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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL – UFRGS Instituto de Geociências Departamento de Geodésia Geografia Urbana I A ORGANIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO DE PORTO ALEGRE RELATÓRIO DE SAÍDA DE CAMPO Orientadora: Profª Drª.Tânia Marques Strohaecker Luis Gambetti de Castro Mariana Just Blanco Sônia Maria Sandri 2015 2 SUMÁRIO 1 Introdução .................................................................................................................. 3 2 Objetivos .................................................................................................................... 3 3 Metodologia ............................................................................................................... 3 4 Área de Estudo .......................................................................................................... 4 5 A origem e organização do espaço urbano de Porto Alegre ...................................... 4 6 Roteiro da Saída de Campo ....................................................................................... 8 6.1 Centro Histórico .................................................................................................. 8 6.2 Bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos (4º Distrito, Av. Voluntários da Pátria) ................................................................................................. 14 6.2.1 Voluntários da Pátria ................................................................................... 15 6.2.2 Programa Integrado Entrada da Cidade (PIEC) .......................................... 18 6.2.3 Parque Marechal Mascarenhas de Moraes ................................................. 20 6.3 Bairro Cidade Baixa (Cidade Radiocêntrica) ..................................................... 22 6.3.1 – Travessa dos Venezianos ........................................................................ 23 6.3.2 – Rua Lopo Gonçalves ................................................................................ 25 6.3.3. Museu José Joaquim Felizardo (antigo Solar Lopo Gonçalves) ................. 25 6.4 Zona Sul ........................................................................................................... 27 6.4.1 Bairro Cristal (Cidade da Transição) ........................................................... 28 6.4.2 A Cidade Jardim.......................................................................................... 31 6.4.3 A Cidade Rururbana ................................................................................... 33 6.4.4 A Cidade da Transição ................................................................................ 35 7 Considerações Finais .............................................................................................. 37 Referências ................................................................................................................ 38 3 1 Introdução Por meio da Geografia Urbana podemos ter o entendimento da origem e evolução das cidades. Elas são uma criação humana, produto histórico-geográfico em constante dinamismo, espaço sempre em construção, fontes de inesgotáveis reflexões, debates, imagens, ideias. Segundo Santos (1985), “o espaço constitui uma realidade objetiva; por isso a sociedade não pode operar fora dele. Consequentemente, para estudar o espaço, cumpre apreender sua relação com a sociedade, pois esta que dita a compreensão dos efeitos dos processos (tempo e mudança) e especifica as noções de forma, função, estrutura, elementos fundamentais para a compreensão da produção do espaço”. Assim, a partir do estudo das formas urbanas é possível considerar um conjunto de elementos que deem conta de captar a complexidade do espaço urbano. É neste contexto que as observações realizadas na saída de campo em conjunto com o aprendizado teórico irão produzir às condições necessárias para compreender as mudanças e transformações ocorridas na cidade de Porto Alegre. 2 Objetivos O objetivo deste trabalho de campo é associar os ensinamentos teóricos trabalhados em sala de aula com a realidade urbana. Buscaremos o entendimento da dinâmica intraurbana através de sua organização e da produção do espaço urbano por diferentes agentes sociais, bem como, do planejamento e controle desse espaço pelos gestores públicos, que será narrado a partir da visitação às áreas da cidade (bairros, conjuntos urbanísticos, equipamentos públicos, vias arteriais), dos projetos em andamento tanto do setor público quanto do setor privado, validando assim a prática da valorização diferenciada do espaço urbano. 3 Metodologia A metodologia empregada integrou duas etapas: na primeira, o aprofundamento das discussões teóricas, através de consulta bibliográfica em livros e sites. Na segunda, a prática com saída a campo, onde se observou in loco as diferentes estruturas e composições dos bairros de Porto Alegre, que foram documentadas através de fotos e por mapas adaptados do site (GOOGLE), em que marcamos os pontos visitados. 4 4 Área de Estudo A área de estudo compreende o município de Porto Alegre, localizado no Estado do Rio Grande do Sul. Possui uma área total de 496,682 km2 e área urbana de 160,7 km2 com uma população estimada em 1.409.351 habitantes (IBGE, 2010). Mapa 1 – Localização do Município de Porto Alegre em relação ao Rio Grande do Sul (Fonte: Base Cartográfica do IBGE <http://ojs.c3sl.ufpr.br/ojs/index.php/turismo/article/view/25253/17719>) 5 A origem e organização do espaço urbano de Porto Alegre As cidades surgem, crescem e se desenvolvem a partir de seus centros, onde está sua parte mais antiga. A arquitetura induz, através de materiais, técnicas e formas construtivas, a função, o uso e o valor do espaço, constituindo assim o suporte pelo qual a cidade se constrói como meio comunicativo, possibilitando sociabilidades e interações em constantes transformações. Os processos sociais produzem formas urbanas, pela ação dos agentes produtores do espaço. Mas, estes processos não se dão sobre um espaço liso, e sim sobre um espaço já construído, produzindo transformações, reforçando tendências, enfim, provocando a dinâmica do espaço urbano que, portanto, não pode ser entendido como estático. É por isso que se fala em processos espaciais, para dar conta de entender a força que as formas urbanas já construídas exercem sobre os novos investimentos dos agentes produtores. Estamos no campo da dialética entre espaço e tempo. O espaço, 5 aliás, pode ser entendido como a acumulação de tempos, segundo Milton Santos. A acumulação do tempo histórico nos permite entender a atual organização espacial. A origem do centro urbano de Porto Alegre confunde-se com a própria origem da cidade. Isso porque foi exatamente neste sítio, habitado por indígenas de diversas raças como Charruas, Tapes e Guaicanãs, até 1700, que se originou o processo de colonização. Com o avanço paulista em direção ao Sul, a fundação de Lages em 1684, Viamão em 1730 e da Colônia do Sacramento, abre-se o caminho ao comércio e ao surgimento das cidades. A promoção do desenvolvimento do Município de Porto Alegre tem na Lei Orgânica o princípio ao cumprimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. O Centro Histórico é a área de urbanização mais antiga, com limites entre o lago Guaíba e o contorno da I Perimetral, desenvolvendo–se como um espaço de diversidadecomercial, que contém equipamentos públicos e privados, instituições financeiras, parte da área portuária e concentração de áreas e bens de interesse cultural. Corredor de Centralidade é o espaço definido por duas vias estruturadoras principais. Corredor de Urbanidade é o espaço urbano que envolve parcialmente os Bairros Cidade Baixa, Bom Fim, Independência e Navegantes, com características de uso semelhantes às dos Corredores de Centralidade, diferenciando–se, entretanto, pela presença de Patrimônio Cultural a ser valorizado e pela necessidade de investimentos públicos e privados que propiciem a interação social. Corredor de Desenvolvimento é a área de interface com a Região Metropolitana disponível para investimentos autossustentáveis de grande porte com vistas ao fortalecimento da integração regional. Corredor de Produção é a faixa situada entre as imediações do Porto Seco e a Av. Protásio Alves, onde é estimulada amplamente a atividade produtiva passível de convivência com a atividade residencial, bem como a ocupação de vazios urbanos para a habitação de interesse social. Corredor Agroindustrial é a área com potencial para a localização de indústrias não poluentes de produtos vinculados à produção primária e a matérias–primas locais, além de atividades de apoio com vistas a intensificar o desenvolvimento primário no sul do Município. Estudos elaborados por técnicos da Prefeitura de Porto Alegre, que deram origem ao Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental (PDDUA), reconheceram as diferenciações entre os espaços da cidade. São cidades dentro da grande cidade. 6 O reconhecimento destas características peculiares em relação à época de seu desenvolvimento, aos espaços públicos, às edificações, ao sistema viário, aos aspectos socioeconômicos, paisagísticos e ambientais ou ao seu potencial de crescimento, geraram, no PDDUA, uma denominação para cada uma de suas partes, constituindo nove macrozonas (mapa 2). Mapa 2 – Divisão das Macrozonas de Porto Alegre A denominada Cidade Radiocêntrica engloba o território compreendido pelo Centro Histórico e sua extensão até a III Perimetral. Trata-se da porção urbanisticamente mais consolidada do município, com traçado viário estruturador perfeitamente definido a partir de um sistema radial de vias principais, lotes na sua maioria ocupados, caracterizando as mais altas densidades e a infraestrutura mais qualificada da cidade. Destaca-se um significativo patrimônio ambiental, composto por áreas de interesse cultural, localizadas de forma mais concentrada no Centro Histórico, Cidade Baixa, Independência e Navegantes. Ao norte, situa-se o Corredor de Desenvolvimento, que recebeu esta denominação pela sua potencialidade de transformar-se em um polo de interesse econômico metropolitano face à sua excelente acessibilidade e localização estratégica. Constitui a 7 área entre a BR-290, a Av. Sertório e a Av. Assis Brasil, sendo estratégica para empreendimentos autossustentáveis de polarização metropolitana, com integração de equipamentos como o Aeroporto e as Centrais de Abastecimento do Rio Grande do Sul - CEASA S.A. Ao sul do corredor de desenvolvimento, encontra-se a Cidade Xadrez, com um padrão ortogonal de sua malha viária principal, representando a expansão da urbanização no sentido leste do município. Compreendida entre a Av. Sertório e Cidade da Transição no sentido norte-sul e entre a III Perimetral e o limite do Município no sentido oeste-leste. Constitui a cidade a ser ocupada através do fortalecimento da trama macroestruturadora xadrez, do estímulo ao preenchimento dos vazios urbanos e da potencialização de articulações metropolitanas e novas centralidades. São marcos estruturadores os três Corredores de Centralidade: Sertório/Assis Brasil, Anita Garibaldi/Nilo Peçanha e Ipiranga/Bento Gonçalves. Acompanhando o sentido natural da orla do Guaíba, da cidade radiocêntrica, em direção ao sul, e a linha dos morros, no sentido leste-oeste, identifica-se a Cidade da Transição - uma interface significativa que marca a transição entre a cidade mais consolidada e os topos dos morros ainda preservados, devendo manter suas características residenciais, com densificação controlada e valorização da paisagem. Constitui marco estruturador desta Macrozona o Corredor de Centralidade Cavalhada/Tristeza, que faz conexão entre bairros, sendo limitado longitudinalmente pelas ruas Dr. Barcellos e Pereira Neto. Seguindo pela orla do Guaíba e tendo como marco referencial o Morro do Osso, a Cidade Jardim cresceu integrada aos elementos naturais, predominando o uso residencial com intensa arborização. Caracteriza-se pela baixa densidade, pelo uso residencial predominantemente unifamiliar e elementos naturais integrados às edificações, com especial interesse na orla do Guaíba. Do lado oposto a Cidade Jardim, junto ao Parque Saint’Hilaire, está o espaço da cidade que seguramente concentra o maior número de vilas populares, é o denominado Eixo Lomba-Restinga. Sua origem está na ocupação habitacional de terrenos localizados ao longo das estradas João de Oliveira Remião e João Antônio da Silveira, com potencial para ocupação residencial miscigenada, em especial para projetos de habitação de caráter social, apresentando áreas com potencial de ocupação intensiva, situadas na Área de Ocupação Rarefeita. No extremo deste eixo, no centro-sul do município, tem-se a populosa Restinga, implantada através de um projeto público para abrigar população de baixa renda. Bairro residencial da Zona Sul cuja sustentabilidade tem base na implantação do 8 Parque Industrial da Restinga. Liga-se com a Região Metropolitana através do Corredor de Produção. A Cidade Rururbana é a área de ocupação mais rarefeita do município, onde se mesclam em diferentes graus, as atividades rural e urbana. Representando um espaço muito peculiar e de grande importância ecológica, não apenas para Porto Alegre, mas também para todo o Estado. A área é caracterizada pela predominância de patrimônio natural, propiciando atividades de lazer e turismo, uso residencial e setor primário, compreendendo os núcleos intensivos de Belém Velho, Belém Novo, Lami, Lageado, Boa Vista, Extrema e Jardim Floresta, bem como as demais áreas a partir da linha dos morros da Companhia, da Polícia, de Teresópolis, da Tapera, das Abertas e de Ponta Grossa. Engloba também as Unidades de conservação estaduais Parque Estadual Delta do Jacuí e Área de Proteção Ambiental Estadual Delta do Jacuí - APA. 6 Roteiro da Saída de Campo 6.1 Centro Histórico O Centro Histórico de Porto Alegre é considerado o núcleo irradiador da expansão da cidade. Procura mostrar sua evolução urbana, desde a fixação das primeiras famílias de açorianos, passando pela construção dos primeiros prédios públicos, pela modernização idealizada pelo governo positivista até chegar aos projetos atuais de revitalização da região central. Área visitada no Centro Histórico (mapa 3). Mapa 3 – Pontos visitados no Centro Histórico de Porto Alegre. (Adaptado por Mariana Blanco) 9 Deixamos a rótula da Reitoria/UFRGS às 8h20min em direção ao nosso primeiro ponto de observação à Rua Duque de Caxias esquina com a Rua General João Manoel, em meio às verticalizações das construções, onde se destaca o palacete da família Chaves Barcellos, do início do século XX, cuja obra foi idealizada pelo arquiteto Theo Wiedersphan. O palacete (foto 1), em meio às construções modernas, é símbolo de um tempo histórico passado, fazendo parte das rugosidades da cidade. Para Milton Santos (1986), "as rugosidadessão o espaço construído, o tempo histórico que se transformou em paisagem, incorporado ao espaço" e que, por testemunharem esse passado, não se transformam concomitantemente aos processos sociais, interferindo assim na sua dinâmica. Esse palacete, segundo o Dr. Günter Weimer, arquiteto, urbanista e pesquisador das obras de Theo Wiedersphan, “se trata do último remanescente de um bom número de prédios semelhantes que existiram na mesma via e que desapareceram sob a pressão de interesses imobiliários, numa época em que a cultura arquitetônica ainda era valorizada. [...] monumentos altamente significativos de uma das fases mais importantes da cidade, quando a linguagem do ecletismo de filiação neoclássica estava no auge durante a República Velha e dos quais ele é um dos mais legítimos representantes.”. Igualmente, a escadaria da Rua General João Manoel (foto 1), constitui-se de uma rugosidade do Centro Histórico – ela tinha por função conectar a parte alta da cidade com a parte baixa (entre a Rua Duque de Caxias com antiga Rua do Arvoredo, hoje, denominada Rua Coronel Fernando Machado); para não precisar contornar toda a orla, diminuindo desta maneira as distâncias entre os diferentes níveis da cidade. Estruturalmente, a escadaria permanece do mesmo modo em que foi concebida, apresenta-se em degraus e em patamares de forma simétrica. Ela se desenvolve em três lances centralizados e ladeados por muretas, pilaretes e canteiros. A partir do terceiro lance, os degraus se dividem, com peitoril feito em ferro trabalhado, e se encontram novamente para outro lance que leva ao belvedere, cuja mureta possui balcão de apoio. A Família Chaves Barcellos, proprietária dos imóveis do quarteirão, financiou um terço da obra da escadaria, visando à valorização imobiliária, o restante foi pago pelos cofres públicos. O que se observa nesse ponto, é um processo de inércia, visto que a função que a escadaria tinha, de conectar diferentes níveis da cidade, hoje, em meio a verticalizações e ruas em que trafegam carros, acarretou o seu desuso pela população. 10 Sobre o que constitui o processo de inércia no espaço urbano, Corrêa (1989) contextualiza: “o processo de inércia atua na organização intraurbana através da permanência de certos usos em certos locais, apesar de terem cessado as causas que no passado justificaram a localização deles”, assim, para se ter o processo em questão, é necessário que se mantenha conteúdo e forma, preservados nos ambientes. A escadaria é tombada pela Secretaria Municipal de Cultura. Foto 1 – Palacete Chaves Barcelos e escadaria, algumas das rugosidades no Centro Histórico de Porto Alegre, 17/10/2015. (Fotocomposição: Mariana Blanco) Caminhar pela Rua Duque de Caxias é uma forma de voltar no tempo. A partir dela, ao se percorrer os principais monumentos históricos, é possível conhecer boa parte do passado de Porto Alegre. A rua que se desenvolveu ao longo da parte mais alta da colina, onde nasceu a antiga vila de Porto Alegre, era o divisor de águas das vertentes norte e sul. Na vertente norte se concentravam as classes mais abastadas, representadas por políticos, comerciantes, militares, e, na vertente sul pela população de baixa renda, como ex-escravos, imigrantes e trabalhadores. A vertente norte era mais valorizada por apresentar maior insolação, maior acessibilidade com outras regiões e por ter uma topografia atenuada. Já a vertente sul, a área era sempre mais úmida e fria em razão da pouca insolação. A seguir (foto 2) vemos uma série de antigas construções, localizadas à Rua Duque de Caxias e à Rua General João Manoel, e, que compõem parte do patrimônio cultural do Centro Histórico, em meio a verticalizações, delineando a paisagem de um tempo pretérito, onde formas de tempos anteriores coabitam no presente. Essas rugosidades, ao mesmo tempo que condicionam o cotidiano, as formas espaciais, também condicionam o futuro da sociedade, pois representam sua reprodução social. (CORRÊA, 2003). 11 Foto 2 – Vasto patrimônio cultural, Rua Duque de Caxias e Rua General João Manoel, Porto Alegre, 17/10/2015. (Fotocomposição: Mariana Blanco) Antes de discorrer sobre os outros pontos que margeiam a tradicional Rua Duque de Caxias e, que fizeram parte de nossa incursão, registramos algumas designações atribuídas a essa rua, conforme diferentes registros temos: Rua Formosa, Rua direita da Igreja, Rua Alegre e Rua da Igreja. Mas, o primeiro nome oficial foi o de Rua da Igreja, por ali localizar-se o único santuário da cidade. Foi, por anos, a rua mais nobre da cidade, residindo ali políticos, comerciantes e militares de altas patentes em luxuosos sobrados e solares das famílias aristocráticas da cidade, como o Solar dos Câmaras, o mais antigo prédio residencial de Porto Alegre. Também conhecida como “Altos da Praia”, na Duque de Caxias foi construída a Igreja da Matriz, atual Catedral Metropolitana, posteriormente denominada de Marechal Deodoro a praça ali existente, mais conhecida por Praça da Matriz. O espaço abriga ainda os prédios dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, e o Teatro São Pedro, o mais antigo da cidade, tendo sua construção concluída em 1858 e, além destes, os prédios da Biblioteca Pública e do Ministério Público (foto 4). Todos os prédios exibem uma preocupação em asseverar o seu poder, visto pela monumentalidade da arquitetura (tamanho das janelas e portas, e pelos detalhes na fachada). Essa monumentalidade atua na dimensão do simbólico, dando visualidade, representando e valorizando as ideias, ações e concepções daqueles que a utilizam, ou seja, tem sempre uma razão de ser, a qual pode estar bem explicitada ou não. O Monumento a Júlio de Castilhos, na Praça Marechal Deodoro (foto 3) é uma dessas representações de monumentalidade, cuja função, além de homenagear, era 12 de dar uma significação para essa figura histórica. O conjunto das três estátuas de Júlio de Castilhos representam valores importantes para o Positivismo. Foto 3 – Monumento a Júlio de Castilhos, Praça Marechal Deodoro, Porto Alegre, 17/10/2015. Mostra as diferentes épocas da vida do Presidente. (Fotocomposição: Mariana Blanco) O prédio da Biblioteca Pública (foto 4) constitui o poder cultural da cidade, tem como símbolo o guardião do saber. Em sua fachada estão incrustados diversos bustos de personalidades importantes, imprimindo a ela um saber acumulado por várias gerações. Por sua vez, a Catedral Metropolitana, expressa na forma estrutural de sua arquitetura - colunas, torres e cúpula – toda a monumentalidade do poder religioso (foto 4). 13 Foto 4 – Essas edificações representam o poder político, religioso e cultural. Praça Marechal Deodoro e seu entorno, Porto Alegre, 17/10/2015. (Fotocomposição: Mariana Blanco) Ainda no Centro Histórico, seguimos pela Av. Duque de Caxias até o Viaduto Otávio Rocha. As origens do Viaduto Otávio Rocha remontam a 1914 quando o primeiro plano diretor da cidade previu a abertura de uma rua para ligar as zonas leste, sul e central de Porto Alegre, até então isoladas pelo chamado "morrinho". Contudo, sua construção só foi decidida em 1926, quando o Intendente Otávio Rocha, em conjunto com o presidente do Estado, Borges de Medeiros, determinou a abertura efetiva da atual Avenida Borges de Medeiros. Essa decisão exigiu um rebaixamento considerável no terreno, interrompendo o curso da Rua Duque de Caxias e obrigando a criação de uma via elevada para 14 reconstituir sua passagem. Então, na gestão do Prefeito Otávio Rocha, empreendeu- se umareforma urbana, visando transformar a capital numa “nova Paris”. Foram previstas a construção de largas avenidas, bulevares e rótulas, mas para que essas obras fossem levadas adiante, vieram abaixo muitos casarões, especialmente na área central. Assim, no período entre 1928-1932 surge o Viaduto Otávio Rocha (foto 5), um dos marcos do centro de Porto Alegre. Com a promulgação da Lei nº 10.541 de 19/09/2008, o espaço público superior do Viaduto Otávio Rocha passou a denominar- se "Passeio das Quatro Estações". Foto 5 - Avenida Borges de Medeiros, Viaduto Otávio Rocha, Porto Alegre. (Fotocomposição: Mariana Blanco) 6.2 Bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Humaitá e Farrapos (4º Distrito, Av. Voluntários da Pátria) No século XIX, o 4º Distrito (mapa 4) revelou-se com forte vocação industrial e, especialmente, a partir de 1890 quando várias indústrias da Capital se instalam ao longo da Rua Voluntários da Pátria. 15 O crescimento industrial contribuiu para o aumento da população, em sua maioria operários, que passaram a habitar essa região em função da proximidade a seus locais de trabalho. Contudo, a partir da década de 40, as indústrias ali instaladas começam a se retirar, buscando áreas mais longínquas por necessitarem de maior espaço. Mapa 4 – Localização da Zona Norte de Porto Alegre, 2015. (Adaptado por Mariana Blanco) 6.2.1 Voluntários da Pátria Seguindo pela Av. Voluntários da Pátria observamos a decadência da antiga zona industrial de Porto Alegre (fotos 6 e 7) - a deterioração tomou conta de suas ruas, agravada por alagamentos, insegurança e prostituição. As indústrias deixaram as áreas centrais buscando áreas na periferia onde tinham maior acessibilidade, terrenos amplos, baratos, infraestrutura já instalada e, com isso, as antigas áreas industriais próximas ao centro acabaram por se tornar obsoletas, pois ficaram em desuso (CORRÊA, 1995). 16 Atualmente, o que se evidencia na paisagem, são resquícios de prédios ocupados por estacionamentos, oficinas, ferro-velho, depósitos, guarda-móveis, vulcanizadoras, transportadoras, postos de combustíveis. Foto 6 - Alagamentos na Rua Voluntários da Pátria, Porto Alegre, 17/10/2015. Foto 7 – Rua Voluntários da Pátria (antiga zona industrial), Porto Alegre, 17/10/2015. (Fotocomposição: Mariana Blanco) 17 Continuando pela Rua Voluntários da Pátria seguimos pelo eixo da Av. A. J. Renner, e contornamos a estrada junto ao Lago Guaíba. O processo de segregação residencial e social é evidente ao longo desse eixo, com o aparecimento de favelas e falta de infraestrutura urbana. Com o processo de regularização fundiária durante as décadas de 1980 e 1990, vilas como a Humaitá e a Farrapos passaram a abrigar pessoas que anteriormente viviam irregularmente. O Departamento Municipal de Habitação (DEMHAB, 1999) define ocupações irregulares como núcleos e vilas irregulares formadas por moradias, em área pública ou privada, com problemas de irregularidade fundiária e com grau variável de deficiência de infraestrutura urbana e serviços. O que pode ser observado na parada junto a Vila Dona Teodora (foto 8) - a precariedade das moradias (de papelão e madeira, telhado de zinco), a falta de infraestrutura (sanitariedade, lixo exposto, mau cheiro, proliferação de vetores, ruas sem asfalto), evidenciando um típico quadro de segregação involuntária, que devido às condições socioeconômicas, obriga a população a morar em determinada área. De acordo com Villaça (2001), a segregação é um processo em que classes ou camadas sociais tendem a se concentrar cada vez mais em diferentes regiões ou bairros da metrópole, primariamente por fatores socioeconômicos. A segregação involuntária não se dá de forma planejada por seus atores, mas sim estes são marginalizados e segregados por falta de opção e recursos financeiros, assim transferindo-se para áreas periféricas. Foto 8 - Um dos becos da Vila Dona Teodora, apresentando barracos de madeira, Bairro Farrapos, Porto Alegre, 17/10/2015. (Foto: Luis Gambetti de Castro) 18 Dessa forma, uma área antes desocupada, mesmo que distante do centro da cidade, porém próxima do local de trabalho pode levar a um processo de segregação involuntária à medida que a população pobre que irá se deslocar para essa nova região, estará privada de infraestrutura e acesso a locomoção pública. O mesmo ocorre quando uma população em escassez de recursos financeiros se muda para uma área mais afastada da cidade, vivendo de forma irregular (CORRÊA,1989). 6.2.2 Programa Integrado Entrada da Cidade (PIEC) Coordenado pela Secretaria Municipal de Gestão, o Projeto Integrado Entrada da Cidade (PIEC) foi iniciado em 2004, ganhando impulso para sua implantação em 2005. Tem como objetivos a reestruturação urbana, incluindo obras de habitação e saneamento, e a recuperação ambiental no acesso Norte de Porto Alegre; assim garantindo mais qualidade de vida para a população que continha várias famílias reassentadas, que moravam de forma precária em diversas vilas junto a Rua Voluntário da Pátria. As comunidades beneficiadas com o Programa Integrado Entrada da Cidade são: Vila Nossa Senhora da Paz, Vila A. J. Renner, Vila Nossa Senhora Aparecida, Vila IAP, Vila Ocupação Leito da Avenida Voluntários da Pátria e Vila Esperança. O PIEC abrange uma área de 6,5 km2, incluindo os bairros Humaitá, Navegantes e Farrapos (mapa 5). A nível nacional pode ser considerado um dos maiores projetos habitacionais, tanto em número de unidades habitacionais (3.061 casas e 714 lotes urbanizados) quanto em número de beneficiados (3.775 famílias). Mapa 5 - Área de implementação do Programa Integrado Entrada da Cidade, Porto Alegre, 17/10/2015 Fonte: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1678-86212011000300006&script=sci_arttext 19 O projeto dispõem de investimento total de R$ 140 milhões, sendo desses R$ 71,4 milhões apenas para a área de habitação, provenientes de financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), Ministério das Cidades, Fondo Financeiro para El Desarrollo de la Cuenca del Plata (Fonplata) e Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA). A área que no total inclui 22 vilas irregulares foi reestruturada para comportar as famílias que anteriormente viviam de forma precária na Rua Voluntários da Pátria. A Vila Tecnológica (foto 9) foi uma das pioneiras, datando de 1995/1996 por um convênio com a ULBRA (Universidade Luterana do Brasil), com início em protocolo estabelecido com o governo federal através do Programa de Difusão Tecnológica para a Construção de Habitações de Baixo Custo (PROTECH), financiado pela Caixa Federal. É caracterizada por cada grupo de 140 casas, elaboradas e construídas por meio de sistemas alternativos, empregando tecnologia diferenciada na construção e testando matérias de construção não habituais. Alguns desses materiais incluem cinzas de termoelétricas, utilizadas na fabricação de tijolos. As casas seguem um padrão, sendo a metragem dos sobrados de 40 m2 e 45 m2. A Vila também possui creche, praça pública, associação de moradores, bem como equipamentos de escoamento de água. Foto 9 – Vila tecnológica, Porto Alegre, 17/10/2015. Nota-se a padronização das casas, assim como a presença de uma praça pública. (Fotocomposição: Mariana Blanco) 20 Com a intervenção na área, que foi historicamente local, de descarte de resíduo sólidos e, com finalidade de promover novas fontes de geração de trabalho e renda para a população em questão, duas unidades de resíduos sólidosprovenientes da coleta seletiva de lixo foram erguidas. Cursos de formação e qualificação profissional, voltados para a área de demanda dos empreendimentos que foram instalados são oferecidos, o que inclui transporte de cargas e de passageiros. A Vila Tecnológica, assim como a Vila Dona Teodora, é um exemplo de segregação involuntária, só que nesse caso exercida pelo Estado. Apesar da melhoria nas condições de infraestrutura com a construção de casas populares padronizadas para servir a população de baixa renda, instalação de creches e praças, ainda configura uma região distante do centro e de onde essas pessoas moravam. 6.2.3 Parque Marechal Mascarenhas de Moraes Localizado ao norte do centro, no bairro Humaitá, junto a Rua Aloísio Filho, o parque Marechal Mascarenhas de Moraes (mapa 6) é uma área de banhado, com mata ciliar e campo com uma área de 18,3 hectares (8 de banhado e 6 de preservação ecológica). Foi o primeiro parque originado da Lei de Parcelamento de Solos na cidade, inaugurado em 1982 e reformulado em 2007. Tentativas de loteamento no local já haviam ocorrido na década de 40, porém não foram bem sucedidas. Apenas com a chegada dos conjuntos habitacionais na década 80 ocorreu, de fato, crescimento; quando empresas como a Incorporadora Rossi ‘’adotam’’ o parque, transformando-o em sua área protegida e ofertando-o em conjunto com seus empreendimentos. Nesse caso, o Parque Marechal Mascarenhas de Moraes é agregado pela Rossi Incorporadora aos seus empreendimentos, sendo amplamente destacado na venda destes como um dos fatores positivos para sua aquisição na região. Portanto, a Rossi, desenvolve a função de promotor imobiliário, que de acordo com Corrêa (1989), são um dos agentes mais complexos de todo o sistema, uma vez que eles incorporam e realizam a gestão de capital em estágio de transformação da mercadoria em imóvel, realizam financiamento, o estudo técnico, constroem o imóvel e depois comercializam, com o objetivo principal, o lucro. Conforme Martins (2009), anteriormente a região era mal vista no que se refere às condições habitacionais pelo fato de ser área de periferia, e embora hoje haja um interesse imobiliário devido ao posicionamento do bairro na cidade e as melhorias, principalmente do setor privado, nota-se um aumento da segregação social urbana em relação às favelas que existem no entorno do bairro. 21 O atual avanço imobiliário é um reflexo do crescimento populacional vivenciado na cidade de Porto Alegre e esta região mostra-se atrativa a construção civil, visto que é a entrada da cidade, contornada pelas BR 116 e 290. De acordo com Martins (2009) a valorização imobiliária consequente desse processo é vista com bons olhos pela população do bairro. Mas o poder público pouco investe no que se refere ao saneamento e obras viárias de acesso. Mapa 6 – Delimitação do Parque Marechal Mascarenhas de Moraes no Bairro Humaitá. (Adaptado por Luis Gambetti de Castro) Inicialmente, o parque foi usado como aterro sanitário (lixão) para resíduos domésticos, com intuito de facilitar a ocupação urbana ao redor. Logo vieram os primeiros conjuntos habitacionais, porém posteriormente um banhado ressurge na área central do parque. Hoje a área central do parque funciona como refúgio para muitas aves migratórias da região, destacando-se as garças. Também se sobressaem os exóticos troncos de eucaliptos mortos, remanescentes de uma tentativa de contenção de alagação, comprovando mais uma vez que o local se trata de um banhado (foto 10). O parque é uma área de uso misto, apresentando tanto uma área de preservação permanente quanto uma área de lazer e recreação. Ainda oferece campo e quadras de futebol e vôlei, cancha de bocha, pista de patinação, equipamentos esportivos diversos, assim como churrasqueiras e quiosques cobertos. 22 Foto 10 - Área de banhado no parque. Nas imagens superiores observa-se a presença de garças, bem como os troncos de eucaliptos secos, abaixo empreendimento da ROSSI e área de lazer dentro do parque. Porto Alegre, 17/10/2015. (Fotocomposição Mariana Blanco) 6.3 Bairro Cidade Baixa (Cidade Radiocêntrica) Em meados do século XIX, “Cidade Baixa” foi a designação utilizada para toda região situada ao sul da colina da Rua Duque de Caxias. Mas, o território que hoje é conhecido como bairro Cidade Baixa, possuiu vários nomes associados ao seu território: Arraial da Baronesa, Emboscadas, Areal da Baronesa e Ilhota. Ao longo do século XIX, era denominado Arraial da Baronesa, que fazia alusão a uma grande extensão territorial abrangida por uma chácara de propriedade da Baronesa de Gravataí, cuja mansão localizava-se onde hoje é Fundação Pão dos Pobres. Faziam parte da área, também, propriedades semirrurais, cuja base produtiva era a mão de obra do escravo. Em 1879, depois de um incêndio em sua propriedade, a Baronesa loteou e vendeu suas terras, que passaram a ser habitadas por negros libertos e famílias italianas. Desta forma, o território foi denominado, de Areal da Baronesa, em virtude da areia avermelhada existente no local. Assim, até metade do século XX, a Cidade Baixa continuava sendo reduto dos italianos, que realizavam serviços especializados, e dos negros: estes residiam na área correspondente ao Areal da Baronesa e à Ilhota, locais bastante insalubres, pois sistematicamente ocorriam inundações. Essas áreas fazem parte da história de Porto Alegre enquanto espaços associados à cultura popular expressa através dos 23 batuques, das danças, ritmos e festas organizadas pelos segmentos negros da população. Salientamos que a denominação de Ilhota deu-se em função de uma intervenção realizada em 1905 no fluxo do Riachinho, que acabou por abrir um canal, determinando a formação de uma pequena ilha. Posteriormente, o Riachinho foi canalizado, e teve seu curso modificado através de um projeto municipal, durante a administração de José Loureiro da Silva em 1941, passando a ser conhecido por Arroio Dilúvio. A partir da metade do século XX, população da região aumenta significativamente, em função do desaparecimento das últimas chácaras. Atualmente, a Cidade Baixa, criada oficialmente pela Lei 2022 de 1959, é habitada por uma população heterogênea e, como pontos que referendam seu passado, estão o Ginásio de nome “Tesourinha”, o complexo habitacional denominado 29 “Lupicinío Rodrigues”, o Solar Lopo Gonçalves que é sede do Museu de Porto Alegre, a Fundação Pão dos Pobres, o Largo Zumbi dos Palmares, a Ponte de Pedra, a Travessa dos Venezianos e inúmeros estabelecimentos de entretenimento, principalmente noturnos, que lembram os tempos boêmios do Areal e da Ilhota. Pontos visitados (mapa 7). Mapa 7 - Travessa dos Venezianos, Rua Lopo Gonçalves, Museu Joaquim José Felizardo localizado na Rua João Alfredo, Cidade Baixa, Porto Alegre, 17/10/2015. (Adaptado por Mariana Blanco) 6.3.1 – Travessa dos Venezianos A Travessa dos Venezianos está localizada próxima à periferia sul do bairro Cidade Baixa, entre as ruas Lopo Gonçalves e Joaquim Nabuco. Em ambos os lados da 24 travessa estão localizadas 15 casas em fita, que ainda mantém o calçamento original de pedras irregulares (foto 11). Foi tombada pelo Patrimônio Histórico Municipal para preservar a arquitetura da época (início do século XX). Foto 11 - Travessa dos Venezianos, Cidade Baixa, Porto Alegre, 17/10/2015. (Fotocomposição: Mariana Blanco) A arquitetura simples, desprovida de elementos arquitetônicos significativos, revela sua forma de ocupação original, popular, destinada a servir de fonte de renda na formade aluguéis. Estas casas originalmente eram ocupadas por pessoas de renda muito baixa, em regime de aluguel. Com o passar dos anos seus ocupantes passaram a ser os proprietários. Trata-se de um espaço urbano típico de muitas de nossas cidades antigas, de estreitas ruas, com fachada resumida a um esquema de porta e uma ou duas janelas que se abrem para a rua, com pé-direito alto e uma platibanda acima, sendo essas casas pegadas umas às outras em fileira (foto 12). Foto 12 - Casas geminadas com janelas e portas para a rua. Na parte superior, as platibandas escondem o telhado. Travessa dos Venezianos, Cidade Baixa, Porto Alegre, 2015. (Foto: Mariana Blanco) 25 Até a metade do século XIX e fim da Guerra dos Farrapos, a região da Cidade Baixa era um subúrbio com aspectos de zona rural, à mercê de constantes enchentes provocadas pelo Arroio Dilúvio. Conhecida também como zona de refúgio de escravos, sua evolução se fez a partir da instalação de uma olaria nas imediações. O carnaval movimentava as ruas deste bairro. Entre os blocos mais conhecidos destacava-se o "Bloco dos Venezianos". Dizem que a travessa ganhou esse nome em homenagem a Sociedade Carnavalesca “Os Venezianos”, fundada em 1873, contudo não há registros que comprovem esse fato. A Cidade Baixa, antes um bairro pobre de periferia, hoje é um centro boêmio e a Travessa dos Venezianos abriga pizzaria, atelier de artes além de residências. 6.3.2 – Rua Lopo Gonçalves A rua inicia na Avenida João Pessoa e termina na Rua João Alfredo. São apenas três quadras, mas formam um ambiente único, um espaço residencial com suas casas antigas e minicasas, geminadas, que mantém características de porta e janela para a calçada, com indicação de ano de sua construção (foto 13). Algumas dessas casas foram reformadas, transformadas em bares e acolhem os assíduos frequentadores da noite. A rua é do final do século XIX, foi aberta entre 1884 e 1885. Foto 13 – Grande variedade de detalhes das construções na Rua Lopo Gonçalves, Porto Alegre, 17/10/2015 (Fotocomposição: Mariana Blanco) 6.3.3. Museu José Joaquim Felizardo (antigo Solar Lopo Gonçalves) No começo do século XIX, Porto Alegre, era cercada de chácaras que delimitavam o espaço urbano. As casas de chácara foram um tipo característico de habitação durante o período colonial e localizavam-se geralmente na periferia dos centros urbanos, tidas como a solução preferida das famílias mais abastadas, pois dispunham 26 de vantagens não encontradas nas residências da cidade, relacionadas, sobretudo, à higiene e produção de alimentos. Na Rua João Alfredo observamos o Solar Lopo Gonçalves, de propriedade do comerciante português Lopo Gonçalves Bastos. A Chácara localizava-se na Várzea, planície alagadiça que se estendia da atual Praça Argentina até a Avenida Venâncio Aires no bairro Cidade Baixa. O Solar foi construído fora dos limites da cidade, para servir como sede de chácara da família, entre os anos de 1845 e 1853, de frente para a Rua da Margem (atual Rua João Alfredo), assim denominada por margear o Arroio Dilúvio. O Solar Lopo Gonçalves é um exemplar do estilo tradicional luso-brasileiro ou colonial, com porão alto e acesso principal pela escada lateral. Possui telhado em forma de “quatro águas e beirais”. As janelas frontais apresentam quadro superior ornado com meias rosáceas. As paredes externas foram construídas em alvenaria de tijolos e as internas em estuque (barro, madeira e folhas de palmeira) como pode ser visto na foto 14. Posteriormente, em sua estrutura, foram realizadas algumas modificações arquitetônicas como fechamento do pátio interno, a inclusão de um novo cômodo e a construção do torreão, que tinha a função de observatório. Lopo Gonçalves manteve vários negócios de comércio na cidade e parte da casa servia de senzala para os seus muitos escravos. Foto 14 - Preservada a arquitetura colonial açoriana do Solar Lopo Gonçalves, Porto Alegre, 17/10/2015 (Fotocomposição: Mariana Blanco) 27 No final do século passado, com a nova configuração do bairro Cidade Baixa e o progressivo desaparecimento das propriedades semirrurais, a Chácara de Lopo Gonçalves também reduziu seu tamanho, mas manteve ainda atividades produtivas. Devido ao seu valor histórico o prédio foi objeto de tombamento em 21 de dezembro de 1979 e sedia atualmente o Museu Joaquim José Felizardo. 6.4 Zona Sul Num segundo momento, deixamos a Cidade Baixa, passamos pelo Ginásio Tesourinha e seguimos rumo a Zona Sul (mapa 8). Mapa 8 – Em amarelo os pontos visitados na Zona Sul, Porto Alegre (adaptado por Mariana Blanco) 28 6.4.1 Bairro Cristal (Cidade da Transição) Segundo o novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano Ambiental de Porto Alegre (PDDUA, 2010) e suas estratégias de ocupação territorial, Porto Alegre compreende várias cidades dentro da cidade. Entre elas citamos a Cidade de Transição (área compreendida entre a Cidade Radiocêntrica e a Cidade Jardim), que abrange o bairro Cristal. Uma ocupação mais efetiva desta área ocorreu no início do século XIX com a chegada dos imigrantes italianos que cultivavam pomares e hortas; também era uma região de charqueadas. Durante a primeira metade do século XX, o Cristal insere-se no caráter de urbanização e modernização: avenidas asfaltadas, ruas abertas e novas edificações construídas. Instalaram-se aí o Jockey Club, o Hipódromo do Cristal, o Clube Veleiros do Sul, o Iate Clube Guaíba, o Estaleiro Só, a fábrica Termolar, e mais recentemente o Museu Iberê Camargo e o Barra Shopping Sul. No local onde hoje está implantado o shopping existia a Vila Campos do Cristal e no entorno existiam outras vilas (Estaleiro Só, Sanga da Morte e Arroio da Cavalhada) – todas foram remanejadas por um convênio entre a Prefeitura Municipal de Porto Alegre (PMPA) e a empresa Multiplan (empreendedora do shopping) e reassentadas nos bairros Vila Nova e Campo Novo. Alterações urbanas ocorridas em consequência da instalação do Barra Shopping Sul: Quanto à distribuição urbana no bairro Cristal, percebe-se edificações modestas, com vários condomínios verticais destinados a classe média; nas áreas limítrofes com os bairros Assunção e Santa Teresa localizam-se vários condomínios horizontais de alto padrão. Também nesta área encontra-se parte da Vila Cruzeiro do Sul, onde ocorre grande precariedade nas moradias e na infraestrutura. Neste contexto, o espaço urbano é simultaneamente fragmentado e articulado, onde cada uma das partes mantém relações espaciais com as demais, mesmo que com intensidade muito variável, fruto das desigualdades sociais (Corrêa, 1989). Estas relações espaciais, que envolvem diversos segmentos sociais, tem na cidade seu campo de lutas, cujo objetivo é a apropriação do espaço. Esta situação é retratada no Bairro Cristal e reforçada pela instalação do Barra Shopping Sul (foto 15), empreendimento de capital privado, que por seu perfil comercial e social, traz adequações urbanas que transcendem a seu entorno, envolvendo o deslocamento de moradores das vilas próximas para o Loteamento Campos do Cristal, na Vila Nova, distante do local de origem. 29 Tal situação leva a um confronto, onde grupos sociais, modeladores espaciais, em busca de seus interesses, entram em choque, configurando um campo de lutas, onde o Estado aparece como mediador, adequando as soluções a seus interesses: “No espaço urbano, fundem-se os interesses do capital, a ação do estado e a luta dos moradores como forma de resistência contra a segregação no espaço residencial e pelo direito à cidade”(CARLOS, 1992). Com este empreendimento, o Bairro Cristal tem o capital privado como impulsionador para as alterações urbanas e consequente valorização imobiliária. A implantação do Barra Shopping Sul atende ao especificado pelo PDDUA vigente, oferecendo diversidades de serviços, alterações urbanas no seu entorno (abertura de ruas, duplicação de passeio público, construções de rotatórias, instalações de semáforos e iluminação pública) e se consolidando como um novo referencial no bairro Cristal. Foto 15- Vista parcial do empreendimento Barra Shopping Sul, Porto Alegre, 17/10/2015. (Foto: Sônia Sandri) Atualmente, um dos equipamentos urbanos que se destacam no bairro Cristal é a Estação Elevatória de Efluente (ou de bombeamento, EBE Cristal – Foto 16). A operação do Programa Integrado Socioambiental (PISA) implantado pela PMPA elevará o volume de esgotos tratados de 27% para 80%. A função da estação é bombear os efluentes para a Estação de Tratamento de Efluentes (ETE) Serraria, por via dos emissários terrestre e subaquático. O projeto prevê que o esgoto produzido nas regiões centrais de Porto Alegre seja bombeado até a estação Ponta da Cadeia, sendo conduzido por um emissário terrestre até a estação Cristal, que recebe também os efluentes coletados no Sistema Cavalhada. De lá, o 30 esgoto segue pelo emissário subaquático e por um pequeno trecho terrestre até a ETE Serraria. As estações elevatórias – ou de bombeamento – de efluentes contam com um poço de sucção, que recebe e amortece o esgoto, conduzindo-o para o poço de bombas em regime laminar e evitando a entrada de ar. As bombas impulsionam o esgoto recalcando-o para o emissário. As chaminés de equilíbrio evitam os efeitos transientes. Foto 16 - Estação Elevatória de Efluentes (EBE Cristal), Porto Alegre, 17/10/2015. (Foto: Sônia Sandri) O Arroio da Cavalhada está sendo recuperado por meio do Programa Integrado Socioambiental (PISA). No Cristal, o arroio terá seu leito realinhado sobre uma base de concreto e será cercado por uma avenida de duas mãos, cada uma com três faixas. Mais alto que a avenida, um dique impedirá transbordamento do arroio. Foto 17 - Arroio Cavalhada, Bairro Cristal, Porto Alegre, 17/10/2015 (Foto: Sônia Sandri) 31 6.4.2 A Cidade Jardim O trabalho de campo incluiu uma pequena parada no bairro Pedra Redonda, antiga área de veraneio, e no bairro Ipanema que, nos primórdios do século XX era considerada área rural (com cultivo de arroz, milho, aipim e frutas), e a criação de gado leiteiro. A Pedra Redonda ganhou notoriedade no início do século XX como um dos lugares de lazer e de veraneio dos porto-alegrenses. Nessa época se estabeleceram as primeiras ligações do Centro Histórico da capital com a Zona Sul, então pouco habitada. Nos dias atuais, a Pedra Redonda é um bairro predominantemente residencial, um dos mais valorizados da cidade, que conta a presença de várias sedes campestres de associações e sociedades privadas e públicas (foto 18). Foto 18 – Sede campestre, Praia da Pedra Redonda. Porto Alegre, 17/10/2015 (Fotocomposição Mariana Blanco) Progressivamente, muitos dos antigos chalés de madeira que existiram no início de sua história deram lugar a casas e a condomínios horizontais de alto padrão, situados em ruas bem arborizadas. Diferentemente de seu passado, a praia da Pedra Redonda não é mais balneável, tampouco acessível ou segura. Fatores que contribuíram para isso foram a especulação imobiliária, a poluição e o longo descaso do Poder Público (foto 19). Foto 19 – Praia da Pedra Redonda, muita poluição. Porto Alegre, 17/10/2015 (Fotocomposição Mariana Blanco) 32 O Bairro Ipanema passa a ser bairro de veraneio e residencial durante as décadas de 50 e 60. Já no final da década de 60, a região perde sua balneabilidade devido aos problemas de poluição. No início dos anos 1990 ele sofre uma recuperação paisagística e urbanística (com a construção de calçadão, ciclovia e outras amenidades na orla do Guaíba). A nossa parada em Ipanema foi curta, contudo pudemos constatar grande represamento das águas e inundação. Conforme informado pelo Sistema Metroclima da Vigilância Meteorológica de Porto Alegre em conjunto com o Centro Integrado de Comando (CEIC), neste dia (17/10) o nível do Guaíba encontrava-se a 2,94m, representando um nível extremamente alto e próximo da marca crítica de transbordo de 3m, sendo uma das maiores marcas históricas já atingidas, decorrente das chuvas dos dias anteriores, e, tendo como consequência a inundação em alguns pontos da orla de Ipanema e Tristeza, conforme podemos ver na foto 20. Foto 20 - Inundação na orla de Ipanema, zona sul de Porto Alegre, 17/10/2015 (Fotocomposição Mariana Blanco) Este setor da cidade (Cidade Jardim), designado assim pelo PDDUA devido à vegetação abundante, à baixa densidade populacional e ao uso residencial predominante da classe de renda média alta, inclui os bairros Vila Assunção, Vila Conceição, Tristeza, Pedra Redonda, Ipanema, Guarujá, Serraria e Hípica. 33 Destaca-se na área, o projeto da PMPA, a recuperação da orla do Guaíba com o objetivo de garantir a balneabilidade das águas através do PISA, com a implantação da ETE Serraria. 6.4.3 A Cidade Rururbana A conformação do rural para rurbano no município de Porto Alegre denota o aparecimento de um continuum, pois de acordo com Schneider (2003) é “o processo de erosão das diferenças espaciais entre o rural e o urbano, indicando-se o aparecimento de um continuum entre ambos que seria a expressão espacial do processo de rurbanização”. A Cidade Rururbana é uma área de expansão urbana caracterizada por uma paisagem heterogênea, mesclando áreas de produção primária, oriunda de chácaras e sítios, e novos usos como comércio, loteamentos populares, condomínios horizontais para classe média, reassentamentos de antigas vilas irregulares (Campos do Cristal, Estaleiro Só, Sanga da Morte e Arroio da Cavalhada) nas imediações da Rua Cristiano Kraemer, nos bairros Vila Nova e Campo Novo, compreendendo os núcleos intensivos de Belém Velho, Belém Novo e Lami, bem como as demais áreas a partir da linha dos morros (da Companhia, da Polícia, Teresópolis, Tapera, das Abertas e Ponta Grossa). Próximo dali, na Estrada das Três Meninas, encontra-se o empreendimento imobiliário Alphaville Porto Alegre, destinado à classe de alta renda e que foi planejado para valorizar o espaço verde que caracteriza a Zona Sul da Capital (foto 21). Com cenários formados por vegetação natural, o empreendimento agrega também um cuidadoso projeto paisagístico aos trechos urbanizados. Este empreendimento se constitui em um grande contraste socioeconômico e exemplo de segregação espacial. “Reproduz-se assim, através de novas formas, novas áreas sociais, segregadas e dotadas de “novos estilos de vida” (CORRÊA, 1989). Foto 21 - Assentamento da Vila Campos do Cristal e Condomínio Horizontal Alphaville, os contrastes socioeconômicos, Porto Alegre, 17/10/2015 (Fotocomposição:: Sônia Sandri) 34 Cumpre ressaltar que é a existência da segregação socioespacial que permite a classe dominante continuar a dominar o espaço produzido segundo seus interesses. O principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial que se observa no condomínio Alphaville é denominado “enclave fortificado”, ou seja, trata-se de espaço privatizado, fechado e monitorado para residência e lazer, cuja principal justificativa é o medo da violência. As pessoas buscam nesses empreendimentos espaços que propiciem segurança,dada falta deste serviço de forma eficiente por parte do poder público. Assim, os empreendedores buscam propiciar empreendimentos e soluções privadas para o problema da violência urbana, com equipamentos e aparatos tecnológicos, além de separação física e um rígido controle do acesso a estes espaços. Foto 22 – Condomínio horizontal Alphaville, espaço cercado e monitorado, Porto Alegre, 17/10/2015 (Fotocomposição: Mariana Blanco) Os enclaves fortificados localizam-se em áreas distantes do centro, são de propriedade privada para uso coletivo privado, com grandes áreas internas, com equipamentos e serviços exclusivos, fisicamente demarcados e isolados por muros, grades e controlados por guardas armados e sistemas de segurança. Esses enclaves fortificados residências vendem um espaço mais tranquilo e seguro: prometem maior contato com a natureza e a tranquilidade da vida campestre. Ueda (2009), explica que esse tipo de empreendimento “segue o exemplo dos subúrbios jardins norte- americanos e se inscreve em um modelo geral de subúrbios destinados às classes de alto poder aquisitivo” (foto 22). Dentro desse processo de reestruturação urbana que afeta a cidade, os novos enclaves fortificados para residência para as classes médias e altas estão provocando as maiores alterações, pois a sua proliferação e suas características alteram o próprio modo de viver das pessoas na cidade e causam impactos socioespaciais para a cidade como um todo (CALDEIRA, 1996). Destas reflexões podemos apontar que o caminho das investigações sobre os enclaves fortificados residenciais na cidade passa por uma abordagem da atuação do 35 Estado. A compreensão deste novo fenômeno urbano passa pelas atuais características do planejamento urbano, numa época caracterizada pela força de mercado em face ao declínio da intervenção do Estado, o que sem dúvida afeta como espaço urbano é planejado e produzido. O poder público incentiva a proliferação desses empreendimentos (SOUZA, 2008). A área Rururbana tem importante produção rural de hortigranjeiros desenvolvida em áreas que se intercalam com vários núcleos de ocupação urbana com significativo patrimônio natural. Sua paisagem é constituída por morros isolados e terras baixas que se estendem até o Lago Guaíba. Diversos núcleos habitacionais clandestinos ou irregulares vêm sendo produzidos ao longo das principais estradas. Pertencente a Cidade Rururbana encontra-se Belém Velho, que é um dos mais antigos núcleos habitacionais de Porto Alegre. Na virada do século, passou a ser destinado ao veraneio de famílias que possuíam propriedades e local de desenvolvimento de atividades agropecuárias. Atualmente, em meio a uma crescente população, Belém Velho continua sendo um dos bairros com menor densidade demográfica e tem como uma das suas principais características o uso produtivo da terra. 6.4.4 A Cidade da Transição Ocupando as encostas de diversos morros, esta macrozona representa o espaço de interface entre a Cidade Xadrez, urbanisticamente consolidada, e os topos dos morros, que apresentam uma ocupação rarefeita ou inexistente, que já fazem parte da Cidade Rururbana. Estende se para o leste, até a altura da Estrada João de Oliveira Remião, onde inicia o eixo de urbanização conhecido como Lomba do Pinheiro. Do lado oposto, junto a orla do Guaíba, representa a interface entre a Cidade Radiocêntrica e a Cidade Jardim. A Cidade da Transição se caracteriza pela predominância residencial com densidades variadas e topografia movimentada, onde os morros Santana, Companhia, da Cruz, da Polícia, Pedra Redonda, Teresópolis e Santa Tereza, representam uma barreira física que limita a expansão da área de ocupação intensiva da cidade consolidada, com a cidade de ocupação mais rarefeita. A área visitada predomina uma sequência de morros graníticos de grande importância ambiental como o Morro da Pedra Redonda (Bairro Glória). Nesse morro está localizado o Santuário Nossa Senhora Madre de Deus, onde se tem a vista panorâmica de Porto Alegre e parte da Região Metropolitana como pode ser visto na foto 23. 36 Foto 23 - Vista panorâmica de cima do Morro da Pedra Redonda onde se avista o Centro de Porto Alegre, 17/10/2015 (Foto: Sônia Sandri) O Santuário Arquidiocesano Nossa Senhora Madre de Deus (foto 24), é uma igreja católica, localizada no topo do Morro da Pedra Redonda. O projeto data de 1987, mas sua construção atrasou devido a questões burocráticas e preocupações de ordem ambiental. Sua pedra fundamental só pode ser lançada em agosto de 1992, sendo consagrada pelo arcebispo de Colônia (Alemanha). O projeto, de responsabilidade do renomado arquiteto Ivo Nedeff, tem 700 m² de área construída, divididos em dois pavimentos - é uma estrutura de aço, tijolos e vidro de linhas arrojadas, definidas pelo grande telhado em duas águas que organiza todo o conjunto e se estende até o nível do solo - a obra foi concluída em junho de 2000. Desde janeiro de 2010 o Santuário é administrado pelos padres redentoristas. Além da motivação religiosa, o Santuário é muito procurado por tratar-se de ponto turístico, pelas belezas ecológicas e pela espetacular vista de 360 graus de Porto Alegre e parte de cidades adjacentes. Foto 24 - Santuário N. Srª. Madre de Deus, no Morro da Pedra Redonda, Porto Alegre, 17/10/2015 (Foto: Sônia Sandri) 37 7 Considerações Finais A cidade, hoje, é um sítio muito diversificado. As diferenças econômicas e culturais se aglomeram e se sobrepõem não respeitando modelos rígidos no espaço, e sim, firmando uma aleatoriedade. As formas urbanas então representam a soma de tempos, nelas cristalizados. Segundo Santos (1985), “em qualquer ponto do tempo, a paisagem consiste em camadas de formas provenientes de seus tempos pregressos, embora estes apareçam integrados ao sistema social presente, pelas funções e valores que podem ter sofrido mudanças drásticas.”. Ao se procurar recompor este tempo pelas formas, nos deparamos com um duplo desafio: compreender os processos em diferentes momentos de sua consecução e, ao mesmo tempo, entender a dinâmica da própria produção do espaço urbano, forma e conteúdo. Isso é possível, pela identificação das formas que se mantém, das formas que condicionam novas formas e, ainda, daquelas que são modificadas ou destruídas. O urbano então vai se reproduzindo a partir da luta de interesses do que é fundamental para a reprodução do capital de um lado, e da vida, de outro. O centro como vimos, tende a descentralizar-se, em especial por fatores como: aumento do preço da terra, impossibilidade de extensão das áreas, congestionamentos nos transportes, restrições legais e perda de amenidades. As indústrias saíram da área central, como foi o caso de indústrias alocadas a Rua Voluntários da Pátria, que pela impossibilidade de expandir suas instalações, procuraram áreas não centrais, com acesso facilitado, infraestrutura já instalada e terrenos amplos e baratos. Criou-se então nessa área um aspecto de obsolescência, com prédios degradados e pouco substituídos, devido ao desinteresse de investimentos. O centro de Porto Alegre, ao invés de se expandir horizontalmente, expandiu-se verticalmente. A população de alta renda, assim como os de média renda avançam para a periferia, se instalando em áreas de amenidades. Constitui exemplo desse processo, os empreendimentos Alphaville, condomínios fechados de alto luxo, construídos na zona sul, que se constituem de espaços de segregação residencial. Por outro lado, também observamos a centralização de populações pobres, que tendem a ocupar áreaspróximas ao centro, por processos de invasão. Um exemplo disso é o eixo ao longo da Av. A. J. Renner, constituindo os bairros Humaitá, Dona Teodora e Vila Farrapos. 38 A Vila Farrapos como podemos ver, tende a sofrer processo de valorização devido ao incremento de infraestrutura. O bairro Humaitá também tem sua área valorizada devido a diversos empreendimentos ali implantados. Essa área virou foco de investimentos imobiliários, com facilidades de financiamento a longo prazo. Um exemplo são os condomínios verticais de classe de renda média que se instalam junto ao Parque General Mascarenhas de Moraes. O Bairro Cidade Baixa também se evidencia pela diversidade de apropriações de expressões culturais. A Travessa dos Venezianos é um exemplo, com suas casas estilo açoriano e que evidenciam um processo de inércia em meio à configuração da paisagem. Nessa mesma região, o Solar Lopo Gonçalves, antes, uma residência rural, permanece hoje como um marco de um tempo pretérito, contando através de sua arquitetura um pouco da história daquele época. Fica claro que as reformas realizadas no final do século XIX, e início do século XX lançaram modelos estéticos e paisagísticos de embelezamentos das cidades e de ocultamento da pobreza. Para isso, ocorreu a regulação da atuação dos instrumentos urbanísticos, como a legalização de atuação do mercado imobiliário, implantação de projetos de saneamento ambiental e paisagístico, enquanto a população de baixa renda era expulsa para as áreas mais afastadas da cidade, produzindo a segregação socioespacial das camadas mais pobres. Em suma, verificamos que a segregação na área de estudo é socioeconômica, já que as classes sociais se distribuem de forma desigual no espaço urbano. Mostra-se como uma estrutura urbana dualizada entre ricos e pobres, uma organização espacial corporativa e fragmentada, onde as elites podem controlar a produção e o consumo da cidade, através de instrumentos como o Estado e o mercado imobiliário, excluindo e abandonando a população de baixa renda. Os empreendimentos para as classes média alta e alta se deslocaram para outras localidades, resultando em novas formas e demandas com relação à moradia e por consequência em novas formas de organização espacial da cidade. REFERÊNCIAS ALOISE, J. M. Histórico do Palacete à Duque de Caxias. Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul/UFRGS, 2013. Disponível em: <https://www.lume.ufr gs.br/bitstream/handle/10183/95639/000917647.pdf?sequence=1>. Acesso em: 24 out. 2015. 39 CALDEIRA, T. P. R. Fortified Enclaves: The New Urban Segregation. Public Culture, 1996. CARLOS, A. F. A. A cidade. São Paulo: Coleção repensando a geografia, 1992. CORRÊA, R. L. O espaço urbano. São Paulo: Ática, 1989. (Série Princípios) CORRÊA, R. L. O espaço urbano. 4ª Ed. São Paulo: Ática, 2005. CORRÊA, R. L. Região e Organização Espacial. São Paulo: Editora Ática, 2003. 7ª ed. Série Princípios MARTINS, D. P. 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