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Processo de Construção identitária no Quilombo Rio Grande

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1
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
MESTRADO EM CIÊNCIAS SOCIAIS 
 
 
DAISY DAMASCENO ARAÚJO 
 
 
“AÊ MEU PAI QUILOMBO, EU TAMBÉM SOU QUILOMBOLA”: 
O processo de construção identitária em Rio Grande – Maranhão. 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2012 
 
 
2
DAISY DAMASCENO ARAÚJO 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“AÊ MEU PAI QUILOMBO, EU TAMBÉM SOU QUILOMBOLA”: 
O processo de construção identitária em Rio Grande – Maranhão 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em 
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Maranhão, 
para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais. 
Orientadora: Prof. Dra. Elizabeth Maria Beserra Coelho 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
São Luís 
2012 
 
3
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Araújo, Daisy Damasceno 
 “Aê meu pai quilombo, eu também sou quilombola”: o processo de 
construção identitária em Rio Grande – Maranhão / Daisy Damasceno 
Araújo. – São Luís, 2012. 
 156 f. 
 Impresso por computador (Fotocópia). 
 Orientador: Profa. Dra. Elizabeth Maria Beserra Coelho 
 Dissertação (Mestrado) – Universidade Federal do Maranhão, Programa 
de Pós-Graduação em Ciências Sociais, 2012. 
 1. Comunidades quilombolas – Maranhão. 2. Identidade – Luta por 
reconhecimento. 3. Mobilização – Processos. 
 I. Título. CDU 316.334.55 – 054 (812.1) 
 
 
4
 
DAISY DAMASCENO ARAÚJO 
 
 
“AÊ MEU PAI QUILOMBO, EU TAMBÉM SOU QUILOMBOLA”: 
O processo de construção identitária em Rio Grande – Maranhão 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em 
Ciências Sociais, da Universidade Federal do Maranhão, 
para obtenção do título de mestre em Ciências Sociais. 
 
 
Aprovada em: ____/____/_____ 
 
BANCA EXAMINADORA 
 
________________________________________________ 
Prof. Dra. Elizabeth Maria Beserra Coelho-UFMA (Orientadora) 
 
_________________________________________________ 
Prof. Dr. Francisco José Araújo-UEMA 
 
__________________________________________________ 
Prof. Dr. Carlos Benedito Rodrigues da Silva-UFMA 
 
 
São Luís 
2012 
 
5
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A todos os moradores do Rio Grande, que me 
permitiram compartilhar momentos importantes em 
suas trajetórias e marcaram intensamente a minha 
trajetória enquanto pesquisadora. 
 
6
AGRADECIMENTOS 
Essa é a melhor parte: agradecer! Confesso que, para uma menina pobre (do 
ponto de vista material), aluna a vida inteira de escola pública, nunca passou pela 
cabeça um dia ser mestre. Nossa! Foi difícil chegar até aqui, mas parece que, enfim, 
esse dia chegou! No entanto, essa conquista não é somente minha. 
Primeiramente, eu gostaria de agradecer à pessoa que mais acreditou nos meus 
esforços e no meu gosto pelos estudos: minha mãe, a famosa Tia Dora. Uma mãe (pai-
e-mãe) que criou sozinha suas quatro filhas, com esforços e desdobramentos diários 
para mantê-las na escola. Essa conquista é sua, mãe! 
Agradeço às minhas irmãs, que tanto acreditam no meu potencial e valorizam 
meus estudos – Ale (a que mais acreditou), Eli e Helô - com a mesma intensidade. 
Juntamente a elas, agradeço a todos os meus amados sobrinhos: Vinícius, Lívia, 
Marcelinho, Mariana e João. 
Ao meu pai que, mesmo ausente, sempre se manifestou orgulhoso e confiante 
mediante as minhas conquistas. 
A todos os moradores do Rio Grande, pela receptividade, disponibilidade e 
carinho em todos os momentos. 
A inserção no Mestrado teve o apoio especial de duas pessoas: 1. A minha 
amada orientadora, professora Beta, que nas aulas da graduação em Ciências Sociais me 
motivou a fazer a seleção do Mestrado e teve a iniciativa de me orientar. Essa produção 
é nossa! Eu nunca esquecerei todos os esforços, apoio, conselhos e momentos de 
aprendizado. Um começo tão difícil, ler, reler, refazer. E um final tão prazeroso. Sem a 
Beta, muitos olhares permaneceriam no escuro. 2. A minha amiga (eterna professora) 
Marivânia Furtado, que me inseriu nesse universo de pesquisa, contribuiu com dados da 
pesquisa e que me permitiu olhar além do meu mundo. Obrigada, flor! 
Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFMA, em especial, 
aos professores Igor Grill, Marcelo Carneiro e Maristela Andrade, pelas contribuições 
teóricas nesse percurso. Ao professor Benedito Souza Filho, pelas contribuições 
significativas na Banca de Qualificação, destacando elementos importantes nesse 
diálogo entre História e Ciências Sociais. Aos professores Carlos Benedito e Francisco 
de Araújo, por aceitarem compor essa banca, mesmo com o tempo corrido e com as 
limitações que isso poderia acarretar. 
 
7
Gostaria de agradecer a CAPES, por oferecer as condições materiais para a 
realização da pesquisa. Ao PROCAD, que me permitiu o diálogo com o Programa de 
Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFPA. Em especial, aos professores Horácio 
Antunes, Denise Cardoso, Maria José de Aquino e Pierre Teisserenc, que viabilizaram 
essa significativa experiência de vida e de pesquisa em Belém, durante dois meses. 
Aos anjos que Belém me deu: Seu Pedro e Dona Helena (e seus familiares), que 
me receberam como filha e me propiciaram prazerosa estadia. 
Agradeço a Raissa, que fez meus dias em Belém mais felizes! 
Aos amigos do Mestrado, minha família por um ano, com quem partilhei 
angústias, gargalhadas e aprendizados: Carol (com quem vivi as dificuldades e alegrias 
da estadia em Belém), Emerson (e a sua esposa Larissa), Luciana, Poser (parceirão), 
Joelma, Bruno, Thimóteo, Dora, João, Cristiane (a super mãe), Ingrid e Marcos. Em 
especial aos companheiros Jorge (meu grande amigo de todas as horas - da História, das 
Ciências Sociais, do Mestrado – tentaremos o Doutorado?) e à minha amiga, a linda 
Carla Georgea, o presente que o mestrado me deu. 
A todos os companheiros de pesquisa, do grupo LIDA, Josiane, Andréa, Hélia, 
Leandro, Clara e, em especial, a Sérgio (pelas etnografias na minha ausência), Igor 
(pelos longos debates) e Ana Nery (companheira desde o início). 
Ao meu amigo Kleyton Rodrigues (e sua esposa, minha amiga Maxieyla), pela 
paciência na elaboração da capa deste texto (pela sensibilidade dos detalhes), pela 
sofisticação dos gráficos, pelas ajudas no word, nas imagens, nas páginas e, 
principalmente, pela constante solicitude. 
Aos amigos que acreditaram que essa conquista seria possível e que, durante os 
dois anos do curso, souberam entender as ausências em festas, praias, bares, 
aniversários e esbórnias afins, em razão de tantos textos a serem produzidos: em 
especial a Iza Tereza, Renata, Arlin, Allanne, Paulo Roberto, Ricardo (e Louise), 
Marco, Leandro, Fernando, Clenilson e as meninas: Nanda, Lili e Tetê. 
Meu agradecimento TODO ESPECIAL, bem grande, ao meu “bem” maior, 
Bruno Fernando, que foi paciente, dedicado e companheiro em todos os momentos do 
curso: na produção dos artigos, na permanência em Belém, nas viagens ao Rio Grande e 
na produção deste texto, contribuindo com todo o amor que ele é capaz de me dar. A ti, 
meu bem, por me ensinar o verdadeiro significado da palavra companheirismo. 
A Deus, por todas as bênçãos concedidas, por esta em especial. 
Sozinha, impossível! 
 
8“Por que tá na pele, a gente ver que a comunidade tem 
tudo pra ser uma comunidade quilombola, tá na história. 
Ser quilombola é se reconhecer, reconhecer a própria 
coisa que a gente é. Ver na pele da gente, ver no dia a dia 
da gente e também no passado dos nossos que já foram, 
das primeiras gerações que moraram aqui. (...) Eram 
pessoas que vieram de uma história que não tem pra onde 
esconder”. (Sr. Chita, 52 anos. 17.07.2011) 
 
9
RESUMO 
 
Este estudo apresenta uma análise do processo de construção e reafirmação identitária, 
por parte dos moradores do Rio Grande, situado no município de Bequimão-MA, a 
partir do momento que se percebem e assumem a identidade de remanescentes das 
comunidades dos quilombos. Desta forma, analisa a dinâmica que caracterizou o 
processo de mobilização e os critérios de identificação, acionados por este grupo, no 
processo de luta por reconhecimento e afirmação como quilombola. Foram identificadas 
e analisadas as estratégias para obter o reconhecimento junto a Fundação Cultural 
Palmares e os significados que esse reconhecimento assumiu para os moradores. 
Dialogando com o decreto 4887/2003 e na tentativa de se legitimarem, alguns 
moradores do Rio Grande passaram a construir histórias relacionadas com o passado da 
escravidão, antes desconsideradas. A disputa conceitual em torno da categoria quilombo 
expressa o deslocamento de uma categoria que, antes negada, passa a ser reapropriada 
no processo de luta por reconhecimento. Essas histórias são associadas às formas de 
organização que visam o reconhecimento dos moradores como sujeitos de direito, 
demarcando o processo de construção identitária como uma questão política. A 
construção interessada como grupo étnico expressa, entre outros elementos, uma 
estratégia organizacional visando a regularização das terras em que vivem. A 
investigação que subsidia esse texto ocorreu de 2009 a 2011 e associou narrativas dos 
moradores com observações relacionadas às suas formas de organização, assim como 
fontes documentais. 
 
Palavras-chave: Comunidades quilombolas; Construção identitária; Trajetória comum; 
Processos de mobilização. 
 
 
Felipe Monteiro
Realce
 
10
 
ABSTRACT 
 
This study presents an analysis of the construction and reaffirmation of identity, by the 
residents of the Rio Grande, located in the municipality of Bequimão-MA, from 
themoment you realize and assume the identity of remaining of quilombo. 
Thus, analyzes the dynamics that characterized the mobilization process and criteria 
for identification, driven by this group, in the struggle for recognition and affirmation as 
quilombola. Were identified and analyzed the strategies to achieve recognition at the 
Palmares Cultural Foundation and the meanings that this recognition took to the 
residents. Talking with the Decree 4887/2003 and in an attempt to legitimize, some 
residents of the Rio Grande began to build stories related to the past of slavery, before 
discounted. The dispute around the conceptual category quilombo expressed as the 
displacement of a category before denied, shall be reappropriated in the struggle for 
recognition. These stories are associated with forms of organization aimed at the 
recognition of residents as subjects of law, marking the process of identity construction 
as a political issue. The building concerned as an ethnic group expressed an 
organizational strategy aimed at regularizing the land in which they live. The research 
that subsidizes this text occurred from 2009 to 2011 and associated narratives of 
residents with comments related to their forms of organization as well as documentary 
source. 
 
Key-words: Communities Quilombola; Construction of identity; Common trajectory; 
Processes of mobilization. 
 
11
 
LISTA DE SIGLAS 
 
ACONERUQ Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas 
ABA Associação Brasileira de Antropologia 
ADCT Ato das Disposições Constitucionais Transitórias 
ANC Assembléia Nacional Constituinte 
CAPES Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior 
CCN/MA Centro de Cultura Negra do Maranhão 
CEUMA Centro Universitário do Maranhão 
APEM Arquivo Público do Estado do Maranhão 
FCP Fundação Cultural Palmares 
IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
ITERMA Instituto de Terras do Maranhão 
INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária 
LIDA Lutas Sociais, Igualdade, Diferença 
MOQUIBOM Movimento Quilombola do Maranhão 
MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário 
MNU Movimento Negro Unificado 
PROCAD Programa Nacional de Cooperação Acadêmica 
PVN Projeto Vida de Negro 
SMDH Sociedade Maranhense de Direitos Humanos 
SIT Sistema de Informações Territoriais 
UEMA Universidade Estadual do Maranhão 
UFMA Universidade Federal do Maranhão 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12
ÍNDICE DE QUADROS 
 P. 
QUADRO 1: Calendário das atividades da roça____________________________ 25 
QUADRO 2: Municípios e povoados visitados pelos pesquisadores do Projeto 
Vida de Negro - CCN/MA _____________________________________________ 
 
45 
QUADRO 3: Povoado com o sufixo “dos pretos” __________________________ 46 
QUADRO 4: Levantamentos realizados em fontes secundárias (livros, periódicos), 
em documentação de sindicatos de trabalhadores rurais e de casas paroquiais e em 
contatos com diversos_________________________________________________ 
 
 
47 
QUADRO 5: Dados coletados a partir de entrevistas realizadas nos povoados, em 
“Encontros” promovidos pelo Movimento Negro e nas Sedes Municipais________ 
 
47 
QUADRO 6: Acesso à terra através da desagregação de fazendas ______________ 47 
QUADRO 7: Acesso à terra através da desagregação de fazendas das ordens 
religiosas___________________________________________________________ 
 
48 
QUADRO 8: Acesso à terra por doação __________________________________ 48 
QUADRO 9: Comunidades Quilombolas de Bequimão reconhecidas pela FCP (até 
dezembro de 2011)___________________________________________________ 
 
48 
QUADRO 10: Comunidades Quilombolas das regiões da Baixada e Litoral 
Ocidental Maranhense, reconhecidas pela FCP (até dezembro de 2011)__________ 
 
50 
QUADRO 11: Entrada de escravos no Maranhão, entre os anos de 1812 e 1820___ 79 
QUADRO 12: Escravos exportados do Maranhão para províncias do sul do país__ 81 
QUADRO 13: Primeira Diretoria Eleita (1994)_____________________________ 117 
QUADRO 14: Diretoria Eleita em 2008__________________________________ 119 
QUADRO 15: Nova Diretoria Eleita em 2008______________________________ 120 
QUADRO 16: Diretoria Eleita em 2011__________________________________ 130 
QUADRO 17: Calendário do Festejo de Santo Antônio______________________ 136 
 
 
 
 
 
 
 
13
ÍNDICE DE FIGURAS 
 P. 
FIGURA 1: Mapa de localização do Rio Grande ___________________________ 23 
FIGURA 2: Representação do Rio Grande feita pelos moradores ______________ 26 
FIGURA 3: Mapa do Levantamento das “terras de preto” feito pelo CCN/MA em 
1988 e 1989 ________________________________________________________ 
 
43 
FIGURA 4: Mapa dos Municípios onde foi registrada a presença de quilombos no 
século XIX no Maranhão ______________________________________________ 
 
44 
FIGURA 5: Mapa dos quilombos no norte do Maranhão (Século XIX)__________ 82 
FIGURA 6: Primeiras Ocupações: família de Sr. Luís Mariano (Provável ocupação 
no século XIX)_______________________________________________________ 
 
91 
FIGURA 7: Primeiras Ocupações: família de D. Canuta (Provável ocupação no 
século XIX)_________________________________________________________ 
 
92 
FIGURA 8: Primeiras Ocupações:família de Sr. Agnaldo (Provável ocupação no 
século XIX)_________________________________________________________ 
 
93 
FIGURA 9: Primeiras Ocupações: família de D. Elza e Sr. Chita (Provável 
ocupação no século XIX)______________________________________________ 
 
94 
FIGURA 10: Sr. Agnaldo______________________________________________ 95 
FIGURA 11: D. Elza_________________________________________________ 95 
FIGURA 12: D. Canuta_______________________________________________ 95 
FIGURA 13: D. Eugênia______________________________________________ 96 
FIGURA 14: Fabrício Rodrigues (Sr. Chita)_______________________________ 96 
FIGURA 15: Sr. Carlos_______________________________________________ 96 
FIGURA 16: D. Josefa________________________________________________ 97 
FIGURA 17: D. Sônia________________________________________________ 97 
FIGURA 18: D. Ildenê________________________________________________ 97 
FIGURA 19: Dionísio (Sulim)__________________________________________ 98 
FIGURA 20: Mapa do perímetro do território do Rio Grande (Construído de 
acordo com as “pedras limites”) _________________________________________ 
 
101 
FIGURA 21: Sede da Associação de Moradores do Povoado Rio Grande________ 122 
FIGURA 22: Altar da Festa de Santo Antônio______________________________ 137 
FIGURA 23: Igreja Católica do Rio Grande (Em dia de festa)_________________ 137 
 
 
14
FIGURA 24: Radiola de Reggae (Festejo de Santo Antônio – Rio Grande – 
2009)______________________________________________________________ 
138 
FIGURA 25: Festejo de Santo Antônio – Rio Grande – 2009__________________ 139 
FIGURA 26: Tambor de Crioula________________________________________ 139 
FIGURA 27: Forró de Caixa___________________________________________ 140 
FIGURA 28 (A e B): Ensaio de Tambor de Crioula com as crianças____________ 141 
FIGURA 29: Os mais novos aprendendo a tocar tambor______________________ 142 
FIGURA 30: Escola Municipal Beira Campo – Anexo Rio Grande_____________ 143 
FIGURA 31: Certidão de Autodefinição, emitida pela Fundação Cultural 
Palmares____________________________________________________________ 
 
144 
 
 
 
 
15
SUMÁRIO 
 P. 
1. INTRODUÇÃO_______________________________________________ 16 
2. QUILOMBO(S): a disputa por conceitos e suas implicações no processo de 
luta por reconhecimento _________________________________________ 
40 
2.1 Quilombos: dimensões históricas e oficiais _________________________ 51 
2.2 Para além do quilombo histórico ________________________________ 58 
2.3 O reconhecimento como remanescentes das comunidades dos quilombos 65 
3. RIO GRANDE, UM ESPAÇO DE LIBERDADE NO CONTEXTO DA 
ESCRAVIDÃO ________________________________________________ 
 
73 
3.1 O município de Bequimão na história do Maranhão: a relação com o 
passado da escravidão ____________________________________________ 
 
75 
3.2 (Re)Construindo suas histórias: as memórias do Rio Grande e o contexto 
da escravidão __________________________________________________ 
 
84 
3.2.1 As narrativas documentais___________________________________ 99 
 4. “A COMUNIDADE TEM TUDO PRA SER QUILOMBOLA”: processos 
organizacionais de identificação como novos sujeitos de direitos_____________ 
 
109 
 4.1 “É muito importante ter sido reconhecido como quilombola e ainda 
poder levantar a associação”________________________________________ 
 
112 
4.1.1 “No lugar da roça, dos trabalhos de casa, do ensinamento aos filhos, 
temos que dar conta de toda a agenda quilombola”_____________________ 
 
125 
4.2 “Tá na pele, tá na história”: quilombola vai deixando der ser “coisa feia”_ 131 
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS_____________________________________ 146 
 
REFERÊNCIAS _______________________________________________ 
 
151 
 
 
 
 
 
 
16
1. INTRODUÇÃO 
 
“Aê meu pai quilombo, eu também sou quilombola”. Essa é a estrofe de uma 
música muito cantada nas diversas ocupações da sede do Instituto Nacional de 
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) na capital maranhense, realizadas no ano de 
2011, por algumas comunidades quilombolas1 do estado do Maranhão. Nessas ocasiões, 
os referidos grupos reivindicavam a regularização fundiária de suas terras e a solução 
dos conflitos causados pela ausência destas mesmas regularizações. Na mística da 
ocupação, músicas, tambor de crioula, forró de caixa e outras manifestações 
enfatizavam a pertença étnica desses grupos. 
Na referida estrofe, é importante destacar a presença da conjunção aditiva 
“também”, que no contexto da frase aponta para a identificação atual com um elemento 
histórico, demarcando um processo de identificação em construção. Essa parte da 
música me possibilita estabelecer relações com o processo de identificação dos 
moradores do Rio Grande como quilombolas, objeto desta pesquisa. 
Na manhã ensolarada do dia 13 de dezembro de 2008, desloquei-me, com um 
grupo de pesquisadores, para o município de Bequimão, localizado na microrregião do 
litoral ocidental maranhense2, a convite da minha então orientadora do trabalho 
monográfico, Marivânia Furtado. De lá, na boléia de uma caminhonete, fomos até o Rio 
Grande, a cinco quilômetros da sede do município. 
Era minha primeira vez por lá e eu mal sabia como iniciar minha pesquisa. 
Também pela primeira vez na história do povoado, os moradores comemoravam a 
inauguração da sede da associação de moradores do Rio Grande, fruto de um processo 
de mobilização interna, que havia começado havia um ano antes, quando a comunidade 
dava seus primeiros passos como sujeitos de direitos, na luta por reconhecimento como 
remanescentes de quilombos. 
 
1 De acordo com Andrade (2009), no artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais Transitórias, da 
Constituição de 1988, o legislador institui os “remanescentes das comunidades de quilombos”, como se 
existissem indivíduos isolados nessas condições. Os movimentos sociais ligados às lutas desses 
camponeses por reconhecimento e titulação de seus territórios passaram a adotar a expressão 
“comunidades de remanescentes de quilombos”, enfatizando o caráter coletivo da existência desses 
indivíduos, em contraposição ao artigo 68 (ADCT). O uso do termo quilombolas representa um avanço 
das lutas por reconhecimento por parte desses grupos, que passaram a adotar a auto-denominação de 
quilombolas e não de remanescentes, de modo a não reforçar o caráter de restos, enfatizando sua 
existência no presente. Ver página 40. 
2 De acordo com dados do IBGE. Ver: http://www.forumcarajas.org.br/portal.php?projeto&mostra&1929. 
Felipe Monteiro
Realce
 
17
Iniciavam-se, assim, meus primeiros contatos e vivências na pesquisa que 
subsidiou essa dissertação. Para além de um texto dissertativo, o texto a seguir é parte 
de uma história muito maior, que não se resume ao período do Mestrado em Ciências 
Sociais e que aqui não se esgota, em razão de elementos que estão para além da 
academia, nos quais estou envolvida. Desta narrativa que o leitor conhecerá sou, em 
parte, uma personagem. 
A data acima referida demarca os meus primeiros passos nesta pesquisa, mas, 
anteriormente, desde fins do ano de 2007, um grupo de pesquisadores discutia, 
conjuntamente com moradores do Rio Grande, os procedimentos que os moradores 
deveriam cumprir para acessar o direito constante no artigo 68 dos ADCT da 
Constituição Federal de 1988, que preceitua: 
 
Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando 
suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-
lhes os títulos respectivos. 
 
O início da pesquisadesenvolvida no Rio Grande se deu através da inserção da 
professora Marivânia Furtado3, que atendeu o convite feito por um dos professores da 
escola da comunidade. Na ocasião, novembro de 2007, a pesquisadora ministrava, 
juntamente com outros especialistas, um curso sobre a História da África e Cultura dos 
Afro-descendentes aos professores da rede municipal de ensino em Bequimão-MA. Ao 
constatar que havia uma grande parcela de professores negros participantes e por ter 
notícias de que o povoado de Ariquipá seria uma comunidade remanescente de 
quilombo em processo de reconhecimento, a referida pesquisadora dirigiu-se a um dos 
professores e perguntou se este poderia ensiná-la a chegar até a comunidade de 
Ariquipá, pois a mesma gostaria de dar continuidade ao processo de formação de 
professores, agora especificamente quilombolas, para tratar das questões étnicas em sala 
de aula. 
No encerramento do curso, em conversa com um professor participante, Seu 
Agnaldo4, este teria informado à professora Marivânia que o povoado do Rio Grande, 
vizinho ao povoado de Ariquipá, também teria “indícios de uma comunidade que fora 
fundada por negros que haviam fugido da escravidão”. 
 
3 Antropóloga do departamento de Ciências Sociais da Universidade Estadual do Maranhão, natural do 
município de Bequimão. 
4 Professor da Escola Municipal Beira Campo - Anexo Rio Grande e morador do Rio Grande. 
 
18
A pesquisadora indagou se a comunidade já estava em processo de solicitação 
do reconhecimento junto à Fundação Cultural Palmares; seu Agnaldo informou que um 
representante da Igreja Católica de Bequimão havia feito uma reunião com algumas 
lideranças negras, mas não tinha dado continuidade às discussões. Diante disso, eles não 
sabiam como proceder. Considerou ser importante discutir esse assunto com os 
moradores do Rio Grande e colocou-se à disposição para auxiliar no trabalho de 
intervenção da Universidade, através do trabalho do grupo de pesquisa. 
Como, diferentemente do Ariquipá, o Rio Grande não esteve presente em 
nenhum levantamento feito pelos órgãos que realizavam esse processo de mapeamento 
das comunidades quilombolas no Maranhão5, o olhar da professora Marivânia passou a 
se direcionar ao Rio Grande. Assim, desde fins de 2007 e durante os anos seguintes, o 
Rio Grande tem vivenciado um processo de discussão com pesquisadores e 
representantes de órgãos específicos, como a ACONERUQ6, por exemplo, acerca do 
direito destinado aos remanescentes das comunidades dos quilombos7. Essas discussões 
motivaram a deflagração de um processo de construção de elementos de identificação 
dos referidos moradores com a categoria quilombola, que expressam dinâmicas internas 
do próprio grupo, que pretende o reconhecimento legal. 
Com base na pesquisa iniciada em 2008, construí meu trabalho monográfico de 
conclusão do curso de História da Universidade Estadual do Maranhão, no ano de 2009. 
Nessa ocasião, abordei a tentativa de “construção” e discussão de elementos necessários 
para que o Rio Grande fosse reconhecido e certificado pela FCP como remanescente de 
quilombo, tomando como base, principalmente, alguns dos procedimentos presentes no 
Decreto 4887/03. Nesse sentido, tentei abordar, em especial, a história comum do 
grupo, mapeando, de acordo com a memória de seus moradores, as diversas formas de 
ocupação do território, os possíveis detentores dos títulos da terra (pesquisando em 
Arquivos e Cartórios) e a ancianidade de ocupação daquele espaço. 
Em 2009, no mês de julho, minha monografia foi encaminhada à FCP, 
juntamente com os documentos exigidos por este órgão, entre eles a Ata de 
Autodefinição, onde os moradores se autodefinem enquanto remanescentes das 
 
5 Exemplo: Levantamento Preliminar em 1988/1989 da Situação Atual das chamadas “Terras de Preto” 
localizadas no Estado do Maranhão – Projeto Vida de Negro, divulgado pelo Centro de Cultura Negra do 
Maranhão – CCN/MA e Sociedade Maranhense de Direitos Humanos – SMDH. 
6 Associação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas do Maranhão, fundada em 1997. 
7 A utilização deste termo, remanescentes das comunidades dos quilombos, refere-se ao artigo 68, visto 
que são esses os termos, ipsis litteris, presentes no texto constitucional. 
 
19
comunidades dos quilombos. No dia 19 do mês de novembro deste mesmo ano, a FCP 
publicou, no Diário Oficial da União, nota referente ao registro e certificação do Rio 
Grande8, inclusa no Cadastro Nacional de Comunidades Quilombolas (Figura 31, p. 
143). 
Diversos trabalhos etnográficos têm sido elaborados sobre o Rio Grande. A 
professora Marivânia Furtado, que coordena o grupo de pesquisa, elaborou sua tese de 
doutorado, intitulada Aquilombamento no Maranhão: um Rio Grande de 
(im)possibilidades. No ano de 2011, quatro trabalhos monográficos foram produzidos 
sobre o Rio Grande. Três destes de alunas de Ciências Sociais da UEMA: Ana Nery 
Lima faz uma abordagem sobre a dimensão sócio-cultural e política do Rio Grande, visando 
construir um perfil da organização social no povoado; Andrea Maia trata do sincretismo 
presente nas práticas religiosas desenvolvidas pelos moradores; Hélia Fernanda Chaves 
analisa, com base na memória dos moradores, as práticas medicinais e culturais que 
permaneceram ao longo dos anos. Por fim, o trabalho elaborado pela aluna de serviço 
social do Centro Universitário do Maranhão (CEUMA), Josiane Cardoso, que analisa a 
relação entre o Rio Grande e a política de assistência social executada pelo CRAS 
(Centro de Referência em Assistência Social) no município de Bequimão. 
Nas primeiras aulas no Mestrado, eu sempre comentava com meus colegas de 
turma a dificuldade que tinha de “me afastar” do objeto de pesquisa. O professor Igor 
Grill, nas aulas de Epistemologia das Ciências Sociais, costumava lembrar-nos da 
necessidade que o pesquisador deve ter de “distanciar-se” do objeto de pesquisa. Duas 
discussões em especial ficaram marcadas nesta disciplina: A primeira delas foi 
impactante: Gaston Bachelard (2003) que, escrevendo com uma gramática das ciências 
naturais, propunha-nos a difícil arte da objetivação. Ele foi a base para que eu pudesse 
enxergar alguns dos meus “obstáculos epistemológicos”. 
A segunda tem a ver com uma dúvida que perturbou minhas ideias ao longo de 
quase todas as aulas. Sempre que eu pensava no meu problema de pesquisa essa questão 
 
8 O Presidente da Fundação Cultural Palmares, no uso de suas atribuições legais conferidas pelo artigo 1º 
da Lei n.º 7.668 de 22 de agosto de 1988, em conformidade com a Convenção No - 169 da Organização 
Internacional do Trabalho - OIT sobre Povos Indígenas e Tribais, ratificada pelo Decreto No 5.051, de 19 
de abril de 2004, o Decreto No - 4.887 de 20 de novembro de 2003, §§ 1° e 2° do artigo 2º e § 4° do 
artigo 3º e Portaria Interna n.º 98, de 26 de novembro de 2007, publicada no Diário Oficial da União n.º 
228 de 28 de novembro de 2007, Seção 1, f. 29, resolve: Art 1° REGISTRAR no Livro de Cadastro Geral 
n.º 11 e CERTIFICAR que, conforme as declarações de Autodefinição e os processos em tramitação nesta 
Fundação Cultural Palmares, as Comunidades a seguir, SE AUTODEFINEM COMO 
REMANESCENTES DE QUILOMBO: Comunidade de Rio Grande, localizada no município de 
Bequimão/MA. Registrada no Livro de Cadastro Geral n.º 011, Registro n. 1.168 fl. 184. Ver 
http://www.in.gov.br/visualiza/index.jsp?data=19/11/2009&jornal=1&pagina=7&totalArquivos=112. 
 
20
vinha à mente: O problema era um problema social ou um problema sociológico? Era 
possível fazer com que o primeiro viesse a se tornar ao mesmo tempo o segundo? Euconseguiria fazer com que isso acontecesse? Em uma das últimas aulas a “resposta” 
veio: um trabalho ser cientificamente útil não significa que deva ser insensível 
socialmente. 
Lembro-me que essa era uma discussão constante direcionada a muitos dos 
alunos e aos seus projetos. Havia a necessidade de objetivação dos nossos temas e do 
distanciamento que, minimamente, deveríamos estabelecer entre o nosso lugar enquanto 
pesquisador/sociólogo e as possíveis vinculações emocionais que tínhamos com o tema: 
ligação com os movimentos sociais e com as causas sociais. Nossos problemas 
pareciam se resumir a problemas sociais, que tínhamos a intenção de repará-los com as 
nossas pesquisas; e não problemas sociológicos, como deveriam ser. 
O processo de objetivação está baseado na ideia de que nas relações 
estabelecidas com o objeto, com as teorias, com as demais posições do campo 
científico, o pesquisador está sujeito a incorporar, como conhecimento científico, a 
forma ordinária de ver o mundo. Sob essa perspectiva, Bourdieu (2004) propõe que o 
pesquisador ao desconstruir a realidade, a fim de analisá-la, deve desconstruir a si 
mesmo, rompendo com os juízos pré-formados que utiliza para explicar e classificar o 
mundo social. Algumas vezes tentei fazer um exercício de reflexão dos problemas dessa 
pesquisa, as limitações, os obstáculos, as possíveis respostas “já dadas”, a intenção da 
pesquisa e o “caráter social” expresso na delimitação do objeto. Essa era uma das 
questões principais e, com ela, desmembravam-se inúmeras outras. 
Quando das primeiras aulas de epistemologia eu relia parte dos escritos da 
monografia e pensava no contexto em que a havia escrito, para que fins, com que 
propósitos. Bachelard (2003, p. 17) afirma que “o pensamento empírico somente torna-
se claro depois, quando o conjunto de argumentos fica estabelecido. Ao retornar a um 
passado cheio de erros, encontra-se a verdade num autêntico arrependimento 
intelectual”. As limitações daquela escrita me davam esse sentimento de 
“arrependimento intelectual”, não pelo propósito da escrita, mas pelos problemas 
daquela linguagem, infestada de conceitos reificados, concepções naturalizadas e frases 
normativas, onde os autores são apresentados como “contra” ou “a favor” da proposta 
discursiva. Foi com base nas pré-noções, frutos de uma rápida experiência de campo 
(por volta de seis meses) que achei ter informações suficientes para construir o projeto 
 
21
de mestrado. Foi a partir deste contato que formulei respostas e não perguntas, como 
deveria ser. 
Ao mesmo tempo em que reconhecia os problemas daquela escrita e a ligação 
desta com o projeto que apresentei na seleção do mestrado, eu pensava na possibilidade 
de “dialetizar a experiência”, onde eu deveria sair da contemplação daquela experiência 
anterior e buscar outra perspectiva. Mas seria possível partir do zero e anular de um só 
golpe todos os conhecimentos habituais? (BACHELARD, 2003). Essa era a minha 
“experiência primeira”. Era com base na pesquisa realizada no Rio Grande que eu 
tentava delinear um problema a ser apresentado e discutido no projeto de pesquisa do 
mestrado. O conhecimento anterior sobre a temática, acumulado durante a pesquisa, 
estava ali, disponível. 
Desta forma, esse texto dissertativo foi construído quase que em sua totalidade 
com dados que acumulei desde fins do ano de 2008. Agora, para além de tomar este 
objeto como um problema social, eu queria transformá-lo em um problema sociológico. 
No texto monográfico eu havia afirmado que: 
 
Construir ou reconstruir a história comum dos moradores do Rio Grande 
significa muito mais do que a tentativa de transformar em texto escrito os 
relatos orais desta comunidade; mais do que a tentativa de compreensão de 
uma memória coletiva construída ao longo dos anos; e muito além da busca 
por dados que dêem sentido aos interesses desta pesquisa. Escrever ou 
reescrever a história comum de um povo, seja ele negro, branco, indígena, 
imigrante, vai além do desejo de se fazer história através de palavras, 
interpretações, compreensões e indagações; neste caso, (re) escrever a 
história da comunidade do Rio Grande parece, portanto, se concretizar em 
um objetivo real: a garantia de um direito, e a consequente importância deste 
registro para o reconhecimento do grupo como remanescente de quilombos. 
(ARAÚJO, 2009, p. 34) 
 
Desta forma, visando superar um pouco o discurso da militância, julguei 
necessário retomar algumas discussões, agora com um olhar “menos engajado”, mas 
não menos sensível socialmente. Partindo desse pressuposto, a pesquisa buscava 
perceber como os moradores acionavam elementos que os identificassem como 
remanescentes de quilombo. De início tive receio das consequências desse enfoque, 
com medo de cair no que Haesbaert (2011) chama de “autenticidade do grupo” ou 
“verdade da identidade”, atentando para o fato de que alguns grupos (e aqueles agentes 
que falam em seus nomes) invocam noções essencialistas em suas lutas por 
reconhecimento, sem considerar as leituras múltiplas da identidade. 
 
 
22
Percebe-se aí, claramente, o valor estratégico de uma relativa essencialização 
identitária, especialmente nos momentos mais veementes de resistência e 
luta, ou quando a necessidade de uma institucionalização (garantidora de 
conquistas mais concretas) se faz presente. O reconhecimento jurídico (neste 
caso, de territórios como as reservas indígenas e as terras remanescentes de 
quilombos) acaba retroalimentando o sentimento identitário e muitas vezes se 
impondo sobre a (re)construção identitária do grupo, como aqueles que, por 
esse intermédio, “se descobrem” como indígenas ou como descendentes de 
quilombolas, condição que há muito ou às vezes nunca antes haviam 
assumido. Discutir aqui a “autenticidade” do grupo (ou a “verdade” da 
identidade) é uma questão que adquire profunda conotação política, muitas 
vezes estimulada a fim de desviar a atenção do principal embate, aquele que 
envolve a responsabilidade e a “dívida” social para com grupos 
historicamente subjugados e expropriados. (HAESBAERT, 2011, p. 65) 
 
No caso do Rio Grande, no início da pesquisa, essas noções essencializadoras 
ligadas ao conceito histórico de quilombo eram muito presentes. O grupo de pesquisa, 
no qual estou inserida, orientou os moradores a tomar como base os dispositivos 
presentes no decreto presidencial 4887/2003, perpassado de noções como 
“ancestralidade negra”, por exemplo. No momento da inserção do grupo de pesquisa no 
Rio Grande, a referência que tínhamos dos procedimentos de titulação era este decreto, 
o que acabou induzindo a construção dos critérios a serem “comprovados”, visando o 
reconhecimento pela FCP. No momento de diálogo com os moradores sobre as suas 
histórias, na tentativa de construir uma história comum do grupo, eu tomei esses 
critérios como base. 
No início da pesquisa, ainda desconhecendo muitas leituras sobre o tema, eu 
tinha dificuldades em entender como os moradores daquele lugar desconheciam a 
existência da categoria quilombola. Para alguns deles, nos primeiros meses de pesquisa, 
os quilombolas, ou carambolas éramos nós, os pesquisadores, que chegamos até lá com 
toda essa história de direito quilombola. Ao longo dos anos, seus moradores foram 
ressignificando o processo de identificação com esta categoria. 
O Rio Grande, situado na microrregião do litoral ocidental maranhense, no 
município de Bequimão (Figura 1), é um povoado identificado pelos regionais como 
sendo um lugar ocupado “por pretos”. Possui mais de setenta famílias que se 
reproduzem através do trabalho agrícola, da pesca e da criação de animais de pequeno 
porte, mantendo manifestações culturais e saberes locais: festas de santos,forró de 
caixa, tambor de crioula, dentre outras manifestações. Essas famílias ocupam esse 
território secularmente, segundo a memória dos mais velhos. Diversos são os costumes e 
formas de vida dos moradores, porém algo lhes é específico e fundamental: a posse 
comum da terra. 
 
23
O povoado é banhado por alguns rios, dentre eles o rio Grande, rio do Peixe e 
rio dos Fugidos, que enchem na época da chuva e secam no período de estiagem. O 
povoado tem como base de sustento a roça (com o plantio de milho, arroz, mandioca e 
legumes), a criação de animais, como galinha, porco, pato e gado (algumas famílias, em 
menor número, criam gado para corte e venda da carne e cavalo para locomoção), e 
extração de côco babaçu. Todas as atividades são voltadas para o sustento do grupo, 
quando não é estabelecida a venda ou troca entre moradores de povoados vizinhos. A 
pesca, em algumas épocas do ano, também é uma prática exercida para o sustento dos 
moradores. 
 
FIGURA 1: Mapa de localização do Rio Grande 
 
Fonte: FURTADO, 2012. Organização: FILHO, J. 2011. 
 
Não existem fossas sépticas dentro das casas, sendo os banheiros localizados na 
parte externa. Algumas fossas são coletivas, dependendo da proximidade das moradias. 
A água é coletada em poço, existindo poucas residências com água encanada. A coleta 
de lixo não existe pelo serviço público, quando o lixo não é jogado em algum terreno, é 
 
24
queimado. Não há energia elétrica em todas as residências. O posto de saúde que atende 
o povoado é o da sede do município. 
As casas são feitas, em sua maioria, de barro e cobertas com a palha da palmeira 
de babaçu, cuja edificação é coletiva. O dono da casa oferece como pagamento pelo 
trabalho na construção, almoço e bebida para todos os envolvidos. Existe um campo de 
futebol e um galpão de alvenaria (o barracão), construído para realização de festas. 
A escola do Rio Grande é um anexo de uma escola municipal do povoado de 
Beira Campo. Atendendo alunos do ensino fundamental (de 1ª à 4ª série), a referida 
escola tem três compartimentos e dois professores. Os jovens deslocam-se diariamente à 
sede de Bequimão percorrendo, a pé, cinco quilômetros para estudarem o ensino 
fundamental maior e o ensino médio. 
Cada família da comunidade possui, em média, de cinco a oito pessoas por casa. 
A maioria da população é do sexo masculino. As mulheres participam ativamente das 
atividades econômicas da casa. O trabalho nas lavouras é determinado segundo regras 
próprias que determinam tanto o local a ser roçado, quanto o tipo de cultura. Na maioria 
das casas verifica-se a presença de quintais nutritivos (pomares caseiros, hortas e 
pequenos plantios de mandioca, milho e arroz). 
A preparação para o plantio começa no mês de dezembro com a escolha do local 
da roça e a limpeza do terreno. Essa “escolha” é feita pelos próprios moradores e os 
mesmos marcam a terra que irão plantar com estacas de madeira, para que todos os 
outros saibam que ali será utilizado para o plantio. Essa marcação é feita de forma 
pacífica e todos os moradores respeitam os limites daquele que escolheu seu pedaço de 
terra. Nem sempre a roça é feita de forma individual (por uma família apenas), existem 
plantações coletivas onde mais de uma família se reúne para fazer a roça. A roça é feita 
no sistema de coivara9. 
Nos primeiros meses do ano é feita a queima e nas primeiras chuvas inicia-se o 
plantio. Ao final de cada ano as famílias delimitam o “pedaço” da terra que vão plantar 
no ano seguinte. A medida mais usada é a braça, que equivale aproximadamente a vinte 
e cinco metros. O terreno é usado em média de cinco a vinte anos e reutilizado após o 
“descanso” da terra. Os moradores reconhecem quando a terra está boa para o plantio 
 
9 Técnica agrícola utilizada em comunidades quilombolas, indígenas e ribeirinhas no Brasil. Conhecido 
também como o sistema de “corte e queima” onde o processo de plantação se dá através da derrubada da 
mata nativa, seguida pela queima da vegetação. Há, então, a plantação intercalada de várias culturas, 
como o arroz, o milho e o feijão, durante 1 ou 2 anos. Esse método é utilizado principalmente na chamada 
agricultura de subsistência, por pequenos proprietários de terra ou em áreas de plantio comum. 
(http://www.ecodebate.com.br). 
Felipe Monteiro
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pelo tamanho do mato que cresce no terreno. O plantio se dá na seguinte ordem de 
cultivo: maxixe, milho, mandioca, arroz. A roça é feita de acordo com o calendário que 
consta no Quadro 1: 
 
QUADRO 1: Calendário das atividades da roça 
JUNHO AGOSTO NOVEMBRO JANEIRO 
Início da 
colheita 
A terra é roçada 
 
Limpeza e 
queima da terra 
Início do 
plantio 
Fonte: Furtado (2009) 
O cotidiano do Rio Grande é marcado pela religiosidade. A maioria dos 
moradores participa das atividades da igreja católica, professando e praticando um 
catolicismo popular. A tradição religiosa da comunidade, segundo relatos dos 
moradores mais antigos, existe há mais de cem anos, com a realização do Festejo de 
Santo Antônio, realizado no mês de junho. De acordo com o relato do sr. Luis Mariano, 
que hoje possui a “tutela”10 do Santo, não se sabe ao certo quando o santo foi trazido 
para o povoado, ele foi sendo deixado de herança pela família dele, que hoje cuida da 
organização do festejo. 
O aspecto religioso aparece nesse contexto como um forte elemento de ligação 
entre os moradores, visto que, durante o festejo, as atividades são realizadas de forma 
coletiva, havendo divisão das tarefas entre homens, mulheres e crianças. Essa prática da 
festa é entendida pelos moradores como obrigação de todos, e mesmo os que não 
moram mais no povoado participam do festejo pelo sentimento de pertença ao lugar e a 
essas práticas religiosas. Nesse período, todos colaboram com as atividades e toda a 
comunidade é envolvida no processo. A vivência religiosa e o trabalho fortificam a 
relação de pertença e de ligação daqueles que fazem o Rio Grande, e são acionados 
como critérios de identificação étnica. 
O reconhecimento do Rio Grande como remanescente de quilombo, tem 
provocado processos internos de construção identitária articulados a esse novo 
referencial. Nesse sentido, a investigação que desenvolvi no mestrado voltou-se para a 
 
10 Seu Luís Mariano é considerado o “dono do santo”, sendo responsável por sua guarda e pela 
organização da festa, que acontece nas mediações de sua casa. A Igreja de Santo Antônio também fica nas 
mediações de sua casa, sendo a família de Seu Luís Mariano responsável, também, por cuidar e manter a 
igreja em funcionamento. 
 
26
compreensão da dinâmica que caracterizou o processo de mobilização e os critérios de 
identificação como dos moradores a partir desse referencial. Para isso, busquei mapear o 
processo de mobilização dos atores e as estratégias usadas para obter o reconhecimento 
junto a FCP e, consequentemente, os benefícios que poderão advir desse 
reconhecimento, especialmente o título da terra. 
Busquei compreender os significados que esse reconhecimento assumia para os 
moradores, considerando, especialmente, os aspectos simbólicos relacionados ao 
reconhecimento e a legitimidade; aqui incluindo os critérios que os caracterizam como 
“diferentes” em relação aos outros. Esse é um elemento constantemente demarcado 
pelos moradores. No processo de construção da história de ocupação do Rio Grande, 
alguns dos informantes costumavam chamar atenção para o fato de que os “de fora” (em 
geral, os povoados vizinhos, com quem estão em constante contato) costumam se referir 
aos“de dentro” como “os pretos do Rio Grande”. Esse elemento é bem demarcado pelos 
moradores mais velhos, que afirmam ter sido esta característica (“os pretos”) um 
elemento de pertença que perdura até os dias atuais. 
 
FIGURA 2: Representação do Rio Grande feita pelos moradores 
 
Fonte: Daisy Damasceno Araújo (2011) - Representação da comunidade feita pelos moradores, 
pintada parede de entrada da escola, onde a identificação das casas é feita de acordo com o nome 
de cada aluno. 
 
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Em Rio Grande, a construção interessada como grupo étnico expressa uma 
estratégia organizacional visando, entre outros propósitos, a regularização das terras em 
que vivem. Este é uma discussão que pretendo fazer, partindo do pressuposto de Weber 
(1991), reforçado por Barth (1998), de que a “construção” de uma identidade é uma 
questão política e, por assim ser, não ocorre de forma desinteressada. Como bem situou 
Weber (1991), grupos étnicos são aqueles grupos humanos fundados na semelhança do 
hábito exterior e dos costumes, ou de ambos, ou em lembranças da colonização e da 
imigração. Abrigam uma crença subjetiva em uma procedência comum, de modo que a 
crença é importante para a ampliação das comunidades. Acrescenta Weber, que o grupo 
étnico não é em si mesmo uma comunidade, mas um momento que facilita o processo 
de comunicação, nos mais diferentes tipos, sobretudo, na política. 
Barth (1998) dá importância primordial ao fato de que os grupos étnicos são 
categorias de atribuição e identificação, realizadas pelos próprios atores e, assim, têm a 
característica de organizar a interação entre as pessoas. Na medida em que atores usam 
identidades étnicas para categorizar a si mesmos e aos outros, com objetivos de 
interação, eles formam grupos étnicos neste sentido organizacional. Reforça que, 
embora as categorias étnicas tomem em consideração as diferenças culturais, não 
podemos deduzir disso uma simples relação de um para um entre as unidades étnicas e 
as semelhanças e diferenças culturais. As características que são levadas em 
consideração não são a soma das diferenças objetivas, mas somente aquelas que os 
próprios atores consideram significantes. 
O autor propõe que o critério fundamental na definição de um grupo étnico deve 
ser a auto-atribuição e a atribuição por outros. Uma atribuição categórica é uma 
atribuição étnica quando classifica uma pessoa em termos de sua identidade básica mais 
geral, presumivelmente determinada por sua origem e seu meio ambiente. 
O artigo 68 da CF/88 desencadeou ampla mobilização no sentido da 
reivindicação do direito à titulação da terra aos remanescentes das comunidades dos 
quilombos. Antes mesmo que o referido artigo fosse regulamentado, o que só ocorreu 
em 2003 através do Decreto 4.887, algumas comunidades iniciaram um processo de 
mobilização em direção à titulação das terras, mas se depararam com dificuldades de 
interpretação do termo remanescentes das comunidades dos quilombos utilizado no 
artigo. Em função dessa incompreensão, ocorreram diversos debates, na academia e nos 
movimentos sociais, na tentativa de ressignificar o termo quilombo e dar conta da 
pluralidade de situações sociais que poderiam pleitear esse direito. No texto do Decreto 
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4.887/2003 já podemos perceber a incorporação do amplo debate desencadeado na 
academia, tentando redimensionar o texto legal e trazendo o critério da auto-atribuição. 
Desta forma, o decreto presidencial nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, veio 
regulamentar o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, 
demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos 
quilombos de que trata o art. 68 do ADCT. De acordo com o Art. 2º deste Decreto, 
consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos: 
 
Os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória 
histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção 
de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica 
sofrida. 
 
O Decreto dispõe ainda, no Art. 2º, § 2 que: 
 
São terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos as 
utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e 
cultural 
 
 
Ao estabelecer diálogo com a Convenção 169 da OIT, este Decreto define, em 
seu § 1º, Artigo 2º, como critério de identificação dos remanescentes das comunidades 
dos quilombos: 
Para os fins deste Decreto, a caracterização dos remanescentes das 
comunidades dos quilombos será atestada mediante autodefinição da própria 
comunidade. 
 
Podemos perceber que este artigo traz alguns elementos considerados 
importantes para a luta desses grupos pela titulação das terras que ocupam. A auto-
atribuição (BARTH, 1998) foi considerada uma conquista pelo movimento das 
comunidades quilombolas, por levar em consideração a forma como os atores sociais se 
percebem, dando-lhes voz nesse processo. 
No que diz respeito à regulamentação do artigo 68, temos o papel de 
antropólogos, historiadores e juristas enquanto mediadores no processo de 
reconhecimento dos direitos das comunidades quilombolas. De acordo com as análises 
feitas por O’Dwyer (2010), os antropólogos, por exemplo, tem o objetivo de contribuir 
para uma compreensão da antropologia aplicada no Brasil, tomando como marco no 
reconhecimento de direitos diferenciados de cidadania, a Constituição Federal de 1988. 
No caso dos remanescentes das comunidades dos quilombos, os antropólogos têm 
desempenhado papel decisivo ao rebater, por exemplo, o uso do termo quilombo na 
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CF/88, colocando a necessidade de buscar a “referência social do termo na atualidade”, 
visto que este termo fora pensado para a ordem escravocrata, ao designar “negros 
fugidos”. 
No que diz respeito mais especificamente ao reconhecimento das terras aos 
remanescentes das comunidades dos quilombos, O’Dwyer (2010) chama atenção para o 
papel da ABA no contexto dos debates sobre a aplicação do artigo 68 do ADCT:. 
 
Tais tomadas de posição têm questionado a utilização de formas de 
identificação e classificação estranhas aos próprios atores sociais, baseadas 
em critérios “historiográficos”, “arqueológicos”, “raciais” e/ou “culturais”, 
em busca do sentido considerado “correto”, “válido” e “verdadeiro”, como 
diz Weber, sobre as “ciências dogmáticas” (1991:4). Ao contrário, os 
antropólogos têm insistido na compreensão dos novos significados que o uso 
de termos, como “remanescentes de quilombos”, adquire nas ações sociais 
orientadas pela existência do dispositivo constitucional. (O’DWYER, 2010, 
p. 14). 
 
 
Os antropólogos e suas produções literárias, portanto, têm participado nas lutas 
que se travam na definição de políticas públicas e de Estado, como na promulgação 
deste Decreto, contra o qual o Partido da Frente Liberal (PFL, atual DEM) entrou com 
uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN nº 3.239-9/600 – DF), contestando o 
direito à terra das comunidades que, uma vez tituladas, se tornam inalienáveis e 
coletivas. 
A Constituição Federal de 1988, intitulada Constituição Cidadã pelo então 
presidente da Assembléia Nacional Constituinte, o deputado Ulysses Guimarães, foi 
por ele considerada um ponto chave do processo de afirmação dos direitos étnicos11, 
trazendo para o debate as discussões acerca do reconhecimento dos direitos 
diferenciados de cidadania no Brasil. Seu conteúdo apresenta um conjunto de princípios 
que vinham sendo discutidos em torno da diversidade cultural do Estado brasileiro, 
onde entravam em cena direitos pensados em função de grupos específicos, direitosque 
afirmavam as diferenças, direitos ditos multiculturais. 
 
11 “Declaro promulgada. O documento da liberdade, da dignidade, da democracia, da justiça social do 
Brasil. Que Deus nos ajude para que isso se cumpra”. Estas foram as palavras do então presidente da 
Assembleia Nacional Constituinte, deputado Ulysses Guimarães, proferidas na tarde de 5 de outubro de 
1988, em audiência histórica no plenário da Câmara dos Deputados, quando entrava em vigor a 
Constituição Federal da Republica Federativa do Brasil. In. 
http://ultimainstancia.uol.com.br/conteudo/noticias/53372/constituicao+federal+completa+23+anos+de+p
romulgacao+nesta+quarta.shtml. Acesso: 06/11/2011 
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Nota
Antropologia na Politica Social
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Ao refletirmos sobre a plurietnicidade do Estado brasileiro, podemos perceber 
que a Constituição Federal admite a sociedade brasileira dentro de sua pluralidade, mas 
os princípios que lhe fundamentam não fazem referência à pluralidade étnica, remetem 
a outros elementos, como dignidade humana, cidadania e pluralismo político, por 
exemplo. 
Segundo Coelho (2008), com a elaboração da Constituição Federal de 1988 a 
hegemonia universalista foi rompida com a aprovação de direitos específicos em função 
de determinados grupos. Esse rompimento teria sido fruto de lutas pelo reconhecimento 
das diversidades étnicas, onde se manifestou a tensão existente entre a tradição liberal 
dos direitos humanos (de caráter universalista) e o respeito a direitos específicos (de 
caráter particularista). São apresentados direitos que visam dar suporte a determinados 
grupos, que procuram afirmar a diferença em detrimento da igualdade, “igualdade que 
oprime” ao distanciar os grupos de suas especificidades. 
Conforme aponta Pacheco (2005), o processo constituinte, na figura da 
Assembléia Nacional Constituinte (ANC), instalada pela primeira vez em fevereiro de 
1987, representou um marco no âmbito jurídico no Brasil, apresentando-se enquanto 
ruptura da ordem jurídica presente até o momento, pela participação de múltiplos atores 
e agentes, uma variedade de movimentos sociais, um espaço onde os segmentos mais 
mobilizados da sociedade puderam atuar principalmente no que diz respeito à questão 
dos direitos étnicos, com destaque para a Subcomissão de Negros, Índios e Minorias. 
Seus dispositivos surgem como reflexos de uma luta por direitos, demandados 
por pessoas de diferentes condições sociais e diferentes mundos culturais, constituindo-
se na Declaração de Direitos do Estado brasileiro. Na Constituição, ainda que 
formalmente, estavam configurados os desejos de amplos setores da sociedade: uma 
assistência mais socializada através do SUS; uma educação universal, gratuita e 
obrigatória; uma seguridade social mais ampla; direitos dos trabalhadores nas 
participações dos lucros nas empresas; direito de acesso à propriedade como meio de 
produção. E mais, direitos de segmentos sociais específicos, com dispositivos 
específicos sobre direitos étnicos, envolvendo populações indígenas e comunidades 
quilombolas. (PACHECO, 2005). 
A questão étnica foi discutida na ANC de acordo com determinados temas, na 
Comissão da Ordem Social, Subcomissão de Negros, Populações Indígenas, Pessoas 
Deficientes e Outras Minorias. Alguns dos temas debatidos foram: negros, indígenas, 
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Nota
Simbolos de Lutas pela caracterização cultural particular da pluri multiculturalidade Brasileira.null
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deficientes físicos e mentais, idosos, minorias religiosas, homossexualidade, dentre 
outros. 
A plurietnicidade do Estado Brasileiro, sugerida no Anteprojeto desenvolvido 
pela ANC, não é disposta na CF/88 da mesma forma, e parece ser reconhecida de forma 
simplória nos dispositivos a seguir: 
 
Artigo 215 
§ 1º - O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas 
e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo 
civilizatório nacional. § 2º - A lei disporá sobre a fixação de datas 
comemorativas de alta significação para os diferentes segmentos étnicos 
nacionais. 
 
Artigo 216 
Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e 
imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de 
referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores 
da sociedade brasileira. (BRASIL, 1988) 
§ 5º Ficam tombados todos os documentos e os sítios detentores de 
reminiscências históricas dos antigos quilombos. 
 
 
 Cabe atentar para o que ficou definido no anteprojeto da Subcomissão de 
Minorias acerca dos remanescentes de quilombos e o que foi mantido no texto final, 
promulgado em 1988. Conforme Pacheco (2005, p. 125), o artigo 7º do anteprojeto 
afirma que “O Estado garantirá o título de propriedade definitiva das terras ocupadas 
pelas comunidades negras remanescentes de Quilombos”. Entretanto, na CF/88 este 
dispositivo se transforma no artigo 68 dos Atos das Disposições Constitucionais 
Transitórias (ADCT), estabelecendo formalmente a garantia do direito territorial aos 
remanescentes das comunidades dos quilombos. Houve uma inversão significativa dos 
termos no enunciado da norma, na passagem do anteprojeto para o texto definitivo. 
 
A gramática do anteprojeto sugere um direito coletivo – direito das 
comunidades; no texto definitivo sugere um direito individual – aos 
remanescentes das comunidades. De certo modo isso reflete a permanente 
tensão entre a lógica liberal e outras lógicas que a interrogam. Essa questão 
– do foco do direito, se individual ou coletivo – foi resolvida com o Decreto 
nº 4.887 de novembro de 2003, que estabelece uma cláusula de “titularidade 
coletiva e pró-indiviso”. (PACHECO, 2005, p. 126) 
 
Assim, como afirma Pacheco (2005), a questão do foco do direito (se coletivo ou 
individual) é resolvida com o Artigo 17 do Decreto 4887/2003. O que temos neste 
artigo é o reconhecimento de um direito coletivo, limitando um direito individual. 
Dispõe o artigo 17 da seguinte forma: 
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A titulação prevista neste Decreto será reconhecida e registrada mediante 
outorga de título coletivo e pró-indiviso às comunidades a que se refere o art. 
2o, caput, com obrigatória inserção de cláusula de inalienabilidade, 
imprescritibilidade e de impenhorabilidade. 
 
De acordo com Souza Filho (2008), a luta das comunidades remanescentes de 
quilombos, amparadas no artigo 68 e nos outros dispositivos constitucionais, tem 
contribuído para uma visibilidade do tema e dos problemas enfrentados por essas 
comunidades. No entanto, esse processo de luta por reconhecimento não é um processo 
simples de ser apreendido por aqueles que reivindicam esse status, em razão da lógica 
que rege esse processo, a lógica do direito e do Estado, ser distinta daquela que rege a 
organização social dos grupos pleiteantes. 
 Assim, a chamada questão quilombola12 tem configurado um campo de disputas 
que não envolve apenas especialistas, mas membros das comunidades, de diferentes 
instituições que prestam apoio e membros do próprio Estado. Para que a comunidade 
inicie seus primeiros passos nessa luta por reconhecimento, é necessária uma mediação 
por parte de outros atores sociais, num processo de “orientação” nos trâmites 
necessários para o reconhecimento. 
Andrade (2009), ao abordar mais especificamente o caso dascomunidades 
remanescentes de quilombos de Alcântara, afirma que para existirem publicamente, para 
encaminhar suas reivindicações, os quilombolas passaram a depender de uma grande 
diversidade de estruturas e agentes de mediação. Desta forma, a autora analisa questões 
relativas à delegação, às formas de representação e às contradições advindas da 
movimentação desses intermediários que se colocam entre os quilombolas e os 
aparelhos de estado e outras instituições. 
 
A ligação dos autodenominados quilombolas, ou seja, de famílias de 
camponeses, pescadores, artesãos, extrativistas, espalhados em povoados do 
interior, e até mesmo grupos em áreas urbanas, de estados de todo o Brasil, 
passou a se realizar com essas instituições nacionais e supra nacionais por 
meio de toda uma rede de mediadores, constituída por antropólogos, 
advogados, parlamentares, integrantes do Ministério Público, pesquisadores, 
clérigos, jornalistas e outros profissionais, que passaram a apoiá-los em suas 
reivindicações e a realizar a mediação entre eles e a sociedade mais ampla. 
Suas reivindicações passaram a alcançar as instituições nacionais por meio de 
uma série de porta-vozes, agentes sociais por sua vez também organizados 
em movimentos e associações, instituídos como os que passaram a deter a 
fala autorizada nos assuntos relativos aos quilombolas. (ANDRADE, 2009, p. 
5) 
 
 
12 Ver ANDRADE (2009). 
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A constituição desse campo de disputa envolve interesses de natureza acadêmica 
e política. No campo intelectual, existem antropólogos que têm se debruçado sobre a 
importância de refletir sobre o conceito de quilombo e quilombola, cujo debate tem 
contribuído para o aprofundamento da questão conceitual, o que tem reforçado a luta 
pela garantia do direito territorial às comunidades remanescentes de quilombos. 
(SOUZA FILHO 2008, p. 21), 
Assim, é conveniente discutirmos sobre a carga “simbólico-conceitual” 
(Pacheco, 2005) que o artigo 68 carrega. Quem são os chamados remanescentes das 
comunidades dos quilombos cujos direitos são atribuídos pelo dispositivo legal? 
Quilombo ou remanescente de quilombo, termos usados para conferir direitos 
territoriais e que surgem no contexto da elaboração da CF/88, permitem, “através de 
várias aproximações, desenhar uma cartografia inédita na atualidade, reinventando 
novas figuras do social” (O’DWYER, 2002, p.13). 
O termo quilombo e suas significações ressurgem no campo das disposições 
legais e, em torno do texto constitucional, surgiam as indefinições, as ambiguidades e 
críticas referentes à forma como o artigo utilizou, de forma genérica, o termo quilombo, 
tomando como base o conceito jurídico construído na época colonial. O problema 
amplia-se justo nessa construção semântica e na apropriação de um conceito histórico 
para dar conta de uma realidade atual, expressa na reminiscência e na permanência de 
caracteres do termo histórico. 
Em seus estudos sobre este tema, Almeida (2003) apresentou diversas críticas ao 
apego que ainda se mantém com a categoria quilombo da jurisdição colonial, propondo 
a sua necessária ressignificação, visando dar conta de um maior número de situações 
sociais que pleiteiam esse direito e propondo, de certa forma, um desprendimento em 
relação ao passado das comunidades. 
 
Com cem anos de atraso, se considerarmos desta forma, falar-se-á em 
remanescente, em vestígio! Ora, então parece que se abriu um campo muito 
forte para os juízes acreditarem que basta designar um arqueólogo. Ele 
registrará vestígios materiais daquilo que já foi. Ninguém mais mora na Serra 
da Barriga, onde existiu o Quilombo dos Palmares. Não sei se os senhores 
têm conhecimento deste fato. Se se reconhecerá o que já foi, o arqueólogo 
basta. Há vestígios materiais e o juiz é mais simpático a eles. Entretanto, o 
trabalho do antropólogo é mais complicado, por que para ele o quilombo não 
é o que foi. O quilombo é essa autonomia construída no tempo e que as 
pessoas estão dizendo também que é disso que se trata. Portanto é diferente. 
Há o elemento da auto-atribuição, o grupo é que se autodefine, não há um 
classificador da sociedade que se imponha. (ALMEIDA, 2003, p. 234-235) 
 
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De acordo com O’Dwyer (2002), o texto constitucional não evoca apenas uma 
“identidade histórica” que poderá ser assumida e acionada pelos atores que se 
mobilizaram pela garantia do direito. De acordo com o artigo 68, é necessário que esses 
“sujeitos históricos presumíveis” existam no presente e ocupem uma terra que, por 
direito, deverá ser titulada. Desta forma, a partir do momento que elementos do passado 
são evocados, estes devem corresponder a uma forma atual de existência. 
 
Tal aspecto presencial, focalizado pela legislação, tem levado os 
antropólogos a seguir um princípio básico: “fazer o reconhecimento teórico e 
encontrar o lugar conceitual do passado no presente”. O fato de o pressuposto 
legal referir-se a um conjunto possível de indivíduos ou atores sociais 
organizados em conformidade com sua situação atual permite conceituá-los, 
numa perspectiva antropológica mais recente, como grupos étnicos que 
existem ou persistem ao longo da história como um “tipo organizacional”, 
segundo processos de exclusão e inclusão que possibilitam definir os limites 
entre os considerados de dentro ou de fora. Isso sem qualquer referência 
necessária à preservação de diferenças culturais herdadas que sejam 
facilmente identificáveis por qualquer observador externo, supostamente 
produzidas pela manutenção de um pretenso isolamento geográfico e/ou 
social ao longo do tempo. (O’Dwyer, 2002, p.14) 
 
 
Compreender o uso da categoria quilombo e sua referência social na atualidade 
nos permite analisar as transformações na autopercepção das comunidades a partir da 
sua inserção na categoria remanescentes de quilombos (ABA, 2006). As pesquisas nesta 
área permitem, ainda, um “resgate” da memória coletiva, dos processos políticos de 
construção da identidade étnica, além de abordarem o lugar da antropologia e de outros 
atores sociais, como o próprio Estado brasileiro, nesses processos. 
Esse é o enfoque em direção ao qual quero conduzir minhas análises, partindo 
das dinâmicas de construção da identidade com base no acionamento de critérios por 
parte dessas “novas etnias” 13, “novos sujeitos de direitos” 14, que expressam outra 
 
13 Ver ALMEIDA (2002, p. 72-73). De acordo com esse autor: “Se de um lado reconhece-se que há etnias 
permanentes, cujas origens são centenárias, de outro se reconhece também o advento de “novas etnias” 
conceituadas como uma tendência de grupos a se investirem, num sentido profundo, de uma identidade 
cultural com o objetivo de articular interesses e reivindicar medidas, fazendo valer seus direitos em face 
dos aparatos de estado. O critério político-organizativo ajuda a relativizar o peso de uma identidade 
definida pela comunidade de língua, pelo território, pelo fator racial ou por uma origem comum. Essa é 
uma discussão da ordem do dia das várias coletâneas que nas últimas décadas têm enfocado os 
deslocamentos no conceito de etnia. 
14 Ver Andrade (2006), onde a autora dialoga com o conceito de etnicidade emergentes. Em outro texto 
(ver Andrade, 2009) a mesma autora apresentando os quilombolas como sujeitos de direito, afirma que 
milharesde grupos camponeses, em todo o Brasil, passam a adotar a identidade de quilombolas para 
interlocução com a burocracia estatal. 
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maneira de se colocar diante dos aparatos de poder. A dinâmica de identificação desses 
atores sociais com as categorias que lhes conferem uma nova identificação deve ser 
entendida como uma identidade política, que lhes possibilita, entre outros fins, negociar 
com o Estado a possibilidade de garantia de seus direitos. 
ACEVEDO e CASTRO (1998), tratando da situação dos grupos Erepecuru e 
Cuminá, no estado do Pará, reforçam a importância da ressemantização do conceito 
antigo de quilombo, que permite a afirmação étnica e a organização/mobilização 
política desses grupos. 
 
A atualidade do conceito de quilombo é objeto de uma reinterpretação 
jurídica quando empregado para legitimar reivindicações pelo território dos 
ancestrais por parte dos denominados remanescentes de quilombos. A 
reatualização do termo ocorre, a partir da década de 80, como resultado das 
mobilizações de grupos rurais, do movimento negro e de entidades de apoio 
às lutas pelo reconhecimento jurídico de terras de antiga ocupação. O 
processo de ressemantização da categoria quilombo, tanto política quanto 
juridicamente, contribui à afirmação étnica e mobilização política desses 
segmentos camponeses, particularmente, as “comunidades negras rurais”. É 
no meio de situações de tensão e de enfrentamento que os processos de 
formação de identidades mobilizam fragmentos de história em comum, da 
memória social. (ACEVEDO; CASTRO, 1998, p. 9) 
 
As autoras chamam atenção para o fato de que esses grupos, nesse processo de 
afirmação étnica e organização política, acabam por resgatar o território e o significado 
deste para suas vidas assumindo, assim, a identidade política de remanescentes de 
quilombos, configurados nas estratégias desenvolvidas por esses atores para sustentar 
esta nova identidade. Afirmam que a particularidade desse ato político é ressaltada pela 
etnicidade, sendo esta traduzida pelo reconhecimento de uma origem comum e de 
formas de coesão, constituindo, assim, do próprio processo de sua formação e 
povoamento, uma peça jurídica, um argumento para proceder à titulação de suas terras. 
Percebe-se a valorização dada ao reconhecimento de uma origem comum. Esse é 
um ponto importante nessa discussão. No caso do Rio Grande, a valorização de uma 
origem comum, atrelada ao “resgate/reconstrução” da história de formação e 
povoamento do território, só veio à tona depois dos primeiros contatos do grupo de 
pesquisa com a comunidade e da necessidade de acioná-lo. Até aquele momento, o 
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Nota
Ato politico que os lembram de suas etnicidades, ou é a Etnicidade que é lembrada por um ato politico???null
 
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elemento que o grupo de pesquisa possuía era o de que aquela comunidade teria 
indícios
15 para pleitear o direito destinado às comunidades remanescentes de quilombos. 
Desta forma, e como veremos ao longo do texto, assim como os Negros do 
Trombetas, os moradores do Rio Grande acionaram como peça jurídica alguns 
elementos históricos que, segundo a memória de “seus filhos”16, fazem parte do 
processo de formação e povoamento daquele território. Entretanto, como afirmei acima, 
esses elementos só se configuraram durante o processo, quando a comunidade, tomando 
conhecimento da importância de resgatá-los, assim o fez. 
Nesse sentido, várias comunidades e os atores envolvidos neste processo aderem 
ao processo de retorno às origens, baseando-se em identidades afirmativas politicamente 
“lucrativas” (SAHLINS, 1997). Cabe destacar que as práticas de mobilização e 
construção de histórias, contribuem, entre outros elementos, para o reconhecimento e a 
própria existência desses grupos. 
O reconhecimento é uma condição para conquista dos direitos sociais que 
caracterizam o século XX e se torna um importante referencial teórico no cenário de 
surgimento de novos movimentos sociais, que inserem na agenda política questões 
sobre identidade, preconceito, invisibilidade, práticas sociais discriminatórias e falta de 
acesso aos bens sociais. 
A luta por reconhecimento social se faz importante neste contexto visto que 
esses grupos, antes invisíveis na organização sociopolítica do Estado Brasileiro, 
ausentes no âmbito do direito e dos debates públicos, passam a demandar seu 
reconhecimento e o reconhecimento de seus direitos a partir da formação de identidades 
específicas. Desta forma, a luta por reconhecimento traz à tona uma dimensão dual 
neste processo: a igualdade e a diferença. Ao mesmo tempo em que se prega a ideia da 
igualdade de direitos, aborda-se também a dimensão básica do direito à diferença. 
De acordo com Mattos (2006), a luta por reconhecimento é uma afirmação da 
diferença, quando reivindica a identidade específica de grupos. Honneth (2003) toma 
como base a ideia de que os pilares da solidariedade moderna são as relações simétricas 
existentes entre os membros da sociedade. Essas relações implicam na possibilidade de 
 
15 No primeiro contato da professora Marivânia Furtado com S. Agnaldo, este lhe informou que o Rio 
Grande possuía indícios de uma comunidade quilombola. 
16 Termo utilizado pelos moradores mais velhos para designar quem nasceu no Rio Grande, quem “é 
filho” da terra, “é filho do Rio Grande”. Esse é um elemento de afirmação usado pelos moradores para 
demarcar quem é e quem não é do Rio Grande. 
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qualquer sujeito poder ter suas qualidades e especificidades reconhecidas como 
necessárias e valiosas para a reprodução da sociedade. 
As análises de Honneth (2003) acerca dos sentimentos de injustiça nos ajudam a 
compreender um pouco deste contexto. Segundo o autor, os sentimentos de injustiça 
podem levar a ações coletivas, na medida em que configurem experiências vivenciadas 
por um conjunto de sujeitos numa situação social partilhada. No caso de uma concepção 
baseada nos interesses, trata-se de uma luta por bens escassos. No caso da concepção de 
conflitos baseada nos sentimentos morais, trata-se de uma luta pelas condições 
intersubjetivas da dignidade. O modelo de conflito social, com base na lógica moral 
proposta por este autor, sugere que o conflito é resultado de uma infração de 
expectativas de reconhecimento. Sugere, ainda, que a simples ruptura social com o 
consenso tácito não produz o conflito, sendo necessário que se produza uma semântica 
coletiva capaz de reinterpretar a situação vivida. 
Segundo Arruti (2006), a crítica feita por Honneth (2003) ao modelo de conflito 
social baseado no interesse, parece particularmente útil no problema da identificação 
étnica em um contexto como o quilombola, onde não apenas a adesão ao rótulo como o 
próprio rótulo é recente, possibilitando-nos tecer análises que nos permitem superar 
certos postulados acerca da “manipulação da identidade”. 
 
Se os interesses são concebidos como orientações básicas dirigidas a fins, 
definidos conforme a condição econômica e social dos indivíduos e suas 
necessidades de, no mínimo, reprodução, mas também de conservação ou 
ampliação de poder; então, tais interesses tornam-se motivação coletiva na 
medida em que os diversos sujeitos da comunidade percebem-se igualmente 
confrontados com o mesmo tipo de tarefas, vinculadas às mesmas 
necessidades. Mas há, por outro lado, que se considerar a existência de 
motivações morais, baseadas

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