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CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 1 AULA 8 Interpretação e Integração da Legislação Tributária 1.0 – Noções Gerais de Interpretação Interpretação é a parte da ciência jurídica que estuda os métodos e processos lógicos que visam a aclarar o conteúdo da norma jurídica definindo o seu conteúdo e seu alcance. Hermenêutica jurídica é a que estuda a teoria científica da interpretação. Toda norma precisa de interpretação, por mais claro que seja o seu conteúdo, não sendo correto o entendimento constante no antigo brocardo "in claris cessat interpretatio" (as normas claras não precisam ser interpretadas). O perigo de se afirmar que as normas consideradas claras não necessitam de interpretação é a possibilidade de o intérprete, na análise superficial de um texto, entender certas normas apenas no sentido imediato de seus dizeres, sem analisar o contexto em que se encontra o texto, suas conexões históricas, suas finalidades dentre outros aspectos relevantes. Assim, usando um exemplo citado pelo Professor Luís Roberto Barroso, uma placa em que esteja escrito “PROIBIDA A ENTRADA USANDO SUNGAS, MAIÔS, BIQUINIS E SIMILARES”, parece conter uma regra clara, cuja interpretação é óbvia. Todavia, a interpretação do sentido da norma varia de acordo com o contexto. Se a placa for afixada na porta de um restaurante próximo ao mar, a regra extraída do texto é: “Para entrar aqui, vista-se”. Já se a mesma placa for afixada numa árvore na entrada de uma praia de nudismo, a norma extraída do texto é: “Para entrar aqui, dispa-se”. Assim, não se pode confundir o texto com a norma que se extrai do texto. O texto, claro ou ambíguo, deve ser sempre interpretado para que dele se extraia a norma. Relembre-se uma outra situação, já analisada neste curso. Na aula 06, discutiu-se a correta interpretação do parágrafo único do art. 101 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC 101/2000), cuja redação é a seguinte: “Art. 11. Constituem requisitos essenciais da responsabilidade na gestão fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos da competência constitucional do ente da Federação. Parágrafo único. É vedada a realização de transferências voluntárias para o ente que não observe o disposto no caput, no que se refere aos impostos.” A norma parece bastante clara: se o ente federado não cria o tributo, nenhum outro ente pode-lhe fazer transferências voluntárias. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 2 Entretanto, naquela aula, foi proposta a seguinte situação: “Imagine-se, a título de exemplo, um pequeno e pobre Município cuja economia depende quase que exclusivamente das aposentadorias das pessoas mais velhas. Admita-se a inexistência de empresas prestadoras de serviços, de forma a tornar inócua a criação de um imposto sobre serviços. Estaria o município obrigado a instituir formalmente o ISS e criar uma “máquina arrecadatória” para o mesmo? A resposta deve ser negativa. Contrariaria o espírito da LRF obrigar a criação de um tributo cuja arrecadação seria menor que o custo decorrente da instituição e administração. Em resumo, é requisito essencial da responsabilidade fiscal a instituição, previsão e efetiva arrecadação de todos os tributos economicamente viáveis da competência constitucional do ente da Federação.” Percebe-se que se a LRF fosse interpretada no sentido em que seus dizeres aparentemente claros apontavam, haveria de se concluir que se o pequeno e pobre Município citado como exemplo não criasse o imposto sobre serviços, estaria impedido de receber repasses dos demais entes, interpretação absurda em consonância com os objetivos da própria Lei interpretada. Afora as diferenças específicas previstas no CTN, não existe uma disciplina diferenciada de “hermenêutica jurídico-tributária” de forma que o estudo da interpretação da legislação tributária deve partir de alguns conceitos básicos da ciência da interpretação jurídica, válida para todos os ramos do direito. 2.0 – Critérios de Interpretação Buscando se extrair o preciso sentido e alcance da norma, a doutrina propõe diversos critérios (métodos, elementos, técnicas) interpretativos que observam a norma sobre diversos prismas não- hierarquizados. Assim, fala-se em interpretação literal (gramatical), sistemática, teleológica e histórica. A interpretação literal ou gramatical leva em conta exclusivamente o rigoroso significado léxico das palavras constantes do texto legal, sem considerar qualquer outro valor. Conforme será visto adiante, o CTN exige que normas que versem sobre determinados conteúdos sejam interpretadas literalmente. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 3 A interpretação sistemática analisa a norma como parte de um sistema em que está inserida, buscando a harmonia e unicidade que devem caracterizar um ordenamento jurídico, afastando antinomias (contradições). Deixa-se de olhar exclusivamente para o texto do dispositivo interpretado e se passa a analisá-lo em conjunto com todos os demais dispositivos da mesma norma e com todas as demais normas correlatas que integram o ordenamento jurídico, respeitando-se a hierarquia. A interpretação teleológica busca conhecer o sentido da norma através do entendimento da finalidade de sua inserção no ordenamento jurídico. A norma vem ao mundo com determinado intento, determinado propósito. O intérprete deve possuir em mente os objetivos que presidiram a elaboração da norma para atribuir-lhe o sentido que mais se coadune com tais desígnios, de forma a concretizar no mundo dos fatos a vontade abstrata da norma. A interpretação histórica leva em consideração as circunstâncias políticas, sociais, econômicas e culturais presentes no momento da edição da norma. Confere-se importância ímpar à análise das exposições de motivos do projeto de lei, das discussões do parlamento e da sociedade, da evolução histórica do instituto disciplinado na norma. Assim se chega ao que o legislador pretendia dizer ao redigir o texto objeto de interpretação. Os critérios acima estudados não são hierarquizados, de forma que nenhum se sobrepõe aos demais. Não são excludentes, pois se complementam ao permitir a análise da norma sob diversos prismas (significado léxico, harmonia com o sistema, finalidades e contexto histórico) para que se chegue ao conteúdo e alcance preciso, consentâneo com o direito. 3.0 – Interpretação quanto à Fonte Quanto à fonte da qual emana, a interpretação pode ser autêntica, doutrinária, judicial ou administrativa. A interpretação é autêntica quando é realizada pela mesma autoridade responsável pela elaboração da lei interpretada. Às vezes a interpretação é realizada no texto da mesma lei interpretada. São os casos, dos dispositivos que trazem regras como “para os efeitos do artigo 3º desta lei, considera-se...”, e segue-se uma interpretação legal de um instituto citado no dispositivo referido. Em outras oportunidades, edita-se uma “lei 02” com o objetivo de interpretar disposições de uma “lei 01”, anteriormente editada. É nesse caso que se fala em retroatividade da lei expressamente interpretativa, conforme se estudou na aula 07. A interpretação é doutrinária quando é fruto do trabalho dos estudiosos do direito (doutrinadores) na análise das normas produzidas pelas autoridades competentes. Apesar de não ser uma interpretação de observância obrigatória, possui grande importância, pois serve como base para as demais fontes interpretativas, sendo comum que o legislador, o juiz e as autoridades CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO –CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 4 administrativas fundamentem suas conclusões no posicionamento da doutrina especializada. A interpretação é judicial quando emana dos órgãos do Poder Judiciário (juízes e tribunais) do País ao analisarem os processos que lhes são submetidos. Quando as decisões se reiteram no mesmo sentido, diz-se que se formou jurisprudência. Assim, falar em jurisprudência é mais que falar em interpretação judicial. A decisão de um juiz é fruto de uma interpretação judicial. Para se falar em jurisprudência é necessário um conjunto de decisões de órgãos judiciais diversos - ou, ao menos, de hierarquia constitucional elevada – no mesmo sentido. A interpretação é administrativa quando é realizada pela administração pública no exercício de seu mister de concretizar no mundo as disposições abstratas da lei. A administração interpreta a lei por intermédio de atos gerais e abstratos ou através de atos individuais e concretos. A título de exemplo, quando o Secretário da Receita Federal edita uma instrução normativa interpretando determinada lei tributária, o ato é geral (destinado a todos que se ponham ao alcance da lei) e abstrato (versa sobre hipóteses, não sobre casos concretos). Já quando um Auditor-Fiscal da Receita Federal elabora um auto de infração, ele também interpreta administrativamente a lei; entretanto, o ato decorrente é individual (destina-se exclusivamente ao contribuinte autuado) e concreto (refere-se a fatos concretamente verificados no mundo e não a meras hipóteses). 4.0 – Interpretação quanto aos Efeitos ou Resultados A lei, como obra do homem, não é uma obra perfeita. Além dessa afirmativa incontestável, há de se recordar que o Parlamento não é composto necessariamente de técnicos, nem tampouco de juristas. Nele estão presentes, ao menos na teoria, representantes do povo com suas diversas formações acadêmicas, ou até mesmo ausência delas. Dentre as diversas imperfeições que se percebem no produto dos trabalhos legislativos estão os casos em as técnicas interpretativas estudadas apontam que o texto legal escrito diz mais do que deveria, mais do que o próprio legislador intentava dizer. O problema oposto também é possível, ocorrendo quando o texto diz menos do que deveria ter dito. Nestes casos, é necessário que o intérprete faça uma verdadeira retificação (ampliação ou redução) de alcance. Neste contexto, a interpretação, quanto aos efeitos (ou resultados), pode ser classificada como declaratória, extensiva ou restritiva. A interpretação declaratória opera-se quando o intérprete, utilizando dos critérios estudados, conclui que há coincidência entre o que o legislador quis dizer e o que efetivamente ficou disposto no texto legal, não havendo necessidade de se fazer qualquer correção (ampliação ou restrição) do seu alcance em seara interpretativa. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 5 A interpretação é extensiva quando o intérprete percebe que no texto escrito o legislador disse menos do que pretendia, deixando de abranger casos que deveriam estar sobre sua regulação, sendo necessário se ampliar o conteúdo aparente da norma, de forma a atribuir-lhe o alcance que o legislador originariamente lhe quis conferir. A interpretação é restritiva quando o intérprete percebe que no texto escrito o legislador disse mais do que pretendia, abrangendo casos que não deveriam estar sobre sua regulação, sendo necessário se restringir o conteúdo aparente da norma, de forma a atribuir-lhe o alcance que o legislador originariamente lhe quis conferir. 5.0 – Interpretação da Legislação Tributária no Código Tributário Nacional O Código Tributário Nacional possui poucas regras específicas sobre interpretação da legislação tributária. O motivo, conforme já ressaltado, é que as regras estudadas pela hermenêutica jurídica valem para todo o direito, que, nunca é demais ressaltar, é uno, sendo a separação em ramos apenas uma conveniência didática para facilitar-lhe o estudo. Vale dizer, o CTN só trata de situações específicas, por vezes impondo critérios ou métodos a serem aplicados de forma vinculada para a análise de determinados institutos específicos da disciplina tributária. 5.1 – A Interpretação Necessariamente Literal de Determinados Institutos É princípio de hermenêutica que as exceções devem ser interpretadas estritamente, sem a possibilidade de utilização de restrições e, principalmente, de restrições ou analogias. O motivo é por demais óbvio. Se se permitir interpretações extensivas e utilização de analogias para a definição do alcance das exceções, estas tenderão a suplantar a regra, o que seria uma subversão da ordem. De uma maneira mais clara, se uma regra possui três exceções e o intérprete, por meio de analogias e extensões, abarca dentro destas exceções mais três, cinco, dez casos, a tendência é que a exceção passe a ser regra; e a regra, exceção. Na esteira deste raciocínio, o CTN submeteu a uma interpretação necessariamente literal determinados institutos tributários. Todos se referem a situações que configuram exceções a importantes regras tributárias. A terminologia adotada pelo Código não é das melhores, pois, ao afirmar que a interpretação de certas normas deveria ser feita literalmente, o legislador não quis afirmar ser impossível a utilização dos critérios teleológico, histórico e sistemático. Como exemplo do afirmado, lembra-se que toda norma jurídica infraconstitucional está sujeita à aferição de sua compatibilidade com a Constituição Federal. Quando se faz controle de constitucionalidade, deixa-se CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 6 de olhar para a norma como um ente isolado no mundo e passa-se a encará-la como integrante de um sistema em que absolutamente todas as normas têm que ser compatíveis com a Constituição, sob pena de invalidade. Percebe-se pelo exemplo citado que toda norma deve ser interpretada também de maneira sistêmica, mesmo aquelas que o CTN afirma deverem ser interpretadas literalmente. Na realidade, conforme explicado, o CTN quer que certas normas sejam interpretadas estritamente, sem a possibilidade de ampliações. Neste contexto, o Código afirma, no seu artigo 111, que se interpreta literalmente a legislação tributária que disponha sobre: I - suspensão ou exclusão do crédito tributário; II - outorga de isenção; III - dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. São todos casos de exceção, pois a regra é que, se ocorreu o fato gerador, que o crédito tributário seja constituído e o tributo exigido do sujeito passivo; se ocorreu infração, que a penalidade seja aplicada ao contribuinte Nos casos de suspensão da exigibilidade (todos os do art. 151,do CTN), temporariamente o tributo deixa de ser exigido. Nos casos de exclusão do crédito tributário, ou o tributo não é exigido (isenção), ou a punição não é aplicada (anistia). São exceções à regra e que devem ser interpretadas, no dizer do Código, literalmente. A rigor, os casos de outorga de isenção configuram hipótese de exclusão do crédito tributário, sendo sua menção no inciso II apenas uma redundância. Por fim, a última hipótese versa sobre a dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. Como se estudará no momento oportuno, tais obrigações são aquelas que não possuem conteúdo pecuniário, como escriturar livros fiscais ou entregar declarações tributárias. Ora, se a regra é escriturar livros fiscais e uma lei, por exemplo, dispensa os optantes do SIMPLES de fazê-lo, tal exceção deve ser interpretada literalmente de forma que os não optantes, mesmo que estejamna mesma situação econômico-financeira e exerçam exatamente a mesma atividade do optante, têm que proceder à devida escrituração. E exceção é interpretada “literalmente”. 5.2 – A Interpretação Benigna em Matéria de Infrações Aqui, mais uma vez o direito tributário penal (aquele que se refere à definição de infrações tributárias e suas respectivas punições) sofre influência direta do direito penal. Trata-se do princípio segundo o qual, na dúvida, deve- se adotar a interpretação mais favorável à pessoa acusada do cometimento de uma infração (in dubio pro reo). CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 7 O primeiro aspecto importante a destacar é o âmbito de aplicação do princípio. A interpretação benigna aplica-se exclusivamente à lei que define infrações ou comina penalidades. Em se tratando de lei que discipline o próprio tributo tratando, por exemplo, de fato gerador, alíquota, base de cálculo ou contribuinte, não há que se falar em interpretação mais favorável. Se houver dúvida sobre em que posição deve ser enquadrada determinada mercadoria na tabela da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM, não se pode decidir pela posição que traga menor incidência tributária do II e do IPI tão somente por ser a interpretação mais benéfica. A dúvida deve ser sanada utilizando-se dos diversos critérios interpretativos já estudados e a solução pode ser pela alíquota maior ou pela menor ou por qualquer outra intermediária. Repise-se: não existe qualquer concepção interpretativa apriorística para se resolverem as dúvidas em direito tributário, na de “na dúvida favorecer o fisco” ou de “na dúvida favorecer o contribuinte”. O certo é na dúvida, dirima-se a dúvida. Todavia, aqui, em matéria de infrações, existe a concepção apriorística objeto ora estudada: na dúvida, interprete-se em favor do acusado. Por oportuno, transcreve-se o dispositivo do CTN que contém a regra: “Art. 112. A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto: I - à capitulação legal do fato; II - à natureza ou às circunstâncias materiais do fato, ou à natureza ou extensão dos seus efeitos; III - à autoria, imputabilidade, ou punibilidade; IV - à natureza da penalidade aplicável, ou à sua graduação.” O segundo ponto relevante é que, mesmo em se tratando de direito tributário penal, a interpretação benéfica só é aplicável em caso de dúvida. São vários os precedentes do STJ no sentido de que “não havendo divergência acerca da interpretação da lei tributária, o art. 112 do CTN não pode ser aplicado” (REsp 9.571/RJ, REsp 41.928/SP, REsp nº 178.427/SP). Um exemplo definido na jurisprudência ajudar a aclarar a afirmativa aqui feita. O art. 23, parágrafo único, III, do Decreto-Lei nº 7.661/45 (antiga lei de falências) afirmava que não poderiam ser reclamadas na Falência as penas pecuniárias por infração das leis penais e administrativas. Vários contribuintes em concordata (hoje substituída pela recuperação judicial) quiseram se livrar das multas tributárias com base no dispositivo. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 8 Primeiro quiseram uma interpretação extensiva do dispositivo afirmando que o legislador não queria beneficiar somente as empresas em processo de falência, mas também as concordatárias. Com as discussões criadas e vendo o insucesso da alegação, as concordatárias passaram a dizer que haveria dúvida no dispositivo e que, portanto, deveria ser aplicado o art. 112 do CTN, interpretando-se a então lei de falências da maneira mais favorável ao acusado. A Primeira Seção do STJ, em 24/08/2000, no julgamento, por maioria, proferido nos EREsp nº 111926, firmou o entendimento de que o art. 23, parágrafo único, do DL nº 7.661/45, que exclui da falência as multas penais e administrativas, não pode, numa interpretação extensiva, ser aplicado à concordata. Asseverou-se, na ocasião, que na concordata a supressão da multa moratória beneficia apenas o concordatário, que já não honrara seus compromissos, enquanto que, na falência, a multa, se imposta, afetaria os próprios credores, quebrando o princípio de que a pena não pode passar do infrator. Não havia, portanto, dúvida na interpretação da norma, não sendo o caso de utilização do art. 112 do CTN. 5.3 – Princípios de Direito Privado e Princípios de Direito Público O direito tributário é ramo de direito público, estando sujeito, como conseqüência, aos princípios basilares que informa o regime jurídico publicista, quais sejam, a supremacia do interesse público sobre o interesse privado e a indisponibilidade do interesse público. O direito privado fundamenta-se em princípios diametralmente opostos, pois nas relações entre particulares presume-se que as partes buscam interesses privados sendo tratadas de maneira igual pela lei (não se fala em supremacia dos interesses de nenhuma das partes). Os interesses privados são, via de regra, disponíveis, sendo a indisponibilidade exceção. Percebe-se portanto que, apesar da unidade do direito, o privatista raciocina de maneira diferente do publicista, pois os princípios norteadores dos respectivos raciocínios são manifestamente opostos. Até aí nenhuma novidade, nenhum problema. As complicações poderiam surgir nos diversos momentos em que as normas tributárias se utilizam de conceitos de direito privado para definir ou limitar competências tributárias. Como exemplo, pode-se citar a norma constitucional que atribui competência para que os Municípios instituam o ITBI, assim redigida: “Art. 156. Compete aos Municípios instituir impostos sobre: (...) CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 9 II - transmissão "inter vivos", a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição” Trata-se indiscutivelmente de uma norma constitucional-tributária que define e limita competência tributária municipal. Entretanto, a norma é redigida, do início ao fim, fazendo uso de institutos típicos de direito privado. É o direito privado que estuda a propriedade e os seus meios de transferência, define o que é ato oneroso, o que são direitos reais, o que são bens imóveis por natureza ou por acessão física, enumera e regula os direitos reais sobre imóveis, os direitos de garantia, os casos de cessão de direito, enfim, todos os institutos citados no dispositivo transcrito são estudados no direito privado (direito civil). Poderia o intérprete mais apressado ter dúvida sobre qual enfoque o dispositivo deveria ser interpretado: sob a ótica do direito público ou do direito privado. O Código Tributário Nacional resolve a dúvida com um critério bastante simples e que poderia ser facilmente explicado com base num famoso dito popular: “Cada macaco no seu galho!”. Assim, conforme afirma o art. 109 do CTN, os princípios gerais de direito privado utilizam-se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, mas não para definição dos respectivos efeitos tributários. Em outras palavras, se o intérprete quer entender o significado de propriedade para entender a regra que atribui ao Município a competência para instituir o imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (CF, art. 156, I), deve procurar os compêndios de direito civil. Todavia, não lhe será útil vasculhar a se utilizar dos princípios gerais adotados pela doutrina civilista para perquirir os efeitos tributáriosda propriedade, pois tal atividade é levada a cabo sob outra ótica, a dos princípios de direito tributário. As restrições não se aplicam tão-somente à utilização dos princípios de direito privado para o estudo da matéria tributária, pois o direito tributário também não pode tudo nesta seara. Quando o legislador constituinte adota determinado instituto de direito privado na regra que atribui ou limita competência tributária, ele imagina tal instituto conforme conhecido e definido pelos privatistas. Admitir que o legislador tributário altere um conceito de direito privado do qual o legislador constituinte fez uso na definição ou limitação de competência tributária seria legitimar a mudança da Constituição sem Emenda. É bem fácil entender a afirmação feita acima quando se relembra serem diferentes os conceitos de texto e de norma. O texto é composto pelos signos colocados sobre o papel. A norma é a regra de conduta extraída da leitura do texto, mediante a utilização das técnicas interpretativas. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 10 Relembre-se o exemplo citado no item 1.0. Dependendo do contexto, de um mesmo texto (“PROIBIDA A ENTRADA USANDO SUNGAS, MAIÔS, BIQUINIS E SIMILARES”) poderiam ser extraídas normas de sentidos absolutamente opostos. Assim, do texto, na entrada de um restaurante, extraía- se a norma VISTA-SE; na entrada de uma praia de nudismo, extraía-se a norma “DISPA-SE”. A norma constitucional nada mais é que o conteúdo extraído do texto constitucional mediante a utilização das técnicas interpretativas. Assim, se o legislador tributário edita norma em que se afirma que “para efeitos de cobrança do IPTU considera-se propriedade...” e continua a sentença dando uma definição de propriedade diferente da lição comezinha de direito civil, ele não estará simplesmente mudando um conceito, ele estará agredindo a Constituição Federal. Perceba-se que se se admitir procedimento como o aqui exemplificado, toda a Constituição Federal poderá ser alterada sem necessidade do procedimento mais rigoroso que a define como rígida e, em situações específicas, até mesmo sem respeito às cláusulas pétreas. Imagine-se que a oposição ao governo Lula houvesse proposto em 2004 uma lei em que se afirmasse o seguinte: “Para efeito da inelegibilidade de que trata o § 4º, do art. 14, da Constituição Federal, consideram-se analfabetas todas as pessoas que não possuam diploma de curso superior completo”. Claro que a lei seria agressiva à Constituição Federal, pois a título de interpretá-la, estaria tentando alterá-la, tendendo a abolir um direito individual, a capacidade eleitoral passiva. Seguindo a esteira deste entendimento, o Código Tributário Nacional, no seu art. 112, afirma que lei tributária não pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal, pelas Constituições dos Estados, ou pelas Leis Orgânicas do Distrito Federal ou dos Municípios, para definir ou limitar competências tributárias. A rigor, a definição e limitação das competências tributárias é matéria disciplinada exclusivamente na Constituição Federal, não podendo haver inovação de conteúdo nas Leis Orgânicas do DF e Municípios, nem nas Constituições Estaduais. Em provas de concurso público todavia, deve ser tida por correta a literalidade da lei. Assim, não se pode alterar, na legislação tributária, conceito expressa ou implicitamente utilizado nas leis máximas dos entes federados menores ou na Constituição Federal. A interpretação a contrario sensu é também importante, de forma que os conceitos de direto privado que não tenham sido utilizados pelas citadas leis máximas podem ser alterados pelo legislador infraconstitucional, não havendo que se falar em inconstitucionalidade neste caso. Como será visto adiante, o CTN efetivamente disciplina de maneira diferenciada diversos institutos de direito privado não utilizados na Constituição, como se pode perceber nas regras sobre transação e compensação, dentre outras. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 11 Uma controvérsia recentemente solucionada pelo Supremo Tribunal Federal exemplifica o que foi acima exposto. A Constituição Federal previa no seu texto originário, art. 195, I, dentre outras, uma contribuição social sobre o faturamento. A palavra “faturamento” vem de fatura (título de crédito disciplinado pelo direito comercial) e sempre foi entendida como referente às receitas decorrentes da venda de mercadorias e, por extensão, da prestação de serviços. Em suma, só é possível enquadrar dentro do conceito de faturamento a receita operacional, assim entendida aquela que a empresa obtém através de atos de compra e venda, seja de mercadorias, seja de serviços Não é possível, sem agredir o mínimo semântico da palavra faturamento, faze-la compreender, por exemplo, as receitas financeiras (juros, por exemplo). Na contramão deste raciocínio, foi editada a Lei 9.718/98, que ampliou a base de cálculo da COFINS e do PIS, cujo art. 3º, § 1º, assim define faturamento: “Art. 3º O faturamento a que se refere o artigo anterior corresponde à receita bruta da pessoa jurídica. § 1º. Entende-se por receita bruta a totalidade das receitas auferidas pela pessoa jurídica, sendo irrelevantes o tipo de atividade por ela exercida e a classificação contábil adotada para as receitas.” O Supremo Tribunal Federal falhou por tardar, mas, sete anos após a edição da Lei 9.718/98, concluindo o julgamento de uma série de recursos extraordinários, proferiu decisão histórica, assim anunciada no Informativo 408 da Corte (transcreve-se trecho): “O Tribunal, por unanimidade, conheceu dos recursos e, por maioria, deu-lhes provimento para declarar a inconstitucionalidade do § 1º do art. 3º da Lei 9.718/98. Entendeu-se que esse dispositivo, ao ampliar o conceito de receita bruta para toda e qualquer receita, violou a noção de faturamento pressuposta no art. 195, I, b, da CF, na sua redação original, que equivaleria ao de receita bruta das vendas de mercadorias, de mercadorias e serviços e de serviços de qualquer natureza, conforme reiterada jurisprudência do STF.” (RE 410.691-ED, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 23/06/06) 5.4 – O Princípio do Pecunia Non Olet CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 12 Conforme estudado na definição de tributo (aula 00), para o direito tributário não existe relevância se a situação que teve como conseqüência a ocorrência do fato gerador configure ilícito, mesmo que criminal. Utilizou-se, como exemplo, a tributação dos rendimentos oriundos de atividades ilícitas, como o tráfico de entorpecentes ou a corrupção. Nesses casos, apesar de o fato que deu origem aos rendimentos ser criminoso (não cheirar bem), a renda dele decorrente é sujeita ao imposto de renda (dinheiro não cheira). Seguindo essa linha de raciocínio, o Código Tributário Nacional prevê que a definição legal do fato gerador é interpretada abstraindo-se da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos ou dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos (CTN, art. 118). Assim, por exemplo, os requisitos para que se considere válido um negócio jurídico sob a ótica do direito civil (agente capaz; objeto lícito, possível, determinado ou determinável; forma prescrita ou não defesa em lei – CC, art. 104) são irrelevantes para se interpretar a definição legal do fato gerador. Por isso o próprioCódigo Tributário Nacional prevê, no seu artigo 126, que a capacidade tributária passiva independe da capacidade civil das pessoas naturais. Veja-se que, nos termos do Código Civil, se não há capacidade civil, o negócio jurídico celebrado é inválido. Para o direito tributário, contudo, a falta de capacidade tributária é irrelevante, pois se ocorrer no mundo dos fatos a situação definida em lei como necessária e suficiente para o nascimento da obrigação tributária (fato gerador), o tributo será cobrado. 6.0 – Integração da Legislação Tributária Como visto, interpretar é perquirir o conteúdo e o alcance de determinada norma jurídica. Entretanto, como o legislador não é um Deus, a lei, sua obra, não consegue prevê soluções normativas para todos os fatos que possa a vir acontecer no mundo. Surge então o problema das lacunas, situações não disciplinadas por lei, mas que precisam de uma solução a ser dada pelo direito. Os estudiosos da ciência da interpretação discutem se efetivamente existem lacunas no ordenamento jurídico, a maioria concluindo pela plenitude de tal sistema, pois mesmo quando a lei se apresenta lacunosa, há a previsão, no próprio ordenamento de como colmatar, preencher a lacuna. A conclusão majoritária é que, vendo as normas de maneira estática, lacunas serão percebidas, mas na sua dinâmica as regras de integração da legislação vão garantir a plenitude do direito. Assim, em homenagem ao princípio da plenitude do direito, o juiz está proibido de deixar de decidir os litígios que lhe são submetidos alegando CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 13 que não existe lei disciplinando a matéria (proibição do non liquet), pois nestes casos o próprio direito lhe diz qual a providência a ser adotada. Há de se ressaltar, porém, que não se pode confundir lacuna com os casos em que o legislador quis que determinado texto normativo abrangesse só determinadas situações e não outras. Nestes casos, o silêncio da norma deve ser interpretado como uma manifestação no sentido de que ela não deve ser aplicada a outros casos que não os previstos expressamente, pois, nas palavras do Ministro Moreira Alves, “só se aplica a analogia quando, na lei, haja lacuna, e não o que os alemães denominam ‘silêncio eloqüente’ (beredtes Schweigen), que é o silêncio que traduz que a hipótese contempladaé a única a que se aplica o preceito legal, não se admitindo, portanto, aí o emprego da analogia” (excerto do voto proferido no julgamento, pela 1ª Turma do STF, do RE 130.552) . A regra geral básica para a solução do problema das lacunas no direito brasileiro está prevista no artigo 4º da LICC, assim redigido: “Art. 4º. Quando a lei for omissa o juiz decidirá o caso de acordo com: a analogia, os costumes e os princípios gerais de Direito”, Seguindo o mesmo caminho, mas com uma redação mais precisa, o artigo 126 do Código de Processo Civil afirma: “Art. 126. O juiz não se exime de sentenciar ao despachar alegando lacuna ou obscuridade da lei. No julgamento da lide caber-lhe-á aplicar as normas legais; não as havendo, recorrerá à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de Direito.” Em se tratando de matéria tributária, contudo, a solução do problema das lacunas toma por base regra específica – portanto prevalente - constante do art. 108, do CTN, abaixo transcrito: “Art. 108. Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I - a analogia; II - os princípios gerais de direito tributário; III - os princípios gerais de direito público; IV - a eqüidade. § 1º O emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 14 § 2º O emprego da eqüidade não poderá resultar na dispensa do pagamento de tributo devido.” O dispositivo é direcionado tanto para a autoridade fiscal quanto para a autoridade judiciária que se depare com uma situação cuja solução normativa não esteja prevista expressamente. É apresentada uma seqüência taxativa e hierarquizada de técnicas para solucionar o problema da lacuna na legislação tributária. Em primeiro lugar, tenta-se preencher a lacuna por intermédio da analogia, só se utilizando os princípios geris de direito tributário na hipótese de não se encontrar uma solução viável por intermédio daquela técnica, e assim por diante. A primeira técnica da integração prevista foi a analogia. A analogia consiste na aplicação de uma norma jurídica existente a um caso não previsto por ela, mas essencialmente semelhante ao previsto. Em outras palavras, a regra existente não abrange explicitamente o caso concreto a ser resolvido, mas como este se assemelha com o previsto abstratamente, pode desfrutar da mesma solução normativa prevista para aquele outro. A analogia não deve ser confundida com a interpretação extensiva. Nesta, como visto no item 4.0, o intérprete percebe que o legislador, ao redigir o texto, disse menos do que intentava, de forma que se acaba por se ampliar o conteúdo aparente da norma, abarcando situações aparentemente não previstas. Na analogia, a situação a ser resolvida está indiscutivelmente fora do alcance da norma, pois o legislador não pensava em tratar de tal situação ao escrever o texto, mas, em virtude de a situação imprevista se assemelhar à expressamente prevista, acaba por compartilhar com esta a mesma solução. O fundamento da utilização da analogia é o princípio da isonomia, pois aos casos semelhantes deve-se aplicar soluções análogas. Imagina-se que, se para a situação “A” o legislador previu a solução “X”, e para a situação “B”, análoga à situação “A”, não previu qualquer solução, a solução “X” pode ser aplicada também à situação “B”, pois, provavelmente, assim faria o próprio legislador caso fosse instado a resolver o problema. Os professores Vicente Paulo e Marcelo Alexandrino, no seu Manual de Direito Tributário, propõem o seguinte exemplo: “A legislação do IR prevê que, quando a autoridade fiscal verifica inconsistências na declaração de renda, pode notificar o sujeito passivo para prestar esclarecimentos na repartição, fixando-lhe um prazo de 20 dias para comparecimento. A legislação do ITR também prevê a possibilidade de notificar o sujeito passivo para prestar esclarecimentos relativos à declaração do ITR, mas não estabelece prazo nenhum. Nessa situação, a autoridade CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 15 administrativa, ao intimar determinado sujeito passivo para prestar esclarecimentos relativos à declaração do ITR, pode fixar-lhe prazo de 20 dias para comparecimento à repartição, utilizando-se, por analogia, a legislação do IR.” Não preenchida a lacuna através da analogia, deve a autoridade responsável pela aplicação da legislação tributária buscar a solução nos princípios gerais de direito tributário. Tais princípios são aqueles específicos deste ramo de direito como o da anterioridade, noventena, isonomia, capacidade contributiva, não- confisco, liberdade de tráfego, dentre outros. Superada a possibilidade de solução da lacuna normativa pelas suas primeiras técnicas interpretativas, a autoridade deverá partir para a utilização dos princípios gerais de direito público. Perquire-se uma solução do problema por meio das diretrizes básicas válidas para os diversos ramos do direito público (administrativo, constitucional, processual, penal). São princípios que, por vezes, têm sua importância ampliada em uns ou alguns destes ramos, mas que, dadaa unicidade do direito, podem ser úteis na solução de uma lacuna normativa em qualquer deles. Como exemplos, podem ser citados os princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, da indisponibilidade do interesse público, segurança jurídica, da ampla defesa, do contraditório, da unidade da jurisdição, da liberdade do trabalho, dentre outros. Se nenhuma das três técnicas apresentadas resolver o problema, a autoridade responsável pela aplicação da legislação tributária se utilizará da equidade, procurando dar a solução mais justa para o caso concreto que lhe é apresentado. Trata-se de uma humanização do direito positivo, que traz para a autoridade responsável um amplo grau de discricionariedade para resolver a lacuna adequando o ordenamento jurídico - normalmente composto de normas gerais e abstratas – às especificidades de um caso concreto. 6.1 – Discricionariedade Interpretativa e Limitações ao Uso das Técnicas de Integração Pela análise realizada, percebe-se que a ordem estabelecida pelo CTN visa a solucionar o problema da lacuna normativa em direito tributário sem completo abandono da rigidez que caracteriza o princípio da legalidade neste ramo da ciência jurídica. Em primeiro lugar estabeleceu uma rigorosa seqüência hierarquizada de técnicas a ser seguida pela autoridade, sem qualquer margem de discricionariedade que lhe permitisse valorizar mais ou menos determinada técnica ou aplicá-las conjuntamente. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 16 O critério usado pelo legislador para dar preferência de uma técnica sobre outra foi o de conferir à autoridade responsável o mínimo grau de discricionariedade possível e ir ampliando este grau passo a passo, na medida do necessário. Perceba-se que a discricionariedade existente é na manipulação de cada técnica, jamais na escolha entre as técnicas que é absolutamente vinculada. Nesta linha, percebe-se que a analogia confere à autoridade competente para a aplicação da legislação tributária um certo grau de discricionariedade, pois há margem interpretativa na análise de semelhança das situações normatizadas pelo legislador e aquelas carentes de disciplinamento normativo expresso. Entretanto, não se obtendo a solução do problema por meio da analogia, parte-se para algo que permite uma maior margem interpretativa, os princípios de direito, mas desde já restringindo a busca a princípios específicos do ramo tributário da ciência jurídica. No passo subseqüente, novamente a discricionariedade da autoridade é aumentada, pois a possibilidade de utilização dos princípios de direito é ampliada, uma vez que o campo de investigação não mais se restringe ramo jurídico específico (tributário), mas a um conjunto de ramos do direito (público). Não resolvido o problema, o legislador tributário passa para a derradeira técnica, a que mais confere liberdade à autoridade responsável, determinando-lhe praticamente que crie a solução que lhe pareça mais justa. Em nenhum caso se abandona por completo a legalidade, tão rígida em matéria tributária, pois o próprio código proíbe que da utilização da analogia decorra a cobrança de tributo não previsto em lei (CTN, art. 108, §1º). Assim, por mais que uma manifestação de riqueza sem previsão de tributação se assemelhe a uma outra tributada, o tributo não pode ser cobrado. A título de exemplo, quando um navio pesqueiro sai das águas territoriais brasileiras e captura pescados em alto mar, ingressando novamente em território nacional (território aduaneiro), acontece algo muito semelhante (análogo) à entrada da mercadoria estrangeira em território nacional, fato gerador do imposto de importação. Entretanto, como a mercadoria não é estrangeira, a norma não incide e o tributo não é cobrado. Caso a cobrança fosse realizada, haveria agressão indireta ao princípio da legalidade (CF, art. 150, I) e direta à regra restritiva ora comentada (CTN, art. 108, § 1º). É também o princípio da legalidade que fundamenta a restrição contida no § 2º, do art. 108 do CTN, o qual impede que do emprego da eqüidade resulte a dispensa de tributo devido. Assim, se a lei prevê a incidência tributária sobre determinado fato, não pode a autoridade fiscal, diante de considerações sobre o que seria justo no caso concreto, deixar de cobrá-lo. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 17 Aliás, a eqüidade, como os demais métodos integrativos ora estudados, serve para solucionar o problema da inexistência de disposição normativa expressa, não podendo se converter num mecanismo que afastasse a incidência de norma existente. Assim, se a lei que instituiu o tributo incidiu, não se pode dispensar o pagamento devido com base em eqüidade. Provavelmente o legislador positivou a regra com o objetivo de impedir manobras interpretativas no sentido de se imaginar que se determinada incidência tributária parecer injusta no caso concreto e o legislador não criou, por exemplo, uma regra de isenção para tal caso, há lacuna na legislação que poderia ser solucionada por meio do manejo da eqüidade. O raciocínio destoa do ordenamento tributário brasileiro por vários motivos. Em primeiro lugar, agride o princípio da legalidade (CF, art. 150, I). Em segundo, contrapõe-se à definição de tributo, que impõe a plena vinculação de sua atividade de cobrança (CTN, art. 3º). Em terceiro, encontra impedimento na regra que submete as isenções à interpretação literal (CTN, art. 111, II). Em quarto – e não menos importante – agride a proibição da restrição que se está a analisar (CTN, art. 108, § 2º). Por fim, observe-se que apesar de as restrições constantes no parágrafo único do art. 108 do CTN se aplicarem expressamente apenas ao emprego da eqüidade e da analogia (raciocínio que deve ser seguido em provas objetivas de concursos públicos), o princípio da legalidade impõe que elas sejam observadas em qualquer caso de integração da legislação tributária. Vale dizer, jamais se pode, com base em qualquer das quatro técnicas integrativas da legislação tributária, previstas no art. 108 do CTN, exigir tributo não previsto em lei ou dispensar tributo legalmente previsto. Por enquanto é só. Ricardo Alexandre. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 18 Questões de Concursos Anteriores 1. (CESPE/ SENADO/ 2002) Em direito tributário, o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não-previsto em lei. 2. (CESPE/ SENADO/ 2002) A eqüidade é um método que resulta na dispensa do tributo devido. 3. (CESPE/ SENADO/ 2002) Os princípios gerais de direito privado utilizam-se para a pesquisa de definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, bem como para a definição dos respectivos efeitos tributários. 4. (CESPE/ SENADO/ 2002) Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha acerca da outorga de isenção e da dispensa do cumprimento das obrigações acessórias. 5. (CESPE/ SENADO/ 2002) A lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à autoria e capitulação legal do fato. 6. (CESPE/ SEFAZ-AL/ 2002) Em virtude do princípio da justiça fiscal, o emprego da analogia pode resultar na exigência de tributo que não foi previsto em lei; o da eqüidade pode implicar a dispensa do tributo devido. 7. (ESAF/ AUDITOR/ MG/ 2005) A lei que disponha sobre suspensão e exclusão do crédito tributário deve ser interpretada, segundo o Código Tributário Nacional, em benefício do contribuinte. 8. (ESAF/ AUDITOR/ MG/ 2005) Segundo o Código TributárioNacional, o emprego da analogia não poderá resultar na exigência de tributo não previsto em lei. 9. (ESAF/AUDITOR DE FORTALEZA/98) É obrigatória a interpretação gramatical de norma que verse sobre moratória 10. (ESAF/AUDITOR DE FORTALEZA/98) No preenchimento de lacunas da legislação tributária, utiliza-se preferencialmente a analogia. 11. (ESAF/AUDITOR DE FORTALEZA/98) O emprego da eqüidade pode resultar na dispensa do pagamento de penalidade pecuniária 12. (ESAF/AUDITOR DE FORTALEZA/98) A lei definidora de infrações tributárias interpreta-se da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à imputabilidade. 13. (ESAF/ AUDITOR RN/ 2005) A legislação tributária que disponha sobre parcelamento de crédito tributário deve ser interpretada literalmente. 14. (ESAF/ AUDITOR RN/ 2005) Quando não há dúvida quanto à capitulação legal do fato, a lei tributária que define infrações, ou lhe comina penalidades, deve ser interpretada da maneira mais favorável ao acusado. 15. (ESAF/ PROC. DO MUNICÍPIO/ FORTALEZA/ 2002) Em capítulo dedicado à interpretação e integração da legislação tributária, o Código Tributário Nacional preceitua que, na ausência de disposição normativa expressa, a CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 19 autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará, sucessivamente, na rigorosa ordem a seguir indicada: a) os princípios gerais de direito tributário, os princípios gerais de direito público, a analogia e a eqüidade. b) a analogia, os princípios gerais de direito tributário, os princípios gerais de direito público e a eqüidade. c) a analogia, os princípios gerais de direito público, os princípios gerais de direito tributário e a eqüidade. d) os princípios gerais de direito tributário, a analogia, os princípios gerais de direito público e a eqüidade. e) a analogia, a eqüidade, os princípios gerais de direito tributário e os princípios gerais de direito público. 16. (ESAF/ PROC. DO MUNICÍPIO/ FORTALEZA/ 2002) O Código Tributário Nacional prevê casos em que o intérprete fica com sua função delimitada pela letra da lei, sem poder ampliar ou restringir a norma jurídica, além de sua exata significação. Nesse contexto, deve ser interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre: a) suspensão, exclusão ou extinção de crédito tributário, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. b) lançamento, suspensão, exclusão ou remissão de crédito tributário, outorga de isenção e dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. c) lançamento, suspensão, exclusão ou compensação de crédito tributário, dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias e outorga de isenção. d) suspensão ou exclusão de crédito tributário, dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias e lançamento de crédito tributário por homologação. e) dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias, suspensão ou exclusão de crédito tributário e outorga de isenção. 17. (ESAF/ AUDITOR/ NATAL/ 2001) Tratando-se de regras de interpretação da legislação tributária, temos que: a) a ausência de disposição normativa expressa não autoriza o emprego da analogia. b) pelo emprego da eqüidade é possível a dispensa do pagamento de tributo devido. c) os princípios gerais de Direito Privado podem ser utilizados para definição dos efeitos tributários dos institutos e conceitos dessa área jurídica. d) deve ser interpretada de maneira mais favorável ao FISCO a lei tributária que defina infrações e comine penalidades. CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 20 e) deve ser interpretada literalmente a legislação tributária referente à outorga de isenção. 18. (ESAF/ PFN/ 98): 1. As normas que tratam de isenção estão sujeitas a ______________. 2. As normas que tratam de moratória estão sujeitas a ______________. 3. As normas que dizem interpretar outras, da mesma fonte, são de ______________. Observe, entre as alíneas w, x, y e z, quais as que, à luz do Código Tributário Nacional, preenchem corretamente, e com explicação plausível, as lacunas acima, e, em seguida, marque a opção que contém, na devida seqüência, as alíneas respectivas. w) interpretação extensiva, em atenção ao princípio favorabilia amplianda x) interpretação extensiva, em atenção a que a regra geral não deve ser restringida pelo intérprete y) interpretação retroativa, porque não tem caráter de inovação do sistema jurídico z) interpretação literal, em atenção a que a regra geral é a tributação e exceções não se interpretam extensivamente a) w, w, y b) w, x, z c) z, x, w d) z, z, y e) z, y, x 19. (ESAF/PFN/98): O esclarecimento do significado de uma lei tributária por outra posterior configura a chamada interpretação a) ontológica b) científica c) integrada d) autêntica e) evolutiva 20. (ESAF/AFRF/2003) Interpreta-se da maneira mais favorável ao sujeito passivo a legislação tributária que disponha sobre dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. 21. (ESAF/AFRF/2003) Os princípios gerais de direito privado utilizam- se para pesquisa da definição, do conteúdo e do alcance de seus institutos, conceitos e formas, bem assim para definição dos respectivos efeitos tributários. 22. (ESAF/AFRF/2003)Na ausência de disposição expressa, a autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 21 rigorosa ordem, a analogia, os princípios gerais de direito público, os princípios gerais de direito tributário e a eqüidade. 23. (PROCURADOR DO ESTADO RN/ 2002) Nas proposições abaixo: I - Na ausência de disposição expressa, o aplicador da legislação tributária se valerá, sucessivamente, dos princípios gerais de direito tributário, dos princípios gerais de direito constitucional, da analogia e da eqüidade. II - A interpretação da legislação tributária se fará literalmente quando esta disponha sobre a dispensa do cumprimento de obrigações tributárias acessórias. III - A lei tributária aplica-se a ato ou fato pretérito quando seja expressamente interpretativa. IV - Exclusivamente para efeitos tributários, a lei pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado, ainda que utilizados pela Constituição Federal para definir ou limitar competências tributárias. Assinale a alternativa correta: a) II e III b) I e III c) II e IV d) III e IV e) I e IV 24 (FCC/ SUBPROCURADOR/ TCE-SE/ 2002) A respeito da interpretação e da integração da legislação tributária, é correto afirmar: (A) Segundo o CTN não há nenhuma hipótese em que a norma tributária deve ser interpretada de forma literal. (B) A lei tributária pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado. (C))Na ausência de disposição expressa para a interpretação de lei tributária, a autoridade competente poderá utilizar a analogia, os princípios gerais de direito tributário, os princípios gerais de direito público e a eqüidade. (D) O emprego da analogia não pode resultar na exigência de tributo não previsto em lei. Já a eqüidade pode ser aplicada para dispensa de pagamento de tributo devido. (E) Não há hipótese que permita que a lei tributária que define infrações possa ser interpretada da maneira mais favorável ao acusado. 25. (FCC/ PROC. ESTADO/ SP/ 2002) I. Os princípios gerais de direito privado são utilizados para definir os efeitos tributários dos seus institutos CURSOS ON-LINE – DIREITOTRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 22 II. As causas de exclusão do crédito tributário podem ser interpretadas extensivamente III. A lei tributária aplica-se a ato ou fato pretérito sempre que seja expressamente interpretativa IV. A lei tributária não pode alterar o alcance de institutos de direito privado utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição da República Assinale, na folha de respostas, a alternativa correta de acordo com a chave abaixo SOMENTE está correto o que se afirma em A. I e II B. II e III C. III e IV D. I E. IV 26. (FCC/ Procurador do Município Jaboatão dos Guararapes- PE/ 2006) A lei tributária: A) utilizando o princípio da eqüidade poderá resultar na dispensa do pagamento do tributo devido. B) utiliza sempre a eqüidade e a analogia para interpretar a isenção tributária. C) pode alterar a definição, o conteúdo e o alcance de institutos, conceitos e formas de direito privado utilizados, expressa ou implicitamente, pela Constituição Federal. D) determina que a autoridade competente deve utilizar, na ausência de disposição expressa, a eqüidade, os princípios gerais de direito público, a analogia e os princípios de direito tributário, sucessivamente e nessa ordem. E) que define infrações será interpretada da maneira mais favorável ao acusado, em caso de dúvida quanto à capitulação legal do fato. GABARITOS: 01 - C (CERTO) 02 - E (ERRADO) 03 - E CURSOS ON-LINE – DIREITO TRIBUTÁRIO – CURSO REGULAR PROFESSOR RICARDO ALEXANDRE www.pontodosconcursos.com.br 23 04 - C 05 - C 06 - E 07 - E 08 - C 09 - C 10 - C 11 - C 12 - C 13 - C 14 - E 15 - Alternativa B 16 - Alternativa E 17 - Alternativa E 18 - Alternativa D 19 - Alternativa D 20 – E (ERRADO) 21 – E (ERRADO) 22 – E (ERRADO) 23 - Alternativa A 24 - Alternativa C 25 - Alternativa C 26 – Alternativa E
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