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Obras selecionadas de Lutero. Volume1: Os primórdios. 1517 - 1519

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Martinho Lutero 
Obras Selecionadas 
Volume 1 
Os Primórdios 
Escritos de 1517 a 1519 
Editora Sinodal 
Siio Leopoldo 
Concórdia Editora 
Porto Alegre 
Edição coordenada pela Comissão Iriterli<rerana de Literiiti<rn, foriiiada pela Igreja 
Evangélica dc Confissão Lutermo no Brasil e Igreja EvliiipClica Liiterana do Brasil, 
através das editoras: 
EDITORA SINODAL CONC~KLI IA EDITORA LTDA. 
C m a Postal 11 Caixa Postal 3230 
93001 - Sdo Leopoldo - RS 90001 -Porto Alegrc - RS 
(0512) 92-6366 (0512) 42-2699 
Coriiissão Interluterana rle I,iterUtl<i.u: 
Bcrtholdo Weber Johaiinçs F. Hasenack 
Gerhard Grasel Martim C. Warth 
Ilson Kayser Martioho L. Hoffinann 
Comissão "Obras de Lutero": 
Donaido Schulcr Martini C. Warlh 
Joacliim Fischer hlartin N. Drehcr 
Tradutores: 
Anncmaxie Hohn Luís M. Saidcr 
Ilson Kayser Martinbo L. Hasse 
Walter O. Schlupp 
Redapio E revisãoJi?lal: Puginafão: 
Luís M. Sander Roberto Francisco 
Supervisão geral: Coordenação editorial: 
Ilson Kayser Editora Sinodai 
,Yetninario Concórdia 
Biblioteca 
Sumário 
Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 
Introdução Geral . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 
Debate sobre a Teologia Escolástica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 
Debate para o Esclareciniento do Valor das Indulgências . . . . . . . . . . . . . . . 21 
Um Sermão sobre a IndulgEncia e a Graça. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 31 
O Debatc de Heidelberg . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35 
Explicações do Debate sobre o Valor das Iiidulgências . . . . . . . . . . . . . . . . . 55 
Scrmão sohre o Poder da Exconiunháo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 191 
Relato do Fr. Martinlio Lutero, Agostiniano, sobre o Encontro 
com o Sr. Legado Apostólico em Augsburgo . . . . . . . . . . . . . . . . . . 199 
Apelação do Fr. Martinho Lutero ao Concílio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 227 
Uma Breve Iiislrução sobre Como Devemos Confessar-nos . . . . . . . . . . . . . 233 
Sermão sobre as Duas Espkcies de Justiça . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 241 
Um Semião sobre a Conteinplação do Santo 
Solrimento de Cristo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 249 
Debatc e Defesa do Fr. Martinhn Lutero contra as 
Acusações do Dr. João Eck . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 257 
Comentário de Lutero sobre a 1 3 T e s e a respeito do 
Poder do Papa (Enriquecido pelo Autor) . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 267 
Comentários de Lntero sobre suas Teses Debatidas em Leipzig . . . . . . . . . . . 333 
Um S e m i o sobre a Preparação para a Morte . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 385 
Sermões sobre os Sacramentos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 399 
Uni Sermáo sobre o Sacramento da Penitência . . . . . . . . . . . . . . . . . 401 
Uin Sermão sobre o Santo, Vencrabilíssimo Sacramento do Batismo . . . 413 
Uni Semião sobre o Venerabiiíssimo Sacramento do Santo e 
Verdadeiro Corpo de Cristo c sobre as Irniandades . . . . . . . . . . 425 
fii<licis . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 447 
Apresentação 
Umd temeridade, sem dúvida. Duas pequenas editoras eclesiásticas se arriscam a 
lançar Obras de Lutero. Mas n5o foi uma temeridade a viagem do monge agostiniano 
para Worms? 
Quem abraçou a idéia de oferecer ao mundo de fala portuguesa as principais 
obras de Lutcro foi a Con~issão Intcrluterana de Literatura - um gmpo de seis pes- 
soas - então sob a presidência do I'. Leopoldo Hcimann que lhe deu os primeiros e 
importantes impulsos. 
Desde o início a proposta foi a produção de uin trabailio de alto nível. Para al- 
cançá-lo a CIL cercou-sc da Comissão "Obras de Lutero" integrada exclusivamente 
por pcritos em matéria de História da lgrcja. Buscaraii-se tradutores - e como 6 difí- 
cil encontr&los! -que estivcsseiu à altura da dificuldade <Ia tarefa e identificados com 
ela. E os recursos financeiros, de onde os obteríamos? Abrirani-se portas tamb$n 
nesta &a. A Anerican Lutkeran Churck e a Lutkerari Ckurck Missouri Synod, par- 
ceiras da Igreja Evangélica de Confissão Lutcrana no Brasil e da Igreja EvangClica 
Luterana do Brasil respectivamcnle, e o SI. Daniel Krebs colocaram verbas à disposi- 
ção. E por caminhos tortos -estes maravilhosos caninhos de Deus que se entendem 
somente "pelas costas", como Lutero gosta de se expressar - pudemos contar tam- 
bém, para a rcta fmal da rcdação deste primeiro volume, com um competente redator 
e revisor geral. 
Que nos resta dizer ainda, quando a Comissão "Obras de Lutero" inclusive nos 
poupou da tarefa de oferecermos detalhes t6cnicosY Resta uma coisa: o nosso agrade- 
cimento. 
.$L&,, 7 2 CL . - 
São Leopoldo, julho de 1987. Pela Comissão Interluterana de Literatura 
Introdução Geral 
Martiiiho Lutero é um dos grandes personagens que marcaram profundamente o 
curso da história moderna do Ocidente. Abalou os fundamentos medievais de seu 
mundo e abriu novos horizontes a seus contemnorâneos. Já foi colocado. com boas 
razoes, ao lado dos famosos navegadores Crist&ão Colombo e Vascn da Gama, bem 
como de João Gutenberg, o célebre inventor da imvrensa com t i ~ o s móveis. 
Lutero era um homém profundamente religiosõ, consciente, da presença de Deus 
na história humana. De modo semelhante a Jacó, do qual nos faia o Antigo Testa- 
mento em Gênesis 32.22-30, lutou com Deus até compreendê-lo como o Senhor sobe- 
rano que tem amor profundo para com suas criaturas, mesmo caídas. Sua pregação da 
justificasão do pecador somente pela fé por causa de Jesus Cristo transformou Igreja 
e sociedade. Dela vieram significativas contribuiçdes para o desenvolvimento da hu- 
manidade. A influência de Lutero não se restringiu à vida da fé, o campo que lhe era 
mais familiar por tradiqão e educação. Fez-se sentir também em setores como educa- 
cão. volitica. economia e outros. O imnacto de sua obra sobre cultura e costumes foi . . . 
grande em todas as camadas da população. Já em sua época era impossivel não tomar 
~os i ção frente à causa aue ele colocara no centro das reflexdes e discnssdes. Também 
. . 
500 anos após o seu nascimento, Lutero não perdeu nada de seu significado histórico, 
como mostraram as solenidades comemorativas realizadas em 1983. 
A produção literária de Lutero é vastissima: prédicas, interpretaçdes biblicas (sua 
"~rofissão" era ~rofessor vara a interpretacão da Saprada Escritura!), escritos teoló- 
. ~ 
gicos eruditos, polêmicos e-pastorais, a tradufão da ~ i b l i a para al ingiade seu povo, o 
alemão, pareceres sobre as mais diversas auestdes. cartas e muito mais. A edicão com- 
pleta de suas obras abrange mais de 100 võlumes. Porém apenas um número reduzidis- 
simo de seus escritos foi traduzido para a lingua portuguesa. O registro dessas tradu- 
sdes (até o ano de 1982) não ocupa nem sequer duas páginas. Nos países de faia ponu- 
guesa era praticamente impossível tomar conhecimento do pensamento profundo e ri- 
co deste "evangelista de Jesus Cristo". 
A Comissão Interluterana de Literatura (CIL), constituída e mantida pela Igreja 
Evangélica Luterana do Brasil (IELB) e pela Igreja Evangélica de Confissão Luterana 
no Brasil (IECLB), aproveitou a oportunidade das comemoraçdes dos 500 anos do 
nascimento de Lutero. ein 1983. oara oromover a oublicacão de "obras selecionadas 
. . . 
de momentos decisivos da Reforma", todas elas de autoria de Lutero. Convocou um 
grupo assessor de qiiatro membros, a Comissão "Obras de Lutero" (COL), para pre- 
parar o volume Pelo Evangelho de Cristo, publicado então em 1984'. O livro possibili- 
ta um conhecimento consideravelmentemelhor do reformador e de sua teologia. Per- 
- 
mite, igualmente, vislumbrar sua atualidade. 
A CIL e a COL, no entanto, estavam cientes, desde o início, de que um volume só 
não é suficiente para um aprofundamento mais abrangente no pensamento de Lutero. 
Decidiu-se preparar uma edisão em vários volumes. O projeto elaborado pela COL 
prevê, no decorrer dos próximos anos, a publicapio de 12 a 14 volumes. Os dois pri- 
i Marlinho I.UTERO, Pelo Evangelho de Crisro; obras selecionadas de momentos decisivos 
da Keforina. Porto Alegre. Concórdia; Sàa Leopoldo, Sinodal, 1984, 338 p. 
O 
i~ieiros apresentam escritos de Lutero dos anos anteriores a 1520 (vol. I) e do ano de 
1.520 (vol. 2) em ordem cronológica. Quer-se mostrar, desta maneira, como Lutero 
<Iicyou a se tornar o reformador da Igreja cristã. Os demais volumes serão temáticos, 
:il>tangendo obras de teologia erudita, escritos relacionados com congregasão e culto 
cristãos, obras polêmicas, obras sobre ética cristã (família, economia, Estado, educa- 
v:lo. etc.), interpretasão da Sagrada Escritura, além de sermões e cartas e um indice 
&*,era1 de toda a coleção. O avanso do projeto depende, naturalmente, dos recursos hu- 
rii:inos e financeiros disooniveis. 
Apresentamos ao público o 1: volume. Foi preparado, em constante contato com 
;I ( 'IL, pela COL, integrada, inicialmente, pelos professoresdr. Nestor Beck, dr . Mar- 
t i l i Norberto Dreher, dr. Joachim Fischer e Mário L. Rehfeldt STM. Posteriormente 
rtiiraram os professores dr. Martim C. Warth (após a partida de Nestor Beck para es- 
i~i,.los na Europa) e dr. Donaldo Scbuler (após o falecimento de Mário L. Rehfeldt). 
<i? inte~rantes da COL são responsáveis pela seleção dos escritos deste volume, as in- 
iioi~usdes, as notas de rodapé e uma primeira revisão das traduçdes. Estas últimas fo- 
i:iiti feitas por Martinho L. Hasse, Annemarie Hohn, Ilson Kayser, Luis M. Sander e 
W:ilter O . Schlupp. Como editor-geral foi contratado o dr. Luis Marcos Sander, res- 
~'iuisável pela revisão e redação final de todos os textos. Executou suas tarefas com 
L,,! :iiide competência e dedicasão. pelo que merece os mais sinceros agradecimentos da 
1 '0l2. 
Quatro escritos deste volume, bem como as respectivas introduções (estas, revisa- 
<I:is), são publicados pela 2: vez. Já estão contidos em Pelo Evangelho de Crislo. E 
IIIII:I opsão consciente da CIL e da COL. Na opinião das duas comissões, o leitor e es- 
iiidioso deve ter à sua disposição, napresente edição, todos os escritos de Lutero sele- 
cionados Dara a ~ublicacão em oortueuês. 
As passageni biblicas citadas nostextos foram traduridas da versâo apresentada 
~ ~ c l o próprio Lutero, com apoio na versão ern português de João Ferreira de Almeida, 
~>iiblicada em edição revista e atualizada (1969) pela Sociedade Bíblica do Brasil. Desta 
edisão foram tomadas as abreviaturas dos livros da Biblia, com exceqão dos apócrifos, 
inra os quais utilizamos as abreviaturas da Blblia de Jerusal4m, publicada em ediqão 
revista (1985) pelas Edições Paulinas. No caso das passagens biblicas citadas por Lute- 
ro, areferência se encontra no corpo do texto. A indica& do(s) versiculo(s)foi acres- 
centada por nós (Lutero indica apenas o capítulo). Quando o próprio Lutero não indi- 
ca onde se encontra a nassaeem citada. a referência foi colocada entre colchetes. . 
Quanto à numeração dos Salmos, acrescentamos entre colchetes o número da versão 
dç Almeida nos casos em aue ele difere da numeracão da Vuleata ítraducão da Bíblia 
para o latim), utilizada por Lutero. Nos casos em'que Luter; al"de ou'se reporta a 
Iiassagens biblicas, a referência se encontra em nota de rodapé. Quando Lutero cita ou 
\c refere a afirmaçdes de outros autores, sobretudo dos pais da Igreja e do direito ca- 
ridnico, a referência foi colocada. semore aue uossivel. em nota de rodaoé. Quanto à 
. . . . . 
iindução, em alguns casos se fez necessário acrescentar palavras ou explicaqões ao tex- 
to de Lutero. Quando imorescindiveis, elas foram inseridas no corpo do texto, entre 
ci>lcbetes. Nos demais casõs, estão em nota de rodapé. Todos os escritos foram tradu- 
~ i<l»s do texto da conhecida edição de Weimar (WA). com utilização de outras versdes 
c iraduções a que tivemos acesso. A indicação exata da fonte se encontra em nota de 
i-<idapé ao titulo de cada escrito. 
A Comissão Interluterana de Literatura e a Comissão "Obras de Lutero" lamen- 
i ; i i i i com profundo pesar o falecimento prematuro de seu colega e irmão em Cristo, 
M!iri<i I.. Rehfeldt, ocorrido em 13 de junho de 1985, dois meses antes de ele comple- 
Iiii- 50 anos de idade. Deixou com a COL, como uma espécie de testamento teológico- 
histórico, as introduções assinadas neste volume com seu nome. CIL e COL prestam- 
lhe esta última homenagem com as palavras do Salmo 34.22, seu salmo predileto: "O 
Senhor resgata a alma dos seus servos, e dos que nele confiam, nenhum será condena- 
do," 
i Ao entregarmos aos leitores de fala portuguesa este volume, fazemos votos de 
que Lutero fique melhor conhecido entre nosso povo e que sua causa se torne bem evi- 
dente: "Que toda lingua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai." 
(Filipenses 2.1 1.) 
Janeiro de 198'7 
Pela Comissão "Obras de Lutero" 
Joachim Fischer 
Debate sobre a Teologia Ekcolástical 
A teologia medieval oii escolástica baseava-se amplamentç no pensamento de 
Aristóteles (384-322 a.C.), um dos mais importantes filósofos da antiga Grécia. Era 
comum dizer-se que a filosofia em geral é a serva da teologia" que, sem Aristóteles, 
ninguém pode ser teólogo'. Formaram-se as correntes ou "escolas" dos tomistas, se- 
guidores do dominicano italiano Tomas de Aquino (1225-1274), dos escotistas, segui- 
dores do francisc;uio escocês João Duns Escoto (aproximadamente 1270-1308)4, e dos 
occamistas, segudores do franciscano inglês Guilherme de Occam (aproximadamente 
1285-1349)5, senclo esta última corrente também chamada de "via moderna". 
Na Universl lade de Erfurt. Lutero foi educado segundo os ~ad rdes filosofico- 
iroldgico> do o;. dmi\iiii>. ('r'ilo. p.)riiii. i.inic;,>ii a tiaar iii>ati,icii,? ;c1!11 :I iii:iiicira r., 
colhsti::i J c i a ~ c . lcolov~~i. COIIIC ~ r ~ i c ~ w r de ii1terprct.t;3o J:, liil~li:i, drhJc 1512, i i ~ i 
. . 
recém-fundada (1502) Üniveriidade de Wittenberg, aprofundou-se no estudo da Sagra- 
da Escritura. Em busca de alternativas, encontrou imvortante aiuda nos escritos de 
Aà.?lliiihu (353-430). hiq>o Jc lIipi,ria. ria itri;;i dc8 \<,rir. iiin J<i> iiiaior:\ pcri~;tJ\,~c. 
dc toda 3 ii~stnria .l;i teolozia ;ri,iS, :\~~o,t:nIi~l t,ra p;itr.lri~) .l:i l'tiivcr ,~daJc Jc i4'ilic11- 
herg, e seu pensamento foi de grande importância para a Ordem dos Agostinianos Ere- 
mitas, à qual Lutero pertenceu. A partir decritérios tomados da Bibliae de Agostinho, 
Lutero percebeu que a teologia estava acorrentada no cativeiro da escolástica~impossi- 
hilitadade articular adequadamente a questão essencial da fé cristã, ou seja, graça e jus- 
tificação, Deus em seu relacionamento como ser humano e vice-versa. As verdades da fé 
não podem ser compreendidas em toda a sua profundidade mediante a aplicaçào das re- 
gras dalógica filosófica. A teologia precisava ser libertada, sobretudo da "ditadura" de 
Aristóteles, a quem, certa vez, Lutero caracterizou como "esse palhaço que, com sua 
máscaragrega, tanto enganou a Igreja"6.0 metodo teológico alternativo era o do para- 
doxo: afirmaçdes que a lógica tradicional considerava paradoxais passaram a ser usadas 
oara exoressar adeauadamente as verdades cristãs. 
1 ~ u i e r o tornou:se o mentor espiritual da nova maneira de fazer teologia. Conven- ceu seus colegas da Faculdade de Teologia da necessidade de substituir as matérias tra- I dicionais po;outras, mais adequadas para conduzir os alunos ao centro da fé cristã. 
Em maio de 1517,escreveu a seu amigo João Lang, em Erfurt, que "nossa teologia e 
Agostinho progridem bem, com a ajuda de Deus, e predominam em nossa universida- 
1 Disputotio conlroschhoiosficam rheologiarn, WA 1,224-8. Tiadu~ão de Walter O. Schlupp. 
2 Pkilosophia onciilo theologiae. 
3 Cf. a tese 43 deste escrito. 
4 Um dos mais brilhantes pensadores escolásticos. Lecionou em Paris, na Inglaterra e em Ca- 
Iônia (Alemanha). 
5 Iniciador do norninalismo (v. nota 23 infrB) dos sécs. XIV/XY e da corrente filosófico-teo~ 
lógica da "via moderna". Um das mais fiéis adeptos de sua teologia foi Gabriei Biel (v. no- 
ta 8 infro). Occam lecionou em Paris e faleceu na Alemanha como refugiado. 
6 Carta a loao 1;ang. dc 8 de fevereiro dc 1517 (WA Br 1,88,17s. - no 34). 
de. Aristóteles decai pouco a pouco e está sendo arruinado."7 
Na universidade havia regularmente debates públicos sobre séries de teses formu- 
ladas especialmente para essa finalidade. Quem pretendia adquirir qualquer grau aca- 
dêmico urecisava demonstrar sua cavacidade intelectual particioando de tal debate. 
Como as teses não se destinavam a publicaqão, proporcionavam a oportunidade de 
aoreseiitar idéias novas sem o risco de uma intervenção imediata das autoridades ecle- 
sksticas. Para o debate de seu discípulo Francisco Günther, pretendente ao titulo de 
bacharel em Estudos Bíblicos, Lutero resumiu, em 97 teses claras e radicais, sua critica 
a todo o sistema da teologia escolástica. As teses, redigidas entre 21 de agosto e 4 de 
setembro de 1517, dirigem-se sobretiido contra Gabriel Bielx e sua concepfão dr. ,apa- 
cidade natural do ser humano (teses 5 a 36), bem como contra a concepsão de justisa 
de Aristóteles e o papel do mesmo na teologia (teses 37 a 53), tratando também da re- 
Iasão existente entre grasa, obediência, livre arbítrio e amor (teses 54 a 97). O debate 
realizou-se em 4 de setembro de 1517. Sobre seu conteudo nada sabemos, mas o titulo 
de bacharel em Estudos Bíblicos foi conferido a Francisco Gunther por unanimidade. 
Lutero mandou as teses também para Erfurt e Nurnberg. Estava ansioso para 
conhecer a reação de outros. Chegou a se prontificar a ir pessoalmente a Erfurt para 
defender publicamente seu ataque aos fundamentos da escolástica. Seus ex-professo- 
res, iio entanto, não lhe responderam diretamente. Como soube mais tarde, haviam 
comentado que Lutero era arrogante e condenava precipitadamente os que divergiam 
de sua teologia. Entre os jovens, porém, as criticas de Lutero foram recebidas como 
um ato de libertasão das verdades biblicas de seu cativeiro aristotélico-escolástico. Na 
evolu~ão de Lutero, as teses representam a fase da critica. São o mais importante tes- 
temunho escrito de seu rompimento com a escolástica e, assim, com seu próprio passa- 
do teológico. Ainda não aprezentam o programa de uma teologia alternativa. Entre- 
tanto, com as teses, Lutero removeu definitivamente os obstáculos no caminho em di- 
reção a uma teologia autêntica, que chega ao "interior da noz" e a "medula dos os- 
sosMY. Seu amigo Cristováo Scheurl, de Nürnberg, respondeu-lhe, acertadamente, 
em 4 de novembro daquele ano, após ter recebido as teses: "Restaurar a teologia de 
Cristo!" 
E provável que as teses tenham sido originalmente impressas em forma de cartaz 
para poderem ser afixadas em Wittenberg, nos lugares destinados a esse fim. Não se 
conhece nenhum exemplar do original. Só nas reedições as teses estão numeradas; 
contam-se entre 97 e 100 teses. Os editores modernos preferem contar 97 teses. 
Joachim Fischer 
7 Carta de 18 de maio de 1517 (WA Br 1.99.8-10 - n o 41). 
8 Aproximadamente 1410-1495. Natural da Alemanha, ocupou diversos cargos eclesiasticos, 
lecionou na Universidade de Tiibingen (1484-1492) e escreveu um livro didático deteologia, 
de ampla divulgacâo. Seu pensamento teve grande importância para a formaçâa teológica 
de Lutera. 
9 Carta a João Braun, vigaria em Eisenach, de 17 de marca de 1509 (WA Br 1,17,43s. - r19 
5 ) . 
Pelas teses abaixo responderi, em local e data a serem determinados ain- 
da, o mestre10 Francisco Gunther, de Nordhausen, para obtenção d o grau de 
bacharel em Estudos Biblicosll, sob a presidência d o reverendo padre Marti- 
nho Lutero, agostiniano, decano da Faculdade de Teologia de Wittenberg. 
1. Dizer que Agostinho'%e excede a o atacar os hereges é dizer que Agos- 
tinho quase sempre teria mentido. Contra a opinião geral. 
2. Isto é o mesmo que oferecer aos pelagianosl? e a todos os hereges uma 
oportunidade de triunfo ou mesmo uma vitória; 
3. e é o mesmo que expor a o deboche a autoridade de todos os mestres 
d a Igreja. 
4. Por isso, é verdade que o ser humano, sendo árvore má)', não pode se- 
não querer e fazer o mal. 
5. Está errado que o desejo é livre para optar por qualquer uma de duas 
alternativas opostas; pelo contrario: ele não é livre, e sim cativo. Contra a 
opinião comum. 
6. Está errado que, por natureza, a vontade possa conformar-se ao dita- 
me correto. Contra Duns Escoto e Gabriel Biel. 
7. Na verdade, sem a graça de Deus, a vontade suscita necessariamente 
u m ato desconforme e mau. 
8. Não se segue dai, entretanto, que ela seja má por natureza, isto é, per- 
tencente a o mal por natureza, conforme pretendem os maniqueusl~. 
9. Mesmo assim, por natureza e inevitavelmente ela é ina e de natureza 
viciada. 
10. Admite-se que a vontade não é livre para tender para aquilo que lhe 
parece bom segundo a razão. Contra Duns Escoto e Gabriel Biel. 
11. Ela também não tem a capacidade de querer o u não querer o que 
quer que se lhe apresente. 
12. Dizer isto tampouco é contra o B. Agostinho, que diz: Nada esta tan- 
t o dentro d a capacidade d a vontade quanto a própria vontade. 
13. Absurdissima é a conseqüência de que o ser humano em erro pode 
amar a criatura acima de tudo e, portanto, também a Deus. Contra Duns Es- 
coto e Gabriel Biel. 
10 A universidade conferia os títulos de bacharel, mestre e doutor. Francisco Günther já obti- 
vera o grau de mestre na Faculdade de Artes Liberais. uma espécie de curso básico para to- 
dos as estudantes. 
I I Grau conferido pela Faculdade de Teologia. O bacharel cm Estudos Biblicos estava habili- 
tado a dar aulas sobre aBiblia. 
12 Cf. a introduçâo a este escrito. 
13 Adeptos do asceta britânico Pelágio (m. depois de 416), que viveu durante muito tcmpo em 
Roma. Afirmou que o cristão é capaz de chegar a perfeicào através da cumprimento da lei 
de Deus e rejeitou a doutrina do pecado original. O pelagianismo foi virias vezes condena- 
do coma heresia. 
14 <If Mt 7.17. 
eiitrç u hcm e o mal (ou a luz e as trevas). 
15 
14. Não é de estranhar que ela pode conformar-se ao ditame erroneo e 
não ao correto. 
15. Pelo contrário, é característica sua conformar-se exclusivamente ao 
ditame errado e não ao correto. 
16. Preferível é esta consequência: o ser humano em erro pode amar a 
criatura; portanto, é impossível que ame a Deus. 
17. Por natureza, o ser humano não consegue querer que Deus scja 
Deus; pelo contrário, quer que ele mesmo seja Deus e que Deus não scja 
Deus. 
18. Amar a Deus, por natureza, sobre todas as coisas, é uma ficção, tinia 
quimera, por assim dizer. Contra a opinião quase geral. 
19. Também não tem validade o pensamento de Escoio a respeito do va- 
lente cidadão que ama a coisa pública mais do que a si mesmo. 
20. Um ato de amizade não provém da natureza, mas da graça preve- 
niente. Contra Gabriel Biel. 
21. Nada há na natureza senão atos de concupiscência contra Deus. 
22. Todo ato de concupiscência contra Deus é iim mal c uma prostitui- 
ção do espírito. 
23. Também não é verdade que um ato de concupiscência podc ser posto 
em ordem pela virtude da esperança. Contra Gabriel Biel. 
24. Isto porque a esperança não é contrária ao amor, que somente busca 
e deseja o que é deDeus. 
25. A esperança não vem de méritos, mas de sofrimentos que destroem 
méritos. Contra a prática de muitos. 
26. O ato de amizade não é a forma mais perfeita de fazer o que está em 
si's, nem a mais perfeita disposição para a graça de Deus, nem uma forrna de 
se converter e de se aproximar de Deus. 
27. Ele é, 'isto sim, um ato de uma conversão já realizada, temporaltnen- 
te e por natureza posterior a graça. 
28. "Tornai-vos para mim, e eu me tornarei para vós outros." [Zc 1.3.1 
"Chegai-vos a Deus, e ele se chegará a vós outros." [Tg 4.8.1 "Buscai e acha- 
reis." [Mt 7.7.1 "Quando me buscardes, serei achado de vós." [Jr 29.13s.l - 
Afirmar, a respeito destas e de outras passagens semelhantes, que uma parte 
cabe a natureza e a outra a graça, não é outra coisa que sustentar o que disse- 
ram os pelagianos. 
29. A melhor e infalível preparação e a Única disposição para a graça é a 
eleição e predestinação eterna de Deus. 
30. Da parte do ser humano, entretanto, nada precede a graça senão in- 
16 Focere quod e n in se. no original: "fazer (tudo) o que se é capaz de fazer". Trata-se da 
idéia de que Deus dá sua graça a quem faz o que é capar de fazer. Essa ideia está presente 
tanto na teologia como na religiosidade popular da Idade Média. Fazendo o que é capaz de 
fazer, a ser humano prepara-se para o recebimento da graya de Deus. Segunda Tomás de 
Aquino, a ser humano só pode fazê-lo movido pela graça divina. Para Alexandre de Haies 
íoor volta de 1170-12451. natural da Inalaterra e desde a~raximadamente 1231 franciscano. 
. . - 
quem faz o que é capaz de fazer é igual a uma pessoa que abre a janela: não acende a luz no 
quarto nem o ilumina, mas faz com que a luz possa entrar nele para iluminá-lo. 
disposição e até mesmo rebelião contra a graça. 
3 1. Invencionice vanissima é a afirmação de que o predestinado pode ser 
condenado separando-se os conceitos, mas não combinando-osi'. Contra os 
escolásticos. 
32. Igualmente não resulta nada da afirmação de que a predestinação é 
I necessária pela necessidade da conseqüência, mas não pela necessidade do 
consequentelg. 
33. Falsa é também a tese de que fazer o que está em si equivale a remo- 
ver os obstáculos que se opõem a graça. Contra determinados teólogos. 
34. Em suma, a natureza não tem nem ditame correto nem vontade boa. 
35. Não é verdade que a ignorância irremediável19 exime de toda culpa. 
Contra todos os escolásticos. 
36. Porque a ignorância de Deus, de si mesmo e do que são boas obras 
sempre é irremediável para a natureza. 
37. A natureza até necessariamente se vangloria e orgulha por dentro da 
i 
obra que, na aparência e exteriormente, é boa. I 38. Não existe virtude moral sem orgulho ou tristeza, isto é, sem pecado. I 39. Não somos senhores dos nossos atos desde o principio até o fim, e sim escravos. Contra os filósofos. 40. Não nos tornamos justos por realizarmos coisas justas; é tendo sido 1 L i feitos justos que realizamos coisas justas. Contra os filósofos. 41. Quase toda a Efica de Aristóteleszoé a pior inimiga da graça. Contra 
os escolá>ticos. 
42. E um erro dizer que a concepção de felicidade de Aristóteles não con- 
traria a d y t r i n a católica. Contra os moralistas. 
43. E um erro dizer que, sem Aristóteles, ninguém se torna teólogo. 
Contra a opinião geral. 
44. Muito pelo contrário, ninguém se torna teólogo a não ser sem Aris- 
tóteles. 
45. Dizer que o teólogo que não é um lógico é um monstruoso herege, é 
uma afirmação monstruosa e herética. Contra a opinião geral. 
17 O que significa separar e combinar os conceitos pode ser mostrado atraves do seguinte 
exemplo: "Quem dorme, pode estar acordado" é uma afirmação correta "separando-se os 
conceitos", pois um ser humano pode dormir e estar acordado em momentos diferentes. 
1 Mas é uma afirmacão errada "combinando-se os conceitos", pois ninguém pode dormir e estar acordado ao mesmo tempo. 
18 "Necessidade da conseqiiência" quer dizer, neste contexto: aquilo que Deus quer, acontece 
I 
necessariamente; quem for predestinado por Deus, será necessariamente salvo. "Necessida- 
de do conseqüente" quer dizer: não se pode demonstrar que delermirrada pessoa necesaa- 
riamente tivesse que ser predestinada por Deus. 
19 Ipnoronlia invincibilir, no original. Por "ignorância irremediável" os teólogos escolásticos 
entendiam o fato de que obstáculos intransponiveis impedem uma pessoa de conhecer o 
verdadeiro e único caminho da salvaçáo, que é indicado pela Igreja de Roma. Tal ignarân- 
'4 cia, diriam. não 6 pecado; conseqüentemente, exime de toda culpa. Além disso conheciam 
a "ignorância grave", que exime de grande parte de culpa, e a "ignorância intencional", 
') ciija conreqdência é uma culpa maior. 
'I 
211 < ' V . a iiitio<liiyãii a csrc escrilo. 
17 
46. É em vão que se forja uma lógica da fé, uma suposição sem pé nem 
cabeça. Contra os dialéticos recentes. 
47. Nenhuma fórmula silogistica subsiste em questões divinas. Contra o 
cardeal Pedro d'Ailly2'. 
48. Mesmo assim, não se segue dai que a verdade do artigo sobre a Trin- 
dade contraria as fórmulas silogisticas. Contra aqueles e contra o cardeal. 
49. Se uma fórmula silogistica subsistisse em questões divinas, o artigo 
sobre a Trindade seria conhecido, em vez de ser crido. 
50. Em suma, todo o Aristóteles está para a teologia como as trevas es- 
tão para a luz. Contra os escolásticos. 
51. É altamente duvidoso que os latinos tenham uma opinião correta so- 
bre Aristóteles. 
52. Teria sido bom para a Igreja se Porfiri022 com seus universal ia^^ não 
tivesse nascido para os teólogos. 
53. As definições mais correntes de Aristóteles parecem pressupor aquilo 
que pretendem provar. 
54. Para o ato meritório basta a coexistência da graça; do contrário, a 
coexistência nada é. Contra Gabriel Biel. 
55. A graça de Deus nunca coexiste de forma ociosa, mas é espírito vivo, 
ativo e operante; nem mesmo pelo poder absoluto de Deus pode suceder que 
haja um ato de amizade sem que a graça de Deus esteja presente. Contra Ga- 
briel Biel. 
56. Deus não pode aceitar o ser humano sem a graça justificante de 
Deus. Contra Occam. 
57. Perigosa é a afirmação de que a lei preceitua que o cumprimento do 
preceito suceda dentro da graça de Deus. Contra o cardeal Pedro d'Ailly e 
Gabriel Biel. 
58. Tal afirmação implica que ter a graça de Deus seria uma nova exigên- 
cia além da lei. 
59. Tal afirmação implica também que o cumprimento do preceito pode- 
ria ocorrer sem a graça de Deus. 
60. Ela também implica que a graça de Deus se tornaria mais odiosa do 
que a própria lei o foi. 
61. Disso não se infere que a lei deve ser guardada e cumprida na graça 
de Deus. Contra Gabriel Biel. 
21 1350-1420, francês. lecionou na Universidade de Paris, tendo sido mais tarde nomeado bis- 
po (1396 em Cambrai) e cardeal (141 1). e um dos teõlogos em cujos escritos Lutero se apro- 
fundou como estudante universitirio. 
22 232/33-304/05, lilásafo neoplatõnico que, embora fosse inimigo do cristianismo, exerceu 
grande influência sobre o mesmo. Sua introduçào aos escritos lógicos de Aristoteies, rcdigi- 
da em grego e traduzida para o latim, no séc. VI, por Boécio, foi o ponto de partida para a 
controvérsia medieval sobre os universoiio (cf. a nata seguinte). 
23 Conceitos gen6ricos. Na Idade Média discutiu-se a relaçào entre eles e as coisas reais e per- 
ceptiveis. O realismo platõnico afirmava que os conceitos genéricos existem realmente, se- 
parados das coisas. Segundo o realismo aristotéiico, os conceitos existem imanentes as coi- 
sas. Para o nominalisma, eles sao meras abstraçdes das coisas concretas, abstraçdes essas 
produzidas pelo raciocinio humano. 
62. Portanto, quem está fora da graça de Deus peca constantemente, 
mesmo não matando, não praticando adultério, não cometendo roubo. 
63. A conclusão a ser tirada é queessa pessoa peca por cumprir a lei de 
forma não espiritual. 
64. Não mata, não pratica adultério nem comete roubo espiritualmente 
quem não se ira nem cobiça. 
65. Fora da graça de Deus é a tal ponto impossivel não ser tomado de ira 
ou de cobiça, que nem mesmo na graça isso pode suceder de forma a cumprir 
perfeitamente a lei. 
66. Não matar, não praticar adultério, etc. exteriormente e em ato con- 
I creto é justiça dos hipócritas. 67. Não cobiçar e não se encolerizar provém da graça de Deus. 
I 68. Portanto, sem a graça de Deus é impossível cumprir a lei, seja de que 
I maneira for. 69. Sim, por natureza, sem a graça de Deus, ela é mais transgredida ain- 
da. 
70. Para a vontade natural, a lei, que, em si, é boa, torna-se inevitavel- 
mente má. 
71. Sem a graça de Deus, a lei e a vontade são dois adversários implacá- 
veis. 
I 72. Aquilo que a lei quer, a vontade nunca quer, a menos que, por temor 
ou por amor, finja querê-lo. 
73. A lei é o executor da vontade, que é superado apenas pelo "menino 
que nos nasceu" [Is 9.61. 
74. A lei faz abundar o pecado, porque irrita e retrai de si mesma a von- 
tade. 
75. Mas a graça de Deus faz abundar a justiça através de Jesus Cristo, 
porque torna agradável a lei. 
76. Toda obra da lei sem a graça de Deus parece boa exteriormente, mas 
interiormente é pecado. Contra os escolásticos. 
77. Sem a graça de Deus, a mão está voltada para a lei do Senhor, mas a 
vontade está sempre afastada dela. 
78. Sem a graça de Deus, a vontade se volta para a lei movida pela vanta- 
gem própria. 
79. Malditos são todos os que praticam as obras da lei. 
80. Benditos são todos os que praticam as obras da graça de Deus. 
81. Quando não entendido de forma errônea, o capitulo Falsas depe . 
I dis. V2lconfirma que, fora da graça, as obras não são boas. 
I 82. Não só as leis cerimoniais são leis não boas e preceitos nos quais não 
se vive. Contra muitos mestres. 
83. Isto vale também para o próprio Decálogo e para tudo o que puder 
ser ensinado ou prescrito interior ou exteriormente. 
24 Decreturn rnogisiri Crolioni, parte 11, causa XXXIII, questào 111, distindio V, capitulo 6 , 
in: Corpus iuris canonici, Graz, 1955, v . I , col. 1241. O Decreturn Grorioni é a campila~ão 
dr> direito can6nico feita pelo monge camaldulense Graciano pouco depois de 1140. 
19 
84. A lei boa na qual se vive é o amor de Deus derramado em nossos co- 
rações pelo Espírito Santo2J. 
85. Se fosse possível, a vontade de qualquer pessoa preferiria ser comple- 
tamente livre e que não houvesse lei. 
86. A vontade de qualquer pessoa odeia que a lei lhe seja imposta, a me- 
nos que deseje que lhe seja imposta por amor a si mesma. 
87. Já que a lei é boa, nâo pode ser boa a vontade que é inimiga da lei. 
88. Disso se evidencia claramente que toda vontade natural é iníqua e 
má. 
89. A graça é necessária como mediadora que concilie a lei com a vonta- 
de. 
90. A graça d e Deus é dada para orientar a vontade, para que esta não 
erre também ao amar a Deus. Contra Gabriel Biel. 
91. Ela nâo é dada para suscitar atos com maior freqüência e facilidade, 
mas por ue, sem ela, nenhum ato de amor é suscitado. Contra Gabriel Biel. 
92. i. irrefutável o argumento de que o amor seria supérfluo se, por na- 
tureza, o ser humano fosse capaz de um ato de amizade. Contra Gabriel Biel. 
93. Perversidade sutil é dizer que fruir e usar constituem o mesmo ato. 
Contra Occam, o cardeal Pedro d'Ailly e Gabriel Biel. 
94. O mesmo vale para a afirmação de que o amor a Deus subsiste mes- 
m o ao lado de intenso amor pela criatura. 
95. Amar a Deus significa odiar a si mesmo e nada saber além de Deus. 
96. Nosso querer deve conformar-se em tudo a ~ f o n t a d e divina. Contra o 
cardeal Pedro d'Ailly. 
97. Não só devemos querer o que ele quer que queiramos, mas devemos 
querer absolutamente qualquer coisa que Deus queira. 
Com isto nada queremos dizer nem acreditamos ter dito qualquer coisa 
que não esteja de acordo com a Igreja católica e os mestres d a Igreja. 
25 Cf. Rm 5 . 5 
Debate para o Esclarecimento 
do Valor das indulgênciasi 
As 95 teses, cuja afixasão, a 31 de outubro de 1517, é comemorada anualmente 
conio Dia da Reforma, de modo algum tinham a intenqão de deíiagrar um movimen- 
to. Lutero nada mais pretendia que o esclarecimento teológico de uma questão que o 
envolvia como cura d'almas e que tinha implicaçdes para a piedade de seus paroquia- 
nos: a indulgência. A indulgência está relacionada ao Sacramento da Penitência. Na 
I'cnitência, esperavam-se o arrependimento do pecador, a confissão na presença de 
urn sacerdote, a absolvição e a satisfafáo imposta. Na satisfaqão, o pecador deveria 
fazer reparasão ou expiasão por causa do castigo que o pecado acarretava. Era opi- 
nião corrente que o pecado não só acarretava culpa, mas também castigo. Esse castigo 
deveria ser assumido aqui na terra ou expiado no purgatório. Na Alta Idade Média e 
na Idade Média Tardia desenvolveram-se, em conexão com o Sacramento da Penitên- 
cia e com o surgimeiito da doutrina das indulgências, doutrinas que diziam respeito a 
questdes de direito divino e de direito eclesiástico, ao purgatório e ao "tesouro da 
Igreja". Este seria formado pelos méritos excedentes de Cristo e dos santos, podendo 
ser usado pela Igreja para conceder indulgências a terceiros. As indulgências, surgidas 
no século XI, diriam respeito, inicialmente, apenas aos castigos temporais impostos 
pela Igreja, mais tarde; aos castigos temporais que deveriam ser purgados no purgató- 
rio e, iinalmente, também aos pecados de parentes já falecidos que estavam no purga- 
tório. As opiniões dos teólogos divergiam bastante uma da outra, e, no inicio do sécu- 
lo XVI, não havia a necessária clareza a respeito do assunto. 
As indulgências tinham destacada importância sob o aspecto financeiro. A Cúria 
e o Estado papal dependiam em grande parte das rendas auferidas com a venda de in- 
dulgências. Muitos projetos eram financiados com a publicação de indulgências. No 
campo econômico, pode-se afirmar que as indulgências tinham a mesma função que, 
mais tarde, teriam os empréstimos. Para os fiéis, a indulgência era uma oportunidade 
de se protegerem do purgatório e do juizo eterno. Aqui, o desejo de salvaçâo encon- 
trado entre o povo vem ao encontro das necessidades financeiras da Cúria. 
As criticas que Lutero tece nas 95 teses são oriundas de suas preocupaçdes como 
cura d'almas. bem como de seu comoromisso de. como doutor em Teologia. ter oue 
- . 
zelar pela correta doutrina e pregasã; da Igreja. suas criticas são possiveis, pois aiida 
não existem formulacões doamáticas acerca da questão. Por outro lado são coraiosas. 
. . 
pois têrn que enfrentar um uso muito difundidóe o interesse financeiro da Cúria Ro- 
mana. 
e qualquer forma de indulgência; limita-a, no entanto, as penas temporais impostas 
I I>i.spurario pro deciorotione virlutis indulgenliorum, WA 1,233-8. Tradução de Waltei O. 
Schliipp. 
2 1 
pela Igreja e volta-se contra a falsa segurança provocada pela indulgência. Por trás da 
critica comedida encontram-se já alguns indicios para o que há de seguir-se. Nota-se 
isso no conceito de uenitência. Que. uara Lutero, não é o sacramento, mas arrenendi- 
. . 
mento, segundo o uso do conceito no Novo Te~tamento. Há também um novo concei- 
to de ministério, uois, segundo Lutero, o sacerdote só uode uerdoar cuba como decla- 
ração de que elajá foi perdoada por Deus. Lutero ataca a doutrina do "tesouro da 
Igreja" (tese 62). Algumas formulaçdes evidenciam que, formalmente, as teses já não 
eram apenas temas de discussão. Vejam-se as teses 42-51, que principiam com as pald- 
vras "Deve-se ensinar aos cristâos que...". Por tudo isso não é de admirar que a dis- 
~ ~ 
tos. 
Em meados de 1518, Lutero publicou Um sermào sobreu indulgência e a pruçu, 
que resume os pensamentos centrais das 95 teses de 1517. Nesse escrito, o acento é co- 
locado no fato de que arrependimento e penitência são algo que atinge o ser humano 
todo. O cristão náo deve fuair ao castieo. mas assumi-lo como cruz. As obras aue o 
- " . 
cristão deve realizar são serviço ao próximo e não devem ser entendidas conio atos em 
prol de seu aperfeiçoamento ou ainda como fuga aos castigos impostos por Deus e, co- 
mo tais, úteis ao ser humano. Neste sermão já começa a ser esboçada a opinião de que 
a ~rá t ica da Penitência só uoderá ser corriaida caso houver combate a doutrina da teo- 
logia escolástica, que indiz à ociosidade da fé. 
Martin N. Dreher 
Por amor h verdade e n o empenho de elucidá-Ia, discutir-se-á o seguinte 
em Wittenherg, sob a presidência d o reverendo padre Martinho Lutero, mes- 
tre d e Artes e de Santa Teologia e professor catedrático desta última, naquela 
localidade. Por esta razão, ele solicita que os que não puderem estar presen- 
tes e debater conosco oralmente o façam por escrito, mesmo que ausentes. 
Em nome d o nosso Senhor Jesus Cristo. Amém. 
1. A o dizer: "Fazei penitência"2, etc. [Mt 4.171, nosso Senhor e Mestre 
Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência. 
2. Esta expressão não pode ser entendida n o sentido da Penitência 
2 Também seria possível traduzir "arrependei-vos". No entanto, como a palavra latina p o e ~ 
no tem caráter jurídico-legal, é preferível que se opte por "penitência". Ao usar o conceito, 
tomando-o de Mt 4.17, na versão da Vulgata, Lutera já está entrando no centro da discus- 
são. Cf. a carta de Lutero a Staupitz (30/5/1518). WA 1,525-7. 
sacramental' (isto é, d a confissão e satisfação4 celebrada pelo ministério dos 
sacerdoies). 
3. No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a 
~en i t ênc ia interior seria nula se. externamente. não oroduzisse toda sorte de 
mortificacões d a carne. 
4. po r conseqüência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mes- 
m o (isto é a verdadeira penitência interior), o u seja, até a entrada n o reino 
dos céus. 
5. O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daque- 
las que impôs por decisão própria o u dos cãnones. 
6. O papa não pode remitir culpa alguma senão declarando e confirman- 
d o que ela foi perdoada por Deus, ou , sem dúvida, remitindo-a nos casos re- 
servados para si; se estes forem desprezados, a culpa permanecerá por intei- 
ro. 
7. Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, a o mesmo tempo, 
sujeitá-la, em tudo humilhada, a o sacerdote, seu vigário. 
8. Os cãnones penitenciais' são impostos apenas aos vivos; segundo os 
mesmos cãnones, nada deve ser imposto aos moribundos. 
9. Por isso o Espírito Santo nos beneficia através d o papa quando este, 
em seus decretos, sempre exclui a circunstância d a morte e d a necessidades. 
10. Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reser- 
vam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório7. 
11. Essa erva daninha de transformar a pena canônica em pena d o pur- 
gatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiama. 
12. Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes 
da absoivicão. como verificacão da verdadeira contricão9. . . 
13. Através damorte , os moribundos pagam tudo e jáestão mortos para 
as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas. 
3 A Penitência é um dos sete sacramentos da Igreja Católica Romana. Ao usar a expressao 
"Penitência sacramental". fica evidente que Lutero não nega a Penitència, mas dá-lhe um 
sentido mais orofundo. a oartir da Novo Testamento ícf. tese I). 
satisfacão ocorre por meio de indulgências. 
5 Prescrição da modo de confessar ou expiar. 
6 Sc. extrema. 
7 O purgatório, um estado de penitência e purificação entre a morte e o juizo final, é, para a 
doutrina católico-romana, o local para o pagamento das penas decorrentes dos pecados. 
Estas penas podem ser parcial ou tatalmente eliminadas pelas indulgências. No mundo cris- 
tào. a doutrina da purgatório surge primeiro em Origenes, no século li. Em 1517, Lutero 
ainda aceita a doutrina do purgatório. Mais tarde irá abandoná-la completamente. 
8 Cf. Mt 13.25. 
9 Nas ordens penitenciais da Igreja antiga, existentes desde os dias de Tertuliano, o pecador 
tinha que fazer satisfação para alcan~ar a readmissào na comunhão eclesiástica. Após asa- 
tisfacão, era-lhe anunciada a absolvição e concedida readmissão. Com esta referência his- 
tórica, Lutcro pretende reforgar a dito na tese 8, onde afirma que as satisfações só podem 
sei impostas aos vivos e não aos mortos. 
14. Saúdeioou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz con- 
sigo grande temor, e tanto mais, quanto menor for o amor. 
15. Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras 
coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do 
horror do desespero. 
16. Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o de- 
sespero, o semidesespero e a segurança. 
17. Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror dimi- 
nua na medida em que cresce o amor]'. 
18. Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais 
nem da Escritura, que elas se encontram fora do estado de mérito ou de cres- 
cimento no amor. 
19. Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório es- 
tejam certas e seguras de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo 
que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza. 
20. Portanto, sob remissão plena de todas as penas o papa não entende 
simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs. 
21. Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a 
pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa. 
22. Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única 
pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida. 
23. Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele 
certamente só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos. 
24. Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibria- 
da por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena. 
25. O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, 
qualquer bispo e cura têm em sua diocese e paróquia em particular. 
26. O papa faz muito bem ao dar remissão as almas não pelo poder das 
chaves (que ele não teml2), mas por meio de intercessão. 
27. Pregam doutrina humana os que dizem que, tão logo tilintar a moe- 
da lauçada na caixa, a alma sairá voandol3. 
28. Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, podem aumentar o lucro e 
a cobica; a intercessão da Igrejaid, porém, depende apenas da vontade de 
Deus. 
29. E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resga- 
10 Sc. espiritual. 
I I O sofrimento do purgatório é um castigo de purificação imposto por Deus e não pelos seres 
humanos. No emito E m l i c o ~ do debate sobre o valor dm indulgêncim ípp. IMss. da te vo- 
lume), Lutero dirá que no purgatório deve ser consumido o resto do velho ser humano, Pa- 
ra que surja a nova vida na Espirito. O medo ante o castigo desaparece, enquanto que a fé e 
O amor crescem. 
12 Sc. para este fim. 
13 Sc. do purgatório. Segundo o pesquisador católico Nicolau Paulus, o pregador dominicano 
João Tetzel realmente anunciou em suas pregaçdes a frase: "Antes que o dinheiro iilinte na 
caixa, a alma salta do purgatório." 
14 Isto é. sua aceitação. 
tadas? Diz-se que este não foi o caso com S. Severino e S. PascoaliJ. 
30. Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos 
de haver coiiseguido plena remissão. 
3 1. Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenti- 
camente as indulgências,ou seja, é rarissimo. 
'! 32. Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, 
i aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgên- cia. 33. Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgên- cias do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é re- 
I conciliada com Deus. 
34. Pois aquelas graças das indulgências se referem somente as penas de 
satisfação sacramental, determinadas por seres humanos. 
35. Não pregam cristãmente os que ensinam não ser necessária a contri- 
ção aqueles que querem resgatar almas ou adquirir breves confessionais~6. 
36. Qualquer cristão verdadeiramente arrependido tem direito a remis- 
são plena de pena e culpa, mesmo sem carta de indulgência. 
37. Qualquer cristão verdadeiro, seja vivo, seja morto, tem participação 
em todos os bens de Cristo e da Igreja, por dádiva de Deus, mesmo sem carta 
de indulgência. 
38. Mesmo assim, a remissão e participação do papa de forma alguma 
devem ser desprezadas, porque (como disse") constituem declaração do per- 
dão divino. 
39. Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar perante 
o povo, ao mesmo tempo, a liberalidade das indulgências e a verdadeira con- 
trição. 
40. A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abun- 
dância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, pelo menos dando ocasião 
para tanto. 
41. Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, 
para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas 
obras de amor 
15 1\., c<;riio Eipliiu(ór~rdo <Iel,iire whre o iuli>r<lacinduly?n:,m lp. I 7 5 de,ic iulunir). Luteri) 
A i r i "1\13 l i uni c;rir.i Iidedigiio a riipciid do. dai,. p3rCni i > u s ~ ; . ,n i~r qucele; poJsriAm 
ter sido libertos por seus méritos, se tivessem querido sei glorificados em grau menor. (...) 
Mas nessas coisas cada um creia o que quiser, para mim tanta faz." Lutero reproduz pcnsa- 
mentos do agostiniano João Censer von Paltz (até 1507 em Erfurt). 
16 As confessionolio. "breves confessionais". eram oarte imwrtante das macas relacionadas 
.. . 
:ort. 4 prd.'ldnid;do d.,. 1iidulg6n:.a\ ~tihil.rri Oiiciii ..>mpiairc ia: pri\il?piJ adduiriradi- 
riiio .I< c*.wllier tini .x,iitr\r<,r. a.> qual li.i>i&ni ; ~ i v c J i h > ai.i<,ii?&;.>cr tis:iilJdc\) 
c..pc.iui> I > i r i a ab$ul\i;&i. Aleni dirx,. aJquiria uoid ind~lgi'n;id p.iniiia par4 \zr ii<add 
uma vez na vida e para a hora da morte. Os confessores indicados, quando da venda de 
I uma tal bula extraordinária, tinham a autoridade de conceder dispensa também nos casos reservados ao papa e de transformar promessas especialmente severas em outras de menor peso. Alem disso, podiam autorizar a retenção de bens ilegitimamente adquiridos, de ma- 
trimônios entre pessoas inabilitadas devido a certos graus de parentesco, etc. 
17 Cf. tese 6. 
42. Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papal8 que a 
compra de indulgências possa de alguma forma ser comparada com as obras 
de misericórdia. 
43. Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao 
necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências. 
44. Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna 
melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas ape- 
nas mais livre de pena. 
45. Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia 
para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas 
a ira de Deus. 
46. Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundãn- 
cia, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma des- 
perdiçar dinheiro com indulgências. 
47. Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e 
não constitui obrigação. 
48. Deve-se ensinar aos cristãos que, ao conceder indulgências, o papa, 
assim como mais necessita, da mesma forma mais deseja uma oração devota 
a seu favor do que o dinheiro que se está pronto a pagar. 
49. Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se 
não depositam sua confiança nelas, porém extremamente prejudiciais se per- 
dem o temor de Deus por causa delas. 
50. Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos 
pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basilica de S. Pedro 
do que edificá-Ia com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas. 
51. Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto - como é 
seu dever - a dar do seu dinheiro aqueles muitos de quem alguns pregadores 
de indulgências extraem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse 
necessário vender a Basilica de S. Pedro. 
52. Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, 
mesmo que o comissário'9 ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como 
garantia pelas mesmas. 
53. São inimigos de Cristo e do papa aqueles que, por causa da pregação 
de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais 
igrejas". 
- .- 
18 Lutero pensa ter o apoio papal ao discutir estas questdes. Na época julga poder usar a opi- 
nião papal contra seus adversários. Somente alguns anos mais tarde é que verá que estava 
enganado. 
19 Pessoa caniissionada pela Igreja com a venda de indulgêi.cias. O príncipe-eleitor e arcebis- 
po de Mogúncia, Alberto de Hohenzollern, era comissário-mor para a província eclesiásti- 
ca alemã. João Tetzel, o pregador daminicano, era subcamissário. 
20 Durante o periodo de sua permanência em uma localidade, o comissário era senhor absolu- 
to sobre a igreja e sobre as sacerdotes. Determinava quando e onde poderia ser pregada. 
Podia, além disso, suspender a5 indulgências especiais, proibir a confissão, sob pena de ex- 
comunhão, designar confessores de indulgência. - Nas teses 53-55 bate forte o caracão de 
Lutero: a indulgência ameaca silenciar a palavra de Deus. Unico fundamento da Igreja e da 
26 
54. Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedi- 
ca tanto ou mais tempo ás indulgências do que a ela. 
55. A atitude do papa é necessariamente esta: se as indulgências (que são 
o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e 
uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado 
com uma centena de sinos, procissões e cerimônias. 
56. Os tesouros da Igreja21, dos quais o papa concede as indulgências, 
não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cris- 
to. 
57. É evidente que eles certamente não são de natureza temporal, visto 
que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajun- 
tam. 
58. Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos>\ pois estes sem- 
pre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o 
inferno do ser humano exterior. 
59. S. Lourenço23 disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mes- 
ma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época. 
60. É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que lhe fo- 
ram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem este tesouro. 
61. Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos," o poder 
do papa por si só é suficiente. 
62. O verdadeiro tesouro da Igreja é o santissimo Evangelho da glória e 
da graça de Deus. 
63. Este tesouro, entretanto, é o mais odiado, e com razão, porque faz 
com que os primeiros sejam os úItimos25. 
64. Em contrapartida, o tesouro das indulgências é o mais benquisto, e 
com razão, pois faz dos últimos os primeiros. 
65. Por esta razão, os tesouros do Evangelho são as redes com que ou- 
trora se pescavam homens possuidores de riquezas. 
66. Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje 
se pesca a riqueza dos homens. 
67. As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maioresgraças realmente podem ser entendidas como tal, na medida em que dão boa 
renda. 
68. Entretanto, na verdade elas são as graças mais ínfimas em compara- 
fe é a palavra de Deus (cf. tese 62). Também nesse aspecto, Lutero julga contar com o 
apoio Ele espera ser possível uma reforma da Igreja de dentro para fora. 
21 O tesouro da Igreja é formado pelas obras excedentes de Cristo e dos santos. Estas obras 
excedentes estão confiadas à administracão papal como thesourus bonorum operum. Cabe 
ao papa distribui-las a quem delas necessita. Lutero nega essa concepção na tese 5 8 . 
22 Lufero ainda assume o conceito católico-romano dos santos e de seus méritos. 
23 Diácano romano, morta na persegui~ão de Valéria (258). Segundo a lenda, ao ser intimado 
pelo juiz a entregar os tesouros da Igreja, Lourenço, que era diácono, apontou para os po- 
bres da comunidade. 
24 <'i. tese 6 . 
25 C f . MI 2(l.lh. 
ção com a graça de Deus e a piedade da cruz. 
69. Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência 
os comissários de indulgências apostólicas. 
70. Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos 
e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os 
seus próprios sonhos em lugar do que Ihes foi incumbido pelo papa. 
71. Seja excomungado e maldito quem falar contra a verdade das indul- 
gências apostólicas. 
72. Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licen- 
ciosidade das palavras de um pregador de indulgências. 
73. Assim como o papa com razão fulmina26 aqueles que de qualquer 
forma procuram defraudar o comércio de indulgências, 
74. muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, 
procuram defraudar a santa caridade e verdade. 
75. A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes ao ponto de 
poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, 
caso isso fosse possível, é loucura. 
76. Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem 
anular sequer o menor dos pecados veniais27 no que se refere a sua culpa. 
77. A afirmação de que nem mesmo S. Pedro, caso fosse o papa atual- 
mente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o pa- 
pa. 
78. Afirmamos, ao contrário, que também este, assim como qualquer 
papa, tem graças maiores, quais sejam o Evangelho, os poderes28, os dons de 
curar, etc., como está escrito em 1 Co 12. 
79. É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insignemente 
erguida29, equivale á cruz de Cristo. 
80. Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem 
que semelhantes conversas sejam difundidas entre o povo. 
81. Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil, 
nem para homens doutos, defender a dignidade do papa contra calunias ou 
perguntas, sem duvida argutas, dos leigos. 
82. Por exemplo: por que o papa não evacua o purgatório por causa do 
santíssimo amor e da extrema necessidade das almas - o que seria a mais jus- 
ta de todas as causas -, se redime um número infinito de almas por causa do 
funestissimo dinheiro para a construção da basilica - que é uma causa tão 
insignificante? 
83. Do mesmo modo: por que se mantêm as exéquias e os aniversários 
26 Sc. com excomunhão. 
27 A teologia católica distingue entre pecados veniais e pecados mortais. Os primeiros não são 
pecados no sentido lato do termo. Os segundos referem-se aos sete pecados capitais. Estes. 
enquanto não forem perdoados, têm como conseqüência a morte eterna, devendo, por isso, 
ser confessados. 
28 Sc. espirituais. 
29 Sc. nas igrejas. 
dos falecidos]O e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as 
doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimi- 
dos? 
84. Do mesmo modo: que nova piedade de Deus e do papa é essa: por 
causa do dinheiro, permitem ao impio e inimigo redimir uma alma piedosa e 
amiga de Deus, porém não a redimem por causa da necessidade da mesma al- 
ma piedosa e dileta, por amor gratuito? 
85. Do mesmo modo: por que os cánones penitenciais - de fato e por 
desuso já há muito revogados e mortos - ainda assim são remidos com di- 
nheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno 
vigor? 
86. Do mesmo modo: por que o papa, cuja fortunahoje é maior que a 
dos mais ricos Crassos", não constrói com seu próprio dinheiro ao menos es- 
ta uma Basilica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres 
fiéis? 
87. Do mesmo modo: o que é que o papa perdoa e concede aqueles que, 
pela contrição perfeita, têm direito a remissão e participação plenária? 
88. Do mesmo modo: que beneficio maior se poderia proporcionar a 
Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma 
concedesse essas remissões e participações 100 vezes ao dia a qualquer dos 
- ~ - - 
fiéis? 
89. Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das al- 
mas do que o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências outrora já 
concedidas, se são igualmente eficazes? 
90. Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela 
força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa a 
zombaria dos inimigos e desgraçar os cristãos. 
91. Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com 
o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente 
respondidas e nem mesmo teriam surgido. 
92. Fora, pois, com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo: 
"Paz, paz!" sem que haja paz32! 
93. Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo: 
"Cruz! cruz!" sem que haja cruz! 
94. Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, 
seu cabeça, através de penas, da morte e do inferno; 
95. e, assim, a que confiem que entrarão no céu antes através de muitas 
tribulações33 do que pela segurança da paz. 
30 Missas e intercessdes em memária das almas dos falecidos. 
31 Referência a Marco Licinia Crasso, protótipo da homem rico da Antiguidade 
32 Cf. Jr 6.14; 8.11; Er 13.10.16. 
33 Cf. AI 14.22. 
Um Sermão sobre a Indulgência e a Graça 
pelo Mui Digno Doutor Mruíinho Lutero, Agostiniano de Wittenberg 1 
INTRODUÇÃO 
(Veja a in t rodução ao Debale para o esclarecimento d o valor das indulgências, 
pp. 21s. deste volume.) 
1. Em primeiro lugar, cumpre que saibam que vários novos mestres, tais 
como o mestre das Sentenças*, S. Tomási e seus seguidores, atribuem três 
oartes a Penitência. auais seiam: a contricão. a confissão e a satisfacão. Esta 
, . . , 
distinção, em seu conceito, dificilmente ou mesmo de forma alguma se acha 
fundamentada na Sagrada Escritura e nos antigos santos mestres cristãos. 
Mesmo assim queremos admiti-la por ora e falar ao modo deles. 
2. Dizem eles que a indulgência não elimina a primeira ou a segunda par- 
te - a contrição ou a confissão -, mas sim a terceira, a satisfação. 
3. A satisfacão também é subdividida em três oartes: orar. ieiuar. dares- 
, < - . 
mola, e isto da seguinte forma: "orar" compreende todas as obras próprias 
1 Eynn Serrnon von dem Abloss undgnode durch den wirdigenn docfornn Marlinum Lufher 
Augusliner Izu Wilfenbergk, WA 1,243-6. Tradução de Walter O. Schlupp. 
2 Trata-se de Pedro Lornbardo íca. 11W-1160). Nascido em Novara. na Lombardia. e faleci- . ~ ~~~ 
J > cri> Pa r#> , L.\!,IJJU, QLIC I J J U ~ . J L . ~ , em U<>I.mh.a c, p,,~r:r!.>rr!,.ntc, LYU RC.~I>L, C cru 
Pari>. k n i IJ3r . r Ik;iiii.,ii ii?~.s..>l:~ (l>< ,ilcdri1' JL. F I J L T ~ U3nx Lin 1151 f.>i ? . < . i . > bi.p.r Jc 
I'an> t,tb:rc obra. en :>~~r ; t r~ .d> ; a ! , e~~ t i r~ch I<>, S ~ l n , . ) , e i ~ cpi*v~>l:fi, p:xuIin.x\, ?4 \er - 
mdea e os Senfenliarurn libri I V As Senlen~os apresentam um resumo sistemático dos ca- 
nhecirnentos teolbgicos da época. Trata-se,basicamente. de uma compilação (Pedro usa 
textos de Hugo de São Vitor, Walter de Mortagnc e Pedro Abelardo), que teve grande acei- 
tação nas escolas, servindo de modelo para outras obras similares. Desde o séc. XIII, pas- 
sou a ser livro-texto oara o ensina teolbeico. Ouanto à doutrina escolástica da Penitència. ~~. 
; i . a 0hi.i de I iilero 110 ,u!t,r,rri h~bil i iniriz dd I<i~,.re,~; i:ni pr r... id:.,. ".i \.. 2 deti:% .olz;ls 
i I,>rna% J i \.luin<> (1225- 1274) I>.imin..;.iio. toi prci:,,,,: Ji, 1c<>li)$~3 2111 1'3:1\. Ko:na c 
\:q>.k'% A p r . ~ t ~ ~ r d 3 r ~ ~ l ~ ~ d ~ o r ~ l ~ ~ ; t ~ ~ ~ c n ~ ~ ~ .te .Ar~.to:?I+ c .Is>> pd!, d;a Iprc,,,, Iom13, . r#"" 
uni dos inair impressionantes sistemas da escolastica 
3 1 
da alma, como ler, meditar, ouvir apalavra de Deus, pregar, ensinar e simila- 
res; "jejuar" inclui todas as obras de mortificação da carne, como vigílias, 
trabalho, leito duro, vestes grosseiras, etc.; "dar esmolas" abrange todas as 
obras de amor e misericórdia para com o próximo. 
4. Para todos eles não resta dúvida que a indulgência elimina as obras da 
satisfação, que devemos fazer ou que nos foram impostas por causa do peca- 
do. Se ela de fato eliminasse todas essas obras, nada de bom restaria que pu- 
déssemos fazer. 
5 . Para muitos foi uma questão importante - e ainda não resolvida - 
se a indulgência elimina mais do que essas boas obras impostas, ou seja, se 
ela também elimina a pena que a justiça divina exige pelos pecados. 
6. Desta vez não questiono a opinião deles. Afirmo, entretanto, que não 
se pode provar, a partir da Escritura, que a justiça divina deseja ou exige do 
pecador qualquer pena ou satisfação, mas sim unicamente sua contrição ou 
conversão sincera e verdadeira, com o propósito de, doravante, carregar a 
cruz de Cristo e praticar as obras acima mencionadas (mesmo que não este- 
jam prescritas por ninguém). Pois assim diz o Senhor através de Ezequiel: 
"Se o pecador se converter e fizer o que é reto, não mais me lembrarei do seu 
pecado." [Ez 18.21s.; 33.14.16.1 Da mesma forma ele mesmo absolveu a to- 
dos estes: Maria Madalenaa, o paralítico', a mulher adúltera" etc. Gostaria 
de ouvir quem haveria de provar outra coisa, não levando em conta que al- 
guns doutores julgaram poder fazê-lo. 
7. O que se encoutralé isto: Deus castiga alguns segundo a sua justiça ou 
os leva a contrição através de penas, como em SI 881891.31-33: "Quando seus 
filhos pecarem, punirei com a vara o seu pecado, mas minha misericórdia 
não retirarei deles." Porém a dispensa destas penas não está na mão de nin- 
guém a não ser de Deus somente; sim, ele não quer remiti-Ias, mas promete 
que as imporá. 
8. Por isso não se pode dar nome algum a pena imaginária, tampouco 
sabe alguém qual seria ela, visto que não é este castigo nem as boas obras aci- 
ma mencionadas. 
9. Afirmo que, mesmo que a Igreja cristã decidisse e declarasse hoje que 
a indulgêiicia elimina mais do que as obras de satisfação, ainda assim seria 
mil vezes melhor que cristão algum comprasse ou desejasse a indulgência, 
inas preferivelmerite praticasse as obras e sofresse a pena. Pois a indulgência 
iião é nem pode tornar-se outra coisa do que uma dispensa de boas obras e de 
Iienéficas penas, que seria melhor fossem preferidas do que abandonadas, 
;tilida que alguns novos pregadores tenham descoberto dois tipos de penas: 
~riedicativa,~ e satisfactorias8, isto é, umas para o aperfeiçoamento, outras pa- 
4 C€. Lc 8.2. 
5 Cf. Lc 5.20 
.. -. ~~ ~ 
7 Sc. na Biblia. 
R As penas niedicatiuas sao impostas para a santificaçào e reflexão; as satisfatórias objetivam 
ra a satisfação. Nós, porém, temos mais liberdade para desprezar (Deus seja 
louvado!) essa espécie de conversa do que eles têm para inventá-la. Porque 
toda pena, sim, tudo o que Deus impõe é útil e contribui para o melhoramen- 
to do cristão. 
10. De nada vale dizer que as penas e as obras seriam demasiadas, que a 
pessoa não conseguiria realizá-las por causa da brevidade de sua vida e que, 
por isso, precisaria da iiidulgência. Respondo que isso não tem fundamento e 
é pura invenção. Porque Deus e a santa Igreja a ninguém impõem mais do 
que lhe é possível carregar, como também o diz Paulo: Deus não permite que 
alguém seja tentado acima do que pode carregarg. É grande vergonha para a 
cristandade ser acusada de impor mais do que podemos carregar. 
11. Mesmo que ainda vigorassem as penitências fixadas no direito canô- 
nico, de impor sete anos de penitência para cada pecado mortal, a cristanda- 
de deveria deixar as mesmas de lado e nada mais impor acima do que cada 
um pode suportar. Como atualmente não mais vigoram estas determinações, 
tanto menos razão há para cuidar que se imponha mais do que cada um tem 
i condições de suportar bem. 
li 12. Diz-se muito bem que o pecador deve ser remetido ao purgatório ou 
a indulgência com a pena restante, mas dizem ainda outras coisas sem funda- 
I mento e prova. 
I, 13. Incorre em grave erro quem pretende fazer satisfação por seus peca- 
i 
i 
dos, pois Deus os perdoa a toda hora grátis, por graça inestimável, e nada de- 
seja em troca senão que doravante se leve uma vida boa. A cristandade, esta 
sim, faz exigsncias; portanto, ela também pode e deve dispensar delas e não 
impor nada pesado ou insuportávd. 
14. A indulgência é permitida por causa dos cristáos imperfeitos e pre- 
guiçosos, que não querem exercitar-se resolutamente em boas obras ou não 
desejam sofrer. Pois a indulgência não promove o melhoramento de nin- 
guém, e sim tolera e permite sua imperfeição. Por esta razão não se deve falar 
contra a indulgência, mas também não se deve recomendá-la a ninguém. 
15. Agiria de maneira mais segura e melhor quem desse algo para o edifi- 
cio de S. Pedro, ou o que mais é citado, por puro amor a Deus, ao invés de 
aceitar indulgências em troca. Isso porque é perigoso fazer semelhante dádiva 
por causa da indulgência e não por causa de Deus. 
16. Muito melhor é a obra feita em beneficio de um necessitado do que 
dar para dita construção; também é muito melhor do que a indulgência con- 
cedida em troca. Pois, como dissemos: melhor é uma boa obra realizada do 
que muitas dispensas. Indulgência, porém, é dispensa de muitas boas obras, 
ou, senão, nada é dispensado. 
Sim, e para que os ensine corretamente, atentem bem: antes de todas as 
coisas (sem preocupação com o edifício de São Pedro nem com a indulgência) 
deves dar ao teu próximo pobre, se queres dar alguma coisa. Mas se chegar o 
momento em que, em tua cidade, não há mais ninguém que necessite de aju- 
da (O que jamais será o caso, se Deus quiser), então deves ofertar, se quiseres, j 
as igrejas, altares, ornamentos, cálice, em tua cidade. E quando isso também 
não mais for necessário, só então - se quiseres - podes contribuir para o 
edifício de S. Pedro ou para alguma outra coisa. Mesmo assim, também não 
I 
deves fazê-lo por causa da indulgência. Pois São Paulo diz: "Quem não faz O 
bem sequer aos de sua própria casa não é cristão e é pior do que o descrente." ! 
[l Tm 5.8.1 E podes crer: quem te disser outra coisa está te seduzindo ou pro- 
cura tua alma em teu bolso; e se encontrasse aí alguns centavos, isso lhe seria 
preferível a todas as almas. 
Se agora dizes: "Então nunca mais comprarei indulgências", replico: is- 
so eu já disse acima, que minha vontade, desejo, pedido e conselho é que nin- 
guém compre indulgência. Deixa os cristãos preguiçosos e sonolentos com- 
' I 
prarem indulgência. Tu, porém, segue teu caminho! 
17. A indulgência não é nem prescrita nem recomendada, mas está entre 
o número de coisas permitidas e autorizadas. Por isso ela não é uma obra de 
obediência nem é meritória, e sim uma fuga da obediência. Por isso, embora 
não se deva impedir ninguém de comprá-la, dever-se-iam afastar dela todos 
os cristãos, estimulando-os e fortalecendo-ospara as obras e penas que são 
ai10 remitidas. 
18. Se as almas são tiradas do purgatório através da indulgência, isso eu 
não sei e também ainda não acredito, mesmo que alguns novos doutores o 
afirmem. Mas não podem prová-lo, e também a Igreja ainda não decidiu so- 
bre o assunto. Por isso, para maior segurança, é muito melhor que ores e 
atues por elas, pois isto está mais comprovado e certo. 
19. Sobre esses pontos não tenho dúvida alguma, pois estão suficiente- 
mente fundados na Escritura. Por isso também vocês não devem ter dúvida 
alguma, e deixem os doutores escolásticos~t serem escolásticos. Todos eles 
não são suficientes, com suas opiniaes, para fundamentar um sermão. 
20. Ainda que alguns, para os quais esta verdade dá grande prejuízo ma- 
terial, agora me chamem de herege, não dou muita importância a semelhante 
palavrório, pois quem está a fazê-lo são alguns cérebros tenebrosos que nun- 
ca cheiraram a Bíblia, nunca leram os mestres cristãos, nunca entenderam os 
seus próprios professores e já estão quase a decompor-se em suas opiniões es- 
buracadas e esfarrapadas. Pois se os tivessem entendido, saberiam que não 
devem difamar a ninguém sem ouvi-lo e convencê-lo do seu erro. Que Deus 
dê a eles e a nós um entendimento correto! Amém. 
10 Sc. na indulgência. 
I I Cf. o juizo emitido por Lutero a respeito das doutores escol&sticos nas teses 18 e 19 do De 
bate de Heidelberg, p. 49 deste volume. 
34 
O Debate de ~eidelber~' 
O capitulo geral d o s agostiiiianos alemães reunia-se d e três e m três anos , sempre 
n o domingo .lubilote. E m 1518, João von Staupitz2 convocou-o para o dia 25 d e abril. 
Nesta opor tunidade , Lutero, eleito três anos antes pa ra o carpo d e vipário distrital, de- 
. 
visto. Essa incumbência deve ser vista como u m a distinção: ela significa que t an to 
Staupitz quan to a o r d i m dc 1.utero não estão dispostos a abandoná-lo. Dent ro desta 
perspectiva, 1.utero n ã o tem adversários iio debate realizado a 26 d e abril d e 1518. Seu 
jovem colega d e ordem, Leonardo Beier, defende a s teses; seus ouvintes estão dispos- 
tos a acompanhar sua argumentaçáo. E m carta dirigida a Espalatino,, assinada c o m as 
palavras "Martinus Eleuthcrius" e da t ada d e i8 d e maio d e 1518, o reformador con t a 
que o dcbate transcorreu d a maneira mais cordial. Seus professores occamistasd, Usin- 
gen e Trutvetter , não puderam acompanhá-lo, pois as teses foram, tia verdade, u m 
a taque a teologia destes. Tan to maiores foram os aplausos dos estudantes e dos jovens 
I Disputotio Heideibergoe habito, WA 1,353-65. Tradusão de Waltcr O. Schlupp. 
2 1469(?)-28/12/3524. Nasceu ein Motterwitz, perto de Leisnig, falecendo em Salrburgo. 
Nobre sanão. estudou em Colôniae Leiprig, tornando-se agostiniano, em Munique, no ano 
de 1490. Em 1497 tornou-se prior do convento de Tubingen. Desde 1500 doctor in bibiia, 
foi convocado por Frederico, o Sábia, em 1503, para ser o primeiro decano da Faculdade 
de Teologia da Universidade de Wittenberg. Neste ano, tornou-se também vigário-geral da 
Congregação alenià de Observantes. No processo contra Lutero, Staupitz procurou 
defendê-lo onde lhe foi possivel, liberando-o. p. ex., do voto deobediência. Como estivesse 
sob suspeita de heresia, Staupitz renunciou, em 1520, ao cargo de vigária-geral. tornando- 
se pregador da corte da cardeal-arcebispo Mateus Lang, em Salrburgo, e abade do Conven- 
to beneditiiio de São Pedra. Desde entào, houve um distanciamento eni re la~ão a Lutero. 
Staupitr tem influências do tomismo e da mística alemã. Sua piedade cristocêntrica auxi- 
liou Lutero em seus conflitos com a penitência e a doutrina da predestinação. 
3 WA Br 1 , 1 7 3 ~ ~ . Georg Burckhardt (1484-l545), nasceu em Spalt, perto de Nürnberg. Dai 
seu cognomc Spalatin, Espalatino. Estudou Direito em Erfurt e Wittenberg, tornando-se, 
apbs, sacerdote. Desde 1508 está a serviço de Frederico, o Sábia, cuja chancelaria assume 
em 1516. Influenciado pelo humanismo, colabora com Lutero e Melanchthon na reforma 
da Universidade de Wittenberg. Secretário, conselheiro e pregador de Frederico, Espalati- 
no gola de posicão ímpar junto ao principe-eleitor, o que lhe permite assegurar a protecão 
deste para Lutero. Como humanista e tradutor de obras de Lutero e Melanchthon, procu- 
rou. por muita tempo, intermediar entre Lutero e Erasmo. Desde I525 é pastor em Alten- 
Uurgo. Participando das visitacões, Espalatino teve grande influência na organização do 
Silprciiio Episcopado dos Senhores Teriitoriais. Teologicamente dependente de Lutero, di- 
vr ige dçste na doutrina eucarisiica. 
4 Srgiiidixcc de (iuilhcrme de Occam (1285.1349). 
Da Teologia 
Desconfiando inteiramente de nós mesmos, em conformidade com aque- 
le conselho do Espírito: "Não te fies em tua inteligência" [Pv 3.51, vimos hu- 
mildemente oferecer ao julgamento de todos os que quiserem estar presentes 
os seguintes paradoxos teológicos, para que assim se evidencie se estão bem 
ou mal tomados do divino Paulo, vaso e órgão de Cristo escolhido por exce- 
lência, e ainda de Sto. Agostinho, seu mui fiel intérprete. 
1. A lei de Deus, mui salutar doutrina da vida, não pode levar o ser hu- 
mano a justiça; antes, o impede. 
2. Muito menos podem levá-lo as obras dos seres humanos, muitas vezes 
repetidas, como se diz, com o auxílio do ditame natural. 
3. Ainda que sejam sempre belas e pareçam boas, as obras dos seres hu- 
manos são, ao que tudo indica, pecados mortais. 
4. Ainda que sejam sempre disformes e pareçam ruins, as obras de Deus 
são, na verdade, méritos imortais. 
5. As obras dos seres humanos (falamos das aparentemente boas) não 
são pecados mortais no sentido de constituírem crimes. 
6. As obras de Deus (falamos das que se realizam por intermédio do ser 
humano) não são méritos no sentido de não constituírem pecados. 
7. As obras dos justos seriam pecados mortais se os próprios justos, em 
piedoso temor a Deus, não temessem que elas fossem pecados mortais. 
8. Com maior razão são pecados mortais as obras dos seres humanos, 
pois ainda são feitas sem temor, em mera e má segurança. 
9. Afirmar que as obras sem Cristo são certamente mortas, porém não 
pecados mortais, parece constituir um perigoso abandono do temor a Deus. 
10. Na verdade, é dificílimo compreender como uma obra seria morta 
sem ser, ao mesmo tempo, pecado pernicioso ou mortal. 
11. Não se pode evitar a presunção, nem pode haver verdadeira esperan- 
ça, se em cada obra não se temer o juizo de condenação. 
12. Os pecados são realmente veniais perante Deus quando os seres hu- 
manos temem que sejam pecados mortais. 
13. Após a queda, o livre arbitrio é um mero titulo; enquanto faz o que 
está em si'], peca mortalmente. 
14. Após a queda, o livre arbitrio tem uma potência apenas subjetiva pa- 
ra o bem; para o mal, porém, sua potência é sempre ativa. 
15. O livre arbítrio tampouco pôde permanecer no estado de inocência 
pela potência ativa, mas sim pela subjetiva; menos ainda pôde progredir em 
direção ao bem. 
16. O ser humano que crê querer chegar a graça fazendo o que está em si 
I I V. p. 47, nata 33. 
acrescenta pecado sobre pecado, de sorte que se torna duplamente réu. 
17. Entretanto, falar assim não significa dar motivo para o desespero, 
mas para humilhar-se, e suscitar o empenho no sentido de procurar a graça 
de Cristo. 
18. Certo é que o ser humano deve desesperar totalmente de si mesmo, a 
fim de tornar-se apto para conseguir a graça de Cristo. 
19. Não se pode designar condignamente de teólogo quem enxerga as 
coisas invisíveis de Deus compreendendo-as por intermédio daquelas que es- 
tão feitas; 
20. mas sim quem compreende as coisas visíveis e posteriores de Deus 
enxergando-as pelos sofrimentos e pela cruz. 
21. O teólogo da gloria afirma ser bom o que é mau,

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