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APOSTILA ESPECÍFICA PSICOLOGIA CONCURSO TRE-CE - REPRODUÇÃO PROIBIDA – www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 2 SUMÁRIO 1. UNIDADE I – INTRODUÇÃO......................................................................................... 6 1.1 Psicologia Social ....................................................................................................... 6 1.1.1 Abordagens Teóricas em Psicologia Social e Suas Práticas ............................ 15 1.2 Psicologia Organizacional....................................................................................... 28 1.2.1 Transformações no mundo do trabalho e mudanças nas organizações .......... 30 1.2.1.1 Taylorismo e Fordismo: Início do Século XX ................................................... 30 1.2.1.2 Cibernética e Teoria Geral dos Sistemas ......................................................... 32 1.2.1.3 Gestão de Pessoas ............................................................................................ 35 1.3 Estrutura Organizacional na Administração Pública ............................................ 37 2. UNIDADE II – PRÁTICAS EM RECURSOS HUMANOS ............................................. 39 2.1 Recrutamento e Seleção e os Preditores em Seleção ...................................... 39 2.1.1 Recrutamento........................................................................................................ 39 2.2 Seleção de Pessoas................................................................................................. 41 2.2.1 Seleção por Competências .................................................................................. 42 2.3 Recrutamento e Seleção na Administração Pública ............................................. 43 2.4 Apresentação de resultados (laudos, relatórios e listas de classificação).......... 49 2.5 Desligamento: entrevista de desligamento............................................................ 56 2.6 Treinamento e Desenvolvimento de Pessoal: levantamento de necessidades, planejamento, execução e avaliação............................................................................ 57 2.7 Análise e Desenvolvimento Organizacional........................................................... 59 3. UNIDADE III – O INDIVÍDUO E O CONTEXTO ORGANIZACIONAL: variáveis individuais, grupais e organizacionais ........................................................................ 60 3.1 Cultura organizacional: paradigmas, conceitos, elementos e dinâmica ............. 60 3.2 Clima organizacional: evolução conceitual, componentes e estratégias de gestão ............................................................................................................................. 62 www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 3 3.3 Comportamento humano no trabalho: motivação, satisfação e comprometimento ........................................................................................................................................ 63 3.3.1 Teoria da Hierarquia de Necessidades................................................................ 64 3.3.2 Teoria dos Dois Fatores de Herzberg .................................................................. 65 3.3.3 Teorias X e Y ......................................................................................................... 66 3.3.4 Modelo Contingencial de Motivação.................................................................... 66 3.3.5 Teoria de Campo ................................................................................................... 67 3.3.6 A Abordagem Fenomenológica da Logoterapia ................................................. 68 3.3.7 Técnicas Motivacionais ........................................................................................ 69 3.4 Comunicação nas organizações............................................................................. 70 3.5 Grupos nas organizações: abordagens, modelos de intervenção e dinâmica de grupo .............................................................................................................................. 71 3.5.1 Dinâmicas de Grupo ............................................................................................. 72 3.6 Equipes de trabalho e desempenho organizacional em diferentes organizações ........................................................................................................................................ 78 3.7 Trabalho em equipe interprofissional: relacionamento e competências............. 78 3.8 Mediação: diagnóstico e gerenciamento de conflitos interpessoais e organizacionais.............................................................................................................. 81 3.9 Liderança e Poder nas organizações ..................................................................... 85 4 – UNIDADE IV - GESTÃO DO TRABALHO ................................................................. 91 4.1 Condições e organização do trabalho: trabalho prescrito, ambiente físico, processos de trabalho e relações sócio-profissionais. .............................................. 91 4.1.1 Trabalho prescrito e a função da descrição de cargos ...................................... 91 4.1.2 Ambiente Físico .................................................................................................... 92 4.1.3 Processos de Trabalho......................................................................................... 93 4.1.4 Relações Sócio-Profissionais .............................................................................. 93 4.2 Carga de trabalho e custo humano: atividade, tarefa e condições de trabalho .. 93 www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 4 4.3 Análise de tarefa e desempenho do trabalho ........................................................ 94 4.3.1 Avaliação 360°....................................................................................................... 97 4.4 Gestão de comportamento nas organizações ....................................................... 98 4.4.1 Gestão de Desempenho: Conceito, Objetivos, Métodos de Avaliação ............. 98 4.4.2 Gestão do Conhecimento..................................................................................... 98 4.4.3 Gestão por competências: objetivos estratégicos, definição de competências, avaliação de desempenho por competências, gestão do desempenho, feedback. .. 99 4.4.3.1 Definir e Desenvolver Competências ............................................................. 103 4.4.3.2 Indicadores de Competências......................................................................... 103 4.4.3.3 Avaliação de Desempenho com Foco em Competências ............................. 104 4.4.3.4 Feedback .......................................................................................................... 106 5. UNIDADE V: SAÚDE NO TRABALHO ..................................................................... 107 5.1 Trabalho, subjetividade e saúde psíquica/Psicopatologia e Psicodinâmica do Trabalho ....................................................................................................................... 107 5.1.1 Fatores psicossociais da DORT e outros distúrbios relacionados ao trabalho ......................................................................................................................................108 5.2 Segurança no trabalho e saúde ocupacional....................................................... 111 5.3 Saúde no trabalho e gerenciamento do estresse ................................................ 114 5.4 Psicologia da saúde: fundamentos e prática....................................................... 116 5.5 Ergonomia .............................................................................................................. 117 5.6 Programas em saúde mental: atuação em programas de prevenção e intervenção de saúde mental no trabalho.................................................................. 118 5.8 Orientação, acompanhamento e readaptações profissionais / realocação em outro posto de trabalho/ readaptação e reabilitação................................................. 119 5.9 Entrevista de Acompanhamento........................................................................... 121 6. UNIDADE VI – PSICODIAGNÓSTICO E TEORIAS DA PERSONALIDADE............. 123 6.1 Psicologia Clínica e Relações humanas .............................................................. 123 www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 5 6.2 Psicodiagnóstico e Diagnóstico Diferencial ........................................................ 123 6.3 Testes Psicológicos............................................................................................... 133 6.3.1 Testes Psicométricos ......................................................................................... 134 6.3.2 Testes Projetivos ................................................................................................ 145 6.3.3 Alguns Testes Psicológicos............................................................................... 149 6.4 Técnicas de entrevista psicológica ...................................................................... 156 6.5 Teorias da Personalidade...................................................................................... 166 6.5.1 Sigmund Freud.................................................................................................... 166 6.5.2 Carl Rogers e a Abordagem Centrada na Pessoa ............................................ 183 6.5.3 Kurt Lewin ........................................................................................................... 191 6.5.4 Alfred Adler ......................................................................................................... 197 6.5.4 Erich Fromm........................................................................................................ 204 6.5.5 Skinner - Ênfase na Aprendizagem.................................................................... 209 7. UNIDADE VII – PESQUISA E ÉTICA EM PSICOLOGIA........................................... 216 7.1 Pesquisa e intervenção nas organizações: planejamento, instrumentos (escalas, questionários, documentos, entrevistas, observações), procedimentos e análise:216 7.2 Código de Ética Profissional do Psicólogo.......................................................... 218 8 REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 224 www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 6 1. UNIDADE I – INTRODUÇÃO1 1.1 Psicologia Social2 O que estuda a Psicologia Social ou o que faz o psicólogo social? Essa, talvez, seja a primeira indagação de um estudante de Psicologia ao se deparar com mais essa área de atuação do psicólogo. Para compreendermos os “afazeres” de uma ciência, não basta, no entanto, apontar somente sua atual conjuntura, pois uma definição que se esgota no existente não alcança as necessárias mediações para entender a sua própria forma hodierna. É fundamental retomar sua origem e história a fim de notar suas alterações epistemológicas e/ou práticas ao longo de sua fundamentação, percebendo que suas finalidades, campos de ação, teorias e práticas são fenômenos históricos que merecem ser resgatados até mesmo com a finalidade de reflexão sobre os possíveis desdobramentos atuais desse campo de conhecimento que envolve a Psicologia Social. A Psicologia Social consolidou-se como um campo de atuação do psicólogo junto a grupos e comunidades, trata-se de uma área de intervenção com objetivos e finalidades ligadas ao estudo e práticas grupais, diferenciando-se da atuação individual em suas formas, métodos e teorias. O início de seu estabelecimento é marcado por um esforço teórico em aproximar a Psicologia da Sociologia, da Antropologia e das Ciências Políticas e somente após a Segunda Guerra Mundial sua expressão torna-se mais prática, servindo à resolução de problemáticas sociais próprias àquele período. Com a chamada “crise da Psicologia Social”, na década de 1960, muitos questionamentos a essas práticas consolidadas explodem na Europa e na América Latina, precipitando movimentos em direção à revisão e proposição de uma nova Psicologia Social, com objetivos, finalidades, epistemologia e práticas vinculadas à cultura do país em questão e também objetivando transformações sociais. É o que veremos a seguir. 1 Apostila organizada por Mariana de Oliveira Farias, mestre em Psicologia do Desenvolvimento e Aprendizagem pela Unesp, graduada em Psicologia pela Unesp, professora universitária. 2 Este item foi extraído da Apostila Temática de Psicologia Social/Grupal, elaborada por Polyana Stocco Muniz, Psicóloga formada pela Unesp – Bauru/SP. Mestre pelo Programa de Pós-graduação em Psicologia Escolar e Desenvolvimento Humano pela Universidade de São Paulo, São Paulo/SP. www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 7 Vamos começar, então, retomando seus primórdios. Como toda ciência, ela surgiu de uma necessidade prática, então, apareceu como um instrumento necessário à moral e à Sociologia, como apontou Augusto Comte, principal filósofo que impulsionou o desenvolvimento de uma orientação cientificista ao pensamento filosófico, por esse motivo considerado o pai do Positivismo3. Pode-se dizer que um primeiro esboço de preocupação pela constituição de uma Psicologia Social foi realizado por este filosofo do século XIX. Em seus estudos sobre a natureza das ciências, dividia-as em abstratas e concretas, sendo as últimas subproduto e instrumento necessário às primeiras. Assim, aparece a necessidade de uma Psicologia Social, ciência concreta que visaria a responder uma questão fundamental formulada pela moral e pela Sociologia, ciências de natureza abstrata: “Como pode o indivíduo ser, ao mesmo tempo, causa e consequência da sociedade?” (COMTE apud LANE, 2002, p. 75). Apesar de Comte apontar a necessidade dessa ciência psicológica, entendia que seu objeto, a psique, além de estar disperso entre as especulações filosóficas, as ciências físicas, biológicas e sociais, também não se apresentava como um objeto observável, princípio norteador da ciência positiva. Portanto, não via um caminho definido e independente para esta nova ciência (FIGUEIREDO; SANTI, 2000). Já Wilhelm Wundt, outro filósofo do século XIX, foi pioneiro na formulação de um projeto de Psicologia como ciência independente; criando instituições destinadas exclusivamente à sua pesquisa e ensino, formando inúmeros psicólogos, sendo considerado, por isso,o pai da Psicologia moderna. Entendia a Psicologia como ciência intermediária entre as ciências da natureza e as ciências da cultura, expressão disso se vislumbra na extensão de sua obra que vai da Psicologia Experimental Fisiológica à Psicologia Social. O seu objeto de estudos foi a experiência imediata ou subjetiva dos sujeitos, sendo o homem uma unidade psicofísica; seu método ganhou duas formas: 1 – método experimental, destinado ao estudo em laboratório das condições físicas do ambiente e das condições fisiológicas a que estavam submetidos os homens; 2 – análises dos fenômenos culturais, emprestando da Antropologia e da Filologia o método comparativo para o desenvolvimento da sua Psicologia Social ou “dos povos”, como ficou mais conhecida (FIGUEIREDO; SANTI, 2000). 3 Doutrina filosófica iniciada por Comte que visa justamente desenvolver processos científicos no pensamento filosófico. www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 8 No final deste mesmo século, em 1895, Gustave Le Bon, cientista social francês, interessado em compreender as relações entre os indivíduos na massa social, principalmente aqueles inseridos nas massas revolucionárias do período da Revolução Francesa, escreve seu trabalho intitulado Psicologia das multidões. Esse trabalho apresentou as bases para o entendimento de uma Psicologia Social, questionando a autonomia do indivíduo no grupo, entendendo que, sejam quais forem os sujeitos que compõem um grupo, por semelhantes ou dessemelhantes que sejam seus modos de vida, suas ocupações, seu caráter ou sua inteligência, o fato de haverem sido transformados num grupo, coloca-os na posse de uma espécie de “mente coletiva” que os fazem sentir, pensar e agir de maneira muito diferente daquela pela qual cada membro dele, tomado individualmente, sentiria, pensaria ou agiria (wikipedia.org/wiki/Gustave_Le_Bon). Freud nutriu-se dos conhecimentos de Le Bon e, em 1921, também preocupado em entender os homens nas suas relações grupais, talvez por já perceber alguns primeiros rudimentos do que viria a estourar uma década e meia depois – o regime nazista –, publicou seu trabalho intitulado Psicologia de grupo e análise do ego. Neste trabalho, Freud não questionou a caracterização geral dada às massas feita por Le Bon, em que seus membros passam por um processo de desindividualização, ficando altamente influenciáveis e propensos à ação violenta, enfim regredidos a estágios anteriores de civilização. Na verdade, segundo Adorno, o que o diferencia de Le Bon, aristocrata contrario as mudanças requeridas pelos revolucionários franceses, é a ausência do tradicional desprezo pelas massas, descritas habitualmente como inferiores per se, e assim Freud se pergunta: o que transforma as massas em massas? Ele rejeita a hipótese fácil de um instinto social ou de rebanho e busca respostas a esta indagação em razões psicológicas, entendendo-as dentro das relações grupais, constituídas ao longo da história da civilização humana (ADORNO, 2006). Esses autores são representativos das primeiras tentativas de constituir uma ciência psicológica independente das ciências biológicas e sociais e também são responsáveis por tentar um diálogo entre a Psicologia e as outras ciências humanas (Sociologia, Antropologia, Política). Por exemplo, apesar de Freud não centrar-se especificamente nas questões políticas e sociais ou mesmo propor uma atuação sobre esses fenômenos, seus textos, ditos sociais, tratam de questões daquela ordem e lançam www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 9 luz sobre problemáticas para além do entendimento isolado do indivíduo, apontando para a relação dialética entre esses dois fenômenos: indivíduo e sociedade. Psicologia Social Norte-Americana: A Consolidação de uma Ciência Se quisermos compreender a faceta mais prática desta ciência, devemos voltar nossa atenção para o norte da América, onde seu desenvolvimento pragmático atingiu seu auge e manteve-se dominante até meados da década de 1960. Da preocupação mais “abstrata” encontrada na Filosofia ao extremo pragmatismo norte-americano dão-se os primeiros passos rumo a uma Psicologia Social mais preocupada em responder às questões de ordem social imediata. A sua expressão mais sistemática, herdeira da Filosofia Positivista, só é desenvolvida após a Segunda Guerra Mundial, não pela mesma motivação dos autores já citados aqui, mas sim pela vontade de saber se, em meio aos horrores da guerra, ainda seria possível uma vida humana. Foi por meio desta necessidade urgente que a atuação positivista da Psicologia Social se tornou mais presente, fez-se necessária uma ciência que pusesse termo ou que buscasse explicações para os desastres das guerras e nos conflitos inter e intragrupais. Podemos citar Otto Klineberg como um dos principais expoentes dessa corrente prática da Psicologia Social (LANE, 2002; SAMPAIO, 1986). A atividade do psicólogo social neste período é intensa e visa estudar fenômenos de liderança, conflitos de valores, relações grupais, preconceito, opinião pública, propaganda, dinâmica de grupo entre outros objetos tão caros àquele momento delicado de guerra e que clamavam por explicações e harmonizações. A intensificação dessa atividade é patente a partir da Segunda Guerra Mundial, como já salientado, e atingiu o seu auge nos Estados Unidos, onde sua aplicabilidade foi enorme (LANE, 2002). A prática científica valia-se de experimentos grupais, extrapolando os limites do laboratório, propondo experimentos com humanos em situações sociais, na tentativa de aproximar-se da complexidade desses fenômenos. Em 1948, valendo-se da psicologia experimental, alguns pesquisadores norte-americanos, liderados por Muzafer Sherif, entre eles, Marvin Sussman, Robert Huntington, Jack White, Willian Hood e Carolyn Sherif, uniram-se para executar um programa de estudos experimentais de grupos, dentro daquela perspectiva: pesquisar fenômenos grupais, dentro de situações controladas, embora semelhantes às existentes na vida. Tratava-se de transportar a sistematização e www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 10 o controle de variáveis laboratoriais para a administração de situações sociais. O artigo publicado em 1953, chamado Experimentos em conflito de grupo, de autoria deste grupo, expressa a necessidade de sair do “intramuros” do laboratório, relatando a experiência de uma intervenção em um acampamento de verão para adolescentes nos Estados Unidos, totalmente controlado por eles, sem os participantes terem conhecimento, a fim de investigar conflitos grupais. Pode-se dizer que muito do que a Psicologia Social produziu na época visava ao que este artigo descreve em sua introdução: “O conflito entre grupos – entre bandos de meninos, classes sociais, ‘raças’ ou nações – não tem uma causa simples, e nem a humanidade tem cura à vista” (SHERIF, 1973, p. 76). Portanto, visava minimizar os conflitos, harmonizar as relações grupais, naqueles tempos de guerra, por meio de análises sistemáticas, controladas que trouxessem resultados imediatos e a formulação de leis universais sobre essas relações. Silvia T. Maurer Lane, psicóloga brasileira e, atualmente, uma das principais referências em Psicologia Social em nosso país, analisao início dessa ciência como atrelado aos interesses das guerras, em uma perspectiva positivista e à procura de fórmulas de ajustamento e adequação de comportamentos individuais ao contexto social. É nesse momento de intensos conflitos de interesses e em meio aos massacres que o psicólogo social encontra seu lugar, justamente na tentativa de manter os indivíduos atrelados a esta civilização desumana. Continuando sua análise crítica, Lane diz que, para essa Psicologia, a sociedade era entendida como algo dado, buscando compreender os comportamentos dos indivíduos segundo causas internas, desvinculando sociedade e indivíduo (LANE, 2002). Deste modo, evidencia onde deveriam intervir para obter seus objetivos: no treinamento dos sujeitos. Logo, o desenvolvimento inicial da Psicologia Social esteve comprometido com os objetivos da sociedade norte-americana do pós- guerra, que precisava de conhecimentos e de instrumentos que possibilitassem a intervenção na realidade, de forma a obter resultados imediatos, com a intenção de recuperar a nação, garantindo o aumento da produtividade econômica (wikipedia.org/wiki/Psicologia_social) Outra vertente da Psicologia Social desenvolvida neste mesmo período foi a de Kurt Lewin, estudioso alemão de origem judaica, que migra em 1933 para os Estados Unidos, devido ao nazismo, onde continua seus estudos sobre Psicologia e, 12 anos depois, funda um centro de pesquisas em dinâmica de grupo, consolidando seus www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 11 trabalhos até então desenvolvidos sobre Psicologia de Grupos e a teoria de campo, com base na fenomenologia (Gestalt). Lane (1984) relembrou esta passagem histórica da Psicologia Social em seu texto diferenciando-a daquela primeira tendência vinculada à filosofia pragmática4 e positivista, pois entendeu que Lewin compreendeu o ser humano dentro de seu campo existencial, no entanto, a autora relacionou-as quando revelou que as duas vertentes tinham como finalidade última evitar novas catástrofes mundiais. Na Europa merece destaque a tendência em Psicologia Social de Jacob Levy Moreno, o criador do Psicodrama, que, em meados de 1930, introduziu o termo psicoterapia de grupo, revelando seu entendimento de que o homem é um indivíduo social, pois se constitui e se mantém por meio daquele, sendo, então, imprescindível que a atuação do psicólogo se produza nas relações grupais. A Crise da Psicologia Social Apesar da intensificação das condições precárias de vida, até os primeiros anos da década de 1960, ainda apostava-se na eficácia da Psicologia Social norte-americana na resolução de problemas sociais. No entanto, data também desta mesma década a agitação político-cultural (movimento universitário de 1968) que se alastrou na Europa e nos Estados Unidos em meio a Guerra Fria, em que questionamentos ideológicos eram inevitáveis em um mundo dividido em dois: entre o capitalismo e o comunista. Nesse contexto, a Psicologia Social pragmática também foi questionada. Portanto, é na Europa, principalmente na França e na Inglaterra, em que surgem, no final dessa década, as críticas mais incisivas a essa Psicologia, denunciando o seu caráter ideológico e, portanto, mantenedora das relações sociais existentes. Além dos fatores políticos e históricos, os estudos positivistas, segundo Lane (1984), falharam em sua pretensão de criar leis universais, já que a replicação das pesquisas e experimentos não permitiu formular tais leis, principalmente porque estudos interculturais apontavam para uma complexidade de variáveis que desafiavam os pesquisadores estatísticos. Estes fatores compõem o que foi chamado de a “crise da Psicologia Social”, em que os 4 Uma doutrina filosófica de origem norte-americana (principal filósofo desta vertente: Charles Sanders Peirce – 1839-1914), cuja tese fundamental é a de que os conhecimentos que obtemos sobre um dado objeto se definem por um conjunto de ideias de todos os efeitos práticos atribuídos por nós a estes objetos. Deste modo, a verdade de uma proposição sobre um objeto esta no fato dela ser útil (FERREIRA, 1975). www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 12 questionamentos sobre os objetos tradicionais de estudo desta matéria impulsionavam a redefinição de seu campo de ação e caminhos metodológicos. Os estudiosos da época criticavam-na, resgatando as concepções de autores como Freud, Marx, Politzer, George Mead e Vygotsky (LANE, 1995, 2002; SAMPAIO, 1986). Podemos citar algumas produções da época que questionavam essa Psicologia e marcaram sua entrada na crise: segundo Lane (1995), o prefácio do livro Introduction de la psycologie sociale de Moscovici traz reflexões críticas sobre este momento, assim como Merani, na Venezuela, Sève, na França, e Israel e Tajfel, na Inglaterra. Assim como a Europa, a América Latina também se nutria dos conhecimentos da Psicologia Social norte-americana, e, apesar das diferenças explícitas entre os países do norte e do sul, aplicavam-se os conhecimentos produzidos nos Estados Unidos aos países europeus e latino-americanos, sem qualquer alteração nos instrumentos e análises de dados, caracterizando-se numa transposição direta da ciência desenvolvida nos Estados Unidos aos países latinos. No entanto, a crise também chegou a estes países, muitos sob o regime ditatorial militar e também sob a influência das revoluções político- culturais do mundo afora, fazendo com que um olhar mais crítico, principalmente sobre a pertinência desses conhecimentos estrangeiros, se instalasse nas reavaliações sobre o papel do psicólogo social. E, em um congresso de Psicologia Interamericana realizado em Miami, em 1976, a crise é denunciada por meio das críticas de psicólogos sociais de vários países da América Latina. Estes criticavam as metodologias e teorias existentes, porém sem nenhuma proposta concreta para a superação desses impasses (LANE, 2002). Foi em 1979, em Lima, capital do Peru, a grande virada. As críticas foram amadurecidas e encontravam-se mais precisas, surgindo novas propostas que visavam uma redefinição da Psicologia Social. Cientistas do Brasil, do México e do Peru relataram coincidentemente dificuldades e críticas semelhantes, e isso impulsionou a articulação entre eles em direção a uma Psicologia Social voltada para as condições próprias a cada país latino-americano. Três teóricos merecem destaque nas críticas mais sistemáticas àquela Psicologia: Silvia Lane, no Brasil, Martín Baró, em El Salvador, e Maritza Montero, na Venezuela (LANE, 2002; FREITAS, 1996). No Brasil, a mesma influência forte da Psicologia Social norte-americana podia ser notada tanto pelo seu ensino nos novos cursos de Psicologia, iniciados a partir de 1962, www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 13 como pelo significativo fato de que, em 1959, a primeira publicação nesta área foi a tradução da obra de Otto Klineberg, psicólogo social norte-americano que, além disso, foi o responsável pela introdução desta Psicologia na Universidade de São Paulo (USP) (LANE, 2002). Lane (2002) salienta que estes conteúdos não eram aceitos com passividade pelos pesquisadores e alunos brasileiros. A insatisfação quanto à Psicologia Social existente se dava tanto pelo descompasso percebidoentre seus sistemas explicativos e a realidade brasileira como também pelas práticas existentes que se limitavam a três campos específicos: na universidade, onde poucos cientistas trabalhavam em relativo isolamento, buscando no exterior eco para suas preocupações acadêmicas; na indústria, onde o psicólogo dedicava-se à seleção de pessoal e ao ajustamento dos empregados às condições dadas; e, por último, no mercado de manipulações de opinião pública, onde seus conhecimentos e técnicas ficavam a serviço dos interesses econômicos e políticos dominantes. Essas insatisfações e o polêmico congresso de 1979, em Lima, marcaram a passagem da América Latina pela “crise da Psicologia Social”, fomentando discussões sobre a necessidade de uma nova Psicologia Social no Brasil, o que culmina na criação da Associação Brasileira de Psicologia Social, a Abrapso5, visando um maior intercâmbio entre cientistas de diferentes regiões, responsável pela realização de encontros nacionais e regionais e preocupados com a redefinição desta ciência nos termos das necessidades patentes de nosso país, repensando, assim, objeto de estudos, metodologia, campo de ação e finalidades (LANE, 2002). Novos Caminhos: A Psicologia Social Contemporânea O primeiro movimento desta nova tentativa de Psicologia Social buscava a deselitização da profissão, ou seja, suas atividades eram mais destinadas aos segmentos menos privilegiados da população brasileira; com isso, há uma redefinição tanto do objeto de estudos, como do campo de ação e das finalidades. Este era um momento fundamentalmente político e histórico da Psicologia, portanto trabalhos dirigidos a 5 “[...] criada oficialmente em julho de 1980, na Universidade Estadual do Rio de Janeiro [...], tendo como um dos fundadores a professora doutora Sílvia T. Maurer Lane – no contexto da psicologia no Brasil, constituindo- se em um marco importante para a construção de uma psicologia social crítica, histórica e comprometida com a realidade concreta da população” (FREITAS, M. F. Q., 1996, p. 68). www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 14 fornecer algum tipo de colaboração à população eram incentivados e necessários para construir novas frentes de intervenção. Porém, uma definição mais madura a respeito das orientações teóricas e metodológicas para essa Psicologia ainda não se delineara (FREITAS, 1996). Foi em meados da década de 1980 que o termo Psicologia Social Comunitária firmou-se para assim denominar um campo de atuação do psicólogo cada vez mais frequente no país. Dentre tantos grupos, um grupo de pesquisadores merece destaque tanto por sua prática pioneira como por sua solidez epistemologia e metodológica desenvolvida para Psicologia Social Comunitária: o grupo de pesquisadores ligados ao departamento de Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), liderados pela professora Sílvia T. Maurer Lane e Alberto Abib Andery. Este grupo tem por orientação teórica a Escola Soviética de Psicologia, formada por três principais pensadores Lev Semionovitch Vygotsky, Alexei Nikolaevich Leontiev e Alexander Romanovich Luria, estudiosos, respectivamente, da linguagem, dos processos grupais e do cérebro, sob a perspectiva da filosofia materialista, histórica e dialética de Karl Marx. No Brasil, convencionou-se chamá-la de Psicologia Sócio-Histórica e sua atuação se faz sobre a realidade concreta da população, visando às transformações das formas de dominação existente. Outros estudiosos brasileiros dessa perspectiva também ganharam destaque por conta de suas produções consistentes, são eles: Ana Bock, Bader Sawaia e Wanderley Codo (FREITAS, 1996; wikipedia.org/wiki/Psicologia_social) Alguns pesquisadores buscaram na Psicanálise, em seus conceitos políticos, uma forma de intervenção neste campo. Uma delas é a Psicologia Social de Serge Moscovici, que atualmente é diretor do Laboratório Europeu da Psicologia Social; suas pesquisas influenciaram muitas atuações nesta área no Brasil. Outro pesquisador desenvolveu conhecimentos nessa interface psicanálise e teoria social, Enrique Pichon-Riviére (1907- 1977), psiquiatra argentino que atuava junto a grupos de pacientes psiquiátricos seguindo os princípios da Psicanálise (wikipedia.org/wiki/Enrique_Pichon_Riviere). Na Argentina, diferentemente do que ocorre no Brasil, a Psicologia Social com orientação psicanalítica tem maior expressão, sendo Pichon-Riviére uma das principais referências. Apesar da escassa produção brasileira nessa interface, podemos citar algumas referências, como Jurandir Freire Costa e Hélio Pellegrino, na constituição do que chamaram de “clínica do social”. Atualmente, temos alguns teóricos nesta vertente, como Paulo Cesar Endo, que www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 15 buscam novas modificações no desenvolvimento da relação entre Psicanálise e teoria social. Merece destaque também o grupo de pesquisadores que encontra nos desenvolvimentos do Instituto para Pesquisa Social de Frankfurt6, formado por pensadores como Theodor Adorno, Herbert Marcuse, Max Horkheimer dentre outros, os elementos para a constituição de uma Psicologia Social Crítica. Podemos citar alguns psicólogos, no Brasil, que atualmente realizam pesquisas com base nesta perspectiva: Iray Carone, José Leon Crochík, Conrado Ramos, Ari Fernando Maia entre outros. Fizemos um breve apanhado histórico da Psicologia Social, preocupamo-nos, mais essencialmente, em apresentar o máximo de tendências teóricas e práticas dentro desta ciência. Sabemos que este campo é muito mais amplo e rico do que o apresentado aqui. Esperamos, entretanto, ter garantido pelo menos alguns pontos essenciais e a busca por mais (in) formação é bem-vinda. 1.1.1 Abordagens Teóricas em Psicologia Social e Suas Práticas A história da constituição da Psicologia enquanto ciência independente passa pela necessária diferenciação em relação aos grandes sistemas filosóficos que, desde a Antiguidade, já abordavam noções e conceitos relacionados ao que hoje faz parte do domínio da Psicologia Científica, tais como o comportamento, o “espírito” ou a “alma” do homem. Era um terreno de difícil penetração, já que esses objetos de estudos e a metodologia de suas análises estavam estabelecidos pela Filosofia e, mais tarde, no século XIX, na constituição das ciências da sociedade (Sociologia, História, Economia Política, Antropologia e a Linguística) também se notava a pretensão de conhecer o homem singular (FIGUEIREDO; SANTI, 2000). 6 O Instituto para Pesquisa Social de Frankfurt foi fundado em 1923. Em 1931, Horkheimer assume sua direção, iniciando-se o desenvolvimento da teoria critica da sociedade. Com a ascensão de Hitler ao poder, em 1933, o Instituto, composto por muitos judeus, se deslocou para Genebra e, em 1934, para Nova York, afiliando-se então à Universidade de Columbia. Após o término da guerra, o retorno a Frankfurt se deu em 1951, onde permanece até dias atuais (HORKHEIMER, 2006; wikipedia.org/wiki/Escola_de_Frankfurt). www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 16 A necessidade de uma ciência específica para se entender o advento e crise da noção de subjetividadeprivatizada, deu-se no século XIX e firmou-se enquanto ciência psicológica para assim possibilitar tanto a afirmação como a negação dessa subjetividade individualizada. Apesar de sua diferenciação conquistada, esta ciência é marcada pela contradição em seu objeto de estudos, pois, por um lado, reivindica um lugar à parte entre as ciências; por outro, não conseguiu se desenvolver sem estabelecer estreitas relações com as ciências biológicas e sociais (FIGUEIREDO; SANTI, 2000). A consolidação da Psicologia Social é também expressão da curiosa constituição da ciência psicológica, pois realça justamente a intersecção entre a Psicologia e as ciências da sociedade; relembrando o difícil estabelecimento da Psicologia enquanto ciência independente, feitora de seus próprios meios de estudo e intervenção sobre o objeto, condição esta imprescindível à sua separação dos outros campos do saber. Assim como uma das principais demandas por uma Psicologia Aplicada se deu pela necessidade de disciplinar e normatizar o sujeito individualizado do final do século XIX, a Psicologia Social foi mais claramente sistematizada no pós-guerra, também por uma demanda prática, como já ressaltada na primeira unidade: a necessidade de harmonizar os conflitos e amenizar as catástrofes da guerra. Para tal, mostrou-se necessária a retomada dos conteúdos das ciências sociais, porém a relação já era de diálogo entre dois campos diferentes do saber, pois a Psicologia já estava estabelecida. A Psicologia Social norte-americana ocupou-se de sua sistematização para a compreensão das relações e conflitos entre indivíduos e grupos. Os anos 1960 foram marcados pela crise desses estudos, e foi da crítica às novas sistematizações que se compôs este campo de conhecimento da Psicologia contemporânea tão claramente balizado e denominado de Psicologia Social. Cada abordagem com a sua história e motivos, estabeleceu a necessidade de parâmetros e intervenções para além do indivíduo isolado e são estas diferenças de estabelecimentos, motivos, teoria e contexto históricos entre elas que veremos nessa unidade. Vamos começar pelas teorias da época do pós-guerra, mais especificamente pela Psicologia Social norte-americana e a teoria do campo de Kurt Lewin. Psicologia Social Norte-Americana e a Teoria do Campo de Kurt Lewin www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 17 Já desenvolvemos bem as considerações sobre a Psicologia Social norte- americana na primeira unidade, entretanto vamos trazer outro exemplo, a fim de termos a devida noção de sua amplitude dentro do contexto americano até meados dos anos 1960. Um trecho do prefácio do livro intitulado Psicologia social experimental: manual de laboratório de Charles Ward (1974) nos ajuda a compreender o espírito desta ciência, na época; preocupada em trazer para os termos dos experimentos laboratoriais, com todos os princípios da ciência positiva garantida, esta ciência: Cada vez mais tem aumentado o caráter experimental dos estudos em psicologia social. Uma manifestação deste fato desejável é a criação em muitas faculdades e universidades de um curso de pré-graduação de laboratório em psicologia social, em vários níveis. (prefácio) Podemos notar que o essencial da Psicologia Social experimental é trazer para o estudo deste objeto (indivíduo e grupo) parâmetros “científicos”, buscar ter o mesmo rigor e controle das ciências naturais ao estudo de seus problemas como: desvendar os conflitos grupais, diferenças entre atividades individuais e grupais, entre outros. Desta forma, o método central é o experimental, com a finalidade de descrição dos fenômenos e busca de soluções aos impasses sociais. O conteúdo do já citado livro Psicologia social experimental, publicado nos Estados Unidos, em 1969 e, no Brasil, em 1974, é, em sua totalidade, composto por propostas de experimentos sociais em formato de manual. Assim, cada capítulo é descrito “passo a passo” os modos de operação de um experimento social. Como exemplo, pegamos o primeiro capitulo, em que é proposto avaliar a produtividade de trabalhos desenvolvidos individual e grupalmente. Neste capítulo, faz-se uma revisão bibliográfica sobre o assunto, estabelece-se uma hipótese, que, no caso, é a afirmação da maior produtividade em trabalhos feitos individualmente, e, logo em seguida, faz-se a descrição do experimento, que consiste em propor aos mesmos indivíduos tarefas grupais e individuais e, posteriormente, comparar os resultados, que confirmam a primeira hipótese. Assim, segue o resto do livro; em cada capítulo há a proposição de experimentos com grupos comparativos, grupos controle e manipulação de variáveis para se estudar a relação indivíduo e grupo (WARD, 1974). E, como demonstra explicitamente no prefácio, a intervenção experimental sobre estes fenômenos é a mais desejável e esperada nas universidades daquele país. www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 18 É importante ressaltar que se trata de uma tendência geral naquele momento, a proposição do método das ciências naturais à Psicologia Social, numa tentativa de neutramente resolver os conflitos sociais. A pretensa neutralidade científica das ciências naturais é expandida à Psicologia Social; isso significa que qualquer emissão de análises críticas, históricas e sociais anterior aos experimentos, no formato descrito acima, não são consideradas atos científicos. Já o alemão Kurt Lewin, no início da Segunda Guerra Mundial, migra para os Estados Unidos justamente por conta de suas ideias não serem compatíveis com o regime nazista. Em 1945, funda o Centro de Pesquisas em Dinâmica de Grupo, no qual desenvolveu inúmeras pesquisas e formou diversos profissionais no campo da Psicologia e da Sociologia. Sua maior contribuição para a Psicologia Social foi a teoria do campo psicológico. Com formação intelectual ligada à Psicologia da Gestalt, desenvolveu sua teoria sobre o campo psicológico para compreender a percepção do indivíduo e seu espaço vital no grupo. Para ele, a noção de campo psicológico não é uma teoria, mas sim um método para analisar relações causais e construir conceitos, entendendo que qualquer evento é o resultado de múltiplos fatores (wikipedia.org/wiki/Kurt_Lewin.; SPINK, 2003). Ao tratar da Psicologia Individual, o campo dentro do qual o cientista tem que trabalhar é o espaço de vida do indivíduo. O espaço de vida consiste da própria pessoa e seu ambiente psicológico. Uma formulação similar é proposta para a compreensão da Psicologia de Grupo ou a Sociologia. Deste modo, fala-se do campo dentro do qual o grupo ou a instituição existem, sendo que seu espaço de vida consiste dele mesmo e de como o ambiente existe para o grupo. No entanto, Lewin também entende a vida do grupo como resultado de constelações específicas de forças dentro da conjuntura mais ampla, ou seja, o campo como um todo, incluindo seus componentes psicológicos e não- psicológicos. Lewin discutiu a relação entre esses dois espaços a partir de três aspectos: o espaço de vida psicológico, o aspecto físico e o aspecto social, estabelecendo fronteiras entre essas dimensões. Ressalta que muitos dos aspectos físicos e sociais são da ordem do não-psicológico, ou seja, o clima, a comunicação, as leis de um país, entre outros. Seu trabalho consistiu em estabelecer as zonas fronteiriças entre as dimensões grupais, individuais, sociais e físicas, entendendo a dinâmica de gruponeste contexto mais amplo, levando em considerações essas multideterminações (SPINK, 2003). www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 19 A teoria do campo buscou entender a influência do meio ambiente sobre o homem, e, nessa perspectiva, novas tendências da Psicologia se desenvolveram, como é o caso da Psicologia Ambiental, um campo relativamente novo, preocupado com problemas ambientais. Lewin também influenciou bastante o modo de se entender e atuar dentro de organizações, por conta de sua teoria sobre dinâmica de grupo. A finalidade desse primeiro item foi a de detalhar as teorias e intervenções do início do desenvolvimento mais sistemático da Psicologia Social, que se deu no período do pós-guerra. O próximo item se incumbirá de explicar as teorias européias pré-crise da Psicologia Social. Vertentes Pré-Crise da Psicologia Social Começaremos pela tendência européia de Jacob Levy Moreno por dois motivos: primeiro por uma questão cronológica e segundo porque, apesar de diferenciar-se bastante da tendência norte-americana, não se consolidou como uma teoria crítica àquela, pois seu surgimento e desenvolvimento a precederam. Moreno formou-se em Medicina em Viena, no ano de 1917, atuando principalmente na área da Psiquiatria. Além da Medicina, também fez parte de sua formação o teatro, realizando trabalhos nesta área desde muito cedo. Foi em 1922 que iniciou o desenvolvimento do que depois ficou conhecido como Psicodrama, neste ano alugou um teatro e lá: [...] ele propõe uma inversão de papéis entre os atores e o público, no qual o público passa a representar seus dramas cotidianos no espaço cênico. Esse espaço é composto pelo palco, o protagonista ou paciente, um diretor ou terapeuta, egos auxiliares e o público ou plateia. Através do uso de técnicas como a inversão de papéis, o duplo, o espelho, a concretização da imagem de um sentimento, uma emoção, da interpolação de resistência, entre outras, as pessoas desenvolvem uma nova percepção sobre si mesmas, sobre os outros e sobre o ambiente, permitindo o surgimento do novo, da eventualidade, da resposta nova, uma nova linguagem resignificada. (MESQUITA, 2000, p. 4) Inicia o desenvolvimento desta atividade, de caráter terapêutico e também como meio de se conhecer e atuar em grupo. Para ele, o espaço cênico é multidimensional, pois inclui os aspectos: verbal, o corporal, gestual, a cultura, o jogo, a imaginação, presentificados no momento, ou seja, no aqui e agora, precipitando mudanças na autopercepção, na percepção dos outros, do ambiente e do grupo, possibilitando novas formas de vida para seus participantes. Portanto, Moreno considerou o teatro um espaço www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 20 privilegiado para atuar como terapeuta e assim proporcionar efeitos transformadores e terapêuticos em seus clientes. Tomou, então, este espaço como metodologia principal em sua atividade, e ao se mudar para Nova York em 1925, teve a possibilidade de aperfeiçoar a metodologia do Psicodrama, o que fez até a sua morte, em 1974 (MESQUITA, 2000). A teoria dos papéis é um dos constructos fundamentais do Psicodrama. O homem desenvolve diversos papéis psicodramáticos que foram divididos em: fisiológicos, psicossomáticos, culturais e imaginários. Na interação entre os homens, o outro seria o ego auxiliar e é neste jogo intersubjetivo de papel e contra papel que o “eu” se constitui. Moreno considerou que os papéis desenvolvidos pelas pessoas se alteram ao longo da vida e que a saúde mental está muito ligada à sua flexibilidade e à adequação (MESQUITA, 2000). Já ao desenvolver a técnica, decompõe-na em três etapas: psico, sócio e axiodramático ou, como também as denominava: aquecimento, dramatização e o compartilhar. Cada uma das etapas representa um momento diferente no processo de encenação. Na primeira, trabalha-se a aleatoriedade por meio de jogos que envolvem a linguagem verbal, do corpo e a imaginação. Na dramatização alguma situação já adquiriu significado para o grupo, para o protagonista emergente ou paciente. Na última etapa, no compartilhar, há troca de sentimentos, impressões e reflexões sobre o acontecido em cena; é o momento de dar significado aos conteúdos da cena (MESQUITA, 2000). No Brasil foi criada, em 1976, a Federação Brasileira de Psicodrama (Febrap), com a finalidade de regulamentar a formação dos psicodramatistas, que se disseminaram no país principalmente após um congresso internacional de Psicodrama ocorrido em São Paulo, no ano de 1970, sentindo-se, assim, a necessidade de sua centralidade na figura da Febrap (FEBRAP, s.d.). A aplicabilidade do Psicodrama é vasta, suas intervenções estão listadas no site da federação e se dão em duas principais frentes: uma psicoterapêutica, em que os psicodramatistas atuam em clínicas, hospitais e consultórios médicos e a outra na frente educacional, em que o trabalho é desenvolvido em escolas, empresas e instituições comunitárias, tendo como foco principal o grupo (FEBRAP, s.d.). Enrique Pichon Riviére, teórico latino-americano, também cursou Medicina e se especializou em Psiquiatria em meados de 1920. Trajetória similar à de Moreno, não www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 21 fosse pela Psicanálise; sua atuação desde então, foi na tentativa de articular estes dois campos de saber: Psicanálise e Psiquiatria. Realizou diversos trabalhos em hospitais psiquiátricos, nos quais desenvolveu sua técnica de grupos operativos (PICHON, s.d.). Considera-se que Pichon debruçou-se sobre as questões da Psicologia Social, quando progressivamente vai deixando a concepção da Psicanálise Ortodoxa7 e concentra-se nos grupos da sociedade, nos quais desenvolve um novo enfoque epistemológico, o qual o levará à Psicologia Social, a qual concebe como sendo a democratização da Psicanálise, em sua obra Del psicoanálisis a la psicología social (PICHON, s.d.). A Teoria de Vínculo, produto de sua prática e proposição de uma Psicologia Social, demonstra claramente seu afastamento da Psicanálise Ortodoxa, pois propõe outra maneira de se entender a relação entre os indivíduos e os objetos. Considera que Freud entendia esta relação de maneira linear, pois não considerava as ressonâncias do próprio objeto sobre os indivíduos, e, assim, sugere um entendimento desta relação de maneira dialética, na qual os dois lados são ativos, existindo um vínculo entre as pessoas e as coisas. Dessa forma, com a Teoria do Vínculo, Pichon considera o indivíduo como uma resultante dinâmica, não da ação dos instintos e objetos interiorizados, mas sim do interjogo estabelecido entre sujeito e os objetos internos (fantasias) e externos por meio de uma interação dialética, a qual pode ser observada por meio de determinadas condutas (PROFESSIORI, 2004). Inicia seus trabalhos grupais nos hospitais psiquiátricos, pois observa uma grande influência do grupo familiar em seus pacientes. Portanto, concebe a interpretação do ser humano em seu contexto e sob a influência dos grupos sociais na constituição de diferentes papéis que assume nestes mesmos grupos. Para intervir nesta dinâmica, Pichon desenvolveu a técnica dos Grupos Operativos. Esta técnica tem por finalidade principal proporcionar o processo de aprendizagem e é uma forma de pensar e operar em gruposque se aplica à sua coordenação. Entende a dinâmica do grupo mediada por duas dimensões, que chama de verticalidade e horizontalidade. Quando se estabelece um 7 Chama-se comumente Psicanálise Ortodoxa aquela vertente que se mantém no estudo dos textos de Freud e de alguns de seus seguidores, não adentrando em outras leituras que “fujam” dos objetos de estudos propostos pelo próprio Freud. Fazem pouca relação com estudos em outros campos, como: Ciências Sociais, Artes, História entre outras e até mesmo estudos de seguidores que proponham grandes mudanças nos fundamentos da psicanálise clássica são lidos com cautela. www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 22 grupo, cada participante traz sua história pessoal consciente e inconsciente, isto seria a verticalidade. Na medida em que o grupo vai se constituindo, compartilha necessidades devido a objetivos comuns e cria uma nova história, isto seria a horizontalidade, que não é a somatória das verticalidades, pois tem suas características próprias, foi construída coletivamente e produz consequências como a identidade grupal (PROFESSIORI, 2004). Esta dinâmica produz outro efeito, que Pichon descreveu como o estabelecimento de papéis entre os indivíduos. Estes se formam das representações que cada um tem de si mesmo e também das expectativas que os outros têm deste. Pichon, por conta de sua vasta experiência com grupos, conseguiu generalizar alguns dos papéis grupais mais constantes, destacou o papel do porta-voz, do bode expiatório, do líder e do sabotador. Cada um desses papéis, desenvolvido na verticalidade, retrata uma dada necessidade horizontal (grupal) de expressar uma angústia (porta-voz), de ser alvo dela (bode expiatório), de organizar (líder) ou mesmo de desestruturar o grupo (sabotador). Salienta que esta dinâmica é fluida e não fixa, alterando-se constantemente tanto em suas necessidades como na distribuição dos papéis (PROFESSIORI, 2004). No Brasil, existe o Instituto Pichon-Riviére, que propõe intervenções de ordem social segundo a compreensão da dinâmica grupal proposta por este autor, desenvolvendo diversas atividades institucionais, nas quais os psicólogos coordenam os grupos, a fim de abordar questões para além do indivíduo, centrando-se em questões grupais (INSTITUTO, s.d.). Após destacar essas duas principais vertentes pré-crise da Psicologia Social, iremos abordar a crise propriamente dita, bem como suas ressonâncias sobre as teorias e práticas em Psicologia Social. Abordagens Pós-Crise da Psicologia Social e Tendências Contemporâneas O início da crise da Psicologia Social foi marcado pelas críticas de um pensador naturalizado na França, Serge Moscovici, teórico importante que questionou a Psicologia Social de sua época e contribuiu para sua reavaliação e reestruturação. Segundo Oliveira (2004), sua obra tem importância tanto para a Psicologia, sua área de formação e atuação, como para a História e as Ciências Sociais, tendo influenciado, ao longo das últimas quatro décadas, pesquisadores da Europa e América, principalmente com sua teoria das Representações Sociais. www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 23 Em seu livro intitulado Representações sociais: investigações em psicologia social, ele dedicou um dos capítulos à análise das condições históricas e atuais da Psicologia Social europeia e norte-americana. Suas análises apontam para uma dicotomia entre elas, tanto na dimensão teórica, como prática. Enquanto pesquisadores norte-americanos se preocupavam essencialmente em buscar respostas ao contexto concreto de seu país, os europeus se afastavam dos problemas sociais cotidianos. Para Moscovici apud OLIVEIRA, 2004, não se tratava nem de negligenciar a teoria em favor da prática, muito menos seu oposto e, analisando o desenvolvimento até então da Psicologia Social, identificou como problemáticas as duas posturas. Entre os americanos encontrou pouco desenvolvimento epistemológico, teórico e metodológico e, entre os europeus, um afastamento das questões sociais imediatas. Moscovici, então, apontou para os perigos sociais e os limites científicos dessa postura e exigiu maior interação da Psicologia com todas as Ciências Sociais, em especial da Sociologia, para a qual as noções de mudança, conflito e poder são centrais. Central na obra de Moscovici é seu interesse por epistemologia, e disso nasce a base de sua teoria, quando discute a relação entre as palavras e as coisas, cerne do debate em epistemologia; entende que qualquer prática mental e social (pensamento primitivo, senso comum e a ciência) opera por representações: a linguagem é seu principal instrumento e, por isso, representam a realidade concreta e não podem ser confundidas com a coisa em si, ou seja, com a realidade em si. Completa dizendo que é em função delas e não necessariamente das realidades que se movem indivíduos e coletividades. Interpela-se com diversos pensadores da sociedade, principalmente Durkheim, na discussão da natureza e origem das representações. O posicionamento de Moscovici é dialético, considera as representações como um ato social com características imanentes: um signo constituído pelos homens a fim de representar a realidade e a si próprio. Por isso, cunhou o termo representações sociais, a fim de explicitar a maneira como o homem se relaciona com o mundo, ou seja, por meio da linguagem e dos símbolos, alcançando, assim, sua humanização, e também para salientar a formação dialética entre o social e o individual. Difere-se de Durkheim no aspecto dinâmico e de bilateralidade que atribui ao processo de constituição das representações sociais, entendendo-as como formas de conhecimento socialmente elaboradas e partilhadas, e também como realidade www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 24 psicológica, afetiva e analógica, inserida no comportamento dos indivíduos. Sinteticamente: “As representações são medidas sociais da realidade, produto e processo de uma atividade de elaboração psicológica e social dessa realidade nos processos de interação e mudança social” (XAVIER, 2002). Dois principais aspectos caracterizam as representações sociais, diferenciando-as de simples opinião pessoal ou pública: a sua funcionalidade e seu caráter performativo. Da primeira, entende-se que as representações são formadas para o entendimento das formas de raciocínio e das teorias existentes e elaboradas na vida cotidiana. Já seu caráter performativo deve-se à sua qualidade de constituir o sujeito e a realidade social. Assim sendo, o elemento "construção" assume um lugar central, representando o esforço de trazer o "indivíduo" ao seu lugar de sujeito, na medida em que o percebe na sua condição de socialmente constituído e, ao mesmo tempo, constituinte (XAVIER, 2002). A categoria Representação Social presta-se a traduzir a dinâmica orgânica existente, para Moscovici, entre a constituição do mundo, dos grupos e dos indivíduos; não há meios de compreender essas substâncias senão por meio da relação dialética entre elas. Assim, o material psicológico será elaborado por meio daquela categoria e o vínculo entre as substâncias é realçado pelo termo Psicologia Social. No Brasil, sua obra influencia diversos grupos de pesquisaem Psicologia Social. Podemos dar destaque à sua inserção na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nas pesquisas do professor Antonio da Costa Ciampa, que, em suas diversas pesquisas sobre o indivíduo em sociedade, são feitas com base nas suas considerações sobre as representações sociais, eixo principal para se entender o homem em sociedade. A Psicologia Sócio-Histórica, abordagem latino-americana, também se desenvolveu da crise da Psicologia Social, buscando referências na Psicologia Russa desenvolvida por teóricos marxistas como Vygotsky, Leontiev e Lúria. Seu posicionamento frente à Psicologia até então desenvolvida é de crítica, assim como Karl Marx se posicionou frente à Filosofia de sua época com as famosas 11 teses sobre Feuerbach, merecendo destaque aqui a sua última tese, pois traduz o espírito político desta abordagem da Psicologia Social: “Os filósofos se limitaram a interpretar o mundo; diferentemente, cabe transformá-lo.” (MARX, 1978, p. 53). Há, então, o questionamento justamente do fazer meramente teórico da Psicologia, bem como de seu caráter imediatista no trato dos problemas psicossociais. Dedicando-se apenas à tarefa www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 25 de descrever o que é observado ou enfocar o Indivíduo como causa e efeito de sua individualidade, a Psicologia, segundo essa abordagem, tem uma prática ideológica, pois conservadora e estatizante da realidade existente (LANE, 1984). Ao movimentar as bases desta ciência, seus propositores, Silvia Lane no Brasil, Martín Baró, em El Salvador, e Maritza Montero, na Venezuela, trouxeram novas concepções de homem, de ciência, de método e de política para a Psicologia. Suas produções do início da década de 1980 tinham o intuito de redefinir solidamente as bases teóricas desta ciência, tanto que boa parte do livro de Silvia Lane, Psicologia social: o homem em movimento, publicado em 1984, traz redefinições de conceitos, como enunciado pelo título de um de seus capítulos: “A psicologia social e uma nova concepção do homem para a psicologia”. Vale resgatar aqui essas novas concepções. Destacam que o homem é um ser cultural, social e histórico, isto significa dizer que o seu organismo é uma infraestrutura que permite o desenvolvimento de uma superestrutura, que é social e histórica. Por se tratar de um ser biológico que não sobrevive e se reproduz por si só, tem necessidades imanentes de socialização e produção de cultura. A Psicologia que ignora o entendimento do ser humano enquanto produto histórico-social, ou seja, que no conjunto das relações sociais vai se definindo concretamente na sociedade em que vive, reproduz a ideologia dominante, buscando somente descrever seu comportamento dado e estabelecendo relações de causalidade com base na frequência dos mesmos. Esta Psicologia esquece-se de perguntar os “porquês”, por que tal comportamento acontece e outro não? Para responder a isso é necessário buscar as bases sociais e históricas do homem (LANE, 1984). Redefinido seu objeto de estudos, outra metodologia emerge para dar conta de responder às indagações sobre este indivíduo concebido como ser concreto e manifestação de uma totalidade histórico-social. É por meio dos desenvolvimentos da teoria dialética de Leontiev sobre o psiquismo humano que se encontra a base para sua epistemologia, como ressalta Lane neste trecho: “[...] é no materialismo histórico e da lógica dialética que vamos encontrar os pressupostos epistemológicos para a reconstrução de um conhecimento que atenda à realidade social e ao cotidiano de cada indivíduo” (LANE, 1984, p. 15-16). Pretendem-se uma análise psicossocial do indivíduo e, para tal, Leontiev, por meio de suas pesquisas, sistematizou as três categorias fundamentais do psiquismo: atividade, consciência e personalidade. Essas categorias www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 26 estão inter-relacionadas por meio da mediação da linguagem, do pensamento e do grupo social. Lane (1995) diz que essas categorias são consideradas como estruturas vazias, necessitando serem preenchidas com os dados de nossa realidade histórica e social, permitindo encontrar as características próprias do psiquismo de indivíduos inseridos em seu meio. Para tanto, vale-se da pesquisa empírica e, assim, lembra a necessária relação dialética entre teoria e prática no fazer do psicólogo social. A Psicologia Sócio-Histórica entende que o produto de suas pesquisas não é neutro, assim como o de nenhuma ciência o é, e, diferentemente de outras ciências, não pretende ser neutra, pois está comprometida com a transformação das condições sociais tanto dos pesquisadores como dos pesquisados. Deste modo, esta Psicologia Social continua tendo por objetivo conhecer o indivíduo no conjunto de suas relações sociais, tanto naquilo que lhe é específico como naquilo em que ele é manifestação grupal e social, porém, agora, tem por finalidade última responder à questão de como o homem pode ser sujeito da história e transformador de sua própria vida e da sua sociedade (LANE, 1984). As intervenções da Psicologia Sócio-Histórica se dão em âmbito comunitário e institucional, tendo como principal atividade a organização e análise grupais, visando à transformação das relações grupais alienadas e das condições sociais conservadoras de estruturas ideológicas e de poder. Devemos também aprofundar aqui as concepções de indivíduo, sociedade e Psicologia Social derivadas das obras filosóficas e sociológicas da Escola de Frankfurt, já citada na primeira unidade. José Leon Crochík (1996), psicólogo brasileiro e estudioso desta perspectiva, aponta a proposição de Theodor Adorno por uma Psicologia Social analiticamente orientada e também que seu estudo empírico Personalidade autoritária é a tentativa concreta de realizar uma análise que relacione personalidade e ideologia; e, para tanto, utiliza categorias da Psicanálise para explicar a adesão dos indivíduos às ideologias irracionais. Entretanto, Adorno não propõe a Psicanálise como Psicologia Social, pois as causas objetivas dos fenômenos sociais encontram explicações em outros campos, como, por exemplo, na Sociologia. Entende a Psicanálise como arcabouço teórico indispensável ao psicólogo social para entender não tanto as causas do surgimento, por exemplo, do fascismo, mas sim como teoria importantíssima para entender porque os indivíduos aceitaram tal causa e como a realizaram. Propõe, portanto, em vistas da aporia entre www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 27 sujeito-objeto, uma relação de crítica imanente constante entre teoria social e a Psicologia Social analiticamente orientada, buscando, dentro do campo da Psicologia, basicamente em Freud, os elementos para tais reflexões e, no campo das teorias sociais, as contribuições de Karl Marx. A atuação desta perspectiva se dá no âmbito acadêmico e educacional, sendo de fundamental importância para trabalhos de pesquisa que visem estudar o individuo imerso nas massas e os motivos razoáveis e irracionais para tal condição. De modo geral, buscamos trazer os princípios mais essenciais de cada abordagem teórica da Psicologia Social aqui apresentada. Em uma área tão vasta como esta, sabemos que não abarcamos todas as tendências existentes, porém, assim como emrelação aos seus princípios, também tentamos apresentar as escolas mais expressivas no Brasil. Na próxima unidade vamos abordar a inserção da Psicologia no âmbito das ações sociais no Brasil, consolidando, assim, uma prática crescente no país e uma forma de se entender e desenvolver a Psicologia Social atualmente. Atividades 1. Qual teórico é considerado o que trouxe as bases para a Psicologia Social? Por quê? E qual seu principal trabalho na área? 2. Quais são considerados os “textos sociais” de Freud e por quê? 3. Quais são as duas principais tendências e principais representantes da Psicologia Social norte-americana até a década de 1960? 4. Descreva o método utilizado pela Psicologia Social norte-americana pragmática? 5. Qual a principal motivação da Psicologia Social norte-americana, considerada a primeira prática mais desenvolvida na área? 6. Descreva o momento de "crise da Psicologia Social", seus principais críticos, os motivos e desfechos? 7. Quais foram os principais críticos, na América Latina, da Psicologia Social norte- americana? O que questionavam? 8. No Brasil, qual a principal intenção da atuação do psicólogo social comunitário? www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 28 9. Quem foram os principais fundadores, no Brasil, de uma nova Psicologia Social? Em que momento isso ocorreu? 10. O que é a Abrapso? Qual sua função e história? 11. Por que a constituição da Psicologia como ciência independente foi de difícil execução? 12. O que a Psicologia Social ressalta com as suas pretensões de estudo? (Relacione com a pergunta anterior) 13. Qual foi a principal motivação para a consolidação da Psicologia Social como campo específico de estudos dentro da Psicologia e por quê? 14. Descreva algumas características do método desenvolvido pela Psicologia Social Experimental para conhecer os indivíduos no grupo. 15. Como a Teoria do Campo de Kurt Lewin compreende o grupo? 16. Qual o princípio fundamental do Psicodrama? 17. Quais são as etapas propostas por Moreno para o desenvolvimento da técnica do Psicodrama? Descreva cada uma delas sucintamente. 18. Por que a Teoria do Vínculo de Pichon marca seu afastamento da Psicanálise Ortodoxa? 19. Resumidamente, descreva a dinâmica dos papéis grupais proposta por Pichon. 20. O que diferencia a Representação Social das simples opiniões públicas e pessoais? 21. Descreva como Serge Moscovici critica a Psicologia Social de sua época. 22. Como e por que a Psicologia Sócio-Histórica questiona a pretensão a neutralidade científica? 23. Descreva a concepção de homem para a Psicologia Sócio-Histórica. 24. Por que Adorno não propõe a Psicanálise como Psicologia Social? 25. No que a Psicanálise contribui para responder às questões levantadas pela Teoria Crítica? 1.2 Psicologia Organizacional8 8 Parte extraída da Apostila Temática de Psicologia Organizacional, elaborada por Rafael Santos Vaz de Lima, psicólogo formado pela Unesp e Pós-Graduado em Gestão Empresarial pela Fundação Getulio Vargas (FGV). www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 29 Pode-se considerar como objeto de trabalho da Psicologia Organizacional “as relações entre as condições de ajustamento da organização em seu ambiente, das relações de interdependência de seus subsistemas e os fatores que determinam tais relações — isto tudo no que concerne especificamente aos recursos humanos...” (ZANELLI, 1986, p. 31) Segundo Pereira (2009), a atuação do Psicólogo Organizacional é bastante diversificada, envolvendo atividades como “seleção, treinamento, desenvolvimento de pessoal, avaliação de desempenho, estudo da formação e funcionamento de grupos, estilos de liderança, comprometimento com os objetivos organizacionais, padrões de comunicação”, além de incluir aconselhamento psicológico, desenvolvimento organizacional por meio do diagnóstico e planejamento de mudanças, podendo também atuar no âmbito da legislação trabalhista e relação com sindicatos. Temos na citação abaixo, uma definição concisa e objetiva sobre a psicologia organizacional; através dela, podemos ter um panorama desse campo de atuação do psicólogo que, cada vez mais, ocupa espaço e importância estratégica e tática nas organizações. Segundo Robbins (2005): “Psicologia é a ciência que busca medir, explicar e algumas vezes, modificar o comportamento dos seres humanos e animais. Os psicólogos dedicam-se ao estudo e ao esforço de compreender o comportamento individual. Os cientistas que contribuem nesta área do conhecimento são os que estudam as teorias relativas ao processo de aprendizagem e à personalidade, os psicólogos e, principalmente, os psicólogos organizacionais e industriais. Inicialmente, os psicólogos organizacionais e industriais estudavam os problemas da fadiga, falta de entusiasmo e outros fatores relevantes para as condições de trabalho que poderiam impedir o desempenho eficiente. Mais recentemente, sua contribuição se expandiu para incluir estudos sobre aprendizagem, percepção, personalidade, emoções, treinamento, eficácia de liderança, necessidades e forças motivacionais, satisfação com o trabalho, processos de tomada de decisões, avaliação de desempenho, mensuração de atitudes, técnicas de seleção de pessoal, planejamento do trabalho e estresse profissional” (ROBBINS, 2005, p. 8). www.educapsico.com.br Karina O. Lima Psicóloga CRP 84326/06 Organização e Coordenação 30 Os fundamentos, técnicas e procedimentos usuais da psicologia, como por exemplo, percepção, autodesenvolvimento, consciência e visão holística da empresa e do mercado, integração, mudanças, liderança, grupo e conflitos, inteligência emocional, qualidade de vida, testes seletivos, dinâmicas de grupos, entrevistas e observação técnica, podem contribuir no contexto organizacional à medida que viabilizam a compreensão das várias funções que acontecem na organização (SIQUEIRA NETO, s.d.). Assim, os conhecimentos do psicólogo permitem que ele, na organização, lance um olhar sobre as relações humanas, os comportamentos dos indivíduos e, a partir de então, realize ou possibilite realizar ações de capacitação, desenvolvimento e retenção através de seu trabalho na organização. No cenário social atual, o conhecimento é algo imprescindível e, por isso, essa sociedade ficou conhecida como “sociedade do conhecimento”. Neste cenário, a produção e o desenvolvimento de conhecimento e de tecnologia estão mais acelerados e há, cada vez mais, a exigência de que as pessoas absorvam esses conhecimentos para utilizá-los em suas vidas e no trabalho, necessitando, para isso, de maiores e melhores qualificações e capacitação (GOULART JR.; CANÊO; LUNARDELLI, 2006). Neste contexto, o psicólogo organizacional surge como o profissional com conhecimento em comportamento humano que pode, assim, contribuir nas organizações para com a capacitação, o treinamento e a educação das pessoas no ambiente organizacional. Além disso, há também o trabalho de saúde que deve ser realizado, na prevenção de doenças de ordem ocupacional, o que será trabalhado nas próximas unidades. 1.2.1 Transformações no mundo do trabalho e mudanças nas organizações 1.2.1.1 Taylorismo e Fordismo: Início do Século XX O sistema econômico
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