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Ontologia_Contemporanea

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Convite à Filosofia 
De Marilena Chaui 
Ed. Ática, São Paulo, 2000. 
Unidade 6 
A metafísica 
Capítulo 4 
A ontologia contemporânea 
A herança kantiana
 
Após a solução kantiana para o problema da metafísica, esta não mais retornou à antiga 
concepção de conhecimento da realidade em si, mas caminhou no sentido inaugurado 
por Kant, conhecido como idealismo. 
Por que idealismo? 
Vimos que a Filosofia (na Antiguidade, na Idade Média e na Modernidade) era realista, 
isto é, partia da afirmação de que a realidade ou o Ser existem em si mesmos e que, 
enquanto tais, podem ser conhecidos pela razão humana. Vimos também que o realismo 
clássico ou moderno introduzira uma mudança no realismo antigo e medieval, pois 
exigira que, antes de iniciar uma investigação metafísica da realidade, fosse respondida a 
questão: “Podemos conhecer a realidade?”. 
Em outras palavras, exigira que a teoria do conhecimento antecedesse a metafísica. 
Vimos, a seguir, o resultado dessa exigência: David Hume demonstrando que o conteúdo 
da metafísica são apenas nossas idéias e que estas são nomes gerais atribuídos aos 
hábitos psicológicos de associar os dados da sensação e da percepção. O sentimento 
subjetivo ou psicológico de regularidade, constância e freqüência de nossas impressões 
são transformados em entidades metafísicas que, na verdade, não existem. 
Kant completou a trajetória moderna, mas com duas inovações fundamentais: em 
primeiro lugar, transformou a própria teoria do conhecimento em metafísica, ao afirmar 
que esta investiga as condições gerais da objetividade, isto é, do conhecimento universal 
e necessário dos fenômenos e, em segundo lugar, demonstrou que o sujeito do 
conhecimento não é, como pensara Hume, o sujeito psicológico individual, mas uma 
estrutura universal, idêntica para todos os seres humanos em todos os tempos e lugares, 
e que é a razão, como faculdade a priori de conhecer ou o Sujeito Transcendental. 
Nunca saberemos o que é e como é a realidade em si mesma, separada e independente 
de nós. Conhecemos apenas a realidade como fenômeno, isto é, organizada pelo sujeito 
do conhecimento segundo as formas do espaço e do tempo e segundo os conceitos do 
entendimento. A realidade conhecível e conhecida é aquela posta pela objetividade 
estabelecida pela razão ou pelo Sujeito Transcendental. 
O que é a objetividade? O que é fenômeno? O que é a realidade enquanto objeto ou 
fenômeno? É a realidade estruturada pelas idéias produzidas pelo sujeito. Por isso a 
m etafísica se torna idealista ou um idealism o. O conhecimento não vem das coisas 
para a consciência, mas vem das idéias da consciência para as coisas. 
A história da metafísica foi sempre o trabalho filosófico para responder a duas perguntas: 
O que é aquilo que existe? Como podemos conhecer aquilo que existe? Duas foram as 
respostas: a realista, cujo exemplo mais acabado foi a metafísica de Aristóteles ou o 
estudo do “Ser enquanto Ser”; e a idealista, cujo exemplo mais acabado foi a críticai da 
razão teórica e prática de Kant. 
A contribuição da fenomenologia de Husserl
 
Quando estudamos a teoria do conhecimento, vimos que o filósofo alemão Husserl 
trouxe, no início do século passado, uma nova abordagem do conhecimento a que deu o 
nome de fenomenologia. Essa abordagem, como veremos agora, teve conseqüências 
para a metafísica. 
Segundo Husserl, a fenomenologia está encarregada, entre outras, de três tarefas 
principais: separar psicologia e filosofia, manter o privilégio do sujeito do conhecimento 
ou consciência reflexiva diante dos objetos e ampliar/renovar o conceito de fenômeno. 
Separação entre psicologia e filosofia 
No final do século XIX e no início do século XX, muitos pensadores julgaram que a 
psicologia tomaria o lugar da teoria do conhecimento e da lógica e, portanto, da Filosofia. 
Na opinião deles, a ciência positiva do psiquismo seria suficiente para explicar as causas 
das formas de conhecimento e das demonstrações, sem necessidade de investigações 
filosóficas. 
Husserl, porém, veio demonstrar o equívoco de tal opinião. 
A psicologia, diz ele, como toda e qualquer ciência, estuda e explica fatos observáveis, 
mas não pode oferecer os fundamentos de tais estudos e explicações, pois esses cabem 
à Filosofia. 
A psicologia explica, por meio de observações e de relações causais, fatos mentais e 
comportamentais, isto é, os mecanismos físicos, fisiológicos e psíquicos que nos fazem 
ter sensações, percepções, lembranças, pensamentos ou que nos permitem realizar 
ações pelas quais nos adaptamos ao meio ambiente. A Filosofia, porém, difere da 
psicologia, porque investiga o que é o físico, o fisiológico, o psíquico, o comportamental. 
Em outras palavras, não explica fatos mentais e de comportamento, mas descreve as 
essências da vida física e psíquica. 
Tomemos um exemplo. 
Quando um psicólogo estuda a percepção, procura distinguir dois tipos de fatos: os fatos 
externos observáveis, a que dá o nome de estímulos (luz, calor, cor, forma dos objetos, 
distância, etc.), e os fatos internos indiretamente observáveis, a que dá o nome de 
respostas. Divide o fato perceptivo em estímulos externos e internos (o que acontece no 
sistema nervoso e no cérebro) e em respostas internas e externas (as operações do 
sistema nervoso e o ato sensorial de sentir ou perceber alguma coisa). 
Quando um filósofo estuda a percepção, procede de modo muito diferente. Começa 
perguntando: “O que é a percepção?”, diferentemente do psicólogo, que parte da 
pergunta: “Como acontece uma percepção?”. 
O que é a percepção? Antes de tudo, é um modo de nossa consciência relacionar-se com 
o mundo exterior pela mediação de nosso corpo. Em segundo lugar, é um certo modo de 
a consciência relacionar-se com as coisas, quando as toma como realidades quantitativas 
(cor, sabor, odor, tamanho, forma, distâncias, agradáveis, desagradáveis, dotadas de 
fisionomia e de sentido, belas, feias, diferentes umas das outras, partes de uma 
paisagem, etc.). A percepção é uma vivência. Em terceiro lugar, essa vivência é uma 
forma de conhecimento dotada de estrutura: há o ato de perceber (pela consciência) e 
há o correlato percebido (a coisa externa); a característica principal do percebido é a de 
oferecer-se por faces, por perfis ou perspectivas, como algo interminável, que nossos 
sentidos nunca podem apanhar de uma só vez e de modo total. 
O que é a percepção? Ou, em outras palavras, qual é a essência da percepção? É uma 
vivência da consciência, um ato, cujo correlato são qualidades percebidas pela mediação 
de nosso corpo; é um modo de estarmos no mundo e de nos relacionarmos com a 
presença das coisas diante de nós, é um modo diferente, por exemplo, da vivência 
imaginativa, da vivência reflexiva, etc. 
A psicologia nos diz que há percepção e nos oferece uma explicação causal para ela, mas 
não pode nos dizer o que é a percepção, pois para isso precisaria conhecer a essência da 
própria consciência. 
Manutenção do privilégio do sujeito do conhecimento 
Conservando-se fiel à tradição moderna e kantiana, Husserl privilegia a consciência 
reflexiva ou o sujeito do conhecimento, isto é, afirma que as essências descritas pela 
Filosofia são produzidas ou constituídas pela consciência, enquanto um poder para dar 
significação à realidade. 
A consciência de que fala o filósofo não é, evidentemente, aquela de que fala o psicólogo. 
Para este, a consciência é o nome dado a um conjunto de fatos externos e internos 
observáveis e explicados causalmente. A consciência a que se refere o filósofo é o sujeito 
do conhecimento, como estrutura e atividade universal e necessária do saber. É a 
Consciência Transcendental ou o Sujeito Transcendental. 
Qual é o poder da consciência reflexiva? O de constituir ou criar as essências, pois estas 
nada mais são do que as significações produzidas pela consciência, enquanto umpoder 
universal de doação de sentido ao mundo. 
A consciência não é uma coisa entre as coisas, não é um fato observável, nem é, como 
imaginava a metafísica, uma substância pensante ou uma alma, entidade espiritual. A 
consciência é uma pura atividade, o ato de constituir essências ou significações, dando 
sentido ao mundo das coisas. Estas – ou o mundo como significação – são o correlato da 
consciência, aquilo que é visado por ela e dela recebe sentido. Não sendo uma coisa nem 
uma substância, mas puro ato, a consciência é uma forma: é sempre consciência de. 
O ser ou essência da consciência é o de ser sempre consciência de , a que Husserl dá o 
nome de intencionalidade. 
A consciência é um ato intencional e sua essência é a intencionalidade, ou o ato de visar 
as coisas, dando-lhes significação. O mundo ou a realidade é o correlato intencional da 
consciência. Assim, por exemplo, perceber é o ato intencional da consciência, o percebido 
é o seu correlato intencional e a percepção é a unidade interna e necessária entre o ato e 
o correlato, entre o perceber e o percebido. É por esse motivo que, conhecendo a 
estrutura intencional ou a essência da consciência, se pode conhecer a essência da 
percepção (ou da imaginação, da memória, da reflexão, etc.). 
Ampliação/renovação do conceito de fenômeno 
Desde Kant, fenômeno indicava aquilo que, do mundo externo, se oferece ao sujeito do 
conhecimento, sob as estruturas cognitivas da consciência (isto é, sob as formas do 
espaço e do tempo e sob os conceitos do entendimento). No entanto, o filósofo Hegel 
ampliou o conceito de fenômeno, afirmando que tudo o que aparece só pode aparecer 
para uma consciência e que a própria consciência mostra-se a si mesma no 
conhecimento de si, sendo ela própria um fenômeno. Por isso, foi Hegel o primeiro a usar 
a palavra fenomenologia, para com ela indicar o conhecimento que a consciência tem de 
si mesma através dos demais fenômenos que lhe aparecem. 
Husserl mantém o conceito kantiano e hegeliano, mas amplia ainda mais a noção de 
fenômeno. Para compreendermos essa ampliação precisamos considerar a crítica que 
endereça a Kant e a Hegel. 
Kant equivocou-se ao distinguir fenômeno e nôumeno, pois, com essa distinção, manteve 
a velha idéia metafísica da realidade em si ou do “Ser enquanto Ser”, mesmo que 
dissesse que não a podíamos conhecer. Hegel, por sua vez, aboliu a diferença entre a 
consciência e o mundo, porque dissera que este nada mais é do que o modo como a 
consciência se torna as próprias coisas, torna-se mundo ela mesma, tudo sendo 
fenômeno: fenômeno interior – a consciência – e fenômeno exterior – o mundo como 
manifestação da consciência nas coisas. 
Contra Kant, Husserl afirma que não há nôumeno, não há a “coisa em si” incognoscível. 
Tudo o que existe é fenômeno e só existem fenômenos. Fenômeno é a presença real de 
coisas reais diante da consciência; é aquilo que se apresenta diretamente, “em pessoa”, 
“em carne e osso”, à consciência. 
Contra Hegel, Husserl afirma que a consciência possui uma essência diferente das 
essências dos fenômenos, pois ela é doadora de sentido às coisas e estas são receptoras 
de sentido. A consciência não se encarna nas coisas, não se torna as próprias coisas, 
mas dá significação a elas, permanecendo diferente delas. 
O que é o fenômeno? É a essência. 
O que é a essência? É a significação ou o sentido de um ser, sua idéia, seu eidos. A 
Filosofia é a descrição da essência da consciência (de seus atos e correlatos) e das 
essências das coisas. Por isso, a Filosofia é uma eidética – descrição do eidos ou das 
essências. Como o eidos ou essência é o fenômeno, a Filosofia é uma fenomenologia. 
Os fenômenos ou essências
 
Fenômeno não são apenas as coisas materiais que percebemos, imaginamos ou 
lembramos cotidianamente, porque são parte de nossa vida. Também não são, como 
supunha Kant, apenas as coisas naturais, estudadas pelas ciências da Natureza (física, 
química, biologia, astronomia, geologia, etc.). Fenômeno são também coisas puramente 
ideais ou idealidades, isto é, coisas que existem apenas no pensamento, como os entes 
estudados pela matemática (figuras geométricas, números, operações algébricas, 
conceitos como igualdade, diferença, identidade, etc.) e pela lógica (como os conceitos 
de universalidade, particularidade, individualidade, necessidade, contradição, etc.). 
Além das coisas materiais, naturais e ideais, também são fenômenos as coisas criadas 
pela ação e pela prática humanas (técnicas, artes, instituições sociais e políticas, crenças 
religiosas, valores morais, etc.). Em outras palavras, os resultados da vida e da ação 
humanas – aquilo que chamamos de Cultura – são fenômenos, isto é, significações ou 
essências que aparecem à consciência e que são constituídas pela própria consciência. 
A fenomenologia é a descrição de todos os fenômenos, ou eidos ou essências, ou 
significação de todas estas realidades: materiais, naturais, ideais, culturais. 
Ao ampliar o conceito de fenômeno, Husserl propôs que a Filosofia distinguisse diferentes 
tipos de essências ou fenômenos e que considerasse cada um deles como manifestando 
um tipo de realidade diferente, um tipo de ser diferente. Falou, assim, em regiões do 
ser: a região Consciência, a região Natureza, a região Matemática, a região Arte, a 
região História, a região Religião, a região Política, a região Ética, etc. Propôs que a 
Filosofia investigasse as essências próprias desses seres ou desses entes, criando 
ontologias regionais. 
Com essa proposta, Husserl fazia com que a metafísica do “Ser enquanto Ser” e a 
metafísica das substâncias (Deus, alma, mundo; infinito, pensante, extensa) cedessem 
lugar ao estudo do ser diferenciado em entes dotados de essências próprias e irredutíveis 
uns aos outros. Esse estudo seria a ontologia sob a forma de ontologias regionais. 
Ôntico e ontológico
 
Vimos que a palavra ontologia deriva do particípio presente do verbo einai (ser), isto é, 
de on (ente) e onta (entes), dos quais vêm o substantivo to on: o Ser. 
O filósofo alemão Heidegger propõe distinguir duas palavras: ôntico e ontológico. 
Ôntico se refere à estrutura e à essência própria de um ente, aquilo que ele é em si 
mesmo, sua identidade, sua diferença em face de outros entes, suas relações com outros 
entes. Ontológico se refere ao estudo filosófico dos entes, à investigação dos conceitos 
que nos permitam conhecer e determinar pelo pensamento em que consistem as 
modalidades ônticas, quais os métodos adequados para o estudo de cada uma delas, 
quais as categorias que se aplicam a cada uma delas. Em resumo: ôntico diz respeito aos 
entes em sua existência própria; ontológico diz respeito aos entes tomados como objetos 
de conhecimento. Como existem diferentes esferas ou regiões ônticas, existirão 
ontologias regionais que se ocupam com cada uma delas. 
Em nossa experiência cotidiana, distinguimos espontaneamente cinco grandes estruturas 
ônticas: 
1. os entes materiais naturais que chamamos de coisas reais (frutas, árvores, pedras, 
rios, estrelas, areia, o Sol, a Lua, metais, etc.); 
2. os entes materiais artificiais a que também chamamos de coisas reais (nossa casa, 
mesas, cadeiras, automóveis, telefone, computador, lâmpadas, chuveiro, roupas, 
calçados, pratos, talheres, etc.); 
3. os entes ideais, isto é, aqueles que não são coisas materiais, mas idéias gerais, 
concebidas pelo pensamento lógico, matemático, científico, filosófico e aos quais damos o 
nome de idealidades (igualdade, diferença, número, raiz quadrada, círculo, conjunto, 
classe, função, variável, freqüência, animal, vegetal, mineral, físico, psíquico, matéria, 
energia, etc.); 
4. os entes que podem ser valorizados positiva ou negativamente e aos quais damos o 
nome de valores (beleza, feiúra, vício, virtude, raro, comum, bom, mau, justo, injusto, 
difícil, fácil, possível, impossível,verdadeiro, falso, desejável, indesejável, etc.); 
5. os entes que pertencem a uma realidade diferente daquela a que pertencem as coisas, 
as idealidades e os valores e aos quais damos o nome de metafísicos (a divindade ou o 
absoluto; a identidade e a alteridade; o mundo como unidade, a relação e diferenciação 
de todos os entes ou de todas as estruturas ônticas, etc.). 
Como passamos da experiência ôntica à investigação ontológica? Quando aquilo que faz 
parte de nossa vida cotidiana se torna problemático, estranho, confuso: quando somos 
surpreendidos pelas coisas e pelas pessoas, porque acontece algo inesperado ou 
imprevisível; quando desejamos usar certas coisas e não sabemos como lidar com elas; 
enfim, quando o significado costumeiro das coisas, das ações, dos valores ou das 
pessoas perde sentido ou se mostra obscuro e confuso, ou quando o que nos foi dito, 
ensinado e transmitido sobre eles já não nos satisfaz e queremos saber mais e melhor. 
Podemos, então, perguntar: O que é isso que chamamos de coisa real (coisas naturais e 
coisas artificiais ou culturais)? Diremos que uma coisa é chamada real porque pertence a 
um conjunto de entes que possuem em comum a mesma estrutura ontológica: são entes 
que existem fora de nós, estão no mundo diante de nós, isto é, são um ser; são entes 
que existem quer nós os percebamos ou não, quer nós os usemos ou não; estão 
presentes no mundo, mesmo que não estejam presentes para nós, pois podem estar 
presentes para todos ou ficar presentes para nós em algum momento, isto é, são uma 
realidade; são entes que começam a existir e podem desaparecer, mesmo que seu 
desaparecimento seja muito mais lento do que o nosso, são entes que duram e possuem 
duração, isto é, são temporais; são entes que se transformam no tempo, são 
produzidos pela ação de outros e produzem outros, obedecendo a certos princípios, isto 
é, são causas e efeitos, são causalidades. Ser, realidade, temporalidade e causalidade 
são conceitos ontológicos, que descrevem a essência dos entes chamados “coisas”. 
No caso dos entes ideais, os conceitos ontológicos são bastante diferentes. Em primeiro 
lugar, tais entes não são coisas reais – este cavalo é uma coisa real, mas a idéia do 
cavalo não é uma coisa, é um conceito e existe apenas como conceito. Em segundo 
lugar, não causam uns aos outros, mas são entes que possuem uma definição própria, 
podendo relacionar-se com outros – a idéia de homem não causa a de cavalo, mas 
podem relacionar-se quando o historiador, por exemplo, mostra a diferença entre 
sociedades cujo exército só possui a infantaria e aquelas que inventaram a cavalaria; um 
círculo não causa um triângulo, mas podemos inscrever triângulos num círculo para 
demonstrar um teorema ou resolver um problema. São, portanto, entes relacionais, 
mas não são regidos pelo conceito de causalidade. Em terceiro lugar, não existem do 
mesmo modo que as coisas, isto é, não começam a existir, transformam-se e 
desaparecem – um triângulo, uma inferência, a idéia de vegetal não nascem nem 
morrem, são intemporais. Idealidade, relação e intemporalidade são os conceitos 
ontológicos para os entes ideais. 
No caso dos entes que são valores, os conceitos ontológicos principais que os descrevem 
essencialmente são a qualidade (um valor pode ser negativo ou afirmativo) e a 
polaridade ou oposição (os valores sempre se apresentam como pares de opostos: 
bom-mau, belo-feio, justo-injusto, verdadeiro-falso, etc.). 
Observemos que o sentido das coisas naturais muda com a mudança dos conhecimentos 
científicos, assim como muda o sentido dos entes ideais (o que os gregos entendiam por 
número não é o que a matemática moderna entende por número, por exemplo). No caso 
dos entes reais artificiais, isto é, das coisas produzidas pelo homem com as técnicas e as 
artes, a mudança não é apenas de sentido, mas das próprias coisas – entes técnicos 
ficam obsoletos e caem em desuso quando outros, mais sofisticados, são produzidos. O 
sentido dos valores também muda nas diferentes sociedades e épocas: o que era 
inaceitável numa sociedade ou numa época pode tornar-se aceitável e desejável noutra 
ou vice-versa. 
Se considerarmos os entes na perspectiva dos seres humanos, diremos que todos os 
entes – naturais, artificiais, idéias, valores, metafísicos – são entes culturais e históricos, 
submetidos ao tempo, à mudança, pois seu sentido – sua essência – muda com a 
Cultura. No entanto, podemos observar também que as categorias ontológicas (ser, 
realidade, causalidade, temporalidade, idealidade, intemporalidade, relação, diferença, 
qualidade, quantidade, polaridade, oposição, etc.) permanecem, ainda que mudem seus 
objetos. Assim, por exemplo, a ciência física pode oferecer uma explicação inteiramente 
nova para o fenômeno da percepção das cores. Contudo, a existência da luz, da cor, da 
percepção das coisas coloridas permanece e é a essa permanência que se refere a 
ontologia. Uma sociedade pode considerar o homossexualismo masculino um valor 
positivo (como foi o caso da sociedade grega antiga) ou um valor negativo (como na 
sociedade inglesa vitoriana, do século XIX), mas o ato de valorar positiva ou 
negativamente alguma ação permanece e é essa permanência que interessa à ontologia. 
A nova ontologia: nem realismo, nem idealismo
 
Filósofos que vieram após Husserl e adotaram suas idéias desenvolveram a nova 
ontologia. Entre esses filósofos, dois merecem especial destaque: Martin Heidegger e o 
francês Maurice Merleau-Ponty. Ambos modificaram várias das idéias de Husserl e 
esforçaram-se para liberar a ontologia do velho problema deixado pela metafísica, qual 
seja, o dilema do realismo e do idealismo, dilema que Husserl resolvera em favor do 
idealismo pelo papel preponderante que dera à consciência ou ao sujeito do 
conhecimento. 
Qual o dilema posto pelo realismo e pelo idealismo? 
O realismo afirma que, se eliminarmos o sujeito e a consciência, restam as coisas em si 
mesmas, a realidade verdadeira, o ser em si. 
O idealismo, ao contrário, afirma que se eliminarmos as coisas ou o nôumeno, resta a 
consciência ou o sujeito que, através das operações do conhecimento, põe a realidade, o 
objeto. 
Heidegger e Merleau-Ponty afirmam que as duas posições estão equivocadas e que são 
“erros gêmeos”, cabendo à nova ontologia superá-los, isto é, resolver o problema 
Heráclito-Parmênides, Platão-Aristóteles, medievais e modernos, Kant e Husserl. Como 
resolver um problema milenar como esse e que é, afinal, a própria história da metafísica 
e da ontologia? 
Dizem os dois filósofos: se eliminarmos a consciência, não sobra nada, pois as coisas 
existem para nós, isto é, para uma consciência que as percebe, imagina, que delas se 
lembra, nelas pensa, que as transforma pelo trabalho, etc. Se eliminarmos as coisas, 
também não resta nada, pois não podemos viver sem o mundo nem fora dele; não 
somos os criadores do mundo e sim seus habitantes. 
Damos sentido ao mundo, transformamos as coisas, criamos utensílios, obras de arte, 
instituições sociais, mas não criamos o próprio mundo. Sem a consciência, não há mundo 
para nós. Sem o mundo, não temos como conhecer nem agir. Um mundo sem nós será 
tudo quanto se queira, menos o que entendemos por realidade. Uma consciência sem o 
mundo será tudo quanto se queira, menos consciência humana. 
A nova ontologia parte da afirmação de que estam os no m undo e de que o m undo é 
m ais velho do que nós (isto é, não esperou o sujeito do conhecimento para existir), 
mas, simultaneamente, de que somos capazes de dar sentido ao mundo, conhecê-lo e 
transformá-lo. 
Não somos uma consciência reflexiva pura, mas uma consciência encarnada num corpo. 
Nosso corpo não é apenas uma coisa natural, tal como a física, a biologia e a psicologia o 
estudam, mas é um corpo humano, isto é, habitado e animado por uma consciência. Não 
somos pensamento puro, poissomos um corpo. Não somos uma coisa natural, pois 
somos uma consciência. 
O mundo não é um conjunto de coisas e fatos estudados pelas ciências segundo relações 
de causa e efeito e leis naturais. Além do mundo como conjunto racional de fatos 
científicos, há o mundo como lugar onde vivemos com os outros e rodeados pelas coisas, 
um mundo qualitativo de cores, sons, odores, figuras, fisionomias, obstáculos, um 
mundo afetivo de pessoas, lugares, lembranças, promessas, esperanças, conflitos, lutas. 
Somos seres temporais – nascemos e temos consciência da morte. Somos seres 
intersubjetivos – vivemos na companhia dos outros. Somos seres culturais – criamos a 
linguagem, o trabalho, a sociedade, a religião, a política, a ética, as artes e as técnicas, a 
filosofia e as ciências. 
O que é, pois, a realidade? É justamente a existência do mundo material, natural, ideal, 
cultural e a nossa existência nele. A realidade é o campo formado por seres ou entes 
diferenciados e relacionados entre si, que possuem sentido em si mesmos e que também 
recebem de nós outros e novos sentidos. A realidade ou o Ser não é o Objeto-Coisa, sem 
a consciência. Mas, também, não é o Sujeito-Consciência, sem as coisas e os outros. A 
realidade ou o Ser é o cruzamento e a diferenciação entre o sensível e o inteligível, entre 
o material-natural e o ideal-cultural, entre o qualitativo e o quantitativo, entre o fato e o 
sentido, entre o psíquico e o corporal, etc. 
O que estuda a ontologia? Os entes ou seres antes que sejam investigados pelas 
ciências, e depois que se tornaram enigmáticos para nossa vida cotidiana. Em outras 
palavras, os entes ou os seres antes de serem transformados em conceitos das ciências e 
depois que nossa experiência cotidiana sofreu o espanto, a admiração e o estranhamento 
de que eles sejam como nos parecem ser, ou não sejam o que nos parecem ser. 
A ontologia estuda as essências antes que sejam fatos da ciência explicativa e depois que 
se tornaram estranhas para nós. 
Digo, por exemplo, “Vejo esta casa vermelha, próxima da azul”. A ontologia indaga: O 
que é ver, qual a essência da visão? O que é uma casa ou qual a essência da habitação? 
Que é vermelho ou azul ou qual é a essência da cor? Que é ver cores? O que é a cor? 
Pergunto, por exemplo, “Que horas são?”. A ontologia indaga: O que é o tempo? Qual a 
essência da temporalidade? 
Pedro fala: “A cidade já está perto”. A ontologia indaga: O que é o espaço? Qual é a 
essência da espacialidade? Que é perto e longe? Que é distância? 
Antônio diz a Paulo: “Aquelas duas árvores são idênticas, mas a terceira é diferente”. A 
ontologia indaga: O que é identidade? E a diferença? O que é “duas” e “terceira”? Ou 
seja, o que é o número? 
Ana me diz: “Ouvi uma música belíssima, não essa coisa feia que você está escutando”. 
A ontologia indaga: O que é a beleza e a feiúra? Existem o belo em si e o feio em si, ou 
beleza e feiúra são avaliações e valores que atribuímos às coisas? O que é um valor? 
Cecília conta a Joana: “Pedro realizou um ato generoso, protegendo a criança, mas 
Eugênia foi egoísta ao não ajudá-lo”. A ontologia indaga: O que é a generosidade ou o 
egoísmo? Existem em si e por si mesmos ou são avaliações que fazemos das ações 
humanas? O que é uma virtude? O que é um vício? O que é um valor? 
Como se observa, a ontologia investiga a essência ou sentido do ente físico ou natural, 
do ente psíquico, lógico, matemático, estético, ético, temporal, espacial, etc. Investiga as 
diferenças e as relações entre eles, seu modo próprio de existir, sua origem, sua 
finalidade. O que é o mundo? O que é o eu ou a consciência? O que é o corpo? O que é o 
outro? O que é o espaço-tempo? O que é a linguagem? O que é o trabalho? A religião? A 
arte? A sociedade? A história? A morte? O infinito? Eis as questões da ontologia. 
Recupera-se, assim, a velha questão filosófica: “O que é isto que é?”, mas acrescida de 
nova questão: “Para quem é isto que é?”. Volta-se, pois, a buscar o to on, o Ser ou a 
essência das coisas, dos atos, dos valores humanos, da vida e da morte, do infinito e do 
finito. A pergunta “O que é isto que é?” refere-se ao modo de ser dos entes naturais, 
artificiais, ideais e humanos; a pergunta “Para quem é isto que é?” refere-se ao sentido 
ou à significação desses entes. 
Tomemos um exemplo para nos ajudar a compreender o modo de pensar da ontologia. 
Acompanhemos, brevemente, o estudo de Merleau-Ponty sobre a essência ou o ser do 
tempo e a essência ou o ser do nosso corpo. 
O que é o tempo? 
Estamos acostumados a considerar o tempo como uma linha reta, feita da sucessão de 
instantes, ou como uma sucessão de “agoras” – um “agora” que já foi é o passado, o 
“agora” que está sendo é o presente, um “agora” que virá é o futuro. 
A metafísica realista usa, freqüentemente, a imagem do rio para representar o tempo 
como algo que passa sem cessar: a nascente é o passado, o lugar onde me encontro é o 
presente, a foz é o futuro. Há dois enganos nessa imagem. Em primeiro lugar, trata-se 
de uma imagem espacial para referir-se ao que é temporal, isto é, pretende explicar a 
essência do tempo (o escoamento) usando a essência do espaço (a sucessão de pontos). 
Em segundo lugar, a imagem do rio não corresponde ao escoamento do tempo. Para que 
correspondesse, precisaria estar invertida, pois a água que está na nascente é aquela 
que ainda não passou pelo lugar onde estou e, portanto, ela é, para mim, o futuro e não 
o passado; a água que está na foz é aquela que já passou pelo lugar onde estou e, 
portanto, para mim, é o passado e não o futuro. 
Tentando evitar os enganos do realismo, a metafísica idealista dirá que o tempo é a 
forma do sentido interno, isto é, uma forma criada pelo sujeito do conhecimento ou pela 
consciência reflexiva para organizar a experiência subjetiva da sucessão. O tempo não 
existe, mas é uma identidade produzida pela razão, um conceito subjetivo para 
estruturar o que é experimentado como sucessivo. 
Um novo engano acaba de ser cometido. Se o tempo for uma forma ou um conceito 
produzido pela consciência reflexiva ou pelo sujeito para organizar a sucessão, não 
haverá sucessão a organizar, pois a consciência reflexiva ou o sujeito do conhecimento 
opera sempre e exclusivamente com o que é atual, com o que está dado presentemente 
ao pensamento. Para a reflexão só existe a simultaneidade e a sucessão se reduz a uma 
experiência psicológica ou empírica, ao sentimento de que há um “antes” e um “depois”, 
tais palavras indicando o modo como nos referimos à lembranças e expectativas 
pessoais. 
Indaguemos, porém, o que é vivenciar o próprio tempo. 
Quando vivencio o meu presente, ele se apresenta como uma situação na qual sinto, 
faço, digo, penso coisas, atuo de várias maneiras e tenho experiência de uma situação 
aberta, isto é, na qual muitas coisas são possíveis para mim, muitas coisas podem 
acontecer. Quando rememoro meu passado, percebo que entre ele e o meu presente há 
uma diferença: quando ele era o meu presente, também estava aberto a muitas 
possibilidades, mas somente algumas se realizaram. Por isso, o passado lembrado não é 
uma situação aberta como o presente, mas fechada, terminada. Assim, meu passado não 
é simplesmente o que veio antes do meu presente, mas algo qualitativamente diferente 
do presente: este é aberto, aquele, fechado. 
Quando imagino meu futuro, antevejo, a partir das possibilidades abertas em meu 
presente, como seria se certas possibilidades se concretizassem e se outras não se 
realizassem. Meu futuro não é simplesmente o que vem depois do meu presente, mas 
algo qualitativamente diferente do presente: é o que poderá ser, se as aberturas do meu 
presente se concretizarem e, portanto, se o que, hoje, está aberto ou em suspenso, 
estiver, amanhã, fechado e realizado. 
Meu passado e meu futuro nunca são os mesmos. Cada vez que me lembro domeu 
passado, eu o faço a partir do meu presente e, cada vez, este é diferente, fazendo-me 
recordar de maneiras diversas o que passou. Cada vez que imagino meu futuro, eu o 
faço a partir de meu presente, que, sendo sempre diferente, imagina diferentemente o 
futuro. Não revivo o passado, mas o rememoro tal como sou hoje em meu presente. Não 
vivo o meu futuro, mas o imagino tal como sou hoje em meu presente. O presente é uma 
contração temporal que arranca o passado do esquecimento e abre o futuro para o 
possível. O passado e o futuro são dilatações temporais, distorções do presente. 
Que é lembrar? É captar no contínuo temporal uma diferença real entre o que estou 
vivendo no presente e o que estou vivenciando do passado. Que é esquecer? É perder a 
fisionomia ou o relevo de um momento do passado. Que é esperar? É buscar no contínuo 
temporal uma diferença possível entre o que estou vivendo e o que estou vivenciando 
do futuro. 
O que é o tempo? 
Em primeiro lugar, é um escoamento interno e externo, um fluir contínuo, que vai 
produzindo diferenças dentro de si mesmo. Em segundo lugar, é uma contração e uma 
dilatação de si mesmo, um juntar-se a si mesmo e consigo mesmo (na lembrança) e um 
expandir-se a si mesmo e consigo mesmo (na esperança). O tempo é a produção da 
identidade e da diferença consigo mesmo e, nesse sentido, é uma dimensão do meu ser 
(não estou no tempo, mas sou temporal) e uma dimensão de todos os entes (não estão 
no tempo, mas são temporais). 
O tempo não é um receptáculo de instantes, não é uma linha de momentos sucessivos, 
não é a distância entre um “agora”, um “antes” e um “depois”, mas é o movimento 
interno dos entes para reunirem-se consigo mesmos (o presente como centro que busca 
o passado e o futuro) e para se diferenciarem de si mesmos (o presente como diferença 
qualitativa em face do passado e do futuro). O Ser é tempo. 
O que é nosso corpo? Qual sua essência? 
A física dirá que é um agregado de átomos, uma certa massa e energia, que funciona de 
acordo com as leis gerais da Natureza. A química dirá que é feito de moléculas de água, 
oxigênio, carbono, de enzimas e proteínas, funcionando como qualquer outro corpo 
químico. A biologia dirá que é um organismo vivo, um indivíduo membro de uma espécie 
(animal, mamífero, vertebrado, bípede), capaz de adaptar-se ao meio ambiente por 
operações e funções internas, dotado de um código genético hereditário, que se reproduz 
sexualmente. A psicologia dirá que é um feixe de carne, músculos, ossos, que formam 
aparelhos receptores de estímulos externos e internos e aparelhos emissores de 
respostas internas e externas a tais estímulos, capaz de ter comportamentos 
observáveis. 
Todas essas respostas dizem que nosso corpo é uma coisa entre as coisas, uma máquina 
receptiva e ativa que pode ser explicada por relações de causa e efeito, suas operações 
são observáveis direta ou indiretamente – podendo ser examinado em seus mínimos 
detalhes nos laboratórios, classificado e conhecido. Nosso corpo, como qualquer coisa, é 
um objeto de conhecimento. 
Porém, será isso o corpo que é nosso? 
Meu corpo é um ser visível no meio dos outros seres visíveis, mas que tem a 
peculiaridade de ser um visível vidente: vejo, além de ser vista. Não só isso. Posso me 
ver, sou visível para mim mesma. E posso me ver vendo. 
Meu corpo é um ser táctil como os outros corpos, podendo ser tocado. Mas também tem 
o poder de tocar, é tocante; e é capaz de tocar-se, como quando minha mão direita toca 
a esquerda e já não sabemos quem toca e quem é tocado. 
Meu corpo é sonoro como outros corpos, como os cristais e os metais; pode ser ouvido. 
Mas tem o poder de ouvir. Mais do que isso, pode fazer-se ouvir e pode ouvir-se quando 
emite sons. Do fundo da garganta, passando pela língua e pelos dentes, com os 
movimentos de meus lábios transformo a sonoridade em sentido, dizendo palavras. 
Ouço-me falando e ouço quem me fala. Sou sonora para mim mesma. 
Meu corpo estende a mão e toca outra mão em outro corpo, vê um olhar, percebe uma 
fisionomia, escuta uma outra voz: sei que diante de mim está um corpo que é meu 
outro, um outro humano habitado por consciência e eu o sei porque me fala e, como eu, 
seu corpo produz palavras, sentido. 
Visível-vidente, táctil-tocante, sonoro-ouvinte/falante, meu corpo se vê vendo, se toca 
tocando, se escuta escutando e falando. Meu corpo não é coisa, não é máquina, não é 
feixe de ossos, músculos e sangue, não é uma rede de causas e efeitos, não é um 
receptáculo para uma alma ou para uma consciência: é meu modo fundamental de ser e 
de estar no mundo, de me relacionar com ele e dele se relacionar comigo. Meu corpo é 
um sensível que sente e se sente, que se sabe sentir e se sentindo. É uma interioridade 
exteriorizada e uma exterioridade interiorizada. É esse o ser ou a essência do meu corpo. 
Meu corpo tem, como todos os entes, uma dimensão metafísica ou ontológica. 
 
 
i Kant, como já vimos, emprega a palavra crítica no sentido de condição de possibilidade. 
A crítica da razão é o estudo das condições de possibilidade do conhecimento e da ação 
moral. 
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