvida em uma escola criada por ele em um terreno que se localizava no “Bosque de Academos”. Daí veioa palavra Academia para se referir ao “ensino superior”. A escola de Platão é, possivelmente, a instituição de ensino que funcionou por mais tempo: cerca de 900 anos, até ser fechada pelo imperador bizantino Justiniano, em 529 d.C. Marcelo Mangini Página 5 FILOSOFIA PARA O ENEM Sua mais famosa teoria é chamada de teoria das ideias (alguns autores acreditam, no entanto, que a formulação dessa concepção é, na verdade, de Sócrates). A Teoria das Ideias pode ser resumida assim: • em primeiro lugar, do ponto de vista lógico, há uma distinção entre objetos particulares de algum tipo e as palavras gerais com que os designamos; • em segundo lugar, do ponto de vista metafísico, enquanto no mundo material existem os objetos particulares, em um plano ideal existe efetivamente o objeto ideal correspondente aos particulares. Chamemos esses dois mundos de “Mundo das Coisas” e “Mundo das Ideias”; • desta forma, usamos a palavra geral “amor” para nos referirmos a práticas específicas de relação que entendemos como “amor”. Entretanto, em algum lugar existe um “Amor Ideal”, isso é, no plano das ideias, não material; • ao contrário das evidências sensíveis, as manifestações particulares são ilusórias, aparentes; o que é real, o que existe de forma absoluta é a ideia – que é sempre perfeita. Marcelo Mangini Página 6 O Mito da Caverna Exposto por Platão em seu mais famoso livro, A República, o Mito da Caverna é uma alegoria para a Teoria das Ideias, ao mesmo tempo que uma “profissão de fé” do filósofo. Em uma caverna, alguns homens estão acorrentados de costas para a entrada e suas faces estão voltadas para a parede do interior, de forma que não podem se virar. Eles estiveram assim por toda a vida. Tudo o que eles veem são as sombras projetadas na parede. Para eles, as sombras são a realidade. Até que um deles se liberta e, pela primeira vez, vê a luz do Sol na saída da caverna. Vê as cores, as formas, a profundidade que nunca tinha visto. Compreende que o que via antes não era real, mas um simulacro, uma aparência distorcida da realidade. Ele volta à caverna e tenta, quase sempre sem sucesso, convencer os seus antigos companheiros de prisão de que aquelas sombras são ilusão e a verdade está lá fora. FILOSOFIA PARA O ENEM Marcelo Mangini Página 7 FILOSOFIA PARA O ENEM Os livros de Platão foram escritos em forma de diálogos. Nele, adota-se um método filosófico chamado por Sócrates de maiêutica. Este método consiste em duas etapas: na primeira, o interlocutor é conduzido a perceber os erros de suas argumentações, a duvidar daquilo que ele achava ser a verdade. Na segunda etapa, o interlocutor é estimulado a encontrar a Verdade através do próprio raciocínio. Essa abordagem refletia uma convicção socrática: a de que todo conhecimento já está latente na mente de todo ser humano. República – Nesta obra, Platão procura discutir a construção de um Estado ideal. Seu modelo, em grande medida, é Esparta. Os cidadãos deveriam se dividir em três tipos: guardiães, soldados e povo. Os guardiães correspondem a uma elite de sábios que devem ter exclusividade de poder político. Em diversas ocasiões, Platão usa a expressão “Rei-Filósofo” para se referir ao governante ideal. Ele prega a igualdade de sexos: todas as mulheres devem ser esposas de todos os homens. Os poetas devem ser banidos. O governo deve ter o direito de mentir, se julgar como benéfico ao interesse público. Nesse “Estado Ideal”, o indivíduo tende a desaparecer. Menon – Nesta obra, Platão desenvolve a teoria de educação defendida por Sócrates, a anamnésia. Para ele, aprender é recordar coisas aprendidas numa existência anterior e depois esquecidas. Fédon – Obra ainda mais voltada para a metafísica que Menon, nesse livro vemos Sócrates tentando provar a imortalidade da alma. Do ponto de vista filosófico, a parte mais importante do diálogo é a descrição que Platão faz do método de hipótese e dedução, base fundamental de todo pensamento científico. Apologia – Enquanto o diálogo de Fédon explora as últimas horas de vida de Sócrates, Apologia é uma espécie de documento que retrata a defesa que ele faz de si mesmo durante seu julgamento. Teeteto – Obra em que fica evidente o distanciamento que Platão começa a tomar do pensamento socrático, a questão central do diálogo é o processo de conhecimento. Aqui, o conhecimento se desvincula da percepção sensorial nem pode ser construído a partir de exemplos. Para Platão, somente a partir de juízos racionais verdadeiros se produz conhecimento. O Banquete – Aqui, o tema central é o amor. Para Platão, o que se ama é somente aquilo que não se tem. O amor de si mesmo é o amor daquilo que não se é – mas se deseja ser. Eutidemo – Diálogo criado com o objetivo de escarnecer dos sofistas, mostrando-os de forma propositalmente caricata. O objetivo do diálogo é desconstruir a erística como método de conhecimento. Ao contrário, a erística, ao dar ênfase na habilidade do debatedor de impor seu ponto de vista, abre mão da busca pela verdade e, portanto, afasta-se do verdadeiro conhecimento. Parte II – Apogeu e crise. A busca pelo método: sistematização do saber Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.) “A razão é para a alma o que a visão é para o corpo” “O mais poderoso dos homens é aquele que é completamente senhor de si mesmo” Aristóteles, no Liceu, escola por ele fundada em Atenas depois de ter servido como tutor de Alexandre, o Grande (quando o futuro imperador da Macedônia ainda era Pequeno), dava aulas enquanto caminhava pelos jardins e salões, seguido por seus alunos. Por isso, seu método filosófico ficou conhecido como “peripatético” (literalmente, “que se ensina passeando”). Curiosamente, a palavra “discurso” quer dizer “ir-e-vir”. As mais importantes contribuições de Aristóteles para a filosofia são, provavelmente, suas considerações acerca da lógica, que analisaremos mais à frente. Certamente Aristóteles pensou a filosofia de uma forma mais sistematizada que seus antecessores. É notável sua preocupação em categorizar os diversos campos do saber, dividindo-os em disciplinas distintas: Política, Ética, Economia, Botânica, Zoologia, Física, Poética, Astronomia, Retórica, etc. Marcelo Mangini Página 8 FILOSOFIA PARA O ENEM Sua metafísica pretende substituir a Teoria das Ideias de Platão. Parte fundamental do pensamento aristotélico depende das considerações a seguir, a respeito da Teoria da matéria e da forma: 1. A matéria é aquilo de que são feitas as coisas; 2. A forma é aquilo que dá às coisas as suas especificidades; 3. Substância é a matéria transformada pela forma. Por exemplo: você tem em mãos uma apostila. O papel usado na sua confecção é a matéria. As fontes que foram lidas para a sua escrita também são matéria. A impressão, a encadernação e o próprio fluxo do texto correspondem à forma. A apostila, em toda sua materialidade e com todas suas funções, qualidades e defeitos, com todas suas imagens usadas sem autorização dos detentores dos direitos autorais, com todos os erros de revisão, é a substância. Desta forma, podemos dizer que a forma confere características auma matéria, transformando-a em uma substância. Se a Teoria das Ideias de Platão e a Teoria da Matéria e da Forma de Aristóteles pretendem dar conta do problema dos Universais (você se lembra dos pré-socráticos procurando uma “essência fundamental” de que as coisas são feitas?), outra questão importante que marcou o pensamento pré-socrático volta a aparecer aqui: a mudança. Heráclito defendia a mudança constante, Parmênides afirma que o universo é estático. E Aristóteles? Estabelecemos acima que a substância é portadora de uma série de qualidades. Algumas dessas são qualidades potenciais, isso é, não estão ativas. A ativação, ou “atualização”, de uma determinada qualidade latente, potencial, em uma substância corresponde à mudança. Por exemplo, dizemos que determinado gás é inflamável. Assim, esse gás tem uma qualidade que não é atual – ou seja, ainda que possa entrar em combustão, ele ainda não entrou. No momento em que ele queima, a qualidade de ser inflamável passa a ser atual – a mudança ocorre. A pergunta óbvia agora é: o que ativa essas qualidades potenciais? Ou, em outras palavras: já sabemos o que é a mudança. Resta saber como e por que ela ocorre. Para isso, devemos recorrer a uma outra teoria aristotélica: a teoria da causalidade. A Física de Aristóteles não tem a mesma conotação que a disciplina da Física tem hoje. A palavra grega que corresponde a “física” significa “natureza”. A física, portanto, é uma espécie de “filosofia da natureza”. Nela, um dos aspectos mais importantes é a já citada Teoria da causalidade. Em qualquer situação causal, ou seja, em qualquer processo que implique mudança em uma substância, temos quatro aspectos que devem ser considerados: a causa material, a causa formal, a causa eficiente e a causa final. A causa material corresponde àquelas características da substância que a permitem passar pela mudança; a causa formal é o conjunto de elementos do entorno da substância que permitem que a mudança ocorra; a causa eficiente diz respeito ao agente que ativa o processo de mudança; a causa final refere-se à tendência potencial de que a mudança ocorra. Ficou difícil? Vamos a um exemplo: uma bola rolando em uma rua. Causa material: a esfericidade da bola, além do material de que ela é constituída, e do fato de ela estar cheia, são causas materiais – isto é, são características da bola que explicam porque ela desce a rua. Causa formal: o declive da rua, a ausência de obstáculos, a insuficiência de atrito são elementos do ambiente que permitem a trajetória da bola. Causa eficiente: o zé que chutou a bola. Na linguagem comum, chamamos a causa eficiente simplesmente de causa: por quê a freira rola escada abaixo? Porque alguém empurrou... Causa final: tanto da bola quanto da freira, a gravidade, que cria uma tendência de os corpos buscarem sempre o nível mais baixo. Marcelo Mangini Página 9 FILOSOFIA PARA O ENEM No campo da Lógica, como afirmamos acima, a contribuição de Aristóteles é fundamental. A lógica aristotélica depende de um certo número de considerações: 1. A partir de uma ou mais proposições (as premissas), deduzimos outras proposições que seguem ou são consequência dessas premissas; 2. O silogismo, estrutura de argumento fundamental, é composto por duas premissas sujeito-predicado que têm um termo em comum, que desaparecerá na conclusão. Veja: 3. Se as premissas forem verdadeiras, qualquer conclusão validamente derivada delas é igualmente verdadeira; 4. A ciência, para evitarmos falsos silogismos, deve começar com declarações que não precisem de demonstração – os axiomas; 5. A palavra grega συλλογισμός (silogismo) pode ser livremente traduzida como “dedução”; 6. A lógica aristotélica é a base para o pensamento científico atual. Apesar de Aristóteles não dar muita importância à indução, ele a define como uma das formas pelas quais construímos nossas convicções; 7. Desta forma, Aristóteles estabelece as duas formas centrais de construção de argumento: a indução (em que partimos de proposições específicas para chegarmos a uma proposição universal) e a dedução (em que partimos de premissas gerais para alcançarmos conclusões específicas). O discurso, para Aristóteles, base de toda proposição lógica, é uma construção linguística. Não por acaso, lógica vem de logos, que significa “palavra”. Portanto, a razão lógica pressupõe a capacidade de perceber os elementos que constituem um discurso. Para Aristóteles, todo enunciado lógico é do tipo sujeito-predicado. Assim, o primeiro passo é sempre compreender o sujeito, em torno do qual gira qualquer afirmação. Para compreender o sujeito, Aristóteles distingue dez categorias: substância, qualidade, quantidade, relação, lugar, tempo, posição, estado, ação e paixão. O sentido de uma afirmação só poderá ser completamente apreendido se todas as categorias puderem ser conhecidas. Por exemplo: a frase “Mangini escreve uma apostila” diz muito pouco. Somente ao conhecer todas as dez categorias podemos compreender o real sentido da frase: Substância: Mangini Qualidade: Morto de sono Quantidade: 90 quilos (ou mais) Relação: Professor Lugar: Em casa Tempo: Às 23:20 do feriado do dia do trabalho Posição: Sentado em frente ao computador Estado: De pijamas Ação: Digitando texto Paixão: Sendo incomodado por um pernilongo (será da dengue?) Marcelo Mangini Página 10 I. Todos seres humanos são racionais; II. Os bebês são seres humanos. Desta forma: I. Todos seres humanos são racionais; II. Os bebês são seres humanos. Logo: Os bebês são racionais. FILOSOFIA PARA O ENEM Ainda que a Lógica tenha sido uma preocupação constante no pensamento aristotélico, ele não a entende como uma área específica do que ele chama de ciências. Aristóteles distingue três tipos de ciências: a) Ciências teóricas: aquelas que propiciam o conhecimento (episteme), em oposição ao senso comum (doxa) • Matemática • Física • Metafísica b) Ciências práticas: aquelas que governam a conduta do homem na sociedade • Ética • Economia • Política c) Ciências produtivas: aquelas que nos orientam na criação de objetos destinados ao uso ou à contemplação artística • Poética • Estética • Artes A busca pela felicidade: O Helenismo A partir de 334 a.C., a cultura grega foi levada a grande parte das civilizações conhecidas. Alexandre, o Grande, rei da Macedônia, era visto pelos gregos como um imperador estrangeiro. Mas ele próprio, ex-aluno de Aristóteles, via-se como o portador da civilização grega. Conquistou o Egito, a Pérsia, a Arábia, a Fenícia – e impôs a todos a cultura dos helenos (gregos). A língua grega se tornou a língua comum nas atividades comerciais (como o inglês nos dias de hoje). Cidades nos moldes das poleis gregas foram fundadas por todo lado – grande parte delas foram batizadas de Alexandria. Uma dessas “Alexandrias”, a do Egito, passou a ser o novo centro do pensamento grego, substituindo Atenas, que até então cumprira esse papel. O autoritarismo, o militarismo e a desorganização do Império Macedônico afastaram as pessoas das questões políticas. O crescimento da população escrava, resultado das amplas vitórias militares, comprometia as discussões em torno da ética. Observa-se um processo de especialização: os pensadores desse período não são generalistas, como foram Tales, Platão e Aristóteles. Erastótenes era geógrafo, Euclides matemático, Arquimedes inventor.Na mesma medida em que a cultura grega se propagava, ela passava a ser influenciada pelas práticas e crenças místicas e supersticiosas do oriente. Prevalece, na filosofia da época, uma tendência pessimista, uma sensação crescente de insegurança. Os homens buscavam a paz e, não conseguindo encontrá-la com facilidade, transformavam em virtude a capacidade de resignar-se e suportar o sofrimento. As diversas correntes filosóficas surgidas nesse período decadente têm como propósito maior descobrir o caminho para aquilo que a Grécia havia perdido: a felicidade. Marcelo Mangini Página 11 FILOSOFIA PARA O ENEM Diógenes (404 a.C. - 323 a.C.) “O insulto ofende a quem o faz e não a quem o recebe” É conhecida a história de Diógenes, sábio grego que foi certa vez visitado por Alexandre, o Grande. Diógenes, reza a lenda, era completamente desprovido de posses. Morava em um barril e se alimentava daquilo que as famílias de sua cidade o davam. Alexandre, ao encontrá- lo, afirmou: “Sou Alexandre, o Grande. O homem mais poderoso do mundo. Pedi-me qualquer coisa, e o concederei”. E Diógenes, que estava sentado no chão, respondeu: “Qualquer coisa? Pois bem. Afasta-te, pois está bloqueando a luz do sol”. Alexandre, depois, comentou: “Se eu não fosse Alexandre, gostaria de ser Diógenes”. Diziam que Diógenes levava uma vida tão primitiva quanto a de um cão. Por isso, apelidaram-no de “Diógenes, o canino”. A palavra grega “canino” é κυνικός (ou kynikós, isto é “cínico”). De clara influência socrática, a corrente filosófica de Diógenes, o Cinismo, recomendava que o sábio deve afastar-se de todos os bens mundanos, e concentrar-se somente na busca pela virtude. Porém, tempos depois da morte de Diógenes seus seguidores distorceram o sentido de “não dar valor a bens materiais”. Na prática, isso justificou a atitude de despreocupadamente acumular o máximo em períodos de prosperidade e não se lamentar quando vierem os períodos de escassez. Daí a conotação atual da palavra “cínico”. Talvez por ser muito semelhante ao estoicismo, a escola cínica não durou muito tempo. Zenão de Cítio (340 a.C. - 264 a.C.) “O sentido da vida consiste em estar de acordo com a natureza” A mais influente corrente filosófica do período helenístico, o Estoicismo foi fundado por Zenão – que chamaremos aqui de Zenão, o Estoico, para não confundi-lo com Zenão, o eleático (lembra? Aquele do Paradoxo de Aquiles e a Tartaruga). O movimento tem como foco principal, como é comum na filosofia do período, as questões éticas. Os valores éticos centrais dos estoicos era a indiferença em relação às questões materiais e a resignação diante do sofrimento. O maior bem, para os estoicos, é a virtude. Tudo pode lhe ser retirado, tudo pode ser roubado. Até a sua vida – mas ainda que você seja morto, sua virtude não lhe pode ser tirada. Assim, se a virtude é a única coisa que importa para o indivíduo, nada poderá atingi-lo: ele é plenamente livre e feliz. Pirro de Élis (318 a.C. - 272 a.C.) A filosofia do Ceticismo, criada por Pirro de Élida, tem como dogma a ideia de que ninguém pode conhecer algo com certeza. Na terminologia aristotélica, é o equivalente a dizer que não se pode conhecer os princípios originais da dedução. Como a filosofia de Aristóteles, que seria a base do pensamento ocidental pelos séculos seguintes, fundamenta o argumento científico na busca por esses primeiros princípios dedutivos, as ideias de Pirro – e de Timon, outro famoso expoente da escola cética – representavam uma ameaça a todo o sistema filosófico da época. Não é de surpreender que o ceticismo tenha sido tão combatido pela filosofia que vigoraria mais tarde – especialmente pela escolástica dos séculos XII ao XIV d.C. Marcelo Mangini Página 12 FILOSOFIA PARA O ENEM Epicuro (341 a.C. - 270 a.C.) “A necessidade é um mal, mas não há necessidade alguma de viver com necessidade” O fundador e principal pensador da corrente filosófica que leva seu nome, o epicurismo, Epicuro nasceu em Samoa e tornou-se cidadão ateniense. De saúde muito frágil, Epicuro criou uma doutrina cujo objetivo central era a busca por um completo estado de harmonia pessoal. Para tanto, segundo Epicuro, o homem deveria buscar incessantemente o prazer. Epicuro distingue dois tipos de prazer: os do corpo e os da mente. No entanto, ele não trata os prazeres da mente a partir de uma perspectiva socrática, da busca de uma vida voltada para o saber. Em Epicuro, o prazer da mente corresponde à contemplação dos prazeres corporais. Em outros momentos, Epicuro fala em prazeres passivos e ativos. Os prazeres ativos consistem na busca pela saciedade de um desejo. Assim que o objetivo é alcançado, o prazer passivo prevalece: ele corresponde à ausência de qualquer desejo – e, portanto, na ausência de qualquer ansiedade, de qualquer necessidade. Para Epicuro, é no prazer passivo que encontramos a felicidade plena. O Império de Alexandre teve curta duração. Logo após a morte do imperador, as vastas extensões dos domínios macedônicos, disputadas entre os seus generais mais próximos, iniciaram um processo de fragmentação política. Tal enfraquecimento interno coincide com o momento em que a República de Roma derrota Cartago nas Guerras Púnicas, e se estabelece como a maior autoridade militar no Mediterrâneo. Roma não demora a conquistar a maior parte do Império Macedônico, incluindo toda a península grega. A cultura romana é uma cultura debitária. A literatura, o teatro, as artes plásticas, a arquitetura e a filosofia romana são pouco mais que uma extensão da cultura grega. A maior contribuição dos romanos está ligada ao pensamento político – e especialmente ao direito. Assim, não discutiremos a produção filosófica romana, ligada principalmente a seguidores do estoicismo, como Sêneca (4 a.C. - 65 d.C.), Epicteto (55 d.C. – 135 d.C.) e Marco Aurélio (121 d.C. - 180 d.C.). Também o cristianismo primitivo, que surge durante o governo do primeiro Imperador de Roma, Octavio Augustus, é marcadamente influenciado pela Filosofia Estoica. Marcelo Mangini Página 13 FILOSOFIA PARA O ENEM EXERCÍCIOS QUESTÃO 001 Texto I Anaxímenes de Mileto disse que o ar é o elemento originário de tudo o que existe, existiu e existirá, e que outras coisas provêm de suas descendências. Quando o ar se dilata, transforma-se em fogo, ao passo que os eventos são ar condensados. As nuvens formam-se a partir do ar por filtragem e, ainda mais condensadas, transformam-se em água. A água, quando mais condensada, transforma-se em terra e, quando condensada ao máximo, transforma-se em pedra. BAURNET, J. A aurora da filosofia grega. Rio de Janeiro: PUC-Rio, 2006 (adaptado). Texto II Brasílio Magno, filósofo medieval, escreveu: "Deus, como criador de todas as coisas, está no principio do mundo e dos tempos. Quão parcas de conteúdo se nos apresentam, em face desta concepção, as especulações contraditórias dos filósofos para os quais o mundo se origina, ou de algum dos quatro elementos, como ensinam os Jônios, ou dos átomos, como julga Demócrito. Na verdade, dão a impressão de quererem ancorar o mundo numa teia de aranha." GILSON, E.; BOEHNER, P. Historia da Filosofia Cristã. São Paulo: Vozes, 1991 (adaptado). Filósofosde diversos períodos históricos desenvolveram teses para explicar a origem do universo, a partir de uma explicação racional. As teses de Anaxímenes ,filósofo grego antigo, e de Basílio, filósofo medieval, têm em comum, na sua fundamentação, teorias que: eram baseadas nas ciências da natureza. refutavam as teorias de filósofos da religião. tinham origem nos mitos das civilizações antigas. postulavam um principio originário para o mundo. defendiam que Deus é o principio de todas as coisas. QUESTÃO 002 Para Platão, o que havia de verdade em Parmênides era que o objeto de conhecimento é um objeto de razão e não de sensação, e era preciso estabelecer uma relação entre objeto racional e objeto sensível ou material que privilegiasse o primeiro em detrimento do segundo. Lenta, mas irresistivelmente, a Doutrina das Ideias formava-se em sua mente. ZINGANO, M. Platão e Aristóteles: o fascínio da filosofia. São Paulo: Odysseus, 2012 (adaptado). O texto faz referência à relação entre razão e sensação, um aspecto essencial da Doutrina das Ideias de Platão (427 a.C.-346 a.C). De acordo com o texto, como Platão se situa diante dessa relação? Estabelecendo um abismo intransponível entre as duas. Privilegiando os sentidos e subordinando o conhecimento a eles. Atendo-se à posição de Parmênides de que razão e sensação são inseparáveis. Afirmando que a razão é capaz de gerar conhecimento, mas a sensação não. Rejeitando a posição de Parmênides de que a sensação é superior à razão. Marcelo Mangini Página 14 FILOSOFIA PARA O ENEM QUESTÃO 003 Platão destaca, na República (livro III), a importância da educação musical dos futuros guardiões da cidade, ao dizer: [...] a educação pela música é capital, porque o ritmo e a harmonia penetram mais fundo na alma e afetam-na mais fortemente [...]. (PLATÃO. A República. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001. p. 133.) De acordo com o texto e os conhecimentos sobre a relevância da educação musical dos guardiões em Platão, considere as afirmativas a seguir: I. A música deve desenvolver agressividade e destempero para evitar o temor dos inimigos perante a guerra. II. A música deve desenvolver sentimentos éticos nobres para bem servir a cidade e os cidadãos. III. A música deve divertir, entreter e evocar sentimentos afrodisíacos, para alívio do temor perante a guerra. IV. A música deve moldar qualidades como temperança, generosidade, grandeza de alma e outras similares. Assinale a alternativa que contém todas as afirmativas corretas. I e II. II e IV. III e IV. I, II e III. I, III e IV. QUESTÃO 004 De acordo com a Alegoria da Caverna, a possibilidade de um indivíduo tornar-se justo e virtuoso depende de um processo de transformação pelo qual deve passar. Assim, afasta-se das aparências, rompe com as cadeias de preconceitos e condicionamentos e adquire o verdadeiro conhecimento. Tal processo culmina com a ideia da forma do Bem, representada pela metáfora do Sol. Para Platão, conhecer o Bem significa tornar-se virtuoso. Aquele que conhece a justiça não pode deixar de agir de modo justo. (Marcondes, Danilo. Textos básicos de ética - de Platão a Foucault. Rio de Janeiro, Zahar, 2007, p. 31) A importância histórica do método de conhecimento estabelecido na obra de Platão justifica-se pela defesa de uma rigorosa separação entre a esfera da política e a esfera da filosofia. por definir proposições instrumentais para o agir político, antecipando as estratégias maquiavelanas. por identificar as coisas empíricas como sendo em si mesmas dotadas de sua própria verdade. pela definição de uma esfera suprassensível que contém as formas perfeitas, necessárias e universais das coisas. por entender os preconceitos e condicionamentos do mundo sensível como esfera virtuosa e justa. Marcelo Mangini Página 15 FILOSOFIA PARA O ENEM QUESTÃO 005 A realidade, para Heráclito, é a harmonia dos contrários, que não cessam de se transformar uns nos outros. (...) Parmênides se colocava na posição oposta à de Heráclito. Dizia que só podemos pensar sobre aquilo que permanece sempre idêntico a si mesmo, isto é, que o pensamento não pode pensar sobre coisas que são e não são, que ora são de um modo e ora de outro, que são contrárias a si mesmas e contraditórias. (Chauí, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo, Ática, 2003, p. 110) A divergência entre Heráclito e Parmênides foi solucionada pela metafísica platônica. Essa solução envolveu a defesa das contradições heraclitianas como conteúdo essencial da esfera inteligível da realidade. a definição do Bem e da verdade acessível ao pensamento como entidade contraditória. o estabelecimento de um método relativista e ancorado em contextos históricos para o conhecimento da realidade. a valorização das concepções parmenidianas como expressão das aparências do mundo sensível. uma dicotomia entre as propriedades variáveis das coisas sensíveis e o caráter absoluto do mundo inteligível. QUESTÃO 006 Desde Tales de Mileto, as explicações sobre o cosmos são realizadas por meio de argumentos, razões plausíveis para que o processo desencadeado pela physis se comporte de determinada maneira. Tais argumentos são confrontados por outros filósofos e, progressivamente, as concepções tornam-se cada vez mais elaboradas. Dessa forma, o pensamento filosófico que emerge nesse movimento distancia-se do pensamento mítico, entre outras razões, porque: inaugura o primado da transformação permanente pela interferência contínua dos deuses na criação do cosmos; busca uma physis arcaica e antropomórfica, que une o homem ao cosmo sem sua estabilidade; apresenta uma visão de mundo com base racional que pode ser repensada por meio de argumentação e substituída; descreve uma cosmogonia inovadora racionalizada por meio de ritos simbólicos criados pela ação do homem; as narrativas mágico-religiosas são substituídas por outra linguagem mágico-simbólica para representar o sagrado. Marcelo Mangini Página 16 FILOSOFIA PARA O ENEM QUESTÃO 007 Leia o texto abaixo. "SÓCRATES: Portanto, como poderia ser alguma coisa o que nunca permanece da mesma maneira? Com efeito, se fica momentaneamente da mesma maneira, é evidente que, ao menos nesse tempo, não vai embora; e se permanece sempre da mesma maneira e é "em si mesma", como poderia mudar e mover-se, não se afastando nunca da própria Ideia? CRÁTILO: Jamais poderia fazê-lo. SÓCRATES: Mas também de outro modo não poderia ser conhecida por ninguém. De fato, no próprio momento em que quem quer conhecê-la chega perto dela, ela se torna outra e de outra espécie; e assim não se poderia mais conhecer que coisa seja ela nem como seja. E certamente nenhum conhecimento conhece o objeto que conhece se este não permanece de nenhum modo estável. CRÁTILO: Assim é como dizes." PLATÃO, Crátilo, 439e-440a Assinale a alternativa correta, de acordo com o pensamento de Platão. Para Platão, o que é "em si" e permanece sempre da mesma forma, propiciando o conhecimento, é a Ideia, o ser verdadeiro e inteligível. Platão afirma que o mundo das coisas sensíveis é o único que pode ser conhecido, na medida em que é o único ao qual o homem realmente tem acesso. As Ideias, diz Platão, estão submetidas a uma transformação contínua. Conhecê-las só é possível porque são representações mentais, sem existênciaobjetiva. Platão sustenta que há uma realidade que sempre é da mesma maneira, que não nasce nem perece e que não pode ser captada pelos sentidos e que, por isso mesmo, cabe apenas aos deuses contemplá-la. QUESTÃO 008 “Mais que saber identificar a natureza das contribuições substantivas dos primeiros filósofos é fundamental perceber a guinada de atitude que representam. A proliferação de óticas que deixam de ser endossadas acriticamente, por força da tradição ou da ‘imposição religiosa’, é o que mais merece ser destacado entre as propriedades que definem a filosoficidade.” (OLIVA, Alberto; GUERREIRO, Mario. Pré-socráticos: a invenção da filosofia. Campinas: Papirus, 2000. p. 24.) Assinale a alternativa que apresenta a “guinada de atitude” que o texto afirma ter sido promovida pelos primeiros filósofos. A aceitação acrítica das explicações tradicionais relativas aos acontecimentos naturais. A discussão crítica das ideias e posições, que podem ser modificadas ou reformuladas. A busca por uma verdade única e inquestionável, que pudesse substituir a verdade imposta pela religião. A confiança na tradição e na “imposição religiosa” como fundamentos para o conhecimento. A desconfiança na capacidade da razão em virtude da “proliferação de óticas” conflitantes entre si. Marcelo Mangini Página 17 FILOSOFIA PARA O ENEM QUESTÃO 009 Os sofistas, mestres da retórica e da oratória, opunham-se aos pressupostos de que as leis e os costumes sociais eram de caráter divino e universal. Deu-se assim, entre eles, o: naturalismo. relativismo. ceticismo filosófico. cientificismo. racionalismo. QUESTÃO 010 A filosofia de Sócrates se estrutura em torno da sua crítica aos sofistas, que, segundo ele, não amavam a sabedoria nem respeitavam a verdade. O ataque de Sócrates à sofística NÃO tem como pressuposto a ideia de que: o conhecimento verdadeiro só pode ser resultado de um diálogo contínuo do homem com os outros e consigo mesmo. o confronto de opiniões na política democrática afasta a possibilidade de se alcançar a sabedoria. a verdade das coisas é obtida na vida cotidiana dos homens e, portanto, pode ser múltipla e inacabada. o autoconhecimento é a condição primária de todos os outros conhecimentos verdadeiros. a ciência (episteme) é acessível a todos os homens, contanto que estejam dispostos a renunciar ao mundo das sensações. UNIDADE II – Filosofia Medieval Parte I - Patrística Na fase final da história romana, a Igreja Cristã adquire uma influência crescente, tornando-se a religião oficial do Império. A doutrina cristã torna-se cada vez mais complexa, forjando uma teologia cujas concepções dogmáticas eram resultado de um sincretismo entre as crenças dos primeiros cristãos e a influência de diversas escolas filosóficas gregas. Essa teologia, chamada de patrística, influenciou profundamente toda a estrutura cultural, política, social e mesmo econômica da Europa nos primeiros séculos da Era Cristã. As Invasões Germânicas, longo processo de migração de povos da Europa Setentrional para dentro das fronteiras do Império, encontraram Roma em uma economia agonizante, em uma profunda crise política. O Império Romano do Ocidente chegara ao final no século V d.C. Algumas instituições, porém, sobreviveram ao fim da Civilização Romana. Dentre elas, a Igreja de Roma merece destaque. Nos séculos seguintes, o Papado consolida ainda mais seu poder – tanto religioso quanto político. A Igreja de Roma torna-se a mais estável e influente organização da Europa, responsável por grande parte do que podemos chamar de “mentalidade medieval”. Marcelo Mangini Página 18 FILOSOFIA PARA O ENEM Ao longo do Medievo Europeu, os reis foram perdendo atribuições políticas, diante de uma crescente descentralização do poder. A economia, cada vez mais autossuficiente, dependia muito pouco do comércio. O iletramento e a valorização dos costumes dos antepassados marcava a cultura europeia ocidental. As cidades foram abandonadas e o meio rural se torna o novo centro de poder político e cultural. Era a consolidação do Feudalismo. Durante a chamada Alta Idade Média, vigorou na Europa o pensamento filosófico da Patrística. O filósofo de maior influência nesse período foi o africano Agostinho. Agostinho (354 - 430) “A arte de viver consiste em tirar o maior bem do maior mal” Bispo cristão durante a fase final do Império Romano do Ocidente, a questão central de seu pensamento era a ideia de predestinação, séculos depois retomada pelas igrejas reformistas. Suas reflexões a respeito do tempo influenciaram diversos pensadores da Idade Moderna, como Descartes e Kant. Para Agostinho, o tempo é um presente tríplice: ele é o agora, a única coisa que de fato existe; mas o tempo é também o passado, que só existe como memória do presente; e o futuro não é mais que a expectativa no presente. Essa abordagem, que chamaremos de subjetivismo, é um dos pontos mais interessantes da filosofia agostiniana. Do ponto de vista da tradição filosófica, ele procurava conciliar as crenças cristãs com a teoria das ideias de Platão. Em seu livro Cidade de Deus, Agostinho traça um claro paralelo entre o paraíso cristão e o mundo das ideias e, de outro lado, o mundo dos homens e o mundo das coisas. Outros filósofos do período que merecem uma breve menção: Tertuliano (160 - 220): Defensor da ideia de que a Razão é inimiga da Fé, e portanto a filosofia era incompatível com a religião. Orígenes (185 – 253): Seguidor de Platão e dos Estoicos, é um dos principais responsáveis por iniciar uma tradição erudita no cristianismo, consolidando a teologia como a mais importante área do pensamento medieval; Ambrósio (340 - 397): Criou os princípios políticos que marcaram, durante a Idade Média, as relações entre os Reinos Cristãos e a Igreja; Jerônimo (347 - 420): Um dos responsáveis pela consolidação dos princípios monásticos da Idade Média (dentre eles, o celibato, a abstinência, o isolamento, a resignação e a contemplação), notabilizou-se pela Vulgata, tradução da Bíblia para o latim que se tornou a versão oficial da Igreja por todos os séculos subsequentes. Boécio (480 - 525): Responsável pelas mais antigas traduções dos textos de Lógica de Aristóteles para o Latim, foi profundamente influenciado por Platão e escreveu importantes tratados sobre geometria, aritmética e música. É uma exceção na Alta Idade Média: seu pensamento aproxima-se mais da filosofia investigativa da tradição grega que da teologia dogmática dos intelectuais da Igreja. Parte II – Filosofia Árabe Em 622, com a Hégira (saída de Maomé de Meca em direção a Iatreb), inicia-se o calendário – e a civilização – árabe-muçulmana. De forma resumida, podemos dividir o mundo medieval árabe em cinco diferentes momentos: • 622 – 632: Governo do Maomé. Breve período marcado pela unificação política da Península Árabe e pela construção das bases fundamentais da doutrina islâmica; • 632 – 661: Califas Perfeitos. Período marcado pela expansão do islamismo por praticamente todo o Crescente Fértil (região que vai do Vale do Rio Nilo à Mesopotâmia). Marcelo Mangini Página 19 FILOSOFIA PARA O ENEM • 661 – 750: Dinastia Omíada. Época de surgimento das duas maiores correntes do islamismo, xiitas e sunitas.O império do Islã avança em direção à Pérsia, no Oriente, ao noroeste africano e à Península Ibérica. • 750 – 1299: Dinastia Abássida. Corresponde à Idade de Ouro da filosofia árabe. Durante o Califado Abássida, o Oriente Médio tornou-se o maior centro de produção artística e de avanços na medicina e na astronomia. As universidades fundadas no período foram responsáveis por notáveis avanços na matemática e na física, além de terem sido responsáveis pela preservação de grande parte das obras da Antiguidade Clássica greco-romana. • 1299 - ...... : Império Otomano. Sob domínio turco, o mundo árabe- muçulmano manteve, ainda por quase três séculos, uma grande expansão política e econômica. Porém, a intolerância religiosa do período foi responsável por longo período de declínio cultural. No Período Abássida podemos encontrar os dois maiores pensadores da filosofia Árabe: Avicena (980 - 1037) “Aquele cuja existência é necessária deve, necessariamente, ser uma essência” Mestre em diversas áreas do saber, foi o mais importante estudioso de Medicina do mundo, do século XI até o século XVII (quando sua obra, “Cânone da Medicina” ainda era o texto principal nas universidades europeias). Também tem relevantes contribuições nos campos da lógica, da matemática, da física, da astronomia e da poética, entre outros. Preocupado com a questão dos universais (lembre-se daquelas tentativas de estabelecer “de que é feito o mundo”), que tanto inquietou os pré-socráticos, Avicena procurou conciliar Platão e Aristóteles. Para ele, a generalidade das formas (e portanto os universais) é resultado do pensamento humano – o que coincide com a visão aristotélica (leia novamente a teoria da matéria de da forma, de Aristóteles). Mas, platonicamente, Avicena defende que essas formas gerais são preexistentes na mente de Deus, existentes nas coisas e pós-existentes na mente humana - em outras palavras a) os universais existem no plano das Ideias, b) compõem as substâncias no mundo das coisas, e c) são percebidas pelos homens a partir da experiência. Desta forma, o filósofo árabe apresenta, séculos antes, uma solução para as controvérsias (que veremos adiante) entre os idealistas cartesianos e os empiristas britânicos (o saber é resultado da reflexão interna da mente ou da relação empírica entre a mente e o mundo?). Averróis (1126 - 1198) “Na natureza nada é supérfluo” Uma das maiores influências dos escolásticos, esse médico ibérico do século XII deu ênfase na filosofia aristotélica, contribuindo para reduzir a presença do platonismo no pensamento medieval. Marcelo Mangini Página 20 Sócrates, Platão e Aristóteles, na visão árabe FILOSOFIA PARA O ENEM Parte III – Escolástica Por volta do século XI, diversas transformações políticas, econômicas e sociais impuseram mudanças profundas na sociedade feudal europeia. O fim das guerras de invasões, no século IX, prenunciava um período de expansão populacional que, entre os séculos X e XI, atingiu um ápice. Além do longo período de relativa paz, a ausência de grandes epidemias ou catástrofes naturais e o maior acesso ao alimento contribuíram para aumentar a expectativa de vida e reduzir a mortalidade infantil. Na segunda metade do século XI, a Europa viveu uma verdadeira explosão demográfica, que teve como resultado a fome. Diversas medidas foram tomadas para tentar solucionar o problema: expansão das terras cultiváveis, superexploração do trabalho e expulsão de camponeses, expansão militar dos reinos medievais. As consequências imediatas nem sempre foram positivas: desequilíbrio ecológico, revoltas camponesas e aumento da intolerância religiosa. A Europa feudal pouco a pouco assistia ao surgimento de um novo modelo de sociedade: 1. As diversas guerras, como as Cruzadas, a Reconquista e a expansão Germânica a Leste, reforçaram o poder dos reis, que gradualmente foram tomando da nobreza feudal o poder político; 2. A expulsão dos servos levou a um renascimento das cidades, fazendo com que a produção agrícola do campo perdesse parte do caráter de subsistência. Para abastecer as novas cidades, os feudos tiveram que inovar, implementando tecnologias que aumentavam a produtividade; 3. O crescimento das cidades coincidiu com a retomada do comércio, fortalecendo cada vez mais um nova classe mercantil urbana: a burguesia; 4. O contato dos europeus com outras culturas provocou um início de fragmentação na hegemonia ideológica de Roma, fazendo surgir correntes internas na Igreja, como as ordens dos franciscanos e dominicanos. Nominalismo versus Realismo: Duas correntes filosóficas, dentro da teologia católica, se rivalizavam. Os realistas, de influência socrática, acreditavam que os universais, como exposto por Platão, tinham existência própria, em um “mundo das Ideias”. Não só esses universais são reais, como são anteriores e mais essenciais que as coisas particulares. Já os nominalistas, influenciados por Aristóteles, afirmavam que os universais são meros nomes e, por se referirem aos particulares, estes (as coisas) vêm antes que aqueles (as ideias). Pietro Abelardo (1079 - 1142) “A chave para encontrarmos a sabedoria é a interrogação permanente e regular” Nessa nova Europa, de grandes mudanças, a ideia de livre-arbítrio, abandonada pelo agostinianismo neoplatônico, volta a ser central. Abelardo, na passagem do século XI para o XII, foi um importante nominalista cuja obra foi o ponto de partida uma verdadeira revolução nas relações da Igreja com o saber: sua obra foi um estímulo essencial para a criação de universidades na Europa Ocidental. Em seus textos, ele defendia a necessidade da Igreja de orientar os fieis a construírem sua própria autonomia, sua capacidade de decidir entre o bem e o mal, expressando uma das maiores mudanças na teologia da Baixa Idade Media: a ideia de que a salvação era resultado das boas ações do indivíduo. Marcelo Mangini Página 21 FILOSOFIA PARA O ENEM Tomás de Aquino (1221 – 1274) “Os princípios inatos na razão se demonstram verdadeiros ao ponto de não ser possível pensar que eles sejam falsos” O mais importante filósofo da Igreja, Tomás de Aquino conseguiu impor o aristotelismo nominalista como base da nova doutrina oficial de Roma. O tomismo, por ser nominalista, dava ênfase mais aos particulares que aos universais. E, por decorrência, dá maior importância à experiência, aos sentidos. Tomás afirmava que “não existe nada no intelecto que não tenha sido primeiro uma experiência sensorial”. A filosofia tomista cria um importante dualismo na esfera do conhecimento: de um lado, a Razão produz o saber racional; de outro, a Revelação permite alcançar um saber que não passa pela razão, mas pela fé. O equívoco de Tomás foi acreditar que não havia conflito entre Razão e Fé e, portanto, filosofia e teologia eram perfeitamente conciliáveis. As consequências imprevistas de suas ideias foram o surgimento do humanismo antiescolástico e o próprio movimento reformista. Guilherme de Ockham (1285 - 1349) “Racionalizo e creio. Mas não uso a razão para compreender a fé, nem a fé para compreender a razão” Monge franciscano do século XIV, Guilherme foi um grande adversário do Papa, ao condenar veementemente as preocupações do Vaticano com questões políticas. Empirista, acreditava que o único conhecimento possível é resultado da experiência.Sua mais famosa afirmação, “não se deve multiplicar os entes além do necessário”, ficou conhecida como A Navalha de Ockham. Em certa medida, essa frase é uma reação contra a filosofia escolástica, que era profusa em intermináveis discursos: se uma simples explicação basta, é inútil procurar outra complexa. EXERCÍCIOS QUESTÃO 011 A filosofia de Agostinho (354 – 430) é estreitamente devedora do platonismo cristão milanês: foi nas traduções de Mário Vitorino que leu os textos de Plotino e de Porfírio, cujo espiritualismo devia aproximá-lo do cristianismo. Ouvindo sermões de Ambrósio, influenciados por Plotino, que Agostinho venceu suas últimas resistências (de tornar-se cristão). PEPIN, Jean. Santo Agostinho e a patrística ocidental. In: CHÂTELET, François (org.) A Filosofia medieval. Apesar de ter sido influenciado pela filosofia de Platão, por meio dos escritos de Plotino, o pensamento de Agostinho apresenta muitas diferenças se comparado ao pensamento de Platão. Assinale a alternativa que apresenta, corretamente, uma dessas diferenças. Para Agostinho, é possível ao ser humano obter o conhecimento verdadeiro, enquanto, para Platão, a verdade a respeito do mundo é inacessível ao ser humano. Para Platão, a verdadeira realidade encontra-se no mundo das Ideias, enquanto para Agostinho não existe nenhuma realidade além do mundo natural em que vivemos. Para Agostinho, a alma é imortal, enquanto para Platão a alma não é imortal, já que é apenas a forma do corpo. Para Platão, o conhecimento é, na verdade, reminiscência, a alma reconhece as Ideias que ela contemplou antes de nascer; Agostinho diz que o conhecimento é resultado da Iluminação divina, a centelha de Deus que existe em cada um. Marcelo Mangini Página 22 FILOSOFIA PARA O ENEM QUESTÃO 012 A grande contribuição de Tomás de Aquino para a vida intelectual foi a de valorizar a inteligência humana e sua capacidade de alcançar a verdade por meio da razão natural, inclusive a respeito de certas questões da religião. Discorrendo sobre a “possibilidade de descobrir a verdade divina”, ele diz que há duas modalidades de verdade acerca de Deus. A primeira refere-se a verdades da revelação que a razão humana não consegue alcançar, por exemplo, entender como é possível Deus ser uno e trino. A segunda modalidade é composta de verdades que a razão pode atingir, por exemplo, que Deus existe. Indique a afirmativa que melhor expressa o pensamento de Tomás de Aquino. A fé é o único meio do ser humano chegar à verdade. O ser humano só alcança o conhecimento graças à revelação da verdade que Deus lhe concede. Mesmo limitada, a razão humana é capaz de alcançar certas verdades por seus meios naturais. A Filosofia é capaz de alcançar todas as verdades acerca de Deus. Deus é um ser absolutamente misterioso e o ser humano nada pode conhecer d’Ele. QUESTÃO 013 A teologia natural, segundo Tomás de Aquino (1225-1274), é uma parte da filosofia, é a parte que ele elaborou mais profundamente em sua obra e na qual ele se manifesta como um gênio verdadeiramente original. Se se trata de física, de fisiologia ou dos meteoros, Tomás é simplesmente aluno de Aristóteles, mas se se trata de Deus, da origem das coisas e de seu retorno ao Criador, Tomás é ele mesmo. Ele sabe, pela fé, para que limite se dirige, contudo, só progride graças aos recursos da razão. GILSON, Etienne. A Filosofia na Idade Média, São Paulo: Martins Fontes, 1995, p. 657. De acordo com o texto acima, é correto afirmar que a obra de Tomás de Aquino é uma mera repetição da obra de Aristóteles. Tomás parte da revelação divina (Bíblia) para entender a natureza das coisas. as verdades reveladas não podem de forma alguma ser compreendidas pela razão humana. é necessário procurar a concordância entre razão e fé, apesar da distinção entre ambas. QUESTÃO 014 Para responder a questão, leia o seguinte texto. O universal é o conceito, a ideia, a essência comum a todas as coisas (por exemplo, o conceito de ser humano). Em outras palavras, pergunta-se se os gêneros e as espécies têm existência separada dos objetos sensíveis: as espécies (por exemplo, o cão) ou os gêneros (por exemplo, o animal) teriam existência real? Ou seriam apenas ideias na mente ou apenas palavras? ARANHA, M. L. A. & MARTINS, M. H. Filosofando. 3ª edição. São Paulo: Moderna, 2003, p. 126. A resposta correta à pergunta formulada no texto acima, sobre os universais, é: Segundo os nominalistas, as espécies e gêneros universais são meras palavras que expressam um conteúdo mental, sem existência real. Segundo os nominalistas, os universais são conceitos, mas têm fundamento na realidade das coisas. Segundo os nominalistas, os universais (gêneros e espécies) são entidades realmente existentes no mundo das Ideias, sendo as coisas deste mundo meras cópias destas Ideias. Segundo os nominalistas, os gêneros e as espécies universais existem realmente, mas apenas na mente de Deus. Marcelo Mangini Página 23 FILOSOFIA PARA O ENEM QUESTÃO 015 Leia o texto a seguir sobre o problema dos universais. “Ockham adota o nominalismo, posição inaugurada em uma versão mais radical por Roscelino (séc. XII), [que] afirma serem os universais apenas palavras, flatus vocis, sons emitidos, não havendo nenhuma entidade real correspondentes a eles.” MARCONDES, D. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Marque a alternativa correta. Segundo o texto acima, o termo “humanidade”, aplicável a uma multiplicidade de indivíduos, indica um modo de ser das realidades extramentais. Segundo o texto acima, o termo “humanidade”, aplicável a uma multiplicidade de indivíduos, é apenas um conceito pelo qual nos referimos a esse conjunto. Segundo o texto acima, o termo “humanidade”, aplicável a uma multiplicidade de indivíduos, determina entidades metafísicas subsistentes. Segundo o texto acima, o termo “humanidade”, aplicável a uma multiplicidade de indivíduos, determina formas de substância individual existentes. QUESTÃO 016 “Com efeito, alguns tomam a coisa universal da seguinte maneira: eles colocam uma substância essencialmente a mesma em coisas que diferem umas das outras pelas formas; essa é a essência material das coisas singulares nas quais existe, e é uma só em si mesma, sendo diferente apenas pelas formas dos seus inferiores.” ABELARDO, Lógica para principiantes. São Paulo: Abril Cultural, 1973. Coleção “Os Pensadores”. p. 218. Sobre o texto acima, é correto afirmar que trata-se de uma tese realista, pois demonstra que a coisa universal existe por si mesma e constitui a essência material das coisas singulares. defende a tese nominalista, segundo a qual os universais não podem existir fora dos sujeitos de que são atributos. os universais são termos significativos, pois não são uma única essência em si mesmos. distingue as coisas singulares pela quantidade de matéria que nelas se apresentam. QUESTÃO 017 A Patrística, filosofia cristã dos primeiros séculos, poderia ser definida como retomada do pensamento de Platão, conforme os modelos teológicos da época, estabelecendo estreita relação entre filosofia e religião. configuração de um novo horizonte filosófico, proposto por Santo Agostinho, inspirado em Platão, de modo a resgatar a importância das coisas sensíveis, da materialidade. adaptação do pensamento aristotélico, conforme os moldes teológicos da época. criação de uma escola filosófica, que visava combater os ataques dos pagãos,rompendo com o dualismo grego. Marcelo Mangini Página 24 FILOSOFIA PARA O ENEM QUESTÃO 018 Segundo o texto abaixo, de Agostinho de Hipona (354-430 d. C.), Deus cria todas as coisas a partir de modelos imutáveis e eternos, que são as ideias divinas. Essas ideias ou razões seminais, como também são chamadas, não existem em um mundo à parte, independentes de Deus, mas residem na própria mente do Criador, [...] a mesma sabedoria divina, por quem foram criadas todas as coisas, conhecia aquelas primeiras, divinas, imutáveis e eternas razões de todas as coisas, antes de serem criadas [...]. Sobre o Gênese, V Considerando as informações acima, é correto afirmar que se pode perceber: que Agostinho modifica certas ideias do cristianismo a fim de que este seja concordante com a filosofia de Platão, que ele considerava a verdadeira. uma crítica radical à filosofia platônica, pois esta é contraditória com a fé cristã. a influência da filosofia platônica sobre Agostinho, mas esta é modificada a fim de concordar com a doutrina cristã. uma crítica violenta de Agostinho contra a filosofia em geral. UNIDADE III – Filosofia Moderna Parte I – Humanismo O século XIV foi o momento de mais acentuado declínio dos valores que caracterizavam a estrutura feudal europeia - em parte graças à já prolongada crise do feudalismo, marcada pelo renascimento urbano iniciado no século XII e pelo renascimento comercial do século XIII, em parte graças a um conjunto de catástrofes (Peste Negra, Revoltas Camponesas, Crise de Fome, Guerra dos Cem Anos) que, no conjunto, são chamadas de Crise do Século XIV. Ao final do século, o poder político nos reinos europeus ocidentais havia migrado, em grande parte, da nobreza rural para governos monárquicos centralizados. A expansão marítima, primeiro a italiana no Mediterrâneo (entre os séculos XIII e XV), depois a ibérica no Atlântico (a partir do século XV), expandiu os horizontes do homem europeu. As universidades fundadas pela Igreja tornavam-se polos de crítica à cultura medieval (e à própria filosofia escolástica) e refletiam o ponto de vista da cada vez mais importante classe burguesa. O advento da imprensa permitiu a circulação das obras de autores clássicos, até então pouco acessíveis, ao mesmo tempo em que incentivou novos autores a publicarem seus textos. Nesse período, quatro movimentos sintetizam uma Europa que se transforma rapidamente: o Renascimento Italiano, a Filosofia Humanista, a Reforma Protestante e a Revolução Científica. Apesar de alguns autores tratarem o Humanismo como uma mera “característica” do Renascimento, a Filosofia Humanista foi um movimento próprio, que influencia profundamente os artistas renascentistas, assim como influenciaria, mais tarde, grande parte dos movimentos intelectuais predominantes até o século XIX. Em grande medida, a confusão deriva de dois fatores: 1) a maior parte dos pensadores ligados ao Renascimento eram, também, filósofos humanistas; e 2) todas as características do humanismo podem ser observadas nas obras da Renascença. Porém, enquanto o Renascimento foi um movimento artístico e literário, o Humanismo é uma corrente filosófica. Ambos, como dito acima, compartilham diversas características fundamentais: Marcelo Mangini Página 25 FILOSOFIA PARA O ENEM • Há uma valorização da capacidade crítica do Homem. Ao invés de acatar passivamente as “verdades” impostas pelas velhas instituições de poder (em especial a Igreja), o Racionalismo defende a necessidade de investigar o mundo de maneira cética; • A filosofia e a arte depositam grande ênfase no Homem, como sujeito e objeto das preocupações éticas e estéticas da arte e da filosofia. Foi um período de grande Otimismo, uma vez que esse Antropocentrismo levava à convicção de que não haveria absolutamente nada que o Homem não pudesse alcançar se empregar de forma dedicada seus esforços; • No campo da fé, permanece a concepção cristã de que o Homem é feito à imagem e semelhança de Deus. Porém, essa crença reforça a centralidade do papel do indivíduo, na medida em que este, semelhante ao Criador, é também capaz de criar – além de, através da razão, poder compreender e modificar a natureza. O Naturalismo defendia a ideia de que todos os fenômenos são resultado de leis naturais. Na medida em que nada sobrenatural operava no mundo, nada estava fora do alcance da razão humana; • O modelo estético e epistemológico adotado pelos filósofos e artistas do período foi aquele fundado pelos gregos. O Classicismo, valorização da cultura greco-romana, é o elemento mais evidente da arte e do pensamento da época, justificando, inclusive, a adoção da expressão “renascimento” como uma retomada dos valores da antiguidade clássica; • Enquanto a Escolástica adotava uma postura aristotélica, que se refletia na ênfase na linguagem como forma de se alcançar as verdades, a Idade Moderna assiste a uma retomada da filosofia platônica – em especial à revalorização da matemática como base essencial para a compreensão e representação do universo. Battista Alberti (1404 - 1472) “Quando percebo que as forças dos céus e dos planetas estão do nosso lado, sinto-me vivendo entre deuses” O mais importante pensador humanista da Itália, Alberti foi também um importante arquiteto, poeta, pintor e músico. Sua arte e sua filosofia são profundamente influenciados por Pitágoras e pelo arquiteto romano Vetrúvio. Para Alberti, há uma equivalência entre a consonância audível dos intervalos numéricos e a consonância visual no desenho arquitetônico. As proporções geométricas dos corpos são dotadas de uma harmonia que, em última instância, corresponde ao ideal de beleza universal buscado pelo Renascimento. Marcelo Mangini Página 26 FILOSOFIA PARA O ENEM Thomas More (1478 - 1535) “O homem que segue o impulso da natureza é aquele que obedece à voz da razão” Apesar da sua vasta obra, Thomas More (ou Morus) é quase exclusivamente lembrado por uma fantasia política chamada Utopia. Neste livro, Morus faz um relato inspirado na República de Platão, imaginando uma ilha, Utopia, onde todos os homens são iguais, a propriedade privada é inexistente, os sábios governam e o trabalho é obrigatório para todos. Amigo e conselheiro de Henrique VIII, rei da Inglaterra que rompeu com a Igreja de Roma, Morus (ou More) teve uma trajetória política ascendente, tornando-se primeiro ministro do governo. Perdeu a amizade do rei quando decidiu não reconhecer o casamento de Henrique com Ana Bolena. Foi julgado e condenado à morte como traidor, por afirmar que o Parlamento não podia tornar o rei chefe da Igreja. Erasmo de Rotterdam (1466 - 1536) “Aquilo que os olhos são para o corpo a razão é para a alma” Depois de ter passado um tempo em uma escola monástica, Erasmo desenvolveu um ódio duradouro em relação à severidade da escolástica, contra a qual se rebelou. Suas críticas à Igreja o tornam um nome frequente entre os precursores da Reforma – apesar de ele não a ter apoiado, quando ocorreu. Sua obra mais conhecida O Elogio da Loucura, foi escrita na casa de More. O título é uma brincadeira
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