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História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no auge do colonialismo, 1930 - 1961 http://www.aluka.org/action/showMetadata?doi=10.5555/AL.SFF.DOCUMENT.crp2b20002 Use of the Aluka digital library is subject to Aluka’s Terms and Conditions, available at http://www.aluka.org/page/about/termsConditions.jsp. By using Aluka, you agree that you have read and will abide by the Terms and Conditions. Among other things, the Terms and Conditions provide that the content in the Aluka digital library is only for personal, non-commercial use by authorized users of Aluka in connection with research, scholarship, and education. The content in the Aluka digital library is subject to copyright, with the exception of certain governmental works and very old materials that may be in the public domain under applicable law. Permission must be sought from Aluka and/or the applicable copyright holder in connection with any duplication or distribution of these materials where required by applicable law. Aluka is a not-for-profit initiative dedicated to creating and preserving a digital archive of materials about and from the developing world. For more information about Aluka, please see http://www.aluka.org História de Moçambique, Vol. 3, Moçambique no auge do colonialismo, 1930 - 1961 Author/Creator Hedges, David; Rocha, Aurélio; Medeiros, Eduardo; Liesegang, Gerhard; Chilundo, Arlindo Publisher Universidade Eduardo Mondlane, Departamento da História Date 1993 Resource type Books Language Portuguese Subject Coverage (spatial) Mozambique Coverage (temporal) 1930-1961 Source Northwestern University Libraries, Melville J. Herskovits Library of African Studies, 967.9 H673 1988 v. 3 Rights By kind permission of the Departamento de História da Universidade Eduardo Mondlane. Description This book produced by the Department of History at Universidade Eduardo Mondlane focuses on the period 1930 to 1961, but also includes an introductory chapter covering the period 1885-1930. It provides both analysis and narrative coverage, divided into the following periods: 1930-1937 (reinforcement of colonialism), 1938-1944 (restructuring of Mozambican society), and 1945-1961 (in two chapter, one on the apogee of Portuguese colonialism, and the other on resistance to colonialism. The back matter includes extensive notes and references. Format extent (length/size) 316 pages http://www.aluka.org/action/showMetadata?doi=10.5555/AL.SFF.DOCUMENT.crp2b20002 http://www.aluka.org HISTORIA DE MOÇAMBIQUE HISTORIA DE MOÇAMBIQUE VOL. MOÇAMBIQUE NO AUGE DO COLONIALISMO, 1930- 1961 DEPARTAMENTO DE HISTÓRIA UNIVERSIDADE EDUARDO MONDLANE História de Moçambique Volume 3 Moçambique no Auge do Colonialismo, 1930-1961 Universidade Eduardo MondIane Departamento de História - Faculdade de Letras Maputo 473 Copyrigth Coordenação deste volume: ScLcção de fotografias: Mapas: Capa: Revisão do Texto: Arranjo Gráfico: Montagem, Fotolito e Impressão: Editor: N* de Registo: Departamento de História - Faculdade de Letras, Universidade Eduardo MondIane David Hedges Amélia Souto , António Sopa, Paula Voss e Arlindo Chiluw Gerhard Liesegang Quadro de Malangatana "Trabalho forçado" Fernanda Durão, Arlindo Chilundo e Gilberto Matusse João Paulo Borges Coelho Imprensa da UEM Departamento de História - Faculdade de Letras, Universidade Eduardo Mondlane 098 1IFBM/92 Maputo - 1993 SUMÁRIO Lista de Quadros viii Lista de Mapas viii Lista de Fotografias ix Abreviaturas utilizadas xi Nota de Apresentação xii Capítulo 1: A História de Moçambique, 1885-1930 1 Por Aurélio Rocha, David Hedges, Eduardo Medeiros e Gerhard Liesegang Com revisões e novas matérias por David Hedges e Arlindo Chilundo 1 A conquista e a nova organização político-administrativa 1 2 A emergência da economia colonial 3 2.1 Produção agrícola 3 2.2 A reestruturação capitalista da economia camponesa 5 2.3 Portos, caminhos de ferro e trabalho migratório 6 2.4 Indústrias de transformação 6 2.5 Balanço geral da economia 7 2.6 Relações económicas entre Moçambique, Portugal e outros países 7 3 As mudanças demográficas entre 1885 e 1930 8 3.1 População total 8 3.2 Distribuição da população e função das cidades 8 4 A estrutura social, o racismo e o proto-nacionalismo 9 4.1 Discriminação racial na estrutura colonial 10 4.2 A luta dos trabalhadores brancos e o reforço das barreiras raciais 12 4.3 A pequena burguesia moçambicana, assimilação e educação 13 4.4 Últimos focos da resistência militar e o início do proto-nacionalismo 17 As igrejas 'separatistas' 18 O movimento associativo e literário 21 5 Os conflitos do período 1915-1930 23 5.1 A I Guerra Mundial e a crise económica e social da década de 20 23 5.2 0 conflito sobre as bases da política colonial em Moçambique 26 5.3 0 golpe militar de 1926 em Portugal e a sua repercussão em Moçambique 28 NOTAS Capítulo 2: O Reforço do Colonialismo, 1930-1937 35 Por David Hedges e Aurélio Rocha Com revisões e novas matérias por David Hedges e Arlindo Chilundo 1 Introdução 35 2 A crise económica e a produção em Moçambique 36 2.1 Origens e alcance da crise económica mundial 36 2.2 Produção em Moçambique na nova situação económica 36 2.3 0 trabalho migratório, trânsito e a situação financeira 39 3 0 reforço da dominação portuguesa 41 3.1 A ascensão do regime Salazarista em Portugal 41 3.2 0 proteccionismo e o novo regime político-administrativo 41 3.3 Novas relações de dominação económica 42 3.4 Educação e religião 46 4 A intensificação da exploração nas zonas rurais 49 5 Os conflitos sociais e a resistência anti-colonial, 1930-1937 53 5.1 0 conflito sobre as terras no Mossuril - Nampula 53 5.2 As greves de 1932-1933 na Beira e Lourenço Marques 55 A manifestação dos assalariados negros da Beira, 1932 56 A greve da 'Quinhenta' no porto de Lourenço Marques de 1933 59 5.3 0 movimento associativo e político 61 A divisão do movimento associativo 66 A repressão do jornalismo político 71 Ambiguidade da posição da elite 73 Agudização da tensão política e repressão fascista, 1935-1937 75 NOTAS Capítulo 3: A Reestruturação da Sociedade Mocambicana,1938-1944 83 Por David Hedges e Aurélio Rocha 1 Introdução: Características gerais do período 1938-1944 83 1.1 A procura renovada de matérias-primas 83 1.2 Capital português e reorganização da administração colonial 85 1.3 0 poder reforçado do Governador-Geral 86 2 As culturas forçadas 88 2.1 Generalização do cultivo do algodão 88 2.2 Generalização da cultura obrigatória 91 2.3 0 cultivo forçado de arroz 93 3 A intensificação da exploração do trabalho 93 3.1 A crise de mão-de-obra rural 93 3.2 Actuação do governo colonial face à crise de mão-de-obra 95 3.3 A reorganização dos impostos 97 3.4 Reforço dos auxiliares administrativos: régulos e sipaios 98 3.5 Reforço do controle sobre trabalho em Lourenço Marques e Beira 99 3.6 0 novo sistema de sindicatos fascistas 100 4 A estrutura de produção e as suas consequências 101 4.1 Produção e rendimento nas zonas rurais 101 4.2 Diferenciação regional 102 4.3 Controle permanente da administração sobre a produção agricola 104 4.4 Crescente exploração do campesinato 104 4.5 Diferenciação social no seio do campesinato 106 4.6 Indústria, transportes e trabalho migratório 108 5 A resistência ao colonialismo 111 5.1 A resistência generalizada às culturas forçadas 111 5.2 A revolta Muta-hanu no Mossuril - Nampula, 1939 112 5.3 0 movimento associativo 114 6 0 Estado colonial, a Igreja Católica e o ensino rudimentar 117 NOTAS Capítulo 4: Moçambique durante o Apogeu do Colonialismo Português, 1945-1961: a Economia e a Estrutura Social 129 Por David Hedges e Aurélio Rocha 1 Caracteristicas gerais do período 129 2 A intensificação da produção rural 130 2.1 A cultura forçada de algodão 130 Concentrações algodoeiras, blocos e picadas 132 Diferenças de produtividade 137 2.2 0 reforço do controlesobre a mão-de-obra rural 138 2.3 Produção global das mercadorias agrícolas de exportação 145 2.4 A estrutura da exploração rural colonial e as suas consequências 147 Violência e produção 148 O comércio rural 151 A degradação dos solos, subnutrição e fomes 153 3 Mão-de-obra migrat6ria 157 4 Os planos do fomento e industrialização 161 4.1 Acumulação portuguesa e a economia moçambicana 161 4.2 Os planos de fomento 161 4.3 Crescimento da população colona 164 4.4 Fomento industrial 168 4.5 A consolidação do capital português 171 5 0 desenvolvimento da estrutura social 172 5.1 A força de trabalho assalariado e a sua estratificação racial 172 5.2 A educação, as missões e seu papel na estrutura social colonial 176 Ensino primário rudimentar e 'comum' 179 Ensino secundário 181 5.3 As formas de enquadramento colonial 182 O privilegiamento dos régulos e sipaios 183 As associações profissionais para negros 187 Os agricultores prósperos e as cooperativas 188 NOTAS Capítulo 5: A Contestação da Situação Colonial, 1945-1961 197 Por David Hedges e Arlindo Chilundo 1 Introdução 197 2 0 reforço do colonialismo na Africa após a II Guerra Mundial 198 O âmbito regional na África Austral 200 3 As associações e o movimento juvenil, 1945-1955 202 4 A luta dos camponeses e trabalhadores 209 4.10 contexto da luta 209 4.2 A resistência contra as culturas forçadas 210 4.3 Resistência contra o trabalho forçado 213 A greve na açucareira de Xinavane, 1954 214 4.4 Greves no caminho de ferro e porto de Lourenço Marques 215 4.5 0 motim da pedreira de Goba 217 4.6 Considerações finais sobre a luta dos camponeses e trabalhadores 219 5 A contestação cultural 221 5.1 Canção, música e dança populares 222 5.2 A literatura como arma da luta 225 5.3 Artes plásticas 230 5.4 A contestação cultural resumida 231 6 A Sociedade Algodoeira Africana Voluntária de Moçambique 232 7 A luta anti-colonial, 1955-1961 238 7.1 A criação de organizações políticas internas e externas 238 7.2 0 massacre de Mueda e a repressão de 1960-1961 241 7.3 0 âmbito político em Lourenço Marques e a revitalização do NESAM 243 7.4 A evolução das organizações moçambicanas nos territ6rios vizinhos 245 7.5 As organizações unitárias contra o colonialismo português 246 8. Resumo e conclusão 248 NOTAS 250 PRINCIPAIS FONTES CONSULTADAS 259 INDICE Lista de Quadros 1 Principais exportações de Moçambique, 1928-1935 38 2 A crise económica, 1928-1937: Valor e Volume das exportações 39 3 Expansão das missões católicas, 1930-1937 47 4 Aumento do número de escolas rudimentares, 1930-1937 48 5 O volume das principais exportações de Moçambique, 1939-1944 102 6 O valor das principais exportações de Moçambique, 1939-1944 103 7 Aumento de missões católicas, 1938-1944 120 8 Número de escolas rudimentares, 1938-1944 120 9 Ensino rudimentar católico, 1940-1944 121 10 Produção de Algodão, 1945-1960 136 11 O volume das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 146 12 O valor das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 146 13 Percentagem das principais exportações de Moçambique, 1945-1960 147 14 Evolução da população total e da população colona de Moçambique 165 15 Crescimento da indústria de transformação, 1947-1961 169 16 Expansão do investimento fixo na indústria transformadora, 1956-1961 170 17 Proporção do valor de produção industrial, por sector, 1942-1960 171 18 Estimativa provisória do número de assalariados nos principais sectores e actividades, 1950-1960 173 19 Aumento de missões religiosas, 1945-1961 178 20 Aproveitamento nas escolas rudimentares das missões católicas e outras (missões protestantes e escolas oficiais), 1945-1960 180 21 Matrículas nas escolas primárias 'comuns', 1945 e 1960 181 22 Matrículas nos Liceus, 1945 e 1960 182 Lista de Mapas 1 Produção de algodão, 1941: diferenciação regional 134 2 Produção de algodão, 1960: diferenciação regional 135 3 A expansão da rede ferroviária 160 4 Greves, contestações e protestos, 1930-1960 196 Lista de Fotografias 1. Construção da Ponte do Zambeze, 1933 44 2. Ponte do Zambeze, 1935 45 3. Trabalhadores no depósito do crómio no Porto da Beira 57 4. Retrato de Estácio Dias 62 5. Retrato de Karel Pott 62 6. Sede do Centro Associativo dos Negros (Instituto Negrófilo), 1939 63 7. Kamba Simango 69 8. Tomada de posse do Governador-Geral J. T. Bettencourt 87 9. Parada militar em Lourenço Marques, 1942 87 10. Colheita de algodão 88 11. Mercado de algodão, Nampula 89 12. Processamento de algodão, Sofala 90 13. Paisagem da cultura de chá, Zambézia 94 14. Trabalhadores do chá, Zambézia 94 15. Carregamento da cana de açucar, Inkomati 96 16. Régulos com os seus bastiões de comando, Quelimane, 1939 98 17. Construção do Caminho de Ferro de Tete, 1944 109 18. Escola de Artes e Oficios, Moamba 122 19. Aula de sapataria, Escola de Artes e Oficios, Moamba 122 20. Caminho de Ferro do norte: abertura de uma trincheira 141 21. No parque de maquinaria, linha férrea de Tete,1949 162 22. Carros no caminho das Rodésias, Lourenço Marques, 1955 163 23. Colonos a chegar, Limpopo, 1954 166 24. Vista do colonato, Limpopo, 1960 166 25. Retrato de D. Soares de Resende, Bispo da Beira 177 26. A escola rudimentar da Missão católica de Murrupula, Nampula, 1960 179 27. Banja em Maniamba, Niassa, fim da década de 1950 184 28. Chefe Mataka, Niassa, fim da década de 1950 185 29. Os engraxadores de Lourenço Marques, 1946 187 30. Encontro dos Governadores-Gerais da Federação e de Moçambique, 1954 201 31. Eduardo Mondiane em 1949 204 32. M.M. Sicobele, fundador da Igreja Luz Episcopal 207 33. Figuras da contestação cultural, década de 1950 223 34. Retrato de Daniel Marivate 227 35. Retrato de João Dias, 1949 228 36. Manifestação em Lourenço Marques contra Resoluções da ONU, 1957 239 37. Notícias do julgamento da liderança da Convenção do Povo de Moçambique, 1962 242 38. Nacionalistas da África Austral na altura da formação de CONCP 247 Abreviaturas Utilizadas AA Associação Africana de Lourenço Marques (o Grémio Africano) AHM Arquivo Histórico de Moçambique ANC African National Congress of South Afica BA O Brado Africano BO Boletim Oficial de Moçambique, I série BSEM Boletim da Sociedade de Estudos de Moçambique CAN Centro Associativo dos Negros (o antigo Instituto Negrófilo) CAM Companhia dos Algodões de Moçambique CEA Centro de Estudos Africanos, Universidade Eduardo Mondlan CPC/SS Corpo da Polícia Civil, Serviços de Segurança Cx. Caixa DH Departamento de História, Universidade Eduardo Mondiane FA Fundo do Algodão [Arquivo Histórico de Moçambique) FAC Fundo da Administração Civil [Arquivo Histórico de Moçambique] FGG Fundo do Governo Geral [Arquivo Histórico de Moçambique) FNI Fundo dos Negócios Indígenas [Arquivo Histórico de Moçambique] FTO Fundo de Testemunhas Orais [Arquivo Histórico de Moçambique HM II DH, História de Moçambique, vol.II, Maputo:Cadernos Tempo, 1983 INLD Instituto Nacional do Livro e do Disco ISANI Inspecção Superior de Administração e Negócios Indígenas JEAC Junta de Exportação de Algodao MAC Movimento Anti-Colonialista MANU Mozambique African National Union MJDM Movimento da Juventude Democrática de Moçambique MPLA Movimento Popular para a Libertação de Angola MUD Movimento da Unidade Democrática NESAM Núcleo de Estudantes Secundários de Moçambique PAIGC Partido Africano da Independência da Guiné e Cabo Verde PIDE Policia Internacional de Defesa do Estado SAGAL Sociedade Agrícola Algodoeira S.d. Sem data SE Secção Especial [Arquivo Histórico de Moçambique) S.n. Sem número SR [A.I.Ferraz de Freitas],'Seitas religiosas gentílicas', 4 vols., Lourenço Marques,n.p., 1956-1957 TANU Tanganyika African National Union UEM Universidade Eduardo Mondlane, Maputo UDENAMO União Democrática Nacional de Moçambique UNAMI União Nacional de Moçambique Independente Nota de Apresentação Este terceiro volume da História de Moçambique segue as linhas gerais da periodizaçãoestabelecida para a colecção, em 1981, sob a direcção do então chefe do Departamento de História, Carlos Serra. Coube, porém, ao Departamento de História, como um todo, a responsabilidade da elaboração deste volume. Todos os capítulos foram previamente publicados na revista do Departamento, Cadernos de História 2,4,5,6,7 (1985-1988), ao que se seguiu um processo de revisão e reelaboração. A grande parte deste volume cobre o período de 1930-1961, sendo objecto principal Moçambique no apogeu do colonialismo. Neste volume procura-se mostrar como é que Portugal, guiado pela estratégia do 'nacionalismo económico', tentou, mais do que vinha acontecendo até então, tirar de Moçambique mais vantagens em seu próprio benefício. Procura-se também avaliar a experiência moçambicana deste intensivo, violento e muitas vezes sufocante processo. Tentamos fazer um balanço sistemático do material novo e informações relativa e largamente conhecidas. Porém, fica-nos a consciência de que este livro é uma mera tentativa de uma síntese geral deste período. Longe de ser um manual adequado de ensino e muito menos uma história oficial, esperamos não obstante que o livro seja de fácil leitura. Com diferentes graus de sucesso procuramos incluir a máxima informação possível sobre os temas sócio-políticos, tais como religião, educação e associações políticas. Aspectos sócio-económicos também mereceram um tratamento especial. Mesmo assim, muitos temas e formas mais frutíferas de interpretação foram, sem dúvidas, insuficientemente desenvolvidos. Muito fica ainda por fazer e esperamos que este trabalho provisório contribua substancialmente para a delimitação de novos temas de investigação sobre a história de Moçambique. No princípio, os autores decidiram que os capítulos seriam, de preferência, divididos conforme uma periodização, incorporando desta forma as divisões temáticas e diferenças regionais. Este procedimento nos pareceu o meio apropriado para a sintetização de materiais que se encontram ainda mais dispersos e não trabalhados do que aqueles que formaram a base do volume anterior. Os autores também decidiram que tal estrutura requeria um capítulo introdutório resumindo o período de 1885 a 1930 e que inclui novas informações que, à data da elaboração do II volume, não estavam disponíveis. A conclusão deste livro foi possível graças ao apoio sempre concedido, muitas vezes em difíceis circunstâncias, do Dr. Fernando Ganhão, Reitor da Universidade Eduardo MondIane, e os seus sucessores, Dr. Rui Baltazar e Dr. Narciso Matos. Os autores gostariam de expressar a sua profunda gratidão ao Arquivo Histórico de Moçambique cuja directora, Dra Inês Nogueira da Costa, e restantes trabalhadores generosamente os apoiaram na localização de fontes e na fase final da edição. O Índice beneficiou do generoso apoio profissional de António Sopa e de Fernanda Mendes. A publicação do livro deve muito ao entusiasmo e às capacidades técnicas de João Paulo Borges Coelho. Os autores agradecem particularmente a Colin Darch, pela sua indispensável ajuda na localização da grande parte das fontes utilizadas no Capítulo 5. Pelos valiosos comentários e informações fornecidas no decurso do trabalho, agradecem também a Carlos Serra (caps. 1 e 2), Luís Covane e Gerhard Liesegang, do Departamento de História, e a Yussuf Adam, Teresa Cruz e Silva e Alexandrino José, do Centro de Estudos Africanos da UEM (cap. 5), Eduardo Medeiros, do Instituto Superior Pedagógico (caps. 3 e 4) e a Paulo Soares, do Ministério da Cultura (caps. 2 e 3). E, não em último lugar, o Departamento de História expressa a sua profunda gratidão à Agência Sueca para Investigação e Cooperação Internacional (SAREC), e à Agência Norueguesa para o Desenvolvimento (NORAD), pela ajuda e encorajamento na área de investigação e pelo prestimoso apoio material, sem os quais não seria possível a publicação deste livro. Capítulo 1: A História de Moçambique, 1885-1930 1. A conquista e a nova organização político-administrativa Após a Conferência de Berlim, foram definidas novas formas de relacionamento entre as potências europeias e os territórios colonizados, o que, em Moçambique, se traduziu na delimitação de fronteiras e na ocupação militar, administrativa e económica. A implantação colonial no período imperialista efectivou-se, inicialmente, aLravés da conquista militar do território moçambicano. Apesar da superioridade em armas dos colonialistas, este processo durou mais de duas décadas (1886- 1918), devido a fortes resistências nas diversas partes do território [1]. Para diminuir os custos directos da ocupação militar e administrativa, Portugal optou por ceder as actuais províncias do Niassa e de Cabo Delgado à Companhia do Niassa, uma companhia majestática, que, para além da sua função económica, tinha poderes militares e administrativos. Da mesma forma, as províncias de Manica e de Sofala passaram a ser administradas pela Companhia de Moçambique. As províncias de Tete e da Zambézia foram submetidas a uma administração conjunta do estado português e de companhias que arrendaram os antigos prazos. A província de Nampula e o território ao sul do Rio Save (Maputo, Gaza Capítulo 1 e Inhambane) ficaram sob administração directa do estado português. Como a acumulação de capital, em Portugal estava baseada em grande medida no comércio, e a economia estava pouco industrializada, não havia grandes excedentes de capitais para investimento produtivo no exterior. Assim se explica a penetração do capital não-português em todas as zonas de Moçambique, incluindo nas Companhias Majestáticas. A implantação do sistema administrativo colonial processou-se em diferentes fases nas diversas partes do país. Por exemplo, nas áreas de resistência mais prolongada, ou de acesso difícil, a primeira etapa efectivou-se através da ocupação militar quase permanente (capitaniasmores na província de Nampula e partes de Zambézia, comando militar em Gaza). Noutros lugares, como, por exemplo, na província de Maputo em 1896, o governo colonial passou directamente à divisão do território em circunscrições civis que, de um modo geral, deram origem aos actuais distritos. Nestas divisões foram instalados os administradores e chefes de posto portugueses, bem como régulos africanos, escolhidos pelo regime colonial, em substituição dos antigos chefes. A partir de 1907, este sistema substituiu gradualmente a administração militar em Gaza, Zambézia e Nampula. O objectivo principal do colonialismo no período imperialista era aproveitar a força de trabalho africana de uma maneira mais directa e permanente que no período anterior. As formas em que este aproveitamento se podia realizar variavam desde a aplicação do trabalho nas plantações até à comercialização dos produtos do campesinato e à venda aos moçambicanos de vinhos, têxteis e outros produtos portugueses (ver ponto 2). Vários métodos concretizaram esse objectivo. O imposto de palhota servia para forçar a população a ganhar dinheiro através da venda dos seus produtos ao comércio rural ou da venda da sua força de trabalho. Metade do mussoco (o imposto pagável na Zambézia) era cobrado em trabalho a partir de 1890. A cobrança do imposto era uma das tarefas principais do administrador e dos seus subordinados. O dinheiro cobrado contribuiu largamente para as despesas da nova rede administrativa colonial (vencimentos, edifícios, estradas, etc.). A diferença dos níveis de desenvolvimento entre as -potências europeias reflectiu- se nas suas colónias, sobretudo na concorrência pela utilização da força de trabalho. Não obstante as más condições de Moçambique, 1885-1930 trabalho nas plantações, minas e obras públicas na África do Sul, nas Rodésias, Niassalândia, Tanganhica e Zanzibar, verificou-se um grande fluxo de migrantes moçambicanos para esses territórios. Para tal contribuiu o facto de os salários serem relativamente superiores nesses territórios, como coroláriodo nível relativamente superior de capitalização, gestão, aplicação de tecnologia e produtividade. Por outro lado, as mercadorias (em especial, os têxteis) vendidas nesses territórios eram de melhor qualidade e mais baratas. Colocado numa situação desvantajosa em relação aos outros poderes coloniais na região, no que diz respeito ao recrutamento de trabalhadores, o estado colonial em Moçambique recorreu, mais do que os estados coloniais vizinhos, ao sistema de trabalho forçado, cuja supervisão era outra das tarefas principais do administrador. Desta maneira, o colonialismo português pretendeu compensar o baixo nível de investimento. Foi através deste novo sistema político-administrativo, cuja actuação se fez sentir a nível do uso da força de trabalho, que se estabeleceu a economia colonial no período 1885-1930. 2. A emergência da economia colonial 2.1 Produção agrícola A maior parte da população moçambicana pertencia ao sector agrícola. No novo sistema, que emergiu entre 1885 e 1930, podemos distinguir vários tipos de produção provenientes dos seguintes sectores: a) As plantações de cana-de-açúcar, de coqueiros, de sisal e de chá, com as respectivas fábricas de transformação anexas, constituíam a agro-indústria. A produção de açúcar começou na última década do século XIX, com as principais plantações situadas no vale do Zambeze, localizando-se outras unidades importantes nos vales dos rios Buzi e Incomati. As plantações de sisal começaram a ser feitas em 1904/6 na Zambézia, mas as da zona litoral de Nampula tornaram- se as mais importantes por volta de 1930, havendo outras em Cabo Delgado e Manica. A produção das plantações era quase totalmente exportada. b) As machambas familiares dos camponeses produziam para exportação quantidades sensqvelménte iguais às das plantações. Para além disso, alimentavam não só a população rural, mas também os milhares Capítulo 1 de trabalhadores na agro-indústria, que comprava os produtos aos camponeses na sua rede de lojas montada para o efeito. A Sena Sugar Estates, por exemplo, criou a Companhia de Comércio de Moçambique principalmente para este fim. Os principais produtos comercializados, quer para exportação, quer para comércio interno, eram o milho, o amendoim, o gergelim e a borracha, e provinham em grande parte da província de Nampula, e em menor escala, das províncias da Zambézia, de Cabo Delgado e de Inhambane. Nas províncias de Gaza, Maputo e Inhambane, o campesinato ficou sem muitos trabalhadores devido ao recrutamento para as minas sul-africanas. O imposto de palhota nestas zonas (pagável em divisas) provinha geralmente dos salários dos mineiros; reduziu-se, assim, a possibilidade e o estimulo da família camponesa para produzir para a comercialização. Por estas razões, o campesinato nestas províncias produzia poucos excedentes agrícolas. No entanto, na década de 20, alguns migrantes regressavam da África do Sul já com charruas, o que tornou possível a uma minoria de camponeses uma maior produtividade e até alguma acumulação de bens e o aumento das áreas cultivadas, como no vale do Limpopo. c) As pequenas e médias machambas de colonos individuais empregavam trabalhadores africanos. Algumas estavam instaladas em zonas de colonização antiga, perto de Quelimane e da Ilha de Moçambique, e produziam pequenas quantidades de copra e cajú. Outras dedicavam-se à cultura do milho no Chimoio a partir de 1907, e, no sul, à cultura do algodão a partir de 1920. Ainda neste período, os agricultures colonos começaram a pro4u±ir citn'nos para o mercado sul-africano e a criar gado para o mercado interno (principalmente para Lourenço Marques). As exportações por ýector, em termos de valor, eram as seguintes, em 1930 [2]: Das plantações 40% Do campesinato 28% Dos agricultores 10% Doutros sectores 22% vários: óleos, bagaços, sal, artesenato, minerais, etc.) Moçambique, 1885-1930 Embora as exportações do campesinato, em quantidade, se igualassem às da agro- indústria, os produtos desta última valiam mais no mercado internacional, até porque iam já semi-transformados. 2.2 A reestruturação capitalista da economia camponesa Embora seja útil distinguir, para efeitos de estudo, as formas de produção agrícola das formas de produção indústrial que emergiram neste período, é, no entanto, importante compreender que elas estavam perfeitamente interligadas na economia colonial. Note-se que em todos os tipos de produção o trabalho era efectuado pela população moçambicana, com ou sem a supervisão dos colonos. Para além disso, é importante realçar o papel da produção camponesa no fornecimento de alimentação aos trabalhadores das plantações, indústrias e machambas privadas. Lembramos que estes trabalhadores eram migrantes sazonas, cujas famílias, além de manterem a casa, produziam para a sua subsistência e do próprio migrante depois do seu regresso. Podemos dizer que a família camponesa veio a constituir a base de repodução social do trabalhador migrante e, assim, a base fundamental de todas as formas de produção que dela dependiam. Com este sistema, nem plantações, nem indústrias, nem machambas privadas tinham que pagar um salário que alimentasse a família do trabalhador, o que era sempre justificativo da atribuição de salários muito baixos. Por essa razão os empreendimentos na nova economia colonial preferiam o trabalho migratório, procurando o estado colonial evitar, na medida do possível, o crescimento de uma força de trabalho permanente e estável, o que teria exigido salários mais elevados e melhores' condições sociais. Os migrantes, devido ao carácter temporário do trabalho, tinham pouco poder para reclamar junto do empregador, que os podia despedir em qualquer altura sem remuneração nenhuma. Devido ao rendimento muito baixo que se podia esperar dos contratos ou do trabalho forçado em Moçambique, que em geral somente bastava para pagamento do imposto e aquisição de alguma roupa de trabalho, o enquadramento social do homem e da mulher, através do casamento, dependia muitas vezes de contratos sucessivos do homem nas minas e plantações dos territórios vizinhos, onde ganhava o dinheiro necessário para o casamento e os impostos. O sistema de trabalho migratório (dentro e fora do país) atingiu quase Capítulo 1 todas as actividades produtivas, levando à proletarização parcial do campesinato e, assim, tornando a situação das massas cada vez mais uniforme. Se, por um lado, o recrutamento dos homens em brigadas nas zonas de origem, com a segregação nos acampamentos e o repatriamento no fim do contrato, fortaleceu a discriminação étnica, e facilitou o controlo rigoroso dos trabalhadores, por outro, contribuiu para o início de uma experiência comum de exploração [3]. Um outro aspecto fundamental da nova economia colonial era o comércio rural, essencial para o escoamento de produtos. Foi, de facto, a produção familiar dos camponeses que alimentou o crescimento e os lucros da rede de lojas rurais, exclusivamente nas mãos de comerciantes asiáticos e europeus [4]. Desta maneira, o sistema de produção familiar camponesa, herdado do período antes de 1885, foi transformado na base principal para a acumulação do capital na nova economia colonial [5]. 2.3 Portos, caminhos de ferro e trabalho migratório Enquanto a maior parte da população continuava a viver da agricultura, com o surgimento da nova economia colonial, havia um número reduzido que exercia a sua actividade na construção dos portos e caminhos de ferro de Lourenço Marques e Beira, e como estivadores e carregadores no seu funcionamento [ponto 3.2]. Para o fornecimento de grande parte desta mão-de-obra, desenvolveu-se o sistema de trabalho forçado. . Como vimos, outros trabalhadores foram para as minas e plantações dos territórios vizinhos. Estas actividades beneficiaram principalmente os empreendimentos das colónias britânicas vizinhas. No entanto, a burguesia portuguesa tinha o seu benefício através da canalizaçãodas divisas provenientes do trabalho nesses territórios para a rede comercial de Moçambique. Para além de vários impostos de recrutamento, pagáveis em divisas ao estado colonial, o Sul importava grandes quantidades de vinho, principal exportação portuguesa da altura, que era vendido nas lojas rurais. 2.4 Indústrias de transformação A extracção de óleos, a destilação de alcool, as moagens, a produção de cigarros, de gelos e de refigerantes foram as primeiras indústrias de transformação, principalmente viradas para o consumo de Lourenço Marques, e construídas antes de 1914. Nos anos seguintes, Moçambique, 1885-1930 estabeleceram-se fábricas de sabões, de cerveja e de cimento. O significado destas indústrias foi muito reduzido até 1930, quer em termos de produção, quer em termos do número de trabalhadores, maioritariamente não-qualificados. 2.5 Balanço geral da economia Os portos e caminhos de ferro e a exportação de trabalhadores constituíram sectores prioritários de desenvolvimento depois de 1885. Por isso, até cerca de 1910, sensivelmente, contribuíram com a maior parte do rendimento exterior da colónia. No entanto, o desenvolvimento progressivo da produção agrícola até 1930, veio a transformar esta actividade na maior fonte de receitas de Moçambique. 2.6 Relações económicas entre Moçambique, Portugal e outros países Moçambique não foi, neste período, para Portugal, uma fonte importante de matérias-primas, dado que este país, pouco industrializado no início do século vinte, não precisava delas em grande quantidade. Os produtos de Moçambique iam principalmente para outros países, como a França, a África do Sul, a Grã- Bretanha e a Alemanha. Por exemplo, calcula-se que, na década 1910/1920, uma média de apenas 5 a 6 por cento das exportações iam para Portugal, enquanto 20 a 22 por cento iam para África do Sul. Já em relação às importações de Moçambique, o Império Britânico (nomeadamente Grã-Bretanha e India) era o maior fornecedor de têxteis, sendo Portugal o principal fornecedor de vinho. Em relação aos investimentos, havendo poucos excedentes de capitais em Portugal, os equipamentos essenciais para plantações, portos e caminhos de ferro etc., tinham que ser feitos ou por companhias estrangeiras, ou através de empréstimos estrangeiros [6]. O baixo nível de trocas comerciais entre Portugal e Moçambique e a falta de um sistema de controle efectivo das trocas com outros países, resultou na utilização da moeda do principal parceiro de Moçambique, nomeadamente, a libra esterlina, nas trocas internacionais e até internas da colónia. Essa prática alargou-se consideravelmente com a queda do valor do escudo na década de 20. Pode-se concluir deste quadro económico que, entre 1885 e 1930, a economia de Moçambique foi reestruturada para servir os interesses das Capítulo 1 burguesias europeias. Mas, enquanto noutras colónias essa nova economia resultou em ligações económicas muito estreitas com as respectivas metrópoles, no caso de Moçambique, tais relações com a metrópole foram relativamente fracas. No período seguinte, 1930-1961, veremos que o objectivo central da política colonial portuguesa será precisamente reforçar e proteger os interesses da sua burguesia. 3. As mudanças demográficas entre 1885 e 1930. 3.1 População total. As estimativas indicam um total de 3 milhões de habitantes em 1900 e de 4.200.000 em 1930. Este crescimento relativamente baixo explica-se pela ocupação militar e pela imposição do imposto de palhota que, conjuntamente, causaram fugas maciças para as colónias vizinhas. Acrescente-se a emigração de milhares de moçambicanos para trabalhar na África do Sul, Rodésia do Sul e -São Tomé e, ainda, epidemias, fomes e o recrutamento militar para as campanhas no norte do país que, durante a I Guerra Mundial, causaram milhares de mortes [7]. 3.2 Distribuição da população e função das cidades. A densidade da população era muito variável, sendo as províncias de Nampula e Zambézia e algumas zonas do litoral doutras províncias as mais populosas, com uma densidade que oscilava entre 10 e 30 habitantes por quilómetro quadrado. No fim dos anos 20, a esmagadora maioria da população moçambicana vivia nas zonas rurais. Em 1930, apenas cerca de 100 mil pessoas viviam em centros urbanos. Este número dividia-se entre Lourenço Marques, com 42.779 habitantes, Beira, com 23.694, Inhambane, com 10.563, Quelimane, com 9.288 e Ilha de Moçambique, com 6.898 habitantes. De um modo geral, foi a nova dinâmica colonial do período imperialista que fez crescer as cidades, como portos e terminais de caminhos de ferro, e centros de administração, comércio e indústria. Desde o início do novo período que as cidades se caracterizavam pela coexistência de duas áreas distintas: o centro de administração, comércio, etc., e os subúrbios, que se formaram à medida que as cidades foram Moçambique, 1885-1930 crescendo. Na primeira, vivia a população branca e um reduzido número de negros, indianos, chineses e mulatos, que formavam o conjunto dos funcionários, dos comerciantes e primeiros industriais, dos profissionais independentes e dos artesãos e operários. Nos subúrbios, viviam os trabalhadores braçais da construção civil e aterros, das obras públicas, do porto e dos caminhos de ferro. Esta população constituía o efectivo dos trabalhadores de carácter permanente nas cidades. A medida que o sistema de trabalho forçado se ,ia consolidando, trabalhadores migrantes, recrutados nas zonas rurais, e recebendo salários extremamente baixos, eram alojados nos compounds dos vários serviços (portos, caminhos de ferro e óbras públicas, por exemplo). 4. A estrutura social, o racismo e o proto-nacionalismo A colonização de Moçambique no período imperialista foi dinamizada pela burguesia europeia, nomeadamente, de Portugal, Inglaterra, França e outros países industrializados, que deve ser considerada, evidentemente, a classe dominante [8]. O interesse ou motivação desta classe era uma exploração, mais directa do que anteriormente, dos recursos moçambicanos. Foi o campesinato africano que forneceu a força de trabalho migratório e os produtos no novo processo de acumulação do capital nas plantações, transportes, minas e comércio rural. Esse mesmo campesinato continuou a alimentar a família do trabalhador e ele próprio após o seu regresso. Foi ainda esse campesinato que forneceu, através dos impostos, uma grande parte do rendimento do governo, e comprou grandes quantidades de produtos das indústrias portuguesas. Podemos considerar a burguesia, que vivia na Europa, e o campesinato moçambicano, as principais camadas na nova estrutura colonial. A continuação da resistência activa contra a ocupação colonial, as fugas maciças, e a resistência contra o trabalho forçado expressam, no seu conjunto, a continuação do conflito entre essas duas camadas. No entanto, na evolução da nova economia colonial, emergiram outras camadas, secundárias, mas muito importantes na vida política e económica do país e nos conflitos que se desenvolveram nas cidades. Emergiu muito cedo, por exemplo, uma burguesia comercial local, baseada principalmente em Lourenço Marques, interessada no cresci- Capítulo 1 mento da importação e exportação de produtos de e para o campesinato e no trânsito de mercadorias de e para os países vizinhos. Os seus interesses estavam, portanto, bastante ligados aos da burguesia na Europa e na África do Sul. Mais tarde, desenvolveu-se uma burguesia agrícola local, que integrava os colonos interessados na expulsão dos camponeses das melhores terras e a sua transformação em trabalhadores forçados sazonais nas novas plantações e machambas. Os interesses deste grupo entraram em conflito com os da grande burguesia e do estado colonial, especialmente no sul do país, onde a burguesia mineira inglesa insistiu sempre em reservar a maior parte do trabalho africano para as suas minas sul-africanas [9]. Com o crescimento dascidades e a chegada de colonos à procura de trabalho, emergiram duas camadas sociais: uma de trabalhadores permanentes, qualificados e semi-qualificados, e outra da pequena burguesia. Devido ao privilégio constitucional e legal proporcionado aos brancos pelo regime colonial, essas camadas logo se dividiram em negros e mestiços, por um lado, e brancos, por outro. Os brancos e não-brancos das duas camadas supracitadas estavam igualmente interessados na defesa dos seus lugares contra a ameaça de desemprego, em tempo de crise económica e, sempre que possível, no alargamento das suas regalias, em tempo de expansão. Porém, o referido privilégio constitucional assegurava que os benefícios recaissem sempre para os brancos, frequentemente em detrimento dos outros. Para melhor perspectivar os conflitos dessas camadas intermediárias, e a sua relação com as barreiras raciais que cada vez mais dividiam a sociedade colonial, é necessário recuar um pouco na análise dos interesses da burguesia e da política do estado colonial. 4.1 Discriminação racial na estrutura colonial A discriminação racial era parte inerente da estrutura colonial no período imperialista. Isto estava contido na definição, expressa na legislação, regulamentos e instituições da colónia, da população negra como fonte principal da riqueza na nova economia. No fim do século XIX, os mais activos representantes do novo colonialismo português em Moçambique, como Caldas Xavier, Antonio Enes e Mouzinho de Albuquerque, justificaram as mais duras formas de Moçambique, 1885-1930 extracção do trabalho da população, dizendo que o negro não era e não devia ser igual ao cidadão português. Propuseram resolver o problema da falta de mão-de- obra para empreendimentos capitalistas com o trabalho obrigatório do negro. Esta filosofia vinha concretizada na primeia legislação sobre a divisão das terras da época imperialista, que, em 1890, mandava reestruturar os antigos prazos da Zambézia e estabelecia que os novos arrendatários dos prazos seriam unicamente Europeus, sendo os 'indígenas' os fornecedores do trabalho obrigatório. Em 189 ý, foram promulgados os primeiros regulamentos do passe em Lourenço Marques, numa tentativa de evitar a escolha livre de emprego pelo trabalhador, impedir a sua fuga e, assim, criar uma força de trabalho estável, com baixos salários. Estas medidas distinguiam claramente o cidadão do 'indígena', e obrigavam cada trabalhador 'indígena' na vila a trazer um certificado ou um disco metálico, a chapa, com o número do seu passe. Se bem que, devido à falta de estruturas policiais adequadas, tivessem pouco impacto no início, estes foram os primeiros de uma série de regulamentos sucessivos para controlar, com cada vez mais rigor, o trabalhador negro. Teoricamente os assimilados estavam isentos do passe, mas, na prática, foram muitas vezes presos pela polícia colonial e ameaçados com trabalho correcional [10]. Em paralelo, na administração rural, a diferenciação por raça era também evidente no estabelecimento das circunscrições do distrito de Lourenço Marques em 1895, com regulamentos (incluindo os relativos ao trabalho) apenas aplicáveis aos 'indígenas', prática sistematicamente seguida após a Reforma Administrativa de Moçambique de 1907. Desde o início do século, tais regulamentos foram progressivamente utilizados para assegurar o fornecimento regular de trabalho forçado dos distritos rurais para as cidades. Pode-se ver que as condições de luta dos trabalhadores pela defesa dos seus interesses eram bastante diferentes segundo a raça, uma vez que a situação política e legal do trabalhador branco era mais vantajosa. Para além do mais, as organizações sindicais dos trabalhadores brancos foram sendo gradualmente autorizadas pelo governo colonial depois de 1902, legitimação que não foi extensiva aos trabalhadores negros. Em 1926, o regime colonial consolidou a legislação discriminatória referente às posições política, civil e criminal da maioria dos moçambicanos, Capítulo 1 confirmando o que administrativamente veio a ser chamado o 'indigenato', para referir a situação 'especial' do povo perante a constituição portuguesa. 4.2 A luta dos trabalhadores brancos e o reforço das barreiras raciais Incluídos como plenos cidadãos na constituição política de Portugal, os trabalhadores brancos não deixaram de lutar em defesa dos seus lugares, salários, e melhores regalias. Esta luta significava que os salários e condições dos outros trabalhadores iam piorando, porque a burguesia, aliciando os colonos com concessões vantajosas, procurava sistematicamente recuperar os custos ao nível dos outros escalões, diminuindo salários, utilizando mais trabalho forçado, etc. Desta maneira, os trabalhadores brancos conseguiram obter sempre os melhores postos de trabalho. No entanto, a luta agudizou-se na crise económica que assolou o país durante e depois da I Guerra Mundial. Com a justificação de que havia cidadãos desempregados, os trabalhadores brancos, apoiados nas suas organizações, reclamaram, com certo sucesso, a adopção dessas barreiras raciais no acesso aos postos de trabalho que exigiam menos habilitações e, consequentemente, o afastamento dos outros trabalhadores. Assim, na década de 20, por exemplo, o lugar de guarda-retretes já era considerado um emprego para brancos em alguns sectores de trabalho. As desvantagens políticas e legais dos trabalhadores negros não impediram que lutassem por melhoria de condições; só que as greves e protestos por eles organizados, encontraram uma repressão policial sistemática e a utilização de trabalhadores forçados como fura-greves. A luta dos poucos assimilados, através dos jornais, também encontrou pouco sucesso contra o avanço dos trabalhadores brancos. Devemos dar ênfase ao facto de que não se trata aqui de um racismo proveniente da ideologia pessoal dos trabalhadores brancos: o racismo institucionalizou-se na sociedade colonial porque a-maioria da população foi definida como objecto principal da exploração pela burguesia, e porque a nova estrutura colonial só permitiu a um sector dos trabalhadores, os brancos, que lutasse pela defesa dos seus interesses, através da criação da sua própria imprensa e organizações sindicais [11]. Moçambique, 1885-1930 4.3 A pequena burguesia moçambicana, assimilação e educação Podemos considerar que, no início do período imperialista, a pequena burguesia moçambicana consistia em famílias e indivíduos de várias origens e posições sociais. Havia, por exemplo, um reduzido número de comerciantes africanos que abasteceriam a cidade de Lourenço Marques com mercadorias, como alimentos, carne, peixe e lenha, de produção camponesa. Por outro lado, havia um pequeno grupo de famílias mestiças, relativamente ricas, descendentes dos grandes caçadores e comerciantes brancos que tinham explorado os recursos do sertão de Lourenço Marques desde cerca de 1820. Estas famílias, ultrapassadas pelo fim do comércio de marfim, entraram noutros campos económicos mais apropriados às exigências da nova economia regional, nomeadamente, o recrutamento de trabalhadores, comércio a retalho, e compra e venda de imóveis [12]. Em terceiro lugar, havia um pequeno número de mulatos e negros que ocupavam posições importantes no serviço militar e funcionalismo público [13]. A proeminência social dessa pequena burguesia deve-se ao facto de que, no período pre-imperialista, as condições sócio-económicas e a atitude do poder colonizador em relação às famílias mestiças e à assimilação dos negros, eram diferentes do que viriam a ser no período entre 1885 e 1930. De facto, antes de 1885, isto é, antes da imigração de grande número de colonos brancos para Moçambique, as famílias mestiças e os assimilados negros tiveram um papel importante na expansão do comércio, administração e cultura portugueses em Moçambique. Por esta razão, antes de í885, a teoria de 'assimilação', segundo a qual os africanos deveriams- governados pela mesma lei e condições que se aplicavam a cidadãos portugueses, teve alguma expressão real para uma reduzida minoria em Moçambique. Depois de 1885, este quadro sofreu consideráveis alterações. Uma breve análise da estrutura do comércio mostra como a emergente estratificação nacional e racial resultou na exclusão da pequena burguesia moçambicana. A expansão dos principais portos e cidades e a conquista das zonas rurais resultaram numa onda de migração de colonos brancos à procura de oportunidades nos vários ramos de comércio. A pequena burguesia branca de origem portuguesa tentou sempre utilizar os seus privilégios políticos na luta para assegurar as melhores posições. Capítulo 1 Deve-se notar, contudo, que a discriminação em beneficio de portugueses contra os já estabelecidos comerciantes asiáticos, frequentemente reclamada por pequenos comerciantes brancos, foi difícil. Interessadas na rápida expansão do comércio rural de vinho (de Portugal) e têxteis (da India e Portugal), as burguesias inglesa e portuguesa defenderam os indo-britânicos, cujo acesso ao oapital comercial, rede de contactos no litoral e competência de negócios lhes davam grandes vantagens na promoção das vendas nas zonas rurais. Por outro lado, o comércio de trânsito para países vizinhos já era dominado por firmas estrangeiras, maioritariamente inglesas. Na concorrência pelo aproveitamento das restantes oportunidades, a nascente pequena burguesia moçambicana foi colocada na defensiva pela agressividade política dos aspirantes portugueses e pelas acções das instituições coloniais. Por exemplo, através de um sistema de licenças oficiais, a Câmara Municipal de Lourenço Marques impôs controles discriminatórios que, cada vez mais, impediram aos comerciantes africanos o acesso ao mercado central, em beneficio, dos brancos, que passaram a controlar, em grande parte, o abastecimento da cidade. A divisão discriminatória das melhores terras nos arredores foi' também utilizada para assegurar a acumulação dos estrangeiros. Desta forma, no comércio, a pequena burguesia moçambicana foi efectivamente bloqueada, restando-lhe, em geral, a possibilidade de ocupar posições subalternas no emprego, em firmas não-portuguesas. Além disso, no crescente aparelho estatal, os postos de emprego foram cada vez mais reservados, na prática, aos brancos, e mesmo aqueles mulatos e assimilados que já ocupavam lugares de importância, para além de sofrerem exclusão na vida social, corriam o risco de serem discriminados através da reforma antecipada, sendo os seus lugares ocupados por brancos [14]. A nível constitucional também, a pequena burguesia moçambicana encontrou reveses. Como referimos, o estado colonial, levado por imperativos de desenvolvimento económico capitalista e, em particular, pela necessidade de criar uma força de trabalho muito barata e bastante controlada, elaborou uma série de leis, regulamentos e instituições discriminatórias que visavam a definição e identificação da população colonizada como 'indígenas'. No que diz respeito aos assimilados e mulatos, esta legislação foi Moçambique, 1885-1930 completada em 1917 por uma medida estabelecendo que, teoricamente, estes também teriam de ser portadores de um documento comprovando o seu direito a cidadania portuguesa e que não eram 'indígenas'. Embora revogada em 1921, foi incorporada na consolidação geral da legislação em 1926, e representava para os mulatos e assimilados a prova final de que o estado colonial pretendeu legalizar e reforçar a discriminação, na base de raça, entre eles e os brancos. É de notar que este conjunto de legislação contrariou as ideias de assimilação apregoada do século passado e que 'assimilação', como termo oficial, tornou-se uma justificação deológica do colonialismo, através da qual se pretendia esconder as barreiras raciais (racismo institucionalizado). A evolução da pequena burguesia moçambicana foi também influenciada pela forma de educação disponível e, particularmente, pela expansão das igrejas protestantes. Com efeito, não obstante a discriminação cada vez mais institucionalizada na estrutura social e a determinação do regime colonial de limitar as aspirações sócio-políticas do povo moçambicano, o sistema de ensino não se orientou por um plano rigoroso ou padrão uniforme no período 1885-1930. Por um lado, desde o início do período imperialista, colonialistas como Antenio Enes e Mouzinho de Albuquerque, advogaram abertamente um sistema racista de ensino em que a educação para os negros fosse restringida h formação de trabalhadores manuais, necessários ao desenvolvimento capitalista da colónia. Esta forma reduzida de educação era já sinónimo de 'civilização'. Por isso, Mouzinho escrevia em 1898: "O que melhor temos a fazer para educar e civilizar o indígena é desenvolver praticamente as suas aptidões do trabalho manual e aproveitá-lo para a exploração da província" [15]. De igual modo, o Governador-Geral de 1906 a 1910, Freire de Andrade, preocupando-se com o problema das dívidas da colónia e com a necessidade de um desenvolvimento rápido da economia, apesar das escassas fontes de capitais, concluiu que a única educação a dar ao negro seria aquela que fizesse dele um trabalhador. No que diz respeito ao ensino das massas, predominavam para a maior parte deste período as missões cristãs não-portuguesas (protestantes), que se estabeleceram após 1880, a partir de sedes nos territórios vizinhos. Desde 1881, os missionários metodistas da Junta Americana Capítulo 1 para Missões no Estrangeiro [16] tentaram fundar várias missões na Província de Inhambane, e abriram uma em Mount Selinda (na então Rodésia do Sul), que tinha uma dependência em Gogoi na Província de Manica. A partir de 1890, a Igreja Metodista Episcopal Americana substituiu as missões da Junta em Inhambane. Em 1882, missionários protestantes anglicanos (da Inglaterra) começaram a trabalhar na Província do Niassa, onde mais tarde abriram a missão de Messumba, estabelecendo outras missões no sul, a partir de 1890. A Missão Suiça (presbiteriana), que, em 1887, fundara a sua primeira estação em Rikatla (cerca de 20 quilómetros de Maputo) e, em 1891, estabelecera um missionário na corte real de Gaza, tinha 5 missões nas províncias de Maputo e Gaza por volta de 1930. Até cerca de 1882, a Igreja Católica só mantinha paróquias que se destinavam aos europeus, goeses e assimilados. Depois começou também a fundar missões em meios africanos. Em 1911, havia aproximadamente 15 missões católicas, localizadas nos centros principais de Moçambique. No mesmo ano, fundou-se em Portugal o Instituto Nacional de Missões, com o objectivo de travar a expansão das missões protestantes. Na década de 20, o estado português passou a ajudar activamente a Igreja Católica. Estabeleceram-se, assim, entre 1911 e 1930, 27 novas missões nas províncias de Maputo, Zambézia, Tete e Nampula. No fim da década de 20, o número de crianças nas escolas católicas tinha finalmente ultrapassado o número de inscritos nas escolas protestantes [17]. As divergências que se semearam através da expansão das igrejas missionárias não se restringiram somente à religião. Atingiram uma das bases fundamentais da cultura moçambicana, a língua. Enquanto em geral as missões católicas utilizavam apenas a língua portuguesa, que foi considerada pelos colonizadores um veículo da legitima dominação cultural, as missões protestantes ensinavam, muitas vezes, na língua da zona em que operavam. Para uma rápida expansão do ensino destas missões em línguas africanas teria contribuído a publicação dos livros em Ronga por Roberto Mashaba, entre 1885 e 1893 [18], e a tradução da Bíblia do inglês para o xitsua, iniciada pelos metodistas americanos Wilcox e -Richards, auxiliados por Tizora Navess e David Maperre, e concluída por M.M. Sicobele, entre 1901 e 1908 [19]. É também sabido que, na mesma altura, as missões suiça e metodista fizeram omesmo para o Ronga [20]. Moçambique, 1885-I930 As actividades das missões protestantes, aliadas às suas fortes ligações com as colónias inglesas vizinhas, deram lugar a protestos por parte de colonialistas portugueses, que as acusaram de influenciar o povo moçambicano no sentido de uma 'desnacionalização', em relação ao colonialismo e cultura portugueses. Com efeito, alguns dos moçambicanos protestantes, que optaram, em geral, por postos de emprego nas firmas privadas não-portuguesas [21], constituíram um novo e distinto elemento da pequena burguesia nascente na cidade de Lourenço Marques, no período entre 1885 e 1930. 4.4 Ultimos focos de resistência militar e o início do proto-nacionalismo Após a resistência e a subsequente derrocada do apotentado estado de Gaza, que constituía a maior ameaça ao plano de ocupação colonial, no sul de Moçambique, alguns membros de proeminentes famílias de Gaza refugiaram-se no Transval. A prisão, seguida da deportação do grande imperador Ngungunhana para os Açores, teria também suscitado a vontade de voltar a pegar em armas para enfrentar de novo o usurpador. Muitos eram, porém, os óbices à tamanha proeza, erguendo-se, em primeiro lugar, a supremacia militar incontestável do inimigo e, em segundo, a progressiva tomada de consciência dos derrotados de que a oposição à ordem imposta por Portugal nunca mais podia, no futuro, basear-se exclusivamente nas instituições tradicionais, seculares e religiosas. A derrota da rebelião de Barué de 1917 [22], que marcou o fim das sublevações armadas segundo moldes sócio-políticos tradicionais em Moçambique e África Austral, e a ocupação do planalto dos Makonde em 1919-1920, confirmaram mais uma vez essa convicção. [23]. No entanto, a evolução da nova estrutura sócio-económica após 1885 levou a adopção de novas formas de contestação ao colonialismo. Essa contestação não se baseava numa ideia desenvolvida de nacionalidade moçambicana nem da reclamação de independência; não foi unificada nem coerente, e as formas em que evoluiu foram claramente influenciadas pelo colonialismo. Por outro lado, as ideias e acções revelavam, às vezes, uma certa independência de pensamento em relação ao colonialismo, e contribuíram fundamentalmente para a sobrevivência da cultura moçambicana. Por estas razões, podemos considerar essa contestação Capítulo 1 como uma contribuição para o proto-nacionalismo, isto é, para os antecedentes do nacionalismo moçambicano moderno. A investigação histórica deste assunto até agora feita não nos permite um tratamento aprofundado. Contudo, podemos constatar que uma das influências que mais contribuiu para o desenvolvimento de novas formas de contestação foi a expansão das missões, particularmente as missões protestantes, e a educação que ofereceram. Para além do problema de 'desnacionalização', a que já referimos, do ponto de vista do regime colonial, a au.;ência de controle do corpo docente, dos currículos e dos manuais nas missões protestantes fez com que a formação e exigências dos seus -beneficiários fossem incompatíveis com a dinâmica capitalista colonial, assente sobre a exploração de massas pacificadas. Estes indivíduos formados não aceitaram as normas de tratamento dos trabalhadores braçais. Segundo o Administrador de Homoíne, na dé&ada de 20: "Na província de Moçambique, . superabundam em todos os distritos os nativos 'letrados' - os assimilados, os quais não podendo ser todos atendidos nas suas reclamações pelo direito de serem considerados aptos e nomeados para qualquer lugar público, já pretendem associar-se em agremiações de classe, e fundar jornais para atacar os poderes constituídos, não tardando muito que reclamassem o direito de fazer propaganda política nacionalista, atacando e injuriando a raça europeia, a semelhança do que tem sucedido, e está crescendo nas colónias inglesas nossas vizinhas [241. Estas atitudes de contestação foram evidentes entre o pessoal moçambicano das igrejas protestantes, cujos catequistas eram considerados, por oficiais coloniais, "os mais insubordinados, os mais avessos ao trabalho, os menos aproveitáveis de todos os 'indígenas"' [25]. As igrejas 'separatistas' De facto, a rejeição da subordinação manifestou-se com mais clareza nas principais igrejas protestantes, que se separaram das missões religiosas europeias, o que testemunha a consciência de religiosos moçambicanos da necessidade de basear o seu desenvolvimento ideológico na cultura tradicional. A primeira foi a African Gaza Church, fundada em 1907 por Benjamin Mavadhla e outros moçambicanos residentes no Transval, que Moçambique, 1885-1930 se separaram da Igreja Wesleyana. A identificação dos seus membros com o antigo Império de Gaza manifestou-se numa justificação citada por Mavadhla para a fundação da Igreja, nomeadamente, a referência bíblica à palavra 'Gaza'. Não foi por acaso que, a esta Igreja, estava associado o nome de Simião Godide Nqumayo, o herdeiro da linhagem real de Gaza, que vivia em Pissane, Transval, "rodeado de muitos filhos dos emigrados a seguir a captura de Ngungunhane em 1895" [26]. Segundo a sua própria documentação, a Igreja teve sucursais noutras partes da África do Sul e foi transplantada para a colónia de Moçambique em 1913 [27]. A informação citada, acrescentada aos conhecimentos relevantes da história da África do Sul, mostra que as circunstâncias que conduziram à formação da Igreja foram: i) a conquista portuguesa de Moçambique e a penetração no sul do país do capitalismo mineiro e agrícola da África do Sul, que resultou na emigração para aquele território vizinho não só de trabalhadores moçambicanos como também de representantes da casa real derrotada. ii) a necessidade do povo de -uma expressão ideológica da sua identidade cultural e da sua resistência contra a ocupação colonial, visto que a oposição militar frontal era impossível. iii) a incapacidade de algumas missões em Moçambique e na África do Sul de acomodar as tradições sócio-culturais locais dos seus membros, de ultrapassar o racismo dentro das suas próprias instituições, ou de separar-se suficientemente da dominação política colonial. Foi em circunstâncias ,emelhantes que Sicobele, a quem já nos referimos, se desligou da Missão Metodista Americana em Morrumbene, Inhambane, e juntou- se a Victor de Sousa, então funcionário da administração em Inhambane, para fundar, em Janeiro de 1918, a Igreja Episcopal Luso-Africana de Moçambique. Sicobele, segundo suas palavras, fê-lo por "não querer servir mais os estrangeiros..." [28], isto é, colonos portugueses e doutras nacionalidades. De facto, os desígnios divergentes dos dois fundadores não tardaram a desenvolver-se nos anos seguintes. Sousa participou na fundação da Capítulo 1 Igreja "para combater, como diz, a 'desnacionalização' dos indígenas que emigravam, e bem assim a influência das -missões evangélicas' estrangeiras que contribuíam para essa 'desnacionalização"' [29]. Esta posição é bem patente no relatório da sua II conferência anual que se realizou em Novembro de 1924, no qual, inter alia, se afirmava: "Os nativos súbditos de Portugal, vendo que os estrangeiros enviam seus mi§sionários propagandistas em grande número a esta colónia, resolveram fundar uma associação religiosa cristã Episcopal Egreja LusoAfricana [sici de Moçambique, genuinamente portuguesa, para defender a soberania e a Pátria" [301. Sousa fundara a Igreja com o intuito de combater a 'desnacionalização' em relação a Portugal. Sicobele, no entanto, recusando a língua portuguesa, e escrevendo em xitsua e inglês, elaborou a história dos Tsua sublinhando a sua antiguidade e a igualdade com a dos outros povos [31]. Analisando pormenorizadamente o texto de história de Sicobele, suscitam-se-nos duas ideias fundamentais. A primeira é que o autor recusa a inferioridade imposta e apregoada pelos colonizadores e reivindica a igualdade. Trata-se de um caso raro no proto-nacionalismomoçambicano, pois, enquanto muitos escritores e poetas exprimiram a sua revolta na língua do colonizador, desprezando as línguas nacionais [32], Sicobele fê-lo na sua língua materna e, no desejo de que a sua obra pudesse transpor as fronteiras, escreveu-a também em inglês. A segunda, a mais importante, que constitui o objectivo final da sua contestação cultural e que confirma a sua posição patriótica, é dada pelo slogan A África é dos Africanos, que encontrou o seu eco em Lourenço Marques, em 1919, um pouco depois da fundação da nova igreja. Este reforça ainda a sua decisão de não querer servir mais os estrangeiros. Por esta razão, um investigador colonial concluiu, mais tãÈde, que o texto "é um 'maná' para a propaganda nacionalista" [33]. A discórdia e a disparidade de desígnios entre Sousa e Sicobele teria sido a causa principal da cisão em 1925, após a qual Sousa fundou a Igreja Nacional Etiópica Moçambicana [34]. O movimento associativo e literário Neste período, na história do movimento associativo e literário de Lourenço Marques manifestou-se uma contestação do colonialismo em Moçambique, 1885-1930 várias questões [35]. Em geral, a sua posição foi reformista, no sentido de que advoga melhoramentos dentro do sistema colonial. Desde o início da sua actividade, protestou, por exemplo, contra a insuficiência da educação proporcionada aos não-brancos pelo estado colonial. A elite moçambicana, cada vez mais discriminada na colocação de empregados no aparelho colonial e nas empresas, quis melhorar a qualidade e nível de ensino para concorrer melhor com os imigrantes europeus e asiáticos. Mais tarde, reclamou contra a intensificação das barreiras raciais no sistema educacional em si, particularmente, contra o estabelecimento de um colégio europeu pela Igreja Católica [36].. Reivindicou a cessação total da imigração de estrangeiros, quer europeus, quer asiáticos, que ocupavam postos de emprego em detrimento dos moçambicanos. Em relação à vida económica do país, reclamou contra os abusos do trabalho forçado, e reivindicou uma maior valorização económica dos camponeses como produtores 137]. Ao nível político, o Grémio Africano e o seu jornal, O Brado Africano, deram ênfase aos direitos civis que a Constituição portuguesa republicana garantiu, teoricamente, sem discriminação de raça, a todos os indivíduos que tivessem adoptado os usos e costumes da gente 'civilizada'. O lema do Grémio Africano era "Somos portugueses". A sua explicação para o facto evidente de que o estado colonial em Moçambique negava, cada vez mais, os referidos direitos aos não- brancos residia na influência retrógada do racismo sul-africano entre os colonos portugueses, devido à ausência de um controle efectivo a partir de Lisboa [38]. Mostrou-se, assim, o carácter do pensamento desta fracção da pequena burguesia na altura: não sendo desenvolvida a análise da relação entre capitalismo, colonialismo e racismo na África do Sul e em Moçambique, não se percebeu que, após a conquista, o estabelecimento de uma rígida hierarquia racial contribuiu, fundamentalmente, para manter o sistema de exploração económica nestes territórios, de que a burguesia na Europa foi o beneficiário principal. Com efeito, perante a debilidade económica de Portugal, em comparação com a Grã-Bretanha, como colonizador na África Austral, e enganados sobre as verdadeiras bases do racismo, os principais colaboradores de O Brado Africano advogaram um reforço da influência sócioeconómica de Portugal, como o único meio de enfrentar o racismo sulafricano. Capitulo 1 Esta linha de argumentação manifestou-se e, com uma certa justificação na época, nas questões da independência e da possível redivisão do território moçambicano. Deve-se notar que, em 1910, a Grã-Bretanha concedeu independência à África do Sul sob uma constituição essencialmente racista. Quando, na década seguinte, alguns brancos reclamaram independência para Moçambique, O Brado Africano, receando, sem dúvida, a consolidação do racismo branco nos moldes sul africanos, argumentou com força contra tal reclamação. De igual modo, os colaboradores de O Brado Africano receavam uma nova divisão das colónias portuguesas em benefício da África do Sul, frequentemente proposta no período da I Guerra Mundial, e que ressurgiu, nas décadas seguintes [39]. Desta forma, embora criticando aspectos do colonialismo, as vezes com acuidade, a liderança do Grémio e os principais colaboradores de O Brado Africano defenderam a integridade do colonialismo português. Colaboraram com algumas das suas iniciativas, como, por exemplo, a nomeação, em 1928, sob a sua própria proposta, de um dos membros fundadores do Grémio como propagandista agrícola, pago pelo estado colonial, cuja tarefa era a de promover a integração do campesinato nos planos coloniais de produção agrícola [40]. Para além disso, se bem que O Brado Africano fosse publicado com algumas páginas em Ronga, a direcção frequentemente criticou as circunstâncias que levaram a essa necessidade, nomeadamente, o uso das línguas moçambicanas nas missões protestantes. Por razões semelhantes, chegou mesmo a advogar a expulsão de missionários católicos não-portugueses. Neste respeito, o seu pensamento era pouco diferente do dos principais ideólogos coloniais [41]. Por outro lado, é provável que os exageros do Grémio na defesa da cultura do colonizador, aliados à posição relativamente privilegiada dos membros das velhas famílias mulatas, que compunham a maior parte da direcção e dos colaboradores (que escreveram em português) do jornal, levaram à aparência de acomodação excessiva a uma hierarquia social colonial desvantajosa aos negros. As divergências sócio-culturais implícitas nesta situação teriam conduzido à cisão temporária do movimento associativo em Lourenço Marques, nos inícios da década de 20, com a tentativa de formação de um 'Congresso Nacional Africano', por elementos ligados às igrejas Moçambique, 1885-1930 protestantes e outros decepcionados com o Grémio Africano. Parece que a tentativa foi frustrada logo no início -por causas ainda desconhecidas [42]. 5. Os conflitos do período 1915-1930 Passamos a rever, com certo detalhe, os conflitos no período 1915-1930, importantes porque mostram algumas consequências do colonialismo português em Moçambique, nomeadamente, a sua participação obrigatd'ria na I Guerra Mundial, os efeitos dessa Guerra para a sociedade moçambicana e, finalmente, o conflito político sobre o futuro carácter da exploração colonial. 5.1 A I Guerra Mundial e a crise económica e social da década de 20 Em Maio de 1915, Portugal aliou-se à Grã-Bretanha, França e Rússia na Grande Guerra contra a Alemanha. Esta guerra exigiu a utilização de recursos materiais e humanos não só dos países beligerantes, como também das respectivas colónias. A Portugal foi atribuído o papel fundamental de ajudar a Grã-Bretanha na defesa das colónias britânicas de África [43]. Estima-se, provisoriamente, em 100 mil o número de moçambicanos recrutados obrigatoriamente, não só no centro do país (Barué), como também, e sobretudo, nas províncias do norte e em Inhambane. Estes recrutados destinavam-se a engrossar o exército português, que operava no norte de Moçambique contra as forças alemãs vindas do então Tanganhica. Como o exército português não tinha transporte motorizado, a vasta massa do contingente moçambicano servia para carregar material e munições. Devido às pessimas condições de alimentação e saúde, a taxa de mortalidade era muito alta, calculando-se que a maioria dos recrutados terá morrido em serviço ou durante o regresso à casa, o que representou uma perda sócio-económica considerável nas zonas rurais [44]. Logo ap6s o início da guerra, começaram a agudizar-se os defeitos do frágil sistema económico português em Moçambique, com maior incidência no sector financeiro. Isto traduziu-se na desvalorização contínua da moeda (Escudo), à razão de 100 por centoentre 1914 e 1919, 200 por cento em 1920 e 600 por cento entre 1921 e 1924 [45]. Capítulo 1 Na prática, isto resultou em aumentos sucessivos do custo de vida, e na queda dos salários reais dos trabalhadores, quer rurais quer urbanos. Aumentou também sucessivamente o mussoco, e o imposto de palhota que, nalgumas áreas, passou a ser exigido em libras, tanto ao trabalhador migrante como aos outros trabalhadores locais. Diminuiu cada vez mais a qualidade dos tecidos importados, artigo fundamental no comércio rural. Estes factores conduziram, por um lado, à migração para fora do país, onde a atracção da libra esterlina e tecidos de melhor qualidade era cada vez mais evidente e, por outro, à deserção do trabalho pouco remunerado. Assim, agudizaram-se todos os problemas relacionados com o recrutamento de mão-de- obra tanto pelo estado colonial, como por empresas capitalistas. Perante esta situação, a administração colonial intensificou rusgas para o aprisionamento de pessoas, que depois eram enviadas para o trabalho forçado nas companhias e obras públicas. . Por exemplo, nas províncias de Cabo Delgado e Niassa, o campesinato que já tinha sido sujeito à pilhagem em produtos, dinheiro e mão-de-obra pela Companhia do Niassa, agora tinha que enfrentar uma nova onda de exploração levada a cabo pelos empregados dessa Companhia. Estes, recebendo cada vez piores salários em termos reais, recorriam à agricultura, recrutando trabalhadores à força, levando a que muitos camponeses organizassem e promovessem fugas maciças. Calcula-se em dezenas de milhar o número de camponeses que fugiram para o Tanganhica e a Niassalândia neste período [46]. Nas cidades de Lourenço Marques e Beira, os trabalhadores brancos, que usufruíam de privilégios coloniais, desenvolviam as suas acções separadamente dos trabalhadores negros, que em geral não gozavam dos mesmos direitos e, por conseguinte, moviam uma luta paralela, embora ilegal. Desta forma, registou-se uma série de greves em que os trabalhadores se manifestaram activamente contra os efeitos económicos da crise. Das greves levadas a cabo em Lourenço Marques, destacaram-se as dos ferroviários (brancos) em 1917 e 1920, as dos estivadores (negros: 4 greves entre 1919 e 1921) e as do pessoal da empresa dos tranportes urbanos (brancos) em 1916, 1920 e 1923 [47]. O estado colonial utilizou a estratégia de reprimir e dividir os trabalhadores, quer negros, quer brancos, deportando os activistas brancos em 1920, e neutralizando rapidamente as greves dos negros. Moçambique, 1885-1930 Mas, às vezes, aliciou o reduzido número de assimilados assalariados, garantindo- lhes algumas das regalias dos brancos. Não obstante, a diferenciação de estatuto e tratamento dos brancos manifestou-se bem evidente entre 1918 e 1920, ao ser concedido o pagamento em divisas da maior parte do salário à maioria dos funcionários e trabalhadores brancos [48]. Nos anos seguintes, a crise manteve-se e veio a tomar proporções graves. O ano de 1925 iniciou-se num autêntico clima de agitação. Foi-se desenvolvendo com certa intensidade uma campanha a favor dos trabalhadores negros em Lourenço Marques, através de O Brado Africano. Este apelava aos negros para se unirem e lutarem por um objectivo comum. Entretanto, os atropelos à lei eram prática corrente. Em Fevereiro de 1925, mais de uma centena de trabalhadores negros recusou continuar a prestar serviço à empresa Delagoa Bay Agency de Lourenço Marques, alegando maus tratos e exigindo que os deixassem regressar às terras de origem. Pelo facto foram imediatemente presos pela polícia colonial por ordem da Secretaria dos Negócios Indígenas. Em Junho, 300 trabalhadores negros dos Caminhos de Ferro de Lourenço Marques reuniram-se junto à Casa dos Trabalhadores, manifestando-se contra o não pagamento de um aumento salarial estabelecido pelo governo no ano anterior. Entretanto, em todos os sectores de actividade continuavam a verificar-se as mais flagrantes injustiças, desde violações às revisões salariais até ao despedimento injustificado de trabalhadores. Foi certamente animada pelo clima de descontentamento e agitação que pairava sobre a cidade de Lourenço Marques que se deu em 13 de Agosto de 1925 a greve dos trabalhadores da Delagoa Bay Development Corporation Limited, empresa concessionária de diversos serviços urbanos (água, energia eléctrica e transportes públicos). Os grevistas lutavam pela actualização de vencimentos. Em Setembro de 1925, começou a greve dos estivadores negros do porto da capital, reivindicando aumentos salariais e melhores condições sociais, seguindo- se a greve dos trabalhadores ferroviários e portuários brancos, em defesa dos seus interesses e privilégios, o que veio a transformar-se em greve geral. Iniciada em 11 de Novembro, a greve só viria a terminar em Março de 1926, tendo obrigado o governo a declarar o estado de sftio na cidade. Finalmente, o governo colonial neutralizou a Capítulo 1 greve; foram presos e deportados para vários pontos de Moçambique os principais dirigentes grevistas. Em Agosto de 1925 estalou uma greve geral na Beira. Tratou-se da paralisação geral e concertada de trabalhadores, funcionários e pequenos empresários brancos, em protesto contra uma série de medidas decretadas pela administração da Companhia Majestática. Assim, em 7 de Agosto, entraram em greve os comerciantes, protestando contra o controle de divisas por parte da Companhia, seguindo-se-lhes, por idêntico motivo, os pequenos agricultores colonos. Os funcionários da Companhia entraram em greve em 2 de Setembro, exigindo uma compensação salarial que cobrisse a depreciação da moeda e a alta do custo de vida, entre outras reivindicações. A situação só voltaria à normalidade a 10 de Setembro, tendo os grevistas conseguido uma vitória quase total, embora temporária [49]. 5.2 0 conflito sobre as bases da política colonial em Moçambique Na década de 20, para além dos conflitos entre a burguesia, por um lado, e o campesinato e os trabalhadores, por outro, desenvolveu-se também um conflito político cada vez mais aberto entre a burguesia metropolitana e uma parte da burguesia radicada em Moçambique, nomeadamente os machambeiros colonos. A diferença não residia, obviamente, na questão da exploração de mão-de-obra moçambicana, mas sim na maneira específica de o fazer. Os machambeiros colonos viam com bons -olhos a política económica da África do Sul e da Rodésia do Sul para com a capitalização da agricultura colona. Tendo conhecimento dos apoios financeiros e em infraestruturas (divisão sistemática das terras, comunicações, investigação, ajuda de especialistas, etc.) oferecidos pelo estado naqueles países vizinhos, exigiam do estado colonial português benefícios semelhantes. Pensavam, assim, enriquecer através de uma maior utilização da mão-de-obra moçambicana em plantações, propriedades agrícolas, criação le gado e outros empreendimentos, especialmente no sul do país. Este projecto contrariava o já estabelecido interesse da burguesia portuguesa e inglesa em fazer uma acumulação, mais rápida e mais fácil, através da exportação de mão-de-obra, evitando, assim, grandes investimentos fora das zonas mais acessíveis do litoral do país. No entanto. P voz dos machambeiros colonos era também a voz de Moçambique, 1885-1930 alguns nacionalistas portugueses, que depois da onerosa participação de Portugal ao lado da Grã-Bretanha na I Guerra Mundial, queriam aproveitar-se dessa aliança para procurar capitais ingleses que melhor financiassem uma colonização verdadeiramente portuguesa em Moçambique, em lugar do sistema tão generalizado de trabalho migrat6rio em beneficio de outros. Queriam ainda enfrentar as pretensões sul-africanas de ingerência activa no sul do país, justificada pela alegada incapacidade dos portugueses de promover o desenvolvimento de Moçambique [50]. Com efeito, a experiência da década de 20 na cultura de algodão, a matéria-prima
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