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152710070715 OAB1FASE TEORIA JUSTICA EX OR

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OAB 1ª FASE – XVIII EXAME 
Filosofia do Direito das Defensorias 
Bernardo Montalvão 
 
1 
TEORIA DO ORDENAMENTO JURÍDICO: 
UMA BREVE ABORDAGEM EM TORNO DA 
DOGMÁTICA DAS FONTES DE DIREITO. 
1. INTRODUÇÃO. 
 
As normas jurídicas não são válidas em si 
mesmo, pois são vinculadas a um contexto, 
ou seja, são dependentes da relação da 
norma com as outras normas do contexto. 
Ferraz Júnior assenta que o contexto tem de 
ser reconhecido como uma “relação ou 
conjunto de relações globais de autoridade”. 
De uma forma técnica, poder-se-ia dizer que 
a validade da norma jurídica depende do 
ordenamento em que está inserida. 
Com espeque em Ferraz Jr., o ordenamento 
jurídico brasileiro é o conjunto de todas as 
suas normas, incluídas aqui todas as 
espécies classificadas anteriormente. Estão 
também incluídos no ordenamento os critérios 
de classificação (como as classificações 
legais dos bens segundo o artigo 79 e ss. do 
Código Civil), embora não sejam normas em 
face da inexistência de uma imposição 
vinculante e institucionalizada. Encontram-se 
no ordenamento também as definições (como 
a definição de doação segundo o Código Civil 
no artigo 538), os preâmbulos (considerações 
de ordem valorativa e fática, como o da 
Constituição de 1988), as exposições oficiais 
dos motivos (em que o legislador revela as 
razões pelas quais foram estabelecidas as 
normas). 
O conceito de ordenamento é 
operacionalmente importante para a 
dogmática jurídica: ele permite a integração 
das normas num conjunto, dentro do qual é 
possível identificá-las como normas jurídicas 
válidas. É um “sistema dinâmico” (Kelsen), 
que, em oposição ao estático, capta as 
normas dentro de um processo de 
transformação contínua. Normas são 
promulgadas; atuam; são substituídas; são 
revogadas ou perdem sua atualidade em face 
de alterações nas situações normatizadas etc. 
Para dizer se a norma é válida, é necessário 
integrá-la nesse conjunto sistêmico. 
2. O ORDENAMENTO JURÍDICO SEGUNDO 
KELSEN 
 
Para Kelsen, o ordenamento é um sistema 
unitário, marcado por um princípio que 
organiza e mantém o conjunto como um todo 
homogêneo (a norma fundamental). As 
normas do ordenamento compõem séries 
escalonadas. No escalão mais alto está a 
primeira norma da série, de onde todas as 
demais derivam. 
A estrutura do ordenamento jurídico, para 
Kelsen, é piramidal: 
 
A sentença é a norma elementar da pirâmide. 
Kelsen a denomina de “norma específica”. A 
norma jurídica pode ser genérica ou 
específica. A sentença é a norma mais 
específica possível. Acima dela, estão as leis 
(ordinárias e complementares). Acima das 
leis, as emendas constitucionais e, acima 
destas, a Constituição. 
Registre-se que a Constituição não é a norma 
fundamental para Kelsen, tampouco é a 
norma mais importante ou relevante da 
estrutura piramidal. A norma mais importante 
para Kelsen é a Norma Fundamental. A 
 
 
 
 
 
 
 
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OAB 1ª FASE – XVIII EXAME 
Filosofia do Direito das Defensorias 
Bernardo Montalvão 
 
2 
norma fundamental é o princípio que organiza 
e mantém o ordenamento jurídico como um 
todo homogêneo. 
É com base na estrutura piramidal que se 
pode entender a explicação kelseniana de 
validade: uma norma vale em relação a outra 
norma, que a antecede hierarquicamente. 
Essa relação norma/norma é uma relação de 
validade (relação sintática). E identificar a 
validade de uma norma significa verificar sua 
relação de subordinação em decorrência de 
outra norma. A sentença é válida porque 
encontra apoio na norma que lhe é 
imediatamente superior, a lei. A lei é válida 
porque está conforme a norma imediatamente 
superior, as emendas constitucionais. As 
emendas constitucionais são válidas porque 
estão conforme uma norma imediatamente 
superior, a Constituição. 
Esse tipo de raciocínio, entretanto, levaria a 
um problema: o de regressão ao infinito. Essa 
série normativa (de encadeamento de 
normas) deve encontrar seu fim, isto é, a 
norma que fundamenta todas as demais. Se 
para encontrar a validade das normas, é 
preciso recorrer a uma hierarquia de normas, 
Kelsen recorre a uma norma básica 
(grundnorm) acima da própria Constituição, 
cuja função é outorgar-lhe validade, 
validando, desta forma, todo o conjunto. A 
norma fundamental é, portanto, o pressuposto 
lógico do ordenamento. 
Lembre-se que, para Kelsen, a explicação do 
que é norma jurídica e do que é ordenamento 
jurídico parte do raciocínio que a norma 
jurídica é um juízo lógico de natureza 
hipotética. 
Por isto, pode-se pensar que o ordenamento 
jurídico também é uma estrutura lógica. E, 
para que ele preserve sua coerência, acima 
de todas as normas deve haver uma primeira 
norma que não possui nenhuma outra norma 
que a anteceda e que justifique todas as 
normas que em razão dela existem no 
ordenamento jurídico. Esse é o pressuposto 
lógico do ordenamento. Pressuposto porque 
não é um conteúdo passível de comprovação, 
mas, sim uma premissa do raciocínio lógico. 
Do ponto de vista de uma análise empírica, a 
norma fundamental não existe. A norma 
fundamental é pura hipótese, desprovida de 
qualquer conteúdo ético ou empírico. Você 
não vai encontrá-la em qualquer texto de lei 
ou na Constituição, pois ela não está escrita 
em nenhum lugar. Ela é uma pressuposição 
lógica para que o ordenamento jurídico tenha 
coerência lógica. Enfim, ela tem forma, mas 
não conteúdo. 
A norma fundamental é responsável pela 
validade de todas as outras normas e possui 
uma qualidade diferente. Ela não á válida no 
mesmo sentido das demais. A validade é um 
conceito relacional para Kelsen (relação 
norma/norma, em que uma é válida porque 
está conforme outra que lhe é imediatamente 
superior) e, por isso, a norma fundamental (ou 
primeira norma) não pode se relacionar a 
outra, pois, senão, não seria a primeira. 
“Se dissermos que a sentença de um juiz 
(norma individual) repousa sobre as normas 
gerais de competência e de obrigação, e 
estas, sobre as normas constitucionais, em 
que repousa a validade destas? As normas 
constitucionais, como as demais, são postas 
por uma autoridade competente, diz ele 
[Kelsen]”. 
Para explicar sua validade, precisa-se admitir 
outra norma que não é posta, visto que não 
deve exigir outra norma que lhe confira 
validade. Desta forma, a norma fundamental é 
pressuposta. Ela prescreve que o “jurista 
reconheça uma primeira norma posta como 
fundamento das demais normas postas e que 
raciocine a partir dela (por exemplo, a norma 
estabelecida por revolução ou pelo povo ou 
pela tradição etc.)”. Como consequência, a 
 
 
 
 
 
 
 
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OAB 1ª FASE – XVIII EXAME 
Filosofia do Direito das Defensorias 
Bernardo Montalvão 
 
3 
norma fundamental possui uma espécie de 
validade que não é do tipo relacional, mas 
das condições do próprio pensamento: seria 
uma condição transcendental do pensar, 
segundo o próprio Kelsen. 
3. ORDENAMENTO JURÍDICO POR 
BOBBIO E POR HART 
A pressuposição de Kelsen foi muito criticada 
por filósofos do direito. A crítica fundamentou-
se, sobretudo, na abstração da construção da 
norma fundamental, ou seja, na falta de 
explicações de como se daria o pontapé 
inicial para a construção de um ordenamento 
jurídico. Isto levou Norberto Bobbio, mais 
tarde, a afirmar que a explicação de norma 
fundamental de Kelsen não seria satisfatória. 
Bobbio observa que Kelsen procura o 
impossível com uma validadeque não seja 
relacional e, com isto, propõe que a norma 
fundamental se identifique com um ato de 
poder. 
A norma primeira seria, portanto, posta por 
um poder fundante da ordem jurídica cuja 
característica é a efetividade: “ou o poder se 
impõe ou não é poder fundante e não se terá 
norma fundamental”. Nesta perspectiva, se 
qualquer norma é posta, nem toda norma é 
válida. Um magistrado pode prolatar uma 
sentença fora de sua competência: houve 
positivação, mas a norma não é válida. Essa 
relação entre positividade e validade, 
entretanto se estreita à medida que se sobe 
na pirâmide. Ao chegar ao poder constituinte, 
não haverá mais distância entre norma posta 
e norma válida, visto que tal poder, ao 
positivar a norma já a estabelece como válida. 
Já Herbert Hart, filósofo do direito inglês, 
propõe explicação diversa de Bobbio e de 
Kelsen. Ele também concebe o ordenamento 
jurídico como um sistema dinâmico e unitário, 
e, para que se possa identificar a validade 
das demais normas, é necessário que exista 
uma norma de reconhecimento, isto é, uma 
norma que permita identificar outras normas 
como pertencentes ao sistema. Entretanto, a 
norma de reconhecimento, que deve ser a 
última da série normativa, não é válida e nem 
inválida: ela apenas existe. Não é uma 
condição do pensar (como afirmara Kelsen), 
já que, se ela existe, ela é usada no âmbito 
do ordenamento jurídico da sociedade. Do 
ponto de vista externo (imagine-se um teórico 
do direito descrevendo o ordenamento 
jurídico), a norma de reconhecimento seria 
um dado objetivo: legisladores e magistrados 
lançariam mão dela como ponto de partida 
para sua atividade. 
Do ponto de vista interno (magistrado 
prolatando uma sentença ou um cidadão 
cumprindo determinada norma), a norma de 
reconhecimento é uma regra que se assume. 
Importante é registrar que existe e existiu 
grande discussão entre os autores. A norma 
fundamental é o aspecto mais criticado na 
doutrina de Kelsen. Sua teoria é demasiado 
abstrata e se tem grande dificuldade de 
associá-la ao mundo real. 
Registre-se ainda que Tércio Sampaio Ferraz 
Junior não adotou a expressão “ordenamento 
jurídico” em sua teoria. Ele distingue 
“ordenamento” de “sistema”. Embora grande 
parte dos autores utilize “ordenamento” como 
sinonímia para “sistema jurídico”, não se deve 
incorrer neste erro. Pode-se admitir 
“ordenamento” e “sistema” como sinônimos 
quando se estiver falando de Norberto 
Bobbio, de Hans Kelsen ou de Miguel Reale. 
Mas, para Tércio Sampaio, para Niklas 
Luhmann e para Marcelo Neves, inexiste tal 
confusão. Para estes últimos, o conceito de 
ordenamento como sistema não admite uma 
só hierarquia, mas várias, não existindo, 
portanto, uma única norma fundamental. É o 
que se verá a seguir. 
FERRAZ JR., op. cit., 1994, p. 187. 
 
 
 
 
 
 
 
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Filosofia do Direito das Defensorias 
Bernardo Montalvão 
 
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4. A TEORIA SISTÊMICA DE TÉRCIO 
(LUHMANN E NEVES) 
 
Para Ferraz Jr., “ordenamento” como 
“conjunto de normas” é uma ideia estática. 
Pode-se pensar, de um lado, que a ideia da 
pirâmide adotada por Kelsen seja útil para 
demonstrar a hierarquia entre as normas 
jurídicas de um dado ordenamento, mas, de 
outro, ela pode levar a um grande equívoco, o 
de sugerir fossilização; ou dificuldade do 
ordenamento de acompanhar as 
transformações sociais. 
O desenho piramidal que Kelsen utiliza 
sugere que qualquer modificação do 
ordenamento jurídico suscitaria um processo 
mais estático, resistente e engessado que 
numa concepção de sistema que procure 
representar uma formação mais dinâmica. 
O que se explica aqui é uma noção de 
ordenamento de maneira mais dinâmica 
possível, que consiga acompanhar a 
velocidade das transformações sociais. É 
neste intuito que Tércio se utiliza do conceito 
de sistema, e não de ordenamento. 
A concepção de sistema tem caráter 
dinâmico. Embora a expressão “sistema 
dinâmico” venha de Kelsen, a ideia de 
sistema permite traçar os contornos 
necessários ao Direito (se se está ou não 
diante de uma norma jurídica; ou se sua 
prescrição é válida etc.), uma vez que 
“sistema” traz uma noção de “limite” – linha 
abstrata diferencial que autoriza a identificar o 
que está dentro ou fora do sistema, bem 
como o que entra e o que sai dele. A 
representação gráfica para a noção de 
sistema é a circular, vez que Tércio, com 
espeque em Luhmann, afirma que o círculo 
representaria com mais fidedignidade a 
dinâmica do sistema, ou seja, a capacidade 
do sistema de se adaptar às transformações 
sociais. 
Além da ideia de alteridade, de circularidade e 
de constante troca, Alisson Alessandro 
Mascaro sugere a figura de uma ameba como 
a representação gráfica que melhor 
possibilitaria identificar essa capacidade de 
transformação/mutação em relação ao 
ambiente em que se encontra o sistema. 
Ressalte-se que, qualquer que seja a 
representação gráfica utilizada, o que se deve 
ter em mente é a capacidade de adaptação 
às transformações sociais. 
LUHMANN, Niklas. Introdução à teoria dos 
sistemas. 2ª edição. Tradutor: Ana Cristina 
Arantes Nasser. Petrópolis: Editora Vozes, 
2010, p. 
FERRAZ JR., p. 188. 
O sistema mantém-se numa troca constante 
com o ambiente em que está situado. Tanto o 
sistema interfere no ambiente, quanto o 
ambiente interfere no sistema. Isso ocorre de 
forma constante. A troca entre sistema e 
ambiente ocorre por meio de duas palavras-
chave: abertura normativa e fechamento 
normativo. O sistema se abre para a 
informação advinda do ambiente e se fecha 
para descartar uma parte da informação 
advinda do ambiente. Em seguida, o sistema 
seleciona uma parcela da informação oriunda 
do ambiente e descarta a outra parcela. O 
sistema não assimila toda a informação 
oriunda do sistema, pois estaria colocando 
em jogo sua própria autonomia, sua 
sobrevivência. Ele assimila a informação para 
poder se adaptar ao ambiente (em face da 
mutabilidade do ambiente), mas não assimila 
o todo. 
Na acepção de Ferraz Jr., poder-se-ia afirmar 
que o ordenamento jurídico, além de ser 
composto por um conjunto de elementos 
normativos e não-normativos, é também uma 
 
 
 
 
 
 
 
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Filosofia do Direito das Defensorias 
Bernardo Montalvão 
 
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estrutura, ou seja, um conjunto de regras que 
determinam as relações entre os elementos. 
É o próprio Tércio que esclarece: “uma sala 
de aula é um conjunto de elementos, as 
carteiras, a mesa do professor, o quadro-
negro, o giz, o apagador, a porta etc.; mas 
estes elementos, todos juntos, não formam 
uma sala de aula, pois pode tratar-se de um 
depósito da escola; é a disposição deles, uns 
em relação aos outros, que permite identificar 
a sala de aula; esta disposição depende de 
regras de relacionamento; o conjunto destas 
regras e das relações por ela estabelecidas é 
a estrutura”. O conjunto dos elementos 
constitui apenas o repertório. Quando se 
afirma que a sala de aula é um conjunto de 
relações (estrutura) e de elementos 
(repertório), pensa-se nela como um sistema. 
O sistema é um todo composto por estrutura 
e repertório. Assim, o ordenamento jurídico é 
um sistema. 
A série deve ter um ponto final, senão a 
subordinação perderia o sentido: pense-se na 
autoridade que estabeleceu a competência de 
determinado magistrado para julgar ações de 
certa matéria. Qual seria a autoridade que 
estabeleceu a competênciadaquela primeira 
autoridade pra determinar as competências 
do magistrado? E assim sucessivamente 
poder-se-ia chegar ao infinito. O problema, 
portanto, é explicar como se interrompe a 
série normativa circular do sistema, tanto 
regressivamente (a norma-origem) quando 
progressivamente (decisão final). Isso ocorre 
por meio da regra de calibração. 
Através da regra de calibração é que o 
sistema se ajusta ao ambiente externo. Ela 
coordena/orienta a substituição de uma série 
normativa por outra. A expressão vem da 
cibernética, trata-se de regras de regulagem; 
de ajustamento de um sistema. Pense-se 
numa geladeira, cujo controle da temperatura 
interna é feita por um maquinismo de 
produção de ar gelado. Esse maquinismo é 
regulado através do termostato, que permite o 
mantimento de determinada temperatura. 
Ocorre que a temperatura de uma geladeira 
não se mantém estável o tempo inteiro. Fora 
da geladeira, ou seja, no ambiente, a 
temperatura pode atingir 30 graus ou pode 
atingir 10 graus. 
A geladeira irá trabalhar de acordo com a 
informação que vem do ambiente. Se a 
geladeira é aberta diversas vezes durante o 
dia, o ambiente vai fornecer calor para seu 
interior no momento em que a porta é aberta 
(recepção de uma (ou mais) informação 
advinda do ambiente); quando a porta é 
fechada, o termostato assimila que precisa 
mandar um comando para o motor, a fim de 
que este volte a produzir frio para manter a 
temperatura desejada. Por outro lado, se a 
porta da geladeira não é aberta muitas vezes, 
o comando é que se fique em stand by, ou 
seja, que o motor cesse de fazer frio, já que 
se atingiu a temperatura almejada. O 
termostato é a regra de calibração. Ele vai 
calibrar o sistema, ajustá-lo ao ambiente 
externo. 
Tércio aduz que os sistemas normativos 
jurídicos “são constituídos primariamente por 
normas (repertório do sistema) que guardam 
entre si relações de validade reguladas por 
regras de calibração (estrutura do sistema)”. 
Todo sistema atua num ambiente, o sistema 
social, que é nada mais que a própria vida 
social, que lhe atribui demandas (sobretudo 
conflitos que ensejam decisão). Para seu 
funcionamento, as normas são organizadas 
por séries hierárquicas de validade, que 
culminam numa norma-origem. Quando “uma 
série não dá conta das demandas, o sistema 
exige uma mudança em seu padrão de 
funcionamento, o que ocorre pela criação de 
nova norma-origem e, em consequência, de 
nova série hierárquica. O que regula esta 
criação e, portanto, a mudança de padrão, 
são suas regras de calibração. Graças a elas, 
o sistema muda de padrão, mas não se 
desintegra: continua funcionando”. 
 
 
 
 
 
 
 
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Filosofia do Direito das Defensorias 
Bernardo Montalvão 
 
6 
Observe-se o exemplo dado por Tércio do 
famoso julgamento havido no Tribunal de 
Nuremberg após a 2ª Guerra Mundial. Grande 
dilema dos magistrados à época era o fato de 
inexistirem normas de Direito Internacional 
Penal que tipificassem genocídio como crime. 
Em vigor já estava o princípio nullum crimen 
nulla poena sine lege (não há crime nem pena 
sem lei anterior que os definam). Mas como 
responsabilizar os nazistas pelos crimes 
ocorridos? O Tribunal definiu “genocídio” 
como crime contra humanidade e, para 
escapar ao princípio do nullum crimen, 
invocou a existência de determinadas 
exigências fundamentais de vida na 
sociedade internacional que implicariam a 
responsabilidade penal dos governantes e 
dos seus executantes. Em termos sistêmicos, 
houve uma mudança de padrão: 
o padrão de funcionamento do ordenamento 
penal internacional – padrão de legalidade, 
regido pelo princípio nullum crimen nulla 
poena sine lege – foi convertido para um 
padrão de legitimidade, regido pelo princípio 
de exigências fundamentais de vida na 
sociedade internacional. Tais princípios são 
regras de calibração de um sistema 
normativo. 
As regras de calibração estatuem relações 
dinâmicas, surgem e desaparecem a todo 
momento e têm como fonte a jurisprudência, 
a doutrina, a política, a moral, a religião etc. 
Pode-se depreender dos exemplos que o 
sistema jurídico não possui uma norma 
fundamental, mas muitas, milhares! Enquanto 
em Kelsen, há uma norma fundamental (“a” 
norma fundamental), para Tércio há várias! 
No Tribunal de Nuremberg, o princípio do 
nullum crimen constituía uma série normativa 
regulando o direito penal internacional. 
Quando se viu a hipótese de impunidade dos 
criminosos nazistas (informação advinda do 
ambiente), o Tribunal viu-se obrigado a 
substituir tal encadeamento por outro tipo de 
série, o princípio de exigências fundamentais 
de vida na sociedade internacional. Se não há 
esta mudança de padrão, o sistema entra em 
colapso: autodestruição. A regra de 
calibração traduz-se na tentativa de 
reajustamento do sistema ao ambiente. 
Em suma, enquanto sistemas dinâmicos, o 
ordenamento jurídico possui grande 
mobilidade: tudo está em movimento, daí a 
dificuldade de operá-lo. Cabe ao jurista operar 
essa possibilidade de jogo. É por isso que ele 
precisa lançar mão de conceitos operacionais 
dinâmicos, sob pena de os conflitos sociais 
serem indecidíveis (proibição em face do 
princípio da vedação ao non liquet). 
É importante ressaltar, por fim, que não é só o 
ambiente que interfere no sistema, trazendo-
lhe novas informações. Pode haver também 
interferência de um sistema sobre outro: é o 
acoplamento estrutural. Por exemplo, o 
sistema religioso interfere no Direito quando, 
em relação ao Código Penal, pleiteia pelo 
mantimento do aborto como crime. Mas cabe 
ao Direito, por meio de sua estrutura e 
repertório, regular essa interferência do 
sistema religioso. 
Quando um sistema troca informações com o 
ambiente ou com outro sistema, através de 
abertura e fechamento normativos, ele está 
preservando sua própria existência. A isto se 
dá o nome de autopoiese. Autopoiese é a 
capacidade do sistema jurídico de produzir 
suas próprias normas, isto é, a capacidade de 
se manter vivo e, ao mesmo tempo, de se 
adaptar, trocando ou se comunicando com o 
ambiente ou com outro sistema. A base 
dessas trocas (com o ambiente ou com outro 
sistema) é a comunicação. Cada sistema 
possui uma linguagem específica e um código 
binário específico (lícito/ilícito no caso do 
Direito). O sistema econômico possui uma 
linguagem específica e um código binário 
específico (ter dinheiro/não ter dinheiro). Ao 
mesmo tempo em que o Direito troca com a 
Economia ou 
 
 
 
 
 
 
 
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Bernardo Montalvão 
 
7 
com a Religião, e esses trocam com o 
ambiente, tem-se a estruturação da 
sociedade. A sociedade é o grande ambiente, 
dentro do qual há todos esses sistemas 
interagindo entre si ao mesmo tempo.

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