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antes que Cristo se levantasse. Ela, entretanto, não reconheceu isso, visto que havia tantos acusadores a sua vol- ta, até que ouviu a voz do noivo dizer: "Mulher, ninguém te condenou? Nem eu tampouco te condenarei." [Jo 8.10s.1 E quando Davi pecou e, por ordem de Deus, foi repreendido pelo profeta Natã, por certo teria morrido subita- mente, quando, pela graça da justificação nele atuante, exclamou: "Pequei" [2 Sm 12.131 (pois esta é a voz dos justos, que acusam primeiramente a si mesmos), se Natã, como que o absolvendo, não dissesse imediatamente: "Também o Senhor removeu o teu pecado; não morrerás." [2 Sm 12.13.1 Por que acrescentou "não morrerás", senão porque o viu ser destroçado e desfalecer por causa do terror de seu pecado? Também Ezequias, ao ouvir que ia morrer, teria morrido se não tivesse recebido de Isaias consolo e um si- nal para entrar no templo7'. Crendo nele, obteve, ao mesmo tempo, paz e re- missão dos pecados, como diz: "Jogaste todos os meus pecados para trás de tuas costas." [Is 38.17.1 E em geral no Antigo Testamento: de que modo po- deria manter-se a confiança deles na misericórdia de Deus e na remissão dos pecados, se Deus não tivesse mostrado - através de aparições, inspirações, queimas de oferendas, apresentações de nuvens e outros sinais - que lhe agradava tudo o que faziam? Agora ele quer que isso aconteça através da pa- lavra e da sentença do sacerdote. Portanto, a remissão de Deus opera a graça, mas a remissão do sacerdo- te opera paz, a qual também é graça e dom de Deus, porque é a fé na remis- são e na graça presentes. Em minha opinião, esta é a graça que nossos mes- tres dizem ser conferida eficazmente através dos sacramentos da Igreja, po- rém ela não é a primeira graça justificante, que deve estar nos adultos antes do sacramento, e sim, como se diz em Rm 1.17, fé em fé; pois é necessário que quem vem72 creia. Por outro lado, também a pessoa batizada precisa crer que creu e veio corretamente, ou então nunca terá a paz que só se tem apartir 71 Cf. Ia 3 8 . 4 ~ ~ . 72 Sc. para o sacramento da fé. Por conseguinte, Pedro não desliga antes do que Cristo, mas declara e mostra o desligamento. Quem crer nisso com confiança obteve verdadeira- mente paz e perdão junto a Deus (isto é, tornou-se certo de que está absolvi- do), não pela certeza da coisa, mas pela certeza da fé, por causa da palavra infalível daquele que promete misericordiosamente: "Tudo o que desligares", etc. Assim [diz] Rm 5.1: "Justificados gratuitamente por sua graça, temos paz junto a Deus por meio da fé", em todo caso não por meio de uma coisa, etc. Se minha compreensão é correta e verdadeira, não é errado nem impró- prio (como querem eles) dizer que o papa remite a culpa. Sim, a remissão da culpa é incomparavelmente melhor do que a remissão de quaisquer penas, embora preguem apenas a esta e o façam de tal forma, que tornaram a remis- são da culpa nula na Igreja. No entanto, é, antes, o contrário: onde, pela re- missão da culpa (que não pode dar a si mesmo, já que ninguém deve crer em si mesmo, a menos que prefira transformar uma desordem em duas), recebi- da através da fé na absolvição, o ser humano encontrou paz, toda pena lhe é nenhuma pena. Pois é a perturbação da consciência que torna a pena moles- ta; a alegria da consciência, porém, torna a pena desejável. E vemos que essa compreensão do poder das chaves abunda entre o po- vo, que busca e recebe a absolvição com fé singela. Entretanto, algumas pes- soas mais doutas se esforçam no sentido de encontrar paz através de suas contrições, obras e coqfissões, mas iiada mais fazem senão passar de uma in- quietude para outra. E porque confiam em si mesmas e em suas [obras], ao passo que, se sentissem o flagelo da consciência, deveriam crer em Cristo que diz: "Tudo o que desligares", etc. Para esse flagelo da consciência os teólo- gos mais recentes" contribuem enormemente, tratando e ensinando o Sacra- mento da Penitência de tal forma, que o povo aprende a confiar que pode ex- tinguir seus pecados através de suas contrições e satisfações. Esta vanissima presunção não pode produzir outra coisa senão que as pessoas vão de mal a pior - assim como no caso da mulher com hemorragia no evangelho", a qual gastou tudo o que possuia com médicos. Dever-se-ia, primeiramente, ensinar a fé em Cristo, que concede a remissão gratuitamente, e persuadir [as pessoas] a desesperar de sua própria contrição e satisfação, para que, assim fortalecidas pela confiança e alegria do coração por causa da misericórdia de Cristo, por fim odiassem jovialmente o pecado, fizessem contrição e satisfa- ção. Também os juristas contribuem ativamente para essa tortura [das cons- ciências]: exaltando com excessivo zelo o poder do papa, fizeram com que o poder do papa fosse mais estimado e admirado do que a palavra de Cristo honrada através da fé, ao passo que se deveriam ensinar as pessoas para que aprendessem a confiar não no poder do papa, mas na palavra de Cristo que 73 Trata-se dos nominaiistas, movimenta surgido a partir de Duns Escoro (1270-1308) e, prin- cipalmente, de Guilherme de Occam (m. após 1347 em Munique). Em contiapasicão ao to- rnisrno, designado como vio onriquo, o nominalisma era denominado de via moderna. 74 Cf. Mc 5 . 2 5 ~ ~ . 78 promete ao papa, se é que querem alcançar paz em suas consciências. Pois não é posque o papa dá que tu tens algo, mas tens se creres que o recebes. Tens na mesma medida em que crês por causa da promessa de Cristo. Contudo, se o poder das chaves não tivesse essa eficácia para a paz do coração e a remissão da culpa, então na verdade (como dizem alguns) as in- dulgências seriam vilificadas. Pois que grande coisa é conferida se se confere remissão das penas, visto que os cristãos devem desprezar até a morte? Do mesmo modo, por que Cristo disse: "De quem perdoardes os peca- dos, são-lhes perdoados" [Jo 20.231, senão porque não são perdoados a quem não crê que lhe são perdoados através do perdão do sacerdote? Por es- ta razão, nas palavras "de quem perdoardes os pecados" é conferido o poder's, mas nas palavras "são-lhes perdoados" o pecador é desafiado a crer no perdão. Da mesma forma, também nas palavras "tudo o que desligares" é dado o poder; nas palavras "será desligado" nossa fé é despertada. Pois ele poderia ter dito: "De quem perdoardes as penas ou castigos", se quisesse que assim compreendêssemos. Porém ele sabia que, por causa de seu medo, a consciência já justificada pela graça rejeitaria a graça, se não fosse socorrida através da fé na presença da graça pelo ministério do sacerdote; sim, se ela não cresse que o pecado está perdoado, ele permaneceria. É preciso também crer que ele está perdoado, e esse é o testemunho que o Espírito de Deus dá ao nosso espirito, que somos filhos de Deus's. Porque ser filho de Deus é tão abscôndito (já que parece que se é inimigo de Deus), que, se não se crê que é assim, [também] não pode ser [assim]. Deus age tão maravilhosamente com seus santos, que ninguém suportaria a mão daquele que justifica e medica a menos que creia que ele o justifica e medica, assim como um doente não acre- dita que o médico do corpo lhe faz uma incisão com a intenção de curá-lo a menos que bons amigos o persuadam [disso]. Seja, pois, o sacerdote a causa sem a qual [não há remissão], seja a causa da remissão uma outra, não me importa - desde que conste de alguma for- ma que é verdade que o sacerdote perdoa os pecados e a culpa; da mesma for- ma, a saúde do doente é atribuída verdadeiramente aos amigos porque, por sua persuasão, fizeram com que o doente cresse no médico que fez a incisão. Também não se deve pensar aqui: "E se o sacerdote errasse?" Ocorre que a remissão não está firmada no sacerdote, mas na palavra de Cristo. Por isto, quer o sacerdote o faça por causa do lucro, quer por