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www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito das Defensorias Bernardo Montalvão 1 TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO: UMA BREVE ABORDAGEM EM TORNO DA DOGMÁTICA DAS FONTES DE DIREITO. 1. INTRODUÇÃO. As normas jurídicas não são válidas em si mesmo, pois são vinculadas a um contexto, ou seja, são dependentes da relação da norma com as outras normas do contexto. Ferraz Júnior assenta que o contexto tem de ser reconhecido como uma “relação ou conjunto de relações globais de autoridade”. De uma forma técnica, poder-se-ia dizer que a validade da norma jurídica depende do ordenamento em que está inserida. Com espeque em Ferraz Jr., o ordenamento jurídico brasileiro é o conjunto de todas as suas normas, incluídas aqui todas as espécies classificadas anteriormente. Estão também incluídos no ordenamento os critérios de classificação (como as classificações legais dos bens segundo o artigo 79 e ss. do Código Civil), embora não sejam normas em face da inexistência de uma imposição vinculante e institucionalizada. Encontram-se no ordenamento também as definições (como a definição de doação segundo o Código Civil no artigo 538), os preâmbulos (considerações de ordem valorativa e fática, como o da Constituição de 1988), as exposições oficiais dos motivos (em que o legislador revela as razões pelas quais foram estabelecidas as normas). O conceito de ordenamento é operacionalmente importante para a dogmática jurídica: ele permite a integração das normas num conjunto, dentro do qual é possível identificá-las como normas jurídicas válidas. É um “sistema dinâmico” (Kelsen), que, em oposição ao estático, capta as normas dentro de um processo de transformação contínua. Normas são promulgadas; atuam; são substituídas; são revogadas ou perdem sua atualidade em face de alterações nas situações normatizadas etc. Para dizer se a norma é válida, é necessário integrá-la nesse conjunto sistêmico. 2. O ORDENAMENTO JURÍDICO SEGUNDO KELSEN Para Kelsen, o ordenamento é um sistema unitário, marcado por um princípio que organiza e mantém o conjunto como um todo homogêneo (a norma fundamental). As normas do ordenamento compõem séries escalonadas. No escalão mais alto está a primeira norma da série, de onde todas as demais derivam. A estrutura do ordenamento jurídico, para Kelsen, é piramidal: A sentença é a norma elementar da pirâmide. Kelsen a denomina de “norma específica”. A norma jurídica pode ser genérica ou específica. A sentença é a norma mais específica possível. Acima dela, estão as leis (ordinárias e complementares). Acima das leis, as emendas constitucionais e, acima destas, a Constituição. Registre-se que a Constituição não é a norma fundamental para Kelsen, tampouco é a norma mais importante ou relevante da estrutura piramidal. A norma mais importante para Kelsen é a Norma Fundamental. A www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito das Defensorias Bernardo Montalvão 2 norma fundamental é o princípio que organiza e mantém o ordenamento jurídico como um todo homogêneo. É com base na estrutura piramidal que se pode entender a explicação kelseniana de validade: uma norma vale em relação a outra norma, que a antecede hierarquicamente. Essa relação norma/norma é uma relação de validade (relação sintática). E identificar a validade de uma norma significa verificar sua relação de subordinação em decorrência de outra norma. A sentença é válida porque encontra apoio na norma que lhe é imediatamente superior, a lei. A lei é válida porque está conforme a norma imediatamente superior, as emendas constitucionais. As emendas constitucionais são válidas porque estão conforme uma norma imediatamente superior, a Constituição. Esse tipo de raciocínio, entretanto, levaria a um problema: o de regressão ao infinito. Essa série normativa (de encadeamento de normas) deve encontrar seu fim, isto é, a norma que fundamenta todas as demais. Se para encontrar a validade das normas, é preciso recorrer a uma hierarquia de normas, Kelsen recorre a uma norma básica (grundnorm) acima da própria Constituição, cuja função é outorgar-lhe validade, validando, desta forma, todo o conjunto. A norma fundamental é, portanto, o pressuposto lógico do ordenamento. Lembre-se que, para Kelsen, a explicação do que é norma jurídica e do que é ordenamento jurídico parte do raciocínio que a norma jurídica é um juízo lógico de natureza hipotética. Por isto, pode-se pensar que o ordenamento jurídico também é uma estrutura lógica. E, para que ele preserve sua coerência, acima de todas as normas deve haver uma primeira norma que não possui nenhuma outra norma que a anteceda e que justifique todas as normas que em razão dela existem no ordenamento jurídico. Esse é o pressuposto lógico do ordenamento. Pressuposto porque não é um conteúdo passível de comprovação, mas, sim uma premissa do raciocínio lógico. Do ponto de vista de uma análise empírica, a norma fundamental não existe. A norma fundamental é pura hipótese, desprovida de qualquer conteúdo ético ou empírico. Você não vai encontrá-la em qualquer texto de lei ou na Constituição, pois ela não está escrita em nenhum lugar. Ela é uma pressuposição lógica para que o ordenamento jurídico tenha coerência lógica. Enfim, ela tem forma, mas não conteúdo. A norma fundamental é responsável pela validade de todas as outras normas e possui uma qualidade diferente. Ela não á válida no mesmo sentido das demais. A validade é um conceito relacional para Kelsen (relação norma/norma, em que uma é válida porque está conforme outra que lhe é imediatamente superior) e, por isso, a norma fundamental (ou primeira norma) não pode se relacionar a outra, pois, senão, não seria a primeira. “Se dissermos que a sentença de um juiz (norma individual) repousa sobre as normas gerais de competência e de obrigação, e estas, sobre as normas constitucionais, em que repousa a validade destas? As normas constitucionais, como as demais, são postas por uma autoridade competente, diz ele [Kelsen]”. Para explicar sua validade, precisa-se admitir outra norma que não é posta, visto que não deve exigir outra norma que lhe confira validade. Desta forma, a norma fundamental é pressuposta. Ela prescreve que o “jurista reconheça uma primeira norma posta como fundamento das demais normas postas e que raciocine a partir dela (por exemplo, a norma estabelecida por revolução ou pelo povo ou pela tradição etc.)”. Como consequência, a www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito das Defensorias Bernardo Montalvão 3 norma fundamental possui uma espécie de validade que não é do tipo relacional, mas das condições do próprio pensamento: seria uma condição transcendental do pensar, segundo o próprio Kelsen. 3. ORDENAMENTO JURÍDICO POR BOBBIO E POR HART A pressuposição de Kelsen foi muito criticada por filósofos do direito. A crítica fundamentou- se, sobretudo, na abstração da construção da norma fundamental, ou seja, na falta de explicações de como se daria o pontapé inicial para a construção de um ordenamento jurídico. Isto levou Norberto Bobbio, mais tarde, a afirmar que a explicação de norma fundamental de Kelsen não seria satisfatória. Bobbio observa que Kelsen procura o impossível com uma validadeque não seja relacional e, com isto, propõe que a norma fundamental se identifique com um ato de poder. A norma primeira seria, portanto, posta por um poder fundante da ordem jurídica cuja característica é a efetividade: “ou o poder se impõe ou não é poder fundante e não se terá norma fundamental”. Nesta perspectiva, se qualquer norma é posta, nem toda norma é válida. Um magistrado pode prolatar uma sentença fora de sua competência: houve positivação, mas a norma não é válida. Essa relação entre positividade e validade, entretanto se estreita à medida que se sobe na pirâmide. Ao chegar ao poder constituinte, não haverá mais distância entre norma posta e norma válida, visto que tal poder, ao positivar a norma já a estabelece como válida. Já Herbert Hart, filósofo do direito inglês, propõe explicação diversa de Bobbio e de Kelsen. Ele também concebe o ordenamento jurídico como um sistema dinâmico e unitário, e, para que se possa identificar a validade das demais normas, é necessário que exista uma norma de reconhecimento, isto é, uma norma que permita identificar outras normas como pertencentes ao sistema. Entretanto, a norma de reconhecimento, que deve ser a última da série normativa, não é válida e nem inválida: ela apenas existe. Não é uma condição do pensar (como afirmara Kelsen), já que, se ela existe, ela é usada no âmbito do ordenamento jurídico da sociedade. Do ponto de vista externo (imagine-se um teórico do direito descrevendo o ordenamento jurídico), a norma de reconhecimento seria um dado objetivo: legisladores e magistrados lançariam mão dela como ponto de partida para sua atividade. Do ponto de vista interno (magistrado prolatando uma sentença ou um cidadão cumprindo determinada norma), a norma de reconhecimento é uma regra que se assume. Importante é registrar que existe e existiu grande discussão entre os autores. A norma fundamental é o aspecto mais criticado na doutrina de Kelsen. Sua teoria é demasiado abstrata e se tem grande dificuldade de associá-la ao mundo real. Registre-se ainda que Tércio Sampaio Ferraz Junior não adotou a expressão “ordenamento jurídico” em sua teoria. Ele distingue “ordenamento” de “sistema”. Embora grande parte dos autores utilize “ordenamento” como sinonímia para “sistema jurídico”, não se deve incorrer neste erro. Pode-se admitir “ordenamento” e “sistema” como sinônimos quando se estiver falando de Norberto Bobbio, de Hans Kelsen ou de Miguel Reale. Mas, para Tércio Sampaio, para Niklas Luhmann e para Marcelo Neves, inexiste tal confusão. Para estes últimos, o conceito de ordenamento como sistema não admite uma só hierarquia, mas várias, não existindo, portanto, uma única norma fundamental. É o que se verá a seguir. FERRAZ JR., op. cit., 1994, p. 187. www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito das Defensorias Bernardo Montalvão 4 4. A TEORIA SISTÊMICA DE TÉRCIO (LUHMANN E NEVES) Para Ferraz Jr., “ordenamento” como “conjunto de normas” é uma ideia estática. Pode-se pensar, de um lado, que a ideia da pirâmide adotada por Kelsen seja útil para demonstrar a hierarquia entre as normas jurídicas de um dado ordenamento, mas, de outro, ela pode levar a um grande equívoco, o de sugerir fossilização; ou dificuldade do ordenamento de acompanhar as transformações sociais. O desenho piramidal que Kelsen utiliza sugere que qualquer modificação do ordenamento jurídico suscitaria um processo mais estático, resistente e engessado que numa concepção de sistema que procure representar uma formação mais dinâmica. O que se explica aqui é uma noção de ordenamento de maneira mais dinâmica possível, que consiga acompanhar a velocidade das transformações sociais. É neste intuito que Tércio se utiliza do conceito de sistema, e não de ordenamento. A concepção de sistema tem caráter dinâmico. Embora a expressão “sistema dinâmico” venha de Kelsen, a ideia de sistema permite traçar os contornos necessários ao Direito (se se está ou não diante de uma norma jurídica; ou se sua prescrição é válida etc.), uma vez que “sistema” traz uma noção de “limite” – linha abstrata diferencial que autoriza a identificar o que está dentro ou fora do sistema, bem como o que entra e o que sai dele. A representação gráfica para a noção de sistema é a circular, vez que Tércio, com espeque em Luhmann, afirma que o círculo representaria com mais fidedignidade a dinâmica do sistema, ou seja, a capacidade do sistema de se adaptar às transformações sociais. Além da ideia de alteridade, de circularidade e de constante troca, Alisson Alessandro Mascaro sugere a figura de uma ameba como a representação gráfica que melhor possibilitaria identificar essa capacidade de transformação/mutação em relação ao ambiente em que se encontra o sistema. Ressalte-se que, qualquer que seja a representação gráfica utilizada, o que se deve ter em mente é a capacidade de adaptação às transformações sociais. LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos sistemas. 2ª edição. Tradutor: Ana Cristina Arantes Nasser. Petrópolis: Editora Vozes, 2010, p. FERRAZ JR., p. 188. O sistema mantém-se numa troca constante com o ambiente em que está situado. Tanto o sistema interfere no ambiente, quanto o ambiente interfere no sistema. Isso ocorre de forma constante. A troca entre sistema e ambiente ocorre por meio de duas palavras- chave: abertura normativa e fechamento normativo. O sistema se abre para a informação advinda do ambiente e se fecha para descartar uma parte da informação advinda do ambiente. Em seguida, o sistema seleciona uma parcela da informação oriunda do ambiente e descarta a outra parcela. O sistema não assimila toda a informação oriunda do sistema, pois estaria colocando em jogo sua própria autonomia, sua sobrevivência. Ele assimila a informação para poder se adaptar ao ambiente (em face da mutabilidade do ambiente), mas não assimila o todo. Na acepção de Ferraz Jr., poder-se-ia afirmar que o ordenamento jurídico, além de ser composto por um conjunto de elementos normativos e não-normativos, é também uma www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito das Defensorias Bernardo Montalvão 5 estrutura, ou seja, um conjunto de regras que determinam as relações entre os elementos. É o próprio Tércio que esclarece: “uma sala de aula é um conjunto de elementos, as carteiras, a mesa do professor, o quadro- negro, o giz, o apagador, a porta etc.; mas estes elementos, todos juntos, não formam uma sala de aula, pois pode tratar-se de um depósito da escola; é a disposição deles, uns em relação aos outros, que permite identificar a sala de aula; esta disposição depende de regras de relacionamento; o conjunto destas regras e das relações por ela estabelecidas é a estrutura”. O conjunto dos elementos constitui apenas o repertório. Quando se afirma que a sala de aula é um conjunto de relações (estrutura) e de elementos (repertório), pensa-se nela como um sistema. O sistema é um todo composto por estrutura e repertório. Assim, o ordenamento jurídico é um sistema. A série deve ter um ponto final, senão a subordinação perderia o sentido: pense-se na autoridade que estabeleceu a competência de determinado magistrado para julgar ações de certa matéria. Qual seria a autoridade que estabeleceu a competênciadaquela primeira autoridade pra determinar as competências do magistrado? E assim sucessivamente poder-se-ia chegar ao infinito. O problema, portanto, é explicar como se interrompe a série normativa circular do sistema, tanto regressivamente (a norma-origem) quando progressivamente (decisão final). Isso ocorre por meio da regra de calibração. Através da regra de calibração é que o sistema se ajusta ao ambiente externo. Ela coordena/orienta a substituição de uma série normativa por outra. A expressão vem da cibernética, trata-se de regras de regulagem; de ajustamento de um sistema. Pense-se numa geladeira, cujo controle da temperatura interna é feita por um maquinismo de produção de ar gelado. Esse maquinismo é regulado através do termostato, que permite o mantimento de determinada temperatura. Ocorre que a temperatura de uma geladeira não se mantém estável o tempo inteiro. Fora da geladeira, ou seja, no ambiente, a temperatura pode atingir 30 graus ou pode atingir 10 graus. A geladeira irá trabalhar de acordo com a informação que vem do ambiente. Se a geladeira é aberta diversas vezes durante o dia, o ambiente vai fornecer calor para seu interior no momento em que a porta é aberta (recepção de uma (ou mais) informação advinda do ambiente); quando a porta é fechada, o termostato assimila que precisa mandar um comando para o motor, a fim de que este volte a produzir frio para manter a temperatura desejada. Por outro lado, se a porta da geladeira não é aberta muitas vezes, o comando é que se fique em stand by, ou seja, que o motor cesse de fazer frio, já que se atingiu a temperatura almejada. O termostato é a regra de calibração. Ele vai calibrar o sistema, ajustá-lo ao ambiente externo. Tércio aduz que os sistemas normativos jurídicos “são constituídos primariamente por normas (repertório do sistema) que guardam entre si relações de validade reguladas por regras de calibração (estrutura do sistema)”. Todo sistema atua num ambiente, o sistema social, que é nada mais que a própria vida social, que lhe atribui demandas (sobretudo conflitos que ensejam decisão). Para seu funcionamento, as normas são organizadas por séries hierárquicas de validade, que culminam numa norma-origem. Quando “uma série não dá conta das demandas, o sistema exige uma mudança em seu padrão de funcionamento, o que ocorre pela criação de nova norma-origem e, em consequência, de nova série hierárquica. O que regula esta criação e, portanto, a mudança de padrão, são suas regras de calibração. Graças a elas, o sistema muda de padrão, mas não se desintegra: continua funcionando”. www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito das Defensorias Bernardo Montalvão 6 Observe-se o exemplo dado por Tércio do famoso julgamento havido no Tribunal de Nuremberg após a 2ª Guerra Mundial. Grande dilema dos magistrados à época era o fato de inexistirem normas de Direito Internacional Penal que tipificassem genocídio como crime. Em vigor já estava o princípio nullum crimen nulla poena sine lege (não há crime nem pena sem lei anterior que os definam). Mas como responsabilizar os nazistas pelos crimes ocorridos? O Tribunal definiu “genocídio” como crime contra humanidade e, para escapar ao princípio do nullum crimen, invocou a existência de determinadas exigências fundamentais de vida na sociedade internacional que implicariam a responsabilidade penal dos governantes e dos seus executantes. Em termos sistêmicos, houve uma mudança de padrão: o padrão de funcionamento do ordenamento penal internacional – padrão de legalidade, regido pelo princípio nullum crimen nulla poena sine lege – foi convertido para um padrão de legitimidade, regido pelo princípio de exigências fundamentais de vida na sociedade internacional. Tais princípios são regras de calibração de um sistema normativo. As regras de calibração estatuem relações dinâmicas, surgem e desaparecem a todo momento e têm como fonte a jurisprudência, a doutrina, a política, a moral, a religião etc. Pode-se depreender dos exemplos que o sistema jurídico não possui uma norma fundamental, mas muitas, milhares! Enquanto em Kelsen, há uma norma fundamental (“a” norma fundamental), para Tércio há várias! No Tribunal de Nuremberg, o princípio do nullum crimen constituía uma série normativa regulando o direito penal internacional. Quando se viu a hipótese de impunidade dos criminosos nazistas (informação advinda do ambiente), o Tribunal viu-se obrigado a substituir tal encadeamento por outro tipo de série, o princípio de exigências fundamentais de vida na sociedade internacional. Se não há esta mudança de padrão, o sistema entra em colapso: autodestruição. A regra de calibração traduz-se na tentativa de reajustamento do sistema ao ambiente. Em suma, enquanto sistemas dinâmicos, o ordenamento jurídico possui grande mobilidade: tudo está em movimento, daí a dificuldade de operá-lo. Cabe ao jurista operar essa possibilidade de jogo. É por isso que ele precisa lançar mão de conceitos operacionais dinâmicos, sob pena de os conflitos sociais serem indecidíveis (proibição em face do princípio da vedação ao non liquet). É importante ressaltar, por fim, que não é só o ambiente que interfere no sistema, trazendo- lhe novas informações. Pode haver também interferência de um sistema sobre outro: é o acoplamento estrutural. Por exemplo, o sistema religioso interfere no Direito quando, em relação ao Código Penal, pleiteia pelo mantimento do aborto como crime. Mas cabe ao Direito, por meio de sua estrutura e repertório, regular essa interferência do sistema religioso. Quando um sistema troca informações com o ambiente ou com outro sistema, através de abertura e fechamento normativos, ele está preservando sua própria existência. A isto se dá o nome de autopoiese. Autopoiese é a capacidade do sistema jurídico de produzir suas próprias normas, isto é, a capacidade de se manter vivo e, ao mesmo tempo, de se adaptar, trocando ou se comunicando com o ambiente ou com outro sistema. A base dessas trocas (com o ambiente ou com outro sistema) é a comunicação. Cada sistema possui uma linguagem específica e um código binário específico (lícito/ilícito no caso do Direito). O sistema econômico possui uma linguagem específica e um código binário específico (ter dinheiro/não ter dinheiro). Ao mesmo tempo em que o Direito troca com a Economia ou www.cers.com.br OAB 1ª FASE – XVIII EXAME Filosofia do Direito das Defensorias Bernardo Montalvão 7 com a Religião, e esses trocam com o ambiente, tem-se a estruturação da sociedade. A sociedade é o grande ambiente, dentro do qual há todos esses sistemas interagindo entre si ao mesmo tempo.
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