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PROCESSO CRIATIVO EM DESIGN: DENTRO E FORA DOS LIMITES RESUMO Uma grande questão da história do design é o uso de métodos e metodologias no ato projetual e, portanto, no processo criativo. Os métodos são recursos utilizados por todo designer, na tentativa de nortear a mistura de referências culturais da qual o design emerge e contribui. Focando o processo criativo do designer e o atual momento multifacetado em que vive, o estudo metodológico torna-se interessante, em especial, através dos métodos heuríticos de criação. Tais processos se enquandram em métodos científicos que buscam compreender como se forma o conhecimento, e também o ato de criação. Assim, o designer poderá potencializar seu leque de estratégias para atender aos anseios da cultura de nosso tempo. Pouco explorados nos círculos acadêmicos, tais métodos levam em consideração a ascensão do usuário e dão, assim, maiores referências para que o processo criativo e o ato projetual contemporâneo pensem “fora da caixa”. PALAVRAS-CHAVE: projeto, design, processo criativo, metodologia, métodos heurísticos ABSTRACT: A great question on Design History is using methods and methodologies on project design and, this way, on creative process. Methods are used by all designers, trying to “find a north” on the mix of cultural references in which the design emerges and contributes. Focusing on the designer´s creative process and his multifaceted quotidian, methodological studies are interesting, specially, through Heuristic on creative thinking. These processes are scientific methods that try to understand how knowledge, and also creative thinking, is built. Therefore, the designer may amplify his strategic myriad to answer the aims of our current culture. Rarely explored by academics, these methods consider the user´s role and give great references for creative process and contemporary project think outside the box. KEY WORDS: project, design, creative process, methodology, heuristic methods. Sessão temática: Práxis e proposição teórica Eixo temático: 1. Teoria e Crítica 3. Projeto 1 PROCESSO CRIATIVO EM DESIGN: DENTRO E FORA DOS LIMITES Olivia Chiavareto Pezzin1 “Praticar a teoria do design significa, em primeiro lugar, se voltar para a teoria do conhecimento.” (BURDEK, 2006, p.225) Introdução O design, segundo Bonsiepe e Fernandes (2006), é uma ciência interdisciplinar que influencia e é influenciada pelas áreas da tecnologia, ecologia, indústrias e empresas, cultura da vida cotidiana, economia e políticas sociais. Além dessa definição, interessa aquela de Vilém Flusser (1999, p.19, tradução nossa), que caracteriza o design como a ponte entre arte e tecnologia: “Logo, na vida contemporânea, design indica mais ou menos o lugar onde arte e tecnologia (junto com seus respectivos métodos avaliativos e científicos) se juntam e se igualam, construindo uma nova forma de cultura possível”. Desse modo, torna-se pertinente a aproximação entre os métodos e metodologias do Design e dos Processos Criativos, que buscam as formas de apreensão e (re)codificação do mundo. Através da análise das relações entre lógica e infralógica, na produção dos desejados insights, é possível desvendar a aparição de diagramas mentais/ícones sobre um cenário difuso de referências (PLAZA;TAVARES, 1998), tanto na arte quanto na ciência/tecnologia. No campo da pesquisa em Design, recebe especial enfoque as questões metodológicas, que guiam a fase do projeto. O projeto é um dos paradigmas da área, pois dele deriva o controle do processo, cada vez mais interdisciplinar e iterativo. Assim, são inventados modelos de sistemas capazes de refletir as aspirações do Design, abarcando a ética, a política, a estética, mas principalmente a capacidade de inovar dentro de uma área saturada como a economia industrial. Para estimular e construir projetos com essa habilidade estratégica é preciso conhecer os limites dos métodos criativos em Design, como sublinhado por Baxter (1998, p.51 apud Pantaleão, 2009): A criatividade é o coração do design, em todos os estágios do projeto. O projeto mais excitante e desafiador é aquele que exige inovações de fato – a 1 Mestranda no curso de pós-graduação em Design e Arquitetura pela FAUUSP, bolsista FAPESP. Graduada em Comunicação Social com ênfase em Editoração pela ECA-USP. Intercambista do programa CINDA na Universidade de Gênova (UNIGE)/ Itália. Técnica em Desenho de Comunicação pela Escola Técnica Estadual Carlos de Campos. Tem experiência e estuda a área de Comunicação, com ênfase em Design. opezzin@gmail.com 2 criação de algo radicalmente novo, nada parecido com tudo que se encontra no mercado. Os limites do design, notadamente o que o distingue da arte, inicia pela existência sine qua non de uma função: seja utilitária (funcional), comunicacional ou simbólica (estético). Geralmente, tais funções são intencionadas no momento do projeto, porém sua efetiva realização se dá no momento do uso do produto resultante. Portanto, o êxito de projeto de design está na “adaptação do ambiente artificial que atenda as necessidades físicas e psíquicas dos homens na sociedade” (LÖBACH, 2001, p.14); já o êxito do designer está no atendimento dos anseios do cliente para com o usuário: efetivar um processo de comunicação, criar um ponto de contato (interface) entre uma empresa/instituição e o usuário/consumidor, revelando a identidade de dentro para fora da empresa. No contexto projetual, a criatividade é o momento mais profícuo e fecundo para a inovação, onde a liberdade criativa propicía o “pensar fora da caixa” e trazer à tona as dialéticas de A. Moles (teoria da informação): banal/original, previsível/imprevisível, redundante/informativa. Dentro do conceito de criatividade, também está a “aptidão que possibilita ao que inventa organizar um campo de percepção projetando suas sensações em um plano de referência, modificado e combinado segundo a cultura que é inerente ao criador” (MOLES; CAUDE 1977, p.60-5 APUD PLAZA; TAVARES, 1998, p.67). Assim, a criatividade remete a um campo de batalhas, com referências internas e externas ao criador, que une intelecto e intuição para “reorganizar dados, no intuito de associar (...) para a solução de problemas” (PLAZA; TAVARES, 1998, p.67). Em suma, a criatividade é o remanejo do conhecimento existente que ganha forma, neste caso, através da expressão estética. A fim de explicitar as metodologias influenciadoras do Design desde a década de 1920, é possível traçar uma perspectiva histórica, apresentando características dos contextos Moderno e Pós- moderno. Devido à influência da Escola alemã HfG Ulm e seu método projetual, no ensino técnico e superior das escolas de Design e à força da globalização mercadológica, as expressões do design se tornam cada vez mais homogêneas ao redor do mundo. Esse fenômeno iniciou-se a partir da segunda Grande Guerra (1945), quando as empresas dos países desenvolvidos começaram um processo de divisão internacional do trabalho, espalhando a produção pelo mundo, com centralização do projeto em suas sedes. O Design então precisava se adaptar a diferentes situações, exigindo uma racionalização do processo produtivo e projetual. Tal paradigma, chamado de funcionalista (“forma segue função”), teve projeção por seu viés sistêmico dentro do projeto moderno, tentando abarcar um conjunto expressivo dos objetos e ambientes da vida 3 cotidiana, baseado em rigor no processo e produtos com características de baixa carga cognitiva, priorizando a clareza, a legibilidade e a ergonomia ideal. Fig. 1- Chaise-longue projetada por Le Corbusier, dentro dos princípios funcionalistas. Na década de 1970, já no contexto dacontra-cultura, questionam-se tais valores pré- determinados para o exercício da profissão e do uso dos objetos. Um exemplo notório é a poltrona Sacco, projetada para ser usada como o usuário bem entender, para a finalidade que desejar. Na década seguinte, inicia-se o movimento pós-moderno, utilizando o lúdico, o humor e a ironia dentro das produções. Os objetos, como a estante Carlton de Ettore Sottsass, sugerem novas possibilidades estéticas, antes improváveis, como diversas cores em apenas um móvel. Fig. 2 – Poltrona Sacco, dos italianos Gatti, Paolini e Teodoro; Estante Carlton de Ettore Sottsass. 4 O final do século XX e o início do XXI trazem os aspectos da linguagem eletrônica para o campo estético: a multimídia e a interatividade, além da tendência a reapropriação dos objetos feita pelos próprios usuários, questionam a autoria do criador/projetista e aumentam a sensação da compressão espaço-temporal, característica da contemporaneidade. Assim, podemos citar como exemplos de design contemporâneo, as gambiarras (ou design não-intencional) e paródias (“regadores-luminárias”, por exemplo). Também a miniaturização dos dispositivos eletrônicos, em especial na telefonia celular, influencia diversos segmentos do design, que buscam formas de cognição cada vez mais intuitivas, a personalização e flexibilidade das funções, através da convergência e potencialização das comunicações. Quadro comparativo de referências: “modernismo x pós-modernismo” MODERNISMO PÓS-MODERNISMO Método cartesiano (do engenheiro) Ex: Munari, Wollner Humor Efêmero, fragmentação Série Compressão espaço-tempo, Rigor Acaso Total / Sistêmico Ressignificação (tradução) Novo (original) Identidades, Metáforas Forma informa Ambiguidades, contradições, alternativas Fig. 3 - Fonte: quadro elaborado pela autora Nessa breve análise evolutiva, percebe-se que a tradicional metodologia do design se ateve ao método “manejo físico” em detrimento do “ajuste sensorial”. No momento pós-moderno a busca por novas possibilidades expressivas traz novos valores, que se relacionam melhor com os métodos semióticos, hermenêuticos ou fenomenológicos – que objetivam o resgate das essências, dos gêneros, dos corpos, da individualidade (obscurecidos pelo funcionalismo). 5 Como exemplo, tomamos um suco feito com dois espremedores, um dentro da lógica moderna (espremedor popular) e outro, da pós-moderna (espremedor Juicy Salif de Phillipe Starck). O primeiro foi projetado para espremer laranjas e produzir sucos de forma eficiente e prática. Já o segundo, para suscitar conversas na cozinha. Assim, “inventar formas estéticas é provocar a aparição de qualidades virtuais, aparências que nunca antes apareceram” (PLAZA, 1987). Podemos notar a originalidade do Juicy Salif devido ao seu caráter imprevisível (que carrega, portanto, maior carga cognitiva que os anteriores) e pela novidade que, segundo Monica Tavares (2010) “é a introdução da desordem numa estrutura preexistente.” O pós-modernismo se caracteriza também pela construção de narrativas, camadas de significação, usando o material e os detalhes. Desse modo, como diz Santos (2008), “descrever os métodos de ação intelectual se torna necessário, pois as novas tendências do design indicam cada vez mais a aplicação de métodos semióticos (de signos) e hermenêuticos (de interpretação)”. Torna-se, então, interessante o levantamento das principais fases da criação para o Design, assim como exemplos dentro dos métodos heurísticos de criação. Segundo Tavares e Plaza (1998, p.73), a criação é um processo iterativo: “o ato criativo não é, necessariamente, um processo contínuo. Renova-se sempre e admite feed-back alimentados pela atividade experimentadora e pelas idéias criativas”. Os estágios da criação, apontados pelos autores com base em Moles (1971), são: apreensão (motivação), preparação (coleta de dados), incubação, iluminação, verificação e comunicação. Duas fases se destacam na produção dos insights, a fase da incubação – onde vários métodos de estímulo, como o brainstorming e o writingstroming, são utilizados – e a da iluminação. Na primeira, “a obra se configra inconscientemente. Nesta fase devem estar presentes, segundo Moles & Caude (1977, p.39), a imaginação, a fantasia, a gratuidade” (PLAZA; TAVARES, 1998, p.75). Já na segunda, quando ocorre a epifania (a revelação de uma verdade através de uma forma pregnante), a intuição e o intelecto simulam modelos mentais, unem contextos que já existiam, mas estavam separados, resultando em uma “fertilização cruzada”. Nesse momento, é possível brincar com as possíveis representações de mundo, criando as próprias regras do jogo. Fig. 4 – exemplo de “fertilização cruzada”, realizado pela autora. Assim, “a mente inventiva é responsável por associar formas, que progressivamete se tornam articuladas.” (PLAZA;TAVARES, 1998, p.80) 1+1 = 2 → 1+1=11 6 Ao mapear e identificar os percursos dentro do processo criativo, os métodos heurísticos de criação, conforme Júlio Plaza e Monica Tavares (1998), trazem diferentes possibilidades aos métodos de projeto em Design. 1. Métodos do Possível / icônico / mental 1.1 Do Projeto Segundo Lévi-Strauss (1976 apud Plaza; Tavares, 1998, p.90, grifo nosso), o processo criativo do projeto ou do engenheiro consiste em um “... confronto entre a estrutura e o acidente, em procurar o diálogo, seja com o modelo, seja com a matéria, seja com o usuário”. Ele parte das estruturas para os acontecimentos, criando fortes sintaxes na busca de um diagrama mental a ser concretizado. Temos como exemplos desse método as diversas “receitas” de percursos, em geral de ordem cartesiana, com regras de organização mais ou menos rígidas e alta definição, como o de Bruno Munari (2008). É um sistema fechado onde, segundo Tavares (2010), “possíveis erros, variações do modelo, correções e reformulações estão em função da objetividade dos meios e ferramentas produtivas”. Este método é o mais utilizado e difundido dentro da história da prática e ensino do Design. 1.2. Método do acaso Neste método é notável a “incorporação daquilo que não estava no programa poético” (TAVARES, 2010), criando estruturas a partir dos acontecimentos (e não o contrário). É, portanto, um método cujas características são a pouca sintaxe, a indeterminação, o fortuito, imprevisto, o abandono do ego e a singularidade. O acaso pode ser totalmente ou parcialmente aceito pelo designer-artista – David Carson produziu uma revista ilegível, enquanto Rico Lins interferiu em sua incorporação –, como pondera Belluzzo (2010), Nessa fase inicial de criação e experimento, o designer admite absorver em seu processo criativo um ‘acaso coordenado’. Refere-se ao fato de ser determinante e fundamental a existência de liberdade criativa, mas dentro do limite em que é preciso corresponder às expectativas do cliente. 7 Fig. 5 – A inserção do acaso foi tema do cartaz de Rico Lins para a mostra da Escola Panamericana de Design Gráfico de 1996. Na ocasião, a instituição pediu aos designers cartazes capazes de mostrar a expressão mais imediata do que estavam produzindo no momento. Para isso, Lins aproveitou a ideia do fio de cabelo caído por acaso sobre o papel e desenvolveu uma série de elementos que foram produzidos e alterados pelos produtores (o fotógrafo, o profissional da gráfica). Ao final, inverteu as cores CMYK da fotografia original e inseriu cores fosforescentes para então ver o resultado. Fonte: Rico Lins. Cartaz para o Panamericana ‘96 Graphic Design. Fotografia: Fábio Ribeiro. Produção Gráfica: Ricardo Aiello. Agência: W/Brasil, S. Paulo, 1996. É notável a ideia de jogo nesse tipo de método, incorporando ruídos informacionaise até possíveis erros no manuseio dos aparelhos (PLAZA; TAVARES, 1998). 1.3. Método permutatório / matriz do descobrimento Este método é o jogo de combinação no qual o artista submete elementos de seu repertório, previamente selecionados, à um conjunto de regras finitas capazes de gerar eventos infinitos. Segundo Plaza e Tavares, (1998, p.96) “neste processo o artista aparece especialmente como realizador intelectual de sua obra; ele, a máquina e, muitas vezes, o usuário tornam-se cúmplices 8 na realização de múltiplas permutações”. Um exemplo notório são as obras dos irmãos Campana e a obra “RG enigmático” de Guto Lacaz. Fig.6 – a obra “RG enigmático” partiu de uma releitura do poema “tatuagem enigmática” de Duda Machado (em que o poeta aplicava as palavras “policial”, “político” e “poético” sobre notícias de jornal). Fonte: http://www.gutolacaz.com.br/ grafica/rg_enigmatico.html. Assim, Guto Lacaz criou uma máquina onde cada número pressionado acionava uma alavanca com um carimbo de um símbolo do imaginário brasileiro. Assim, cada pessoa que utilizasse o dispositivo sairia com uma obra única, porém reprodutível. Por isso, Guto Lacaz se considera artista-designer (ou vice-versa). 1.4. Método dos limites (dogmático) Aqui a transgressão e a consciência dos limites do meio utilizado são essenciais. Este método requer sintaxes fortes, de alta definição, para vencer as regras e utilizá-lo como potencial de criação. O descobrimento de novas possibilidades materiais, como a madeira compensada ou o plástico, dão novos rumos às criações. Em geral, a mente trabalha a criação dentro dos limites da capacidade do meio, porém, este possibilitará ou não o produto pretendido. 9 1.5. Método das associações As associações são manifestações da linguagem, verbal ou icônica, portadoras de informação estética e semântica. Segundo Pignatari (1979 apud Plaza; Tavares, 1998, p.101), “nada impede que as associações por similaridade (analogia/síntese) e as associações por contiguidade (lógica/análise) se mesclem no desenvolvimento da criação. O autor ainda ressalva que nos processos criativos, “em lugar de ocorrer as associações de ideias, produzem-se associações de formas.” Podemos visualizar a associação de forma nos diversos abridores de garrafas: Fig. 7 – (1) Abridor de garrafa de Cisotti Biaggio, para Alessi. (2) Abridor de garrafa de autoria desconhecida (comercializado por uma empresa de brindes promocionais). (3) Abridores de garrafa de design popular nordestino. • Por similaridade (analogia): entre o abridor 1 e 2, que possuem um formato semelhante: bocal com indentição + cabo alongado • Por contiguidade (lógica) : entre o abridor 2 e 3, que apesar de diferentes, possuem a mesma lógica semântica: uma trava + uma alavanca. 2. Métodos do existente (do índice, do conflito) Nos seguintes métodos, a criação se dá pela ação e reação estabelecida com o meio produtivo. 1 2 3 10 2.1. Método experimental Trabalha-se com os sentidos, a intuição, através do processo indutivo de tentativa e erro: o método experimental pretende também o espírito lúdico, a experiência criativa per se. “A intenção desse método não está na obra acabada, mas sim no ato de fazer. (...) Em busca por apreender a materialidade destes meios, o artista familiariza-se pouco a pouco com as potencialidades instrumentais próprias do arsenal tecnológico.” (TAVARES, PLAZA, 1998, p.103). Um exemplo da criação experimental é o vídeo Máquinas de Som (veja o link em referências bibliográficas), onde os autores brincam e exploram as capacidades dos captadores de som ligados a um programa de computador e a objetos do cotidiano. 2.2. Redução Fenomenológica Este método (e estudo) tem por finalidade ampliar ou criar novos pontos de vista, através de relações de ordem/tempo, a partir da aparência. Assim, pretende perceber os objetos em sua integridade, através da exploração do meio, com foco na experiência sensorial decorrente da essência do fenômeno. Um exemplo é o jogo Kinect da Microsoft para Xbox que inova no campo da jogabilidade (experiência de jogo) ao prescindir de controles para interação com a plataforma do jogo: o usuário usa apenas seu corpo para participar das ações. Assim pode-se dizer que o próprio corpo toma outras referências e é percebido de outra forma, acentuando a experiência sensorial. Fig. 8 – Demonstração de uso do jogo Kinect do Xbox 360. Fonte: Divulgação Microsoft. 11 3. Métodos do pensamento / simbólico Tais métodos são capazes de trabalhar no nível da terceiridade peirciana, através da intertextualidade e do diálogo entre linguagens. 3.1. Recodificação É a transposição de um sistema significante para outro, evidenciando novas conexões. Segundo Plaza e Tavares (1998, p.115), “para Moles, o raciocínio por analogia conduz o indivíduo criador a manipular qualquer conceito, esvaziando-o de seu conteúdo, a fim de extrair dele novos pontos de vistas”. Assim é possível usar a abstração para recontextualizar um objeto ou um conceito. Um exemplo é a recodificação do Almanaque Abril em papel para o CD-ROM: todos os textos foram transpostos e ressignificados, do suporte impresso para o digital. A criação de hipertextos e a inserção de novas linguagens introduziram “um novo tipo de leitura, que faz estalar a linearidade (o esperado) do texto anterior, dissolvendo os autores, o lúdico e o crítico” (TAVARES, 2010). 3.2. Método mito-poético (bricoleur) Este método caracteriza-se pela inexistência de um plano pré-concebido, partindo dos acontecimentos à estrutura. O produto resultante de uma criação que surge “do que se tem a mão” é uma obra fragmentada, cujas partes denunciam sua origem e sua carga significativa, narrativa. Na área do design este método de criação é chamado de design não-intencional ou gambiarra. Fig.9 – Exemplos de gambiarra, com autoria desconhecida, que circulam pela internet. 12 3.3. Método paradigmático Tal método faz expediente das formas análogas, do discurso indireto e das releituras de uma obra paradigmática. As principais formas utilizadas são a paródia, a tradução e a contradição para obter a transposição (de um meio a outro), transcodificação (reconstrução simbólica) e a transcriação (tradução livre). Como exemplo, temos a tradução do estilo popularesco do tecido de chita (aqui como paradigma) para o universo da alta costura, realizado por alguns estilistas nacionais. Já a luminária de Ingo Maurer funciona como exemplo de transposição (translado de um meio à outro), por tomar uma rede de pescador como paradigma formal. Fig. 10 – Luminária Lacrime del Pescatore, de Ingo Maurer. Fonte: Divulgação. Dados estes exemplos dentro dos métodos heurísticos de criação, é possível verificar que os produtos não falam por si sós: eles “são inseridos dentro de um processo de comunicação que lhes dá significado. Os produtos são, portanto, veículos de interação social” (BURDEK, 2006, p.239). 13 Na comunicação, as informações não são transmitidas, mas construídas a partir do repertório e da percepção do criador e do usuário, ou receptor; desse modo, é sempre interpretação, pois utiliza- se de convenções e experiências anteriores. O Design está inserido no processo de comunicação e por isso deve atentar para os métodos e formas de projetar distintos, de acordo com os contextos que almeja atingir. Sendo esta uma ciência interdisciplinar, é possível fazer uma aproximação entre Pareyson e C. Alexander (1964 APUD BÜRDEK, 2006). De acordo com o primeiro, o próprio material da criação vai trazendo à tona as soluções, as ideias: os limites aparecem no processo de execução. Já para o segundo, o contexto sugere a forma que sugere a solução.Temos então o seguinte diagrama: PAREYSON: LIMITES DO MATERIAL � MENTE � SOLUÇÃO ALEXANDER: LIMITES DO CONTEXTO � FORMA � SOLUÇÃO Ressalvando a possibilidade de criação de contextos (pelo marketing), é possível concluir, a partir do paralelo instituído, que não existe uma única forma de projetar: deve-se buscar o melhor método para um determinado problema/contexto. E portanto, é imperativo compreender efetivamente qual é o problema. Também Bürdek (2006) concorda ao dizer que “o repertório metodológico a ser utilizado depende da complexidade do problema. Por isso, é necessária uma distância crítica da metodologia.” A resolução de problemas no design é parte inerente do projeto. É possível identificar dois tipos de método de resolução de problemas usados: o moderno, funcionalista, que pregava a solução dedutiva (“como um ser humano deve sentar em uma cadeira?”); PROBLEMA GERAL → SOLUÇÃO ESPECÍFICA Já a característica do momento pós-moderno é a resolução de problemas através da indução: “quem deve sentar nessa cadeira?” PARA QUEM É ESSE PROJETO ESPECIAL? Resgatando o conceito de que cada ser humano é diferente, além das reinvidicações das minorias (pontuadas em A identidade cultural na pós-modernidade, de Stuart Hall), os designers passaram a projetar para as pessoas e não para o ser humano ideal. A interrogação sobre o método de produção e criação se configura atualmente da seguinte forma: “COMO É FEITO?” → “O QUE SIGNIFICA PARA NÓS?” 14 Conclusão Este trabalho apresenta o processo criativo como o momento estratégico do Design, capaz de “revelar o caráter de inovação sobre o de conservação, como forma de manifestação da criatividade estética” (TAVARES; PLAZA, 1998, p.87). Para tanto é necessária a conceituação de criatividade, com especial enfoque na intuição: “empregada como uma opção para ampliar a gama de dados e relações no processo de criação, seja em um projeto de design ou qualquer atividade que necessite de reflexão para a invenção de algo” (PANTALEÃO, 2008). Criar o novo a partir do processo criativo parece ser o caminho mais fértil para a inovação dos processos, e logo dos produtos, em design. Para isso, os métodos heurísticos de criação se mostram promissores na fase projetual, aliados ao repertório capaz de revalorizar e retransmitir tecnologias e identidades culturais, provocando mudança e qualidade de vida para os usuários. Porém, o uso dos métodos depende da complexidade do problema e este depende do contexto inserido. A originalidade tão almejada no projeto advém do repertório e dos contextos (social, cultural, econômico) do designer e seus colaboradores (lembrando que o design é uma atividade interdisciplinar). O produto é validado quando encontra ressonância nos usuários, que podem requalificá-lo, interpretá-lo (o design acontece de fato durante o uso do objeto ou ambiente projetado). O projeto, portanto, deve resultar da batalha criativa que uniu intuição e intelecto a partir das referências do designer e da sociedade, para então expressar esteticamente um produto não apenas possível, utilizável, mas que valha a pena ser usado, por ampliar os limites de representação do nosso mundo. Referências Bibliográficas BELLUZZO, Gisela. Acaso e experimentação nos processos de criação: aproximações entre a arte moderna e o design contemporâneo. Revista Arcos Design 6, Vol. 5, nº 1. Rio de Janeiro: julho 2010. BONSIEPE, Gui e FERNANDEZ, Silvia. Historia del diseño en América Latina e El Caribe. São Paulo: Edgard Blücher, 2008. FLÜSSER, V. About the word Design. In: The shape of thing: a philosophy of design. London, Reaktion Books, 1999. LÖBACH, Bernd. Design Industrial: bases para a configuração dos produtos. São Paulo: Edgard Blücher, 2001. 15 MUNARI, B. Das Coisas Nascem Coisas. São Paulo: Martins Fontes, 2008. PANTALEÃO, Lucas. Criatividade e Inovação: Intuição e Acaso em Arte e Design. 18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 21 a 26/09/2009 - Salvador, Bahia. PANTALEÃO, Lucas. A intuição e o acaso no processo criativo: questões de metodologia para a inovação em design. 5º congresso internacional de pesquisa em Design. 10-12 out. 2009. Bauru. PLAZA, J. Tradução Intersemiótica. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. PLAZA, J.; TAVARES, M. Processos Criativos com os Meios Eletrônicos: Poéticas Digitais. São Paulo: Hucitec, 1998. REIL, Georg; SCHEURING Kathy. Sound Machine. Vídeo para a University of applied sciences Würzburg-Schweinfurt. Janeiro 2010. Disponível em <http://vimeo.com/10173262>. Acesso em 10 dez. 2010. SANTOS, Rodrigo Gonçalves dos. Design e fenomenologia: pensando o método por meio de uma leitura sobre experiência, vivência e intuição. Anais do 8º Congresso Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento em Design. 8-11 out. 2008. AEND: São Paulo. TAVARES, Monica. Processo Criativo e Metodologia. Curso de pós-graduação da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Ago. a dez. de 2010. Notas de aula.
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