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Democracia x Ditadura

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DEMOCRACIA/DITADURA 
I. A democracia na teoria das formas de governo 
r Desde a Antiguidade até hoje, o termo 'democracia' foi sempre usado 
para indicar uma das formas de governo, ou seja, uma das diferentes 
maneiras pelas quais pode ser exercido o poder público. Especificamente, 
indica a forma de governo em que o poder político é exercido pelo povo . ...l 
Na história do pensamento político, o espaço onde se situa a discussão 
sobre a opinião, os caracteres, as qualidades e os defeitos da democracia é a 
teoria e a tipologia das formas de governo. Portanto, qualquer discurso 
sobre a democracia não pode prescindir de determinar as relações entre 
democracia e outras formas de governo, pois só assim se pode definir o seu 
carácter específico. Por outras palavras, como o conceito de democracia 
pertence a um sistema de conceitos que constitui a teoria das formas de 
governo, não pode ser compreendido na sua natureza a não ser em relação 
aos outros conceitos do sistema cuja extensão delimita e por ele é, por sua 
vez, delimitado. Considerar o conceito de democracia como parte de um 
sistema mais amplo de conceitos permite dividir a exposição de acordo com 
os diferentes usos dados à teoria das formas de governo por cada um dos 
diferentes autores ou por todos eles ao mesmo tempo. Estes usos são três: 
descritivo (ou sistemático), pr:,escritivo (ou axiológico) e histórico. No seu 
uso descritivo ou sistemático, uma teoria das formas de governo conduz à 
classificação e, logo, à tipologia das formas de governo existentes ao longo 
da história, compreendida com base na determinação daquilo que as une e 
daquilo que as diferencia, numa operação que não é diferente da do botâ­
nico que classifica as plantas, ou do zoólogo que classifica animais. No seu 
uso prescritivo ou axiológico, uma teoria das formas de governo admite 
uma série de juízos de valor na base dos quais as diferentes constituições 
são não só alinhadas uma ao lado da outra, mas postas segundo uma ordem 
de preferência, conforme se as julgue bo:!s ou más, óptimas ou péssimas, 
melhores ou piores, e assim sucessivamente. Finalmente, pode falar-se no 
uso histórico duma teoria das formas de governo, quando dela nos servi­
mos não apenas para classificar as diferentes constituições, ou aconselhar 
uma em lugar da outra, mas também para descrever os diferentes momen­
tos sucessivos do desenvolvimento kistórico considerado como uma passa­
gem obrigatória de uma forma para outra. Quando o uso prescritivo e o 
uso histórico são conexos, como acontece amiúde, a descrição das diferen­
tes fases históricas acaba numa teoria do progresso ou da regressão con­
forme a forma melhor esteja no fim ou no princípio do ciclo. 
192 DEMOCRACIA/DITADURA 
Partindo desta premissa, dedicar-se-á a primeira parte deste artigo ã 
ilustração das diferentes maneiras como a democracia foi entendida nas 
tipologias historicamente relevantes (§ 2), dando conta, em segundo lugar, 
das diferentes e opostas apreciações a que ela foi submetida, em diferentes 
épocas e por diferentes autores (§ 3), fornecendo enfim algumas indicações 
quanto ao lugar que lhe foi atribuído em algumas das principais filosofias 
da história que marcaram as etapas do processo histórico de acordo com a 
passagem duma forma de governo a outra (§ 4). É desnecessário salientar 
que os três usos nunca são completamente separados, e frequentemente a 
mesma tipologia contém os três entrelaçados: para dar um exemplo clás­
sico, temos a célebre teoria das formas de governo apresentada no oitavo 
livro da República de Platão, que é uma descrição dos caracteres específicos 
das diferentes constituições, que são arrumadas por ordem hierárquica da 
melhor ã pior, e uma outra arrumação hierárquica que coincide com a res­
pectiva ordem cronológica, da mais antiga à mais recente. 
Depois desta primeira parte, em que a democracia aparece como um 
elemento de um sistema conceptual, a segunda dedicar-se-á à análise da 
democracia nas suas diferentes interpretações a actuações históricas : em 
particular, às distinções entre a democracia dos antigos e a dos modernos 
(§ 5), a democracia representativa e a directa (§ 6), a democracia política e 
a social (§ 7), a democracia formal e a substancial (§ 8). A estas diferentes 
formas de democracia correspondem, na terceira parte, diferentes interpre­
tações da ditadura: de um modo particular, a ditadura dos antigos (§ 9) ã 
qual se contrapõe a ditadura moderna (§ 10), e especialmente a ditadura 
revolucionária (§ li) . 
2. O uso descritivo 
Com respeito ao seu significado descritivo, a democracia é, na tradição 
dos clássicos, uma das três formas possíveis de governo na tipologia em 
que as diferentes formas de governo são classificadas com base no número 
diferente dos governantesla democracia é, em particular, aquela forma de 
governo em que o poder é exercido pelo povo todo, ou pelo maior número, 
ou pela maioria, e por isso se distingue da monarquia e da aristocracia, em 
que o poder é exercido, respectivamente, por uns ou por poucos.JNo Polí­
tico, de Platão, a célebre tripartição é introduzida assim: «- Não é para 
nós a monarquia uma das formas do poder político? - Sim. - E depois da 
monarquia poder-se-ia colocar a dominação dos poucos. - Como não? 
- A forma de constituição não é, por acaso, o poder da multidão, e não foi 
chamada de "democracia"?» [29Id]. A distinção das formas de governo 
com base no número dos governantes é retomada por Aristóteles por estas 
palavras: «É necessário que o poder soberano seja exercido por urna pessoa 
só, por poucos ou pelo maior número» [Política, 1279a].rA classificação 
relativa ao número, Aristóteles acrescenta uma outra relativa à diferente 
maneira de governar, ou para o bem comum, ou para o bem de quem 
governa, pelo que deriva a distinção não menos célebre entre formas boas 
e más. O termo 'democracia' é reservado por Aristóteles ã forma má, 
192 193 DEMOCRACIAlDITADURA 
j 
enquanto a forma boa é designada pelo termo geral que significa constitui­
ção 'politeia'. No terceiro dos textos fundamentais da tradição clássica, que 
foi extraído do sexto livro das Histórias de Políbio, a teoria das formas de 
governo começa com estas palavras: "A maior parte daqueles que trataram 
destes assuntos ensinam-nos que existem três formas de governo chamadas, 
respectivamente, reino, aristocracia e democracia» '[VI, 3]. O termo 'demo­
cracia' volta a designar o governo da maioria na sua forma boa: à forma 
má, Políbio atribui o termo 'oclocracia'. Está certo que 'õuma tipologia, 
como a clássica, que distingue as diferentes constituições principalmente 
com base no critério do número dos governantes, existe, de qualquer 
maneira, uma forma de governo, chame-se ela democracia ou outra coisa, 
que é caracterizada face às outras por ser o governo da maioria em vez do 
de poucos, dos mais face aos menos, da maioria face à minoria ou a um 
grupo restrito de pessoas (ou até de uma só), c que, por isso, o conceito de 
democracia é, na tradição dos antigos e que chegou sem interrupção até 
nós, extremamente simples e constante. Para citar apenas alguns dos clássi­
cos da filosofi a política, este significado de democracia conjugado com a 
tripartição das formas de governo, de acordo com o número, encontra-se 
novamente no Defemor Pacis de Marsílio de Pádua, nos Discom' slllla prima 
deca de Maquiavel, no De la républiqlle de Bodin, nas obras políticas de 
Hobbes, em Espinosa, em Locke, em Vico e, com especial atenção não à 
titularidade mas ao exercício do poder soberano, no Co1ltrat social de 
Rousseau. 
i Não obstante a prevalência da tripartição, por vezes ela foi substituída 
por uma bipartição. Esta substituição deu-se em operações diferentes: ou 
agrupando unicamente numa espécie democracia e aristocracia contraposta 
à espécie monarquia; ou, também, agrupando numa espécie só monarquia earistocracia, e contrapondo-a à espécie democracia.;!A primeira recomposi­
ção é a adoptada por Maquiavel no Principe, onde se lê, logo nas primeiras 
linhas, que «todos os estados, todas as dominações que tiveram e têm 
império sobre os homens, foram e são repúblicas ou principados» [1513, 
ed. 1977 p. 5] r A segunda foi a que acabou por prevalecer na teoria política 
contemporânea, em que a tripartição clássica vem sendo substituída pela 
distinção primária e fundamental entre democracia e autocracia. Um dos 
autores que mais contribuiu para difundir e consolidar esta distinção foi 
Kelsen, o qual, na General Theory of Law and State [1 945], depois de ter 
observado que a tripartição tradicional com base no número é superficial, 
adopta outro critério distintivo, a maior ou menor liberdade política, e 
conclui que «assim é mais correcto distinguir dois tipos de constituições, 
em vez de três: democracia e autocracia» (trad. it. p. 289).J A distinção 
maquiaveliana (retomada por Montesquieu, que no entanto regressa à tri­
partição, acrescentando à monarquia e à república, como terceira forma, o 
despotismo) é, contudo, baseada no critério do número, sendo inclusive 
dominada pela ide ia de que a distinção essencial é aquela que existe entre o 
governo de um só (que é e não pode deixar de ser uma pessoa fisica) e o 
de uma assembleia (que é e não pode deixar de ser uma pessoa jurídica, 
quer seja uma assembleia de optimates ou de representantes do povo), e 
por isso democracia e aristocracia podem ser proveitosamente consideradas 
como uma espécie só, sob o nome aglutinante de república (que pode ser, 
194 DEMOCRACIA/DITADURA 
de facto, democrática ou aristocrática). A distinção entre democracia e 
autocracia baseia-se num princípio completamente diferente, por sua vez 
inspirado na observação de que o poder ou ascende de baixo para cima, ou 
descende de cima para baixo ....Para a justificar, Kelsen serve-se da distinção 
• entre autonomia e heteronomia; democráticas são as formas de governo em 
-	 que as leis são feitas por aqueles a quem se dirigem Ce são exactamente 
normas autónomas), autocráticas, aquelas em que os que fazem as leis não 
são aqueles a quem se dirigem Ce são exactamente normas heterónomas). 
Enquanto a classificação resultante da formação do Estado moderno absor­
veu a democracia no conceito mais geral de república, a classificação mais 
vulgarizada na teoria contemporânea engloba tanto a monarquia como a 
aristocracia no conceito mais geral de autocracia, e dá especial relevo à 
democracia considerada como um dos dois pólos em que convergem, 
embora em diferente medida e nunca totalmente, todas as constituições 
existentes. 
3. 	 O uso prescritivo 
No que diz respeito ao seu significado prescritivo, a democracia pode 
ser considerada, como de resto todas as outras formas de governo, com 
sinal positivo ou negativo, isto é, como uma forma boa e, portanto, a lou­
var e a aconselhar, ou como uma forma má e, portanto, a censurar e a 
desaconselhar. Toda a história do pensamento político é percorrida pela 
discussão acerca da melhor forma de governo: no interior desta discussão, 
um dos termos recorrentes é a argumentação pró ou contra a democracia. 
O início desta polémica pode considerar-se remontar a Heródoto [His­
tórias, 111, §§ 80-82], que refere a discussão entre três personagens persas, 
Otão, Megabizo e Dario, sobre a melhor forma de governo a instaurar na 
Pérsia depois da morte de Cambises: cada um dos três defende uma das 
três formas clássicas e refuta as outras duas. O defensor da democracia, 
Otão, depois de ter criticado o governo monárquico, porque o monarca 
"pode fazer o quer, sem prestar contas a ninguém», designa o governo do 
povo com «o nome mais belo de todos os outros: igualdade de direitos» e 
define-o como aquele em que "o governo está sujeito à prestação de contas, 
e todas as decisões são tomadas em comum ». Tanto ao defensor da aristo­
cracia, Megabizo, como ao defensor da monarquia, Dario, é atribuído, pelo 
contrário, o papel de argumentar com vista a demonstrar que o governo do 
povo é uma forma má. Segundo o primeiro, «nada há mais insensato e 
insolente do que uma multidão incapaz, de modo que não é tolerável que, 
"para fugir à prepotência dum tirano, se deva cair na insolência dum povo 
desenfreado». Para o segundo, «quando é o povo que governa, é impossível 
que não surja a corrupção na esfera pública, a qual não gera inimizades 
mas, pelo contrário, duráveis amizades entre os malvados ». Nesta discussão 
que teria acontecido durante a segunda metade do século VI a. c., e que é 
referida por um documento do século seguinte, alguns argumentos pró e 
contra a democracia são apresentados e fixados de uma vez por todas. No 
pensamento grego, o elogio e a condenação alternam-se. O elogio mais 
194 
~-nria pode 
195 DEMOCRACIA/DITADURA 
célebre é o de Péricles no discurso aos Atenienses em louvor dos primeiros 
mortos da Guerra do Peloponeso: «Temos uma constituição que não emula 
as leis dos vizinhos, dado que nós somos mais exemplo para os outros do 
que imitadores. E visto que ela é regida de forma a que os direitos civis 
compitam não a poucas pessoas, mas à maioria, ela chama-se democracia: 
perante as leis, no que diz respeito aos interesses privados, todos cabem 
num plano de paridade enquanto, no que diz respeito à consideração 
pública na administração do Estado, cada um é preferido conforme a com­
petência que revela num determinado campo, não pela procedência de uma 
classe social mas por aquilo que vale. E no que diz respeito à pobreza, se 
uma pessoa pode fazer algo de bom pela cidade, não é impedido pela 
humildade da sua condição social. Nós vivemos livremente nas nossas rela­
ções com a comunidade, e em tudo o que diz respeito à desconfiança resul­
tante das relações recíprocas na vida do dia a dia, sem nos irritarmos com 
o vizinho quando ele faz qualquer coisa que lhe dá prazer, e sem nos pro­
vocarmos mutuamente moléstias que, sim, não são prejudiciais, mas apenas 
desagradáveis aos nossos olhos. Sem nos prejudicarmos praticamos recipro­
camente as relações privadas, e na vida pública é sobretudo a reverência 
que nos impede de transgredir as leis, em obediência aos que estão nos 
lugares de comando e às instituições postas ao serviço de quem sofre injus­
tiça e, particularmente, àquelas que, embora não sendo escritas, acarretam 
para quem as transgride uma vergonha reconhecida por todos» [Tucídides, 
Guerra, lI, 37] . Nesta passagem os traços pelos quais a democracia é con­
siderada como uma forma boa de governo são essencialmente os seguintes: 
"é um governo não a favor da minoria mas da maioria; a lei é igual para 
todos, tanto para os ricos como para os pobres e, portanto, é um governo 
de leis, quer sejam escritas quer não sejam escritas, e não de homens; a liber­
dade é respeitada tanto na vida privada como na vida pública, onde não 
conta a pertença a este ou àquele partido, mas o valor pessoal. No oitavo 
livro da República de Platão, pelo contrário, encontra-se a d-;saprovação 
mais célebre. A democracia é aqui considerada e analiticamente descrita 
como uma forma degenerada, se não como a forma mais degenerada, que é 
a tirania. As quatro formas degeneradas, no que diz respeito à cidade ideal, 
são arrumadas nesta ordem de degradação sucessiva: timocracia, oligarquia, 
democracia, tirania. Enquanto a oligarquia é o governo dos ricos, a demo­
cracia é o governo não do povo mas dos pobres contra os ricos. O princípio 
da democracia é a liberdade que se converte logo em excesso pela falta de 
freios morais e políticos que é característica do homem democrático, pelo 
nascimento do desejo descomedido de satisfazer as necessidades supérfluas 
para além das necessárias, pela falta de respeito às leis e pela condescen-· 
dência geral à subversão de qualquer autoridade-, pelo que o paiteme o 
filho e o mestre, por exemplo, teme e adula os alunos, e os alunos riem-se 
dos mestres e dos pedagogos» [563a] . Com Aristóteles fica definida a dis­
tinção entre as três constituições boas e as três más, segundo o critério de 
governar para o bem comum ou para o bem próprio, destinada a tornar-se 
um dos lugares-comuns do pensamento político subsequente. Nesta siste­
matização, o governo da maioria aparece seja como forma boa, sob o nome 
de politeia, seja como má, sob o nome de democracia. Não diferentemente 
196 DEMO RACIA/DITADURA 
de Platão, Aristóteles também define a democracia como governo dos 
pobres e, em consequência, como governo da maioria apenas pela razão de 
que os pobres são geralmente, em qualquer Estado, mais numerosos do 
que os ricos. Mas tal como o governo dos ricos, o governo dos pobres é 
também um governo a favor duma única parte, e por isso, de acordo com a 
definição de bom governo segundo o critério do bem comum, é um 
governo corrompido. Com Políbio mudam os nomes, não o ordenamento 
das formas de governo, em três boas e três más: a forma boa de governo 
popular é a democracia em que o povo «se ocupa dos interesses públicos», 
forma má é a degeneração da demo racia, ou oclocracia (governo da plebe), 
em que «a multidão, de facto, habituada a consumir os bens de outrem e a 
viver às custas do próximo, quando tiver um chefe magnânimo e ousado 
que não pode aspirar aos cargos públicos pela sua pobreza, usa a violência 
e coerentemente recorre ao assassínio, ao desterro, à divisão das terras» 
[Histórias, VI, 9]. 
A tipologia das formas de governo no seu uso prescritivo não é só um 
juízo absoluto sobre a bondade desta ou daquela forma, mas também um 
juízo relativo à bondade duma forma relativamente às outras. Nesta pers­
pectiva, a discussão acerca da democracia não diz apenas respeito a saber 
se a democracia é ou não uma forma boa ou má, mas alarga-se para saber 
se é melhor ou pior do que as outras, ou seja, qual é o seu lugar numa 
ordenação axiológica (isto é, segundo o valor) das constituições. Numa 
tipologia que não distinga as formas puras das corruptas, são três as teses 
possíveis: se a democracia é a melhor, a pior, ou se está entre a melhor e a 
pior. As teses historicamente mais frequentes e notáveis são as primeiras 
duas, pois o confronto dá-se habitualmente entre as duas formas extremas 
que são exactamente a monarquia e a democracia. Numa tipologia que dis­
tinga as constituições nas suas formas pura e corrupta, o confronto torna-se 
muito mais complexo: a democracia, de facto, pode ser tanto a pior (ou a 
melhor) das formas boas, como a melhor (ou a pior) das más, ou também 
pode ser simultaneamente a melhor (ou a pior) das formas boas e a melhor 
(ou a pior) das formas más. No pensamento grego, as teses mais vulgares 
são duas: a platónica (no Platão do Político), em que a democracia é ao 
mesmo tempo a pior das boas e a melhor das más (enquanto, pelo contrá­
rio, a monarquia é a melhor das boas e a pior das más), tendo como conse­
quência que a diferença entre a democracia boa e má é mínima (enquanto 
é máxima a que existe entre monarquia e tirania); a polibiana, segundo a 
qual a democracia está no fundo tanto das formas boas como das más, o 
que quer dizer que é concomitantemente a pior das boas e a pior das más. 
Numa tipologia como a da República platónica, que conhece apenas formas 
degeneradas, o problema axiológico consiste em atribuir à democracia um 
lugar no processo de degenerações sucessivas: para Platão, é pior do que a 
timocracia e do que a oligarquia, mas melhor do que a tirania. Enfim, 
numa tipologia como a de Vico, que só conhece formas boas ( boas no sen­
tido em que cada forma corresponde a uma determinada fase de desenvol­
vimento da humanidade; ao Zeitgeisl, como dirá Hegel), o problema axioló­
gico consiste em atribuir à democracia o seu lugar próprio no processo de 
sucessivos aper feiçoamentos: para Vico, a democracia, ou, para usar a lin­
197 DEMOCRACIA/DITADURA 
guagem deste autor, a república popular, é uma forma melhor do que a 
república aristocrática, mas é pior do que o principado. (Tanto para Vico 
como para Platão o governo do povo não é uma forma extrema, isto é, uma 
forma que se encontre no início ou no fim da série, como acontece, pelo 
contrário, na maioria das teorias políticas, mas é uma forma intermédia). 
Na discussão geral em torno da melhor forma de governo, os clássicos 
do pensamento político moderno, que acompanham com as suas reflexões o 
surgir e o consolidar-se dos grandes estados territoriais prevalentemente 
monárquicos são, pelo menos até à Revolução Francesa, com excepção de 
Espinosa, favoráve is à monarquia e contrários à democracia. É o que 
acontece com Bodin, Hobbes, Locke, Vico, Montesquieu, Kant, Hegel. 
Enquanto alguns destes autores, que consideram as diferentes formas de 
governo no seu desenvolvimento h istórico, como Vico, Montesquieu, 
Hegel, exaltam a monarquia como a forma de governo mais adequada à sua 
época, outros, como"'Hobbes e Bodin, fazem uma comparação em abs­
tracto, em que consideram todos os argumentos t radicionais contra o 
governo do povo, todos os motivos antigos e modernos do antidemocra­
-
"...-. tismo (os quais se transmitem sem variações sensíveis no publicismo qe 
~ta dos nossos dias )~O décimo capítulo do De cive de Hobbes, intitu­
lado Specierum trium civ itatis quoad illcommoda singularum comparatio, pode 
ser considerado como paradigmático: os argumentos contra a democracia 
podem ser reunidos em dois grupos: os que dizem respeito ao sujeito 
governante (a assembleia popular comparada com o poder único do rei) e 
os que dizem respeito à maneira de governar. Os defeitos das assembleias 
populares são a incompetência, o domínio da eloquência (e, portanto, da 
demagogia), a formação de partidos que impedem a constituição de uma 
vontade colectiva e favorecem a rápida mudança das leis, a falta de sigilo. 
Os inconvenientes do poder, quando é exercido pelo povo, consistem numa 
maior corrupção - porque numa democracia os cidadãos famélicos, e que 
devem ser satisfeitos pelos agitadores, são em número maior - e na menor 
segurança causada pela protecção que os demagogos são obrigados a con­
ceder aos seus apoiantes, maior corrupção e menor segurança que não são 
compensadas por uma maior liberdade. O Tractatus de Espinosa foi escrito 
para demonstrar a superioridade do governo democrático mas, infeliz­
mente, a parte dedicada a esta forma de governo ficou incompleta. Porém, 
comparando Espinosa com Hobbes, autores em muitos aspectos muito 
próximos no que respeita aos princípios de base e, portanto, legitimamente 
comparáveis, consegue-se entender a razão pela qual Espinosa, embora par­
tindo da mesma visão realística do poder e da mesma maneira d'e conceber 
a fundação do Estado, defendeu, na comparação entre as diferentes formas 
de governo, a tese diametralmente oposta à hobbesiana. O que os divide é 
a concepção distinta do fim último do Estado, que para H2b~s é a paz e a 
õrdeffi, e prnÊspiiiosa, a liberdadf\p iferençi que, por sua vez, repousa 
numa outra mais profunda, que permite, mais do que todas as outras, con­
trapor os escritores que se situam e:r parte principis, isto é, ao lado dos 
governantes para justificar o direito que estes têm de comandar e o dever 
dos súbditos de obedecer, aos que se situam ex parte poputi, ou seja, do 
lado dos governados para defender o direito destes de não serem oprimidos, 
DEMOCRACIA/DITADURA 198 199 
e o dever dos governantes de publicar leis justas.rPara os que se ponham 
ex parle principis, o problema principal do Estado é o da unidade, que até 
- ~ pode prejudicar a liberdade dos indivíduos; para os que se ponham ex 
-parce populi, o problema principal é o da liberdade dos indivíduos, que até 
pode prejudicar a unidade:.1A discussão entre o defensorda monarquia e o 
da democracia é sempre uma discussão entre dois contendores com pontos 
de vista opostos para analisar e apreciar o mesmo fenómeno. A solução que 
o defensor da democracia dá para o problema da liberdade, que é, repito-o, 
o problema do Estado considerado pela parte do governado, é, em última 
análise, a identificação do governado com o governante, ou seja, a elimina­
ção do governante como figura separada da do governado. Esta identifica­
ção é enunciada claramente por Espinosa uando, ao expor «os fundamen­
tos do governo democrático », afirma que «nele ... ninguém transfere para 
outrem o seu direito natural próprio de maneira tão definitiva que, mais 
tarde, não possa vir a ser consultado; mas defere-o para a maior parte da 
sociedade inteira de que ele é membro. E, por esta razão, todos continuam 
a ser iguais, tal como eram no estado de natureza precedente ::,, [1670, trad. 
it . 384-85] . Uma afirmação que não pode deixar de evocar a ideia central 
em que se inspira a obra daquele que é considerado o pai da democracia 
moderna: a ideia de uma associação mediante a qualr: cada um, juntando-se 
a todos, não obedeça contudo senão a si mesmo, e fique livre como dantes»J 
[Rousseau 1762, trad. it. p. 23]. 
O tema rousseauniano da liberdade como autonomia, ou da liberdade 
definida como «a obediência de cada um à lei que se prescreve», torna-se, 
depois das revoluções americana e francesa, e depois do nascimento das 
primeiras doutrinas socialistas e anarquistas, um dos argumentos princi­
pais, se não o principal, a favor da democracia no que diz respeito a qual­
quer outra forma de governo, que, quando não democrática, não pode dei­
xar de ser autocrática. O problema da democracia vai-se cada vez mais 
identificando com o tema do autogoverno, e o progresso da democracia 
com o alargamento dos campos em que o método de autogoverno é sujeito 
a verificação. O desenvolvimento da democracia, desde o princípio do 
século passado até hoje, tem coincidido com a progressiva extensão dos 
direitos políticos, quer dizer do direito de participar, se não através da elei­
ção de representantes, pelo menos através da formação da vontade cole c­
tiva. 10 progresso da democracia coincide com o fortalecimento da convic­
ção de que, depois do iluminismo, o homem, como dizia Kant, saiu da 
menoridade e, como um maior já sem tutela, deve decidir livremente da 
própria vida individual e colectiva. À medida que um número sempre 
maior de indivíduos conquista o direito de participar na vida política, a 
autocracia recua e a democracia progride. Ao lado do argumento ético a 
favor da democracia entendida como actuação no plano especificamente 
político do valor supremo da liberdade, a avaliação positiva da democracia­
- autonomia em relação à autocracia - heteronomia apoia-se geralmente em 
outros dois argumentos, o primeiro mais propriamente político, o segundo 
genericamente utilitário. O argumento político baseia-se numa das máxi­
mas tradicionais mais vulgares no pensamento político de todas as épocas, 
segundo a qual os detentores do poder tendem a abusar dele.'-Toda a história 
do in en: 
res e i>e 
dei. 
~ . 
198 
ponham 
. que até 
para 
199 DEMOCRACIA/DITADURA 
do pensamento político pode ser considerada como uma longa, ininterrupta 
-
e apaixonada discussão acerca das diferentes maneiras de limitar o poder: 
uma delas é o método democráticÇ,;jUm dos argumentos mais consistentes 
a favor da democracia é que o povo não pode abusar do poder contra si 
mesmo ou, por outras palavras, sempre que o legislador e o destinatário da 
lei são a mesma pessoa, o primeiro não pode prevaricar em prejuízo do 
segundo. O argumento utilitarista baseia-se numa conhecida máxima tradi­
cional (na verdade, menos sólida) segundo a qual os melhores intérpretes 
do interesse colectivo são os que pertencem à colectividade de cujo inte­
resse se trata, isto é, os próprios interessados: neste sentido, vox populi vox 
dei. 
4. O uso histórico 
Durante séculos e até Hegel, os maiores escritores políticos serviram-se 
das formas de governo para traçar as linhas de desenvolvimento do pro­
cesso histórico entendido como a sucessão de uma determinada constitui­
ção a outra, segundo um certo ritmo. É preciso ver que lugar ocupam em 
alguns dos grandes sistemas de democracia. Primeiro, importa distinguir as 
filosofias da história em termos regressivos, segundo os quais a etapa 
seguinte é uma degeneração de precedente; em termos progressivos, 
segundo os quais a etapa seguinte é um aperfeiçoamento da precedente; em 
termos cíclicos, segundo os quais o curso histórico, depois de ter percor­
rido em sentido regressivo ou sentido progressivo todas as etapas, torna ao 
princípio. Nas histórias regressivas (Platão) ou cíclico-regressivas (Políbio) 
dos antigos, a democracia ocupa geralmente o último lugar numa sucessão 
que prevê a monarquia como primeira forma, a aristocracia como segunda, 
a democracia como terceira. Exemplar, inclusive pela influência que exer­
ceu sobre os escritores modernos (pense-se de modo particular no Maquia­
vel do segundo capítulo dos Discorsi), a periodização de Políbio que apre­
senta em rápida síntese a sucessão das seis formas através da alternância da 
forma com a respectiva forma má: «Espontânea e naturalmente surge antes 
de quarquer outra forma a monarquia, da qual deriva, a seguir a oportunas 
correcções e transformações, o reino. Quando esse incorre nos defeitos que 
lhe são co-naturais e se transforma em tirania, é abolido e a aristocracia 
ocupa o seu lugar. Quando, segundo um processo natural, ela degenera em 
oligarquia e o povo indignado castiga a injustiça dos chefes, surge a demo­
cracia. Quando essa, por sua vez, se mancha de ilegalidade e violência, com 
o passar do tempo, constitui-se a oclocracia» [Histórias, VI, 4] . 
Na Idade Moderna, a idade das grandes monarquias, quando a con­
cepção regressiva dá lugar à progressiva, o campo de observação dos escri­
tores é enormemente alargado e a sucessão dos antigos aparece invertida: a 
monarquia já não se encontra no princípio do ciclo mas no fim. Vico 
considera-se um inovador porque, depois do estado ferino (que ainda não é 
social) e do estado das famílias (que ainda não é estatal), faz começar a 
história dos estados não pela monarquia, mas pela república aristocrática, à 
qual sucede a república popular e, finalmente, o principado. No De universi 
DEMOCRA IA/DITADURA 200 
iuris uno principio et uno fine , define o governo popular como aquele em 
que vigoram "a paridade dos sufrágios, a livre expressão das sentenças e o 
igual acesso de cada um a todas as honras, sem exclusão das supremas, em 
virtude do censo, ou seja, do património» (1720, trad. it. p. 166] (o princí­
pio de que o censo é a base dos direitos políticos durará, como se sabe, até 
à Revolução Francesa e além). Uma característica da tipologia de Vico, 
aliás, é que ela acaba em dicotomia com um processo diferente dos já 
conhecidos e indicados: as duas dicotomias mais vulgares são monarquia e 
república (com a reduccio ad lmum de democracia e aristocracia), ou tam­
bém democracia e autocracia (com a reduccio ad unum de monarquia e aris­
tocracia). Para Vico a diferença essencial passa entre a república aristocrá­
tica, por um lado, que representa a época dos heróis, e a república popular 
e monárquica, por outro, que representam ambas, embora em diferente 
medida, a época dos homens, e, portanto, a tricotomia clássica pode 
resolver-se na dicotomia aristocracia e "governos humanos» (isto é, demo­
cracia e monarquia) nos quais "por força da igualdade dessa inteligente 
natureza, que é a natureza mesma do homem, todos são iguais em virtude 
das leis, porque todos nasceram livres nas próprias cidades, assim livres 
populares, emque todos ou a maioria são as forças legítima da cidade, 
através das quais eles são os senhores da liberdade popular; ou nas monar­
quias, nas quais os monarcas tornam iguais todos os súbditos com as suas 
leis e, sendo só eles os detentore de toda a força das armas, apenas se 
distinguem na natureza civil» [1744, § 927]. 
Na importan te classificação das formas de governo, exposta e minucio­
samente ilustrada por Montesquieu no Esprit des lois, a monarquia mais 
uma vez aparece como a forma d governo mais adaptada aos grandes 
estados territoriais europeus, enquanto o despotismo é a forma de governo 
mais convincente para os povos orientais, e a república (que, à imitação de 
Maquiavel, compreende tanto a república democrática como a aristocrá­
tica), povos antigos. Segundo a natureza, o governo republicano é definido 
como aquele em que "o povo todo ou algumas famílias gozam do poder 
supremo» (1748, trad. it. p. 83J; segundo o princípio, ou seja, segundo a 
"mola» que o faz mover, é o que se caracteriza pela virtude (enquanto o 
monárquico tem por princípio a honra, o despótico tem o medo). T anto no 
capítulo em que é esclarecida a natureza da democracia, como no dedicado 
ao princípio, os exemplos são tirado da história grega e romana, e neles se 
encontra esta afirmação: "Os políticos gregos, que viviam num governo 
popular, reconheciam na virtude a única força de o sustentar. Os políticos 
de hoje falam-nos apenas de manufacturas, de comércio, de finanças, de 
riquezas, até de luxo» (ibid., pp . 85-86). Na passagem onde vem desenvol­
vido o conceito de virtude e é definido como "o amor pela república» 
(ibid., p. 115J, as fontes da definição são notoriamente clássicas. A natureza 
e o princípio do despotismo são ilustrados com exemplos tirados dos povos 
orientais; a natureza e o princípio da monarquia, com exemplos tirados dos 
grandes estados europeus, como Espanha, França, Inglaterra. 
A tripartição de Montesquieu torna-se o critério fundamental para a 
interpretação do processo histórico da humanidade na filosofia da história 
200 
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201 DEMOCRACIAlDITADURA 
de Hegel, que pode ser considerada como a última grande filosofia da his­
tória em que a evolução da civilização é vista através da passagem de uma 
forma de governo a outra (depois de Hegel, a maioria das ftlosofias da his­
tória consideram como indicadores da evolução as formas sociais, as rela­
ções de produção, etc. ). Numa obra da juventude o desenho geral em que 
será compreendida e desenvolvida a imensa matéria da filosofia da história 
da idade madura está já traçado nas suas linhas principais: «A continuidade 
da cultura mundial levou o género humano, depois do despotismo oriental 
e depois que degenerou a república que dominara o mundo, a esta posição 
intermédia entre as duas precedentes» que é «o sistema de representação» 
próprio «de todos os estados europeus modernos» [1799-1802, trad. it. 
p. 83]. Nas Lições sobre a Filosofia da História, o tema é retomado e desen­
volvido nas suas linhas essenciais com estas palavras: "A história universal 
é o processo através do qual se dá a educação do homem do descomedi­
mento da vontade natural ã universal e ã liberdade subjectiva. O Oriente 
apenas sabia e sabe que só um é livre; o mundo grego e romano, que 
alguns são livres; o mundo germânico, que todos são livres. A primeira 
forma que, por isso, nós vemos na história universal é o despotismo; a 
segunda é a democracia e a aristocracia, e a terceira é a monarquia» 
[1830-31, ed. 1934 p. 150]. Para Hegel, portanto, como para os maiores 
escritores políticos que retlectem sobre a formação e o crescimento do 
Estado moderno, a democracia é uma forma de governo que pertence ao 
passado. Contra o conceito de soberania popular, elaborado em antítese ã 
soberania que existe no monarca, Hegel escreve nos Elementos de Filosofia 
do Direito (isto é, na obra marcante no que diz respeito ã essência do seu 
pensamento político): "O povo, considerado sem o seu monarca e sem a 
organização necessária e imediatamente conectiva da totalidade, é a multi­
dão informe, que já não é o Estado, à qual já não diz respeito qualquer das 
determinações que existem, apenas na totalidade formada per se» [1821, 
§ 279, anotação] . Fazendo da monarquia constitucional o momento culmi­
nante do desenvolvimento histórico, Hegel, filósofo da idade da restaura­
ção, fecha uma época. 
5. A democracia dos modernos 
Na idade em que se foram formando os grandes estados territoflals, 
através da acção centralizadora e unificadora do príncipe, o argumento que 
se tornou clássico contra a democracia consistia em afirmar que o governo 
democrático era possível apenas nos pequenos estados. O próprio Rousseau 
estava convencido de que uma verdadeira democracia nunca t inha existido 
porque, entre outras condições, exigia um estado muito pequeno, «onde 
fosse fácil para o povo reunir-se e onde cada cidadão pudesse facilmente 
conhecer todos os outros» [1 762, trad . it. p. 93]. Mas, enfim, quando 
Hegel exaltava a monarquia constitucional como única forma de governo 
em que se deveria ter reconhecido o espírito do mundo depois da Revolu­
ção Francesa, já tinha nascido um governo republicano e tinha-se tornado 
tão forte que atraía a atenção e a admiração de alguns espíritos inquietos e 
antevidentes, num grande espaço (num espaço destinado a tornar-se muito 
DEMOCRACIA/DITADURA 202 
maior do que o ocupado pelos principais estados europeus): os Estados 
Unidos da América. 
A falar verdade, alguns dos fundadores do novo estado, que demons­
traram, nas disputas teóricas e nas construções constitucionais, conhecer 
bem o pensamento político clássico e moderno, quiseram que não se con­
fundisse a república, que tinham em vista e para a qual tinham trabalhado, 
com a democracia dos antigos . Sobre a democracia dos antigos o juízo de 
James Madison no Federalisl (n.o 10) não se distingue do dos mais obstina­
dos antidemocratas: "As democracias sempre ofereceram espectáculo de 
turbulência e de divergências, sempre demonstraram estar em contraste 
com qualquer forma de garantia da pessoa ou das coisas; e viveram uma 
vida que foi tão breve, quão violenta a sua morte» [Hamilton, Jay e Madi­
son 1787-88, trad. it. p. 61] . Mas a forma de governo que Madison deno­
mina democracia, segundo a lição dos clássicos chegada até Rousseau, era a 
democracia directa. Por república, pelo contrário, entende o governo repre­
sentativo, aquela mesma forma de governo a que nós hoje chamamos­
convencidos de que nos grandes estados não é possível outra democracia 
senão a representativa, embora em alguns casos corrigida e integrada por 
instituições de democracia directa -, sem necessidade de mais especifica­
ções, democracia que contrapomos a todas as formas antigas e novas de 
autocracia. Escreve Madison: "OS dois grandes elementos de diferenciação 
entre uma democracia e uma república são os seguintes: em primeiro lugar, 
no caso desta última, há uma delegação da acção governativa a um 
pequeno número de cidadãos eleitos pelos outros, em segundo lugar, ela 
pode alargar a sua influência a um maior número de cidadãos e a uma 
maior extensão territorial» [ibid., p. 62]. Deste passo emerge a opinião 
firme de que existe um nexo necessário entre Estado representativo (ou 
república) e dimensão do território e que, por isso, a única forma de 
governo não autocrática num grande estado é o governo representativo, 
que é uma forma de governo democrático corrigido ou mitigado ou limi­
tado e, como tal, compatível com um território muito extenso e com uma 
população numerosa (além disso, no caso dos Estados Unidos, também 
muito dispersa). Que a passagem da democracia directa à democracia indi­
recta é objectivamente determinada pelas condições doambiente e, por­
tanto, lã república não é tanto uma forma oposta à democracia mas a única 
-
democracia possível em determinadas condições de território e populaçã~é 
confirmado por este passo: "Outro ponto de diferenciação [entre democra­
cia e governo representativo] é o seguinte: um regime republicano pode 
abranger um maior número de cidadãos e um território mais extenso do 
que um regime democrático e é esta mesma circunstância que faz com que 
as possíveis manobras das facções sejam menos de temer no primeiro do 
que no segundo caso» [ibid., p. 63]. 
Deve-se a Alexis de Tocqueville, que em 1835 publicou o primeiro 
volume de De la démocracie en Amérique, o reconhecimento, quase a consa­
gração, do novo estado no novo mundo como forma autêntica da democra­
cia dos modernos contraposta à democracia dos antigos. Na advertência à 
edição de 1848, TocquevilIe escreve que a América resolveu, enfim, o pro­
blema da liberdade democrática que a Europa vem a pôr-se só no momento 
-
202 
Estados 
.ento 
203 DEMOCRACIA/DITADURA 
presente: «Há sessenta anos na América reina, soberano, posto em prática 
da maneira mais directa, mais ilimitada, mais absoluta, o princípio da sobe­
rania do povo, que introduzimos ontem no nosso país» [Tocqueville 1848, 
trad. it. p. 10] . Para quem escreve estas palavras a distinção entre demo­
cracia directa e democracia representativa já não tem qualquer relevância; 
«Às vezes é o próprio povo que faz as leis, como em Atenas; às vezes são 
os deputados, eleitos com sufrágio universal, que o representam e agem em 
seu nome sob a sua vigilância quase directa». O que importa é que o 
poder esteja de facto, directamente ou por interposta pessoa, nas mãos do 
povo; que vigore como ,<lei das leis» o princípio da soberania popular, 
onde «a sociedade age "por si mesma" sobre si mesma», e «não existe 
poder fora dela e não há ninguém que ouse conceber e, sobretudo expri­
mir, a ideia de o procurar em outro lugar». Este capítulo sobre o princípio 
da soberania popular na América conclui-se com estas palavras: «O povo 
reina sobre o mundo político americano, como Deus sobre o universo. Ele 
é a causa e o fim de tudo: tudo deriva dele e tudo a ele reconduz» [Toc­
queville 1835-40, trad. it. p. 77] r Contrariamente à democracia dos antigos 
que, baseada num governo de assembleia, não reconhece nenhuma enti­
dade intermédia entre o indivíduo e o Estado, no qual Rousseau que é o 
...--.b seu moderno defensor condena as sociedades parciais, acusadas de dividi­
rem o que tem de permanecer unido, a democracia dos modernos é plura­
lista, assenta na existência, na multiplicidade e na vivacidade das socieda­
des intermédias J Para além da igualização das condições, a sociedade 
americana impressionou Tocqueville pela tendência dos seus membros para 
se associarem a fim de promoverem o bem público, de tal modo que 
«independentemente das associações permanentes, criadas pela lei com o 
nome de municípios, cidades e condados, há uma multidão de outras que 
devem o seu nascimento e o seu desenvolvimento apenas a vontades indi­
viduais » [ibid., p. 226]. E o associacionismo torna-se um critério novo 
(novo em relação aos critérios tradicionais que sempre se basearam exclusi­
vamente no número de governantes) para distinguir uma sociedade demo­
crática, como ressalta deste trecho que surpreende pela sua incisividade: 
«Nas sociedades aristocráticas, os homens não precisam de se juntar para 
agir, porque já estão solidamente unidos. 
«Todo o cidadão rico e poderoso está como que à frente de uma asso­
ciação permanente e necessária, que se compõe de todos os que dependem 
dele e que ele faz convergir na execução dos seus desígnios . 
- "Nas democracias, por sua vez, todos os cidadãos são independentes e 
ineficientes, não podem quase nada sozinhos e ninguém pode obrigar os 
seus semelhantes a dar-lhe a própria cooperação. Se não aprendem a 
ajudar-se livremente, caem todos na impotência» ,[ibid. , p. 598]. 
6. Democracia representativa e democracia directa 
No século que decorre desde a época da restauração até a Primeira 
Guerra Mundial, a história da democracia coincide com a afirmação dos 
estados representativos nos principais estados europeus e com o seu desen­
-
DEMOCRACIA/ DITADURA 204 
volvimento interno, de tal modo que a complexa tipologia das tradicionais 
formas de governo será progressivamente reduzida e simplificada na con­
traposição entre os dois campos opostos das democracias e das autocracias. 
Tendo presente os dois traços fundamentais salientados por Tocqueville na 
democracia americana, o princípio da soberania do povo e o fenómeno da 
associação, o estado representativo, tal como a pouco e pouco se viera a 
consolidar na Inglaterra e dela se difundi ra através do movimento constitu­
cional dos primei ros decénios do século XIX na maioria dos estados euro­
peus, passou por um processo de democratização segundo duas linhas: 
r'õ alargamento do direito de voto até ao sufrágio universal masculino e 
feminino e o desenvolvimento do associativismo político, até à formação 
dos partidos de massa e ao reconhecimento da sua função pública. N ada 
pode mostrar melhor este duplo processo que o confronto entre o statuto 
do Reino da Sardenha promulgado por Carlos Alberto em 4 de Março 
de 1848, logo transformado na primeira carta constitucional do reino de 
Itália (1861 ), e a constituição republicana elaborada e aprovada pela 
Assembleia Constituinte eleita em 2 de Junho de 1946 após o final da 
Segunda G uerra Mundial e entrada em vigor quase exactamente um século 
depois do Estatuto albertino em 1 de Janeiro de 1948. Antes de mais, atra­
vés dos sucessivos alargamentos dos direitos políticos que ocorreram em 
1882, em 1912, em 1919 e em 1946 (sem considerar a extensão do voto aos 
maiores de dezoito anos em 1975), o eleitorado italiano passou de pouco 
mais de 2 por cento dos habitantes para os 60 por cento aproximadamente. 
Em segundo lugar, com a passagem da monarquia à república também o 
cargo supremo do Estado se tornou electivo e, portanto, no sentido técnico 
da palavra, representativo. Em lugar do senado de nomeação régia, a 
segunda câmara é eleita, ela também, por sufrágio universal. Com a insti­
tuição das regiões às quais foi atribuído um poder legislativo fez-se uma 
tentativa (cujos resultados é demasiado cedo para julgar) de redistribuir o 
poder político entre o centro e a periferia. Finalmente com o reconhecer a 
todos os cidadãos «o direito de se associarem livremente em partidos polí­
ticos para concorrerem com método democrático para a determinação da 
política nacional" (art.o 49) quis-se fazer a legitimação das organizações que 
através da agregação de interesses homogéneos facilitam a formação duma 
vontade colectiva numa sociedade caracterizada pela pluralidade dos grupos 
e por fortes tensões sociais. 
A consolidação da democracia representativa não impediu, por outro 
lado, o regresso, embora em formas secundárias, à democracia directa. Pelo 
contrário, o ideal da democracia directa como a única verdadeira democra­
cia nunca faltou, e foi sempre mantido vivo por grupos políticos radicais, 
que tiveram sempre a tendência para considerarem a democracia represen­
tativa não como urna inevitável adaptação do princípio da soberania popu­
lar às necessidades dos grandes estados mas um censurável ou erróneo des­
vio da ideia originária do governo do povo, para o povo, através do povo. 
Como bem se sabe, Marx acreditou poder recolher alguns apontamentos de 
democracia directa na breve experiência de direcção política feita pela 
Comuna de Paris entre Março e Abril de 1871. Lenine retomou com força 
o tema em Estado e RelJolução [1 917], o ensaio que devia guiar a mente e a 
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205 DEMOCRACIA/DITADURA 
acção dos construtores do novo Estado que estava a surgir das cinzas da 
autocracia czarista. A democracia directa foi contraposta amiúde, como 
forma própria da futura democracia socialista, à democracia representativa, 
condenada como forma imperfeita, dimidiata e enganadora de democracia 
e, além disso, como única forma de democracia possível num Estado de 
classe como o Estado burguês . Sob o nome genérico de democracia directa 
entendem-se todas as formas de participação no poder, que não se resol­
vem numa ou noutra forma de representação (nem na representação dos 
interesses gerais, ou política, nem na representação dos interesses particula­
res, ou orgânica): a ) o governo do povo através de delegados investidos de 
mandato imperativo e, portanto, revogáveis; b) o governo de assembleia, 
isto é, o governo não só sem representantes irrevogáveis ou fiduciários, mas 
também sem delegados; c) o referendo. Destas três formas de democracia 
directa, a primeira foi escolhida na constituição soviética actualmente em 
vigor, cujo art. O 142 diz que «todo o deputado tem obrigação de prestar as 
contas aos eleitores do próprio trabalho e do trabalho dos Sovietes dos 
deputados dos trabalhadores, e pode ser afastado em qualquer momento, 
por decisão da maioria dos eleitores », e na maior parte das constituições 
das repúblicas populares; a segunda pertence normalmente à fase emer­
gente dos movimentos colectivos, à fase do assim chamado «Estado nas­
cente» anterior à institucionalização, do qual são exemplos recentes o 
movimento de contestação dos estudantes e comissões de zona ou de bairro 
das grandes cidades; a terceira foi incluída nalgumas constituições 
pós-bélicas, tal como a italiana (art .o 75). Destas três formas de democracia 
directa, a segunda e a terceira não podem substituir sozinhas, e de facto 
nunca substituíram, as diversas formas de democracia representativa prati­
cáveis num estado democrático como, de resto, as várias formas de demo­
cracia representativa nunca pretenderam substituir, e de facto nunca subs­
tituíram, as formas autoritárias de exercício do poder, tal como, por 
exemplo, em todos os estados que também se chamam democráticos, aque­
las que são próprias do aparelho burocrático; e, portanto, não podem cons­
tituir por si só uma verdadeira alternativa ao Estado representativo: a 
segunda porque é aplicável apenas nas pequenas comunidades, a terceira 
porque é aplicável só em circunstâncias excepcionais e de particular rele­
vância. Quanto à primeira, com a formação dos grandes partidos organiza­
dos que impõem uma disciplina de voto, às vezes férrea, aos representantes 
eleitos nas suas listas, a diferença entre representação com mandato e 
representação sem mandato torna-se cada vez mais evanescente. rO depu­
tado eleito através da organização do partido passa a ser um mandatário, se 
não dos eleitores, do partido que o penaliza retirando-lhe a confiança toda 
a vez que ele se subtraia à disciplina, a qual, portanto, se torna um sucedâ­
neo funcional do mandato imperativo por parte dos eleitores~ 
7. Democracia política e democracia social 
o processo de alargamento da democracia não se verifica apenas atra­
vés da integração da democracia representativa na democracia directa mas 
também, e sobretudo, através do alargamento da democratização entendida 
DEMOCRACIA/DITADURA 206 
como institUlçao e exercício de mecanismos que permitem a participação 
dos interessados nas deliberações de um corpo colectivo, recorrendo a cor­
pos diferentes dos políticos. Resumindo, pode dizer-se que se hoje se deve 
falar de desenvolvimento da democracia, ele não consiste, como amiúde se 
diz, erroneamente, na substituição da democracia representativa pela 
democracia directa (substituição que é, de facto, impossível nas grandes 
organizações), mas rna passagem da democracia na esfera política, quer 
dizer, na esfera em que o indivíduo é entendido como cidadão, à democra­
cia na esfera social, onde o indivíduo é entendido na multiplicidade dos 
seus estatutos, por exemplo de pai e filho, de cônjuge, de empresário e de 
trabalhador, de professor e de estudante, e inclusiva mente de pai de estu­
dante, de médico e de doente, de oficial e de soldado, de administrador e 
de administrado, de produtor e de consumidor, de gerente de serviço 
público e de utente, etc.; por outras palavras, na extensão das formas de 
poder ascendente, que até agora ocupara quase exclusivamente o campo da 
grande sociedade política (e das pequenas associações voluntárias amiúde 
politicamente irrelevantes), ao campo da sociedade civil nas suas diferentes 
articulações, da escola à fábrica . Por conseguinte, as formas actuais de 
desenvolvimento da democracia não podem ser interpretadas como a afir­
mação de um novo tipo de democracia, antes devem ser entendidas como a 
ocupação, por parte de formas inclusivamente tradicionais de democracia, 
de novos espaços, ou seja, de espaços dominados até agora por organiza­
ções de tipo hierárquico ou burocrático. 
Uma vez conquistado o direito à participação política, o cidadão das 
democracias mais avançadas percebeu que a esfera política é, por sua vez, 
incluída numa esfera muito mais ampla, a esfera da sociedade no seu con­
junto, e não há decisão política que não seja condicionada ou até determi­
nada pelo que acontece na sociedade civil e, portanto,ruma coisa é a demo­
cratização da dirccção política, o que aconteceu com a instituição dos 
parlamentos, e outra é a democratização da sociedad~.l Consequentemente, 
pode muito bem acontecer um estado democrático numa sociedade em que 
a maioria das instiruições, da família à escola, da empresa aos serviços 
públicos, não são governadas democraticamente. Daí a pergunta que carac­
teriza mais do que todas as outras a acrual fase de desenvolvimento da 
democracia nos países politicamente mais democráticos: «É possível a 
sobrevivência de um estado democrático numa sociedade não democrá­
tica?» Pergunta que pode ser formulada também desta maneira: «A demo­
cracia política foi, e ainda é agora, necessária para que um povo não seja 
governado despoticamente. Mas ela é também suficiente?" Até há bem 
pouco tempo, quando se queria dar uma prova do desenvolvimento da 
democracia num determinado país, considerava-se como indicador o alar­
gamento dos direitos políticos, do sufrágio restrito ao sufrágio universal; 
mas, nesta perspectiva, não é possível qualquer desenvolvimento ulterior, 
uma vez alargado o sufrágio, em quase todos os lugares, também às mulhe­
res e, nalguns países, como a Itália, o limite de idade reduzido para dezoito 
anos. Hoje, quem quiser ter um indicador do desenvolvimento democrático 
de um país deve ter em conta já não o número das pessoas que têm direito 
a votar, mas o número das áreas, diferentes das que são tradicionalmente 
-
-
207 
9. 
À LU<:...a.;;.a 
governo, 
sociedad 
207 DEMOCRACIAlDITADURA 
políticas, em que se exerce o direito de voto. Dito de outra maneirar quem 
quiser, hoje, formular um juízo sobre o desenvolvimento da democracia 
num determinado país não tem de perguntar: «Quem vota?", mas «Aonde 
- se vota?". j 
8. Democracia formal e democracia substancial 
o discurso sobre o significado de democracia não pode considerar-se 
concluído se não se der conta do facto de, para além da democracia como 
forma de governo de que até agora se falou, ou seja, como um conjunto de 
instituições caracterizadas pelo tipo de resposta que é dada às duas pergun­
tas «Quem Jioverna?" e «Como governa?", a linguagem política moderna 
conhecértam~o significado de ~ocracia como regime caracterizado 
pelos fins ou valores para. cuja astul!Ção um determinado gru-R0pol:.!!ifo 
tende ~~ra. O princípio destes fins ou valores, a que é alegado com vista 
a distinguir, já não apenas formalmente mas também a nível de conteúdo, 
um regime democrático de um regime não democrático, é a igualdade, não 
obviamente a igualdade histórica que foi introduzida nas constituições libe­
rais quando elas ainda não eram formalmente democráticas, mas a igual­
dade social e económica (pelo menos parcialmente). Assim, foi introduzida 
a distinção entre democracia formal, que diz respeito à forma de governo, e 
democracia substancial, que diz respeito ao conteúdo desta forma. l Estes 
dois significados encontram-se perfeitamente fundidos na teoria rousseau­
niana da democracia, pois o ideal igualitário em que se inspira realiza-se na 
formação da vontade geral e, portanto, são ambos historicamente legítimos. 
A legitimidade histórica, aliás, não é suficiente para se acreditar que 
tenhamos, não obstante a identidade do termo, um elemento conotativo 
comum, e isso é tão verdadeiro que pode verificar-se historicamente uma 
democracia formal que não consiga cumprir as principais promessas conti­
das num programa de democracia substancial, e, vice-versa, uma democra­
cia substancial que se reja e desenvolva através do exercício não democrá­
tico do poder. A prova desta falta de um elemento conotativo comum é a 
esterilidade do debate sobre a maior ou a menor democraticidade dos 
regimes que se inspiram no princípio do governo do povo, outros no prin­
cípio do governo para o povo. Cada um dos regimes é democrático 
segundo o significado de democracia escolhido pelo defensor e não é 
democrático no significado escolhido pelo adversário. Se calhar, o único 
ponto até onde um e outro poderiam convergir é que uma democracia per­
feita deveria ser, ao mesmo tempo, formal e substancial. Mas um regime 
deste género pertence, até este momento, ao género dos futuráveis . 
9. A ditadura dos amigos 
 medida que a democracia foi considerada como a melhor forma de 
governo, como a menos má, como a forma de governo mais adaptada às 
sociedades económica, civil e politicamente mais evoluídas, a teoria das 
208 DEMOCRACIAlDITAD RA 
formas de governo no seu uso prescritivo simplificou a tipologi3 tradicional 
e polarizou-se, tal como se disse, em torno da dicotomia democracia! 
/autocracia. De resto, na linguagem comum, o termo que veio a prevalecer 
para designar o segundo membro da dicotomia não é 'autocracia' mas 
'ditadura'. Hoje em dia, impôs-se de tal maneira o hábito de chamar 'dita­
duras' a todos os governos que não são democráticos, e que geralmente 
surgem depois de derrubarem democracias precedentes, que o termo tecni­
camente mais correcto, 'autocracia', foi relegado para os tratados de direito 
público, e a grande dicotomia hoje dominante não é aquela que se baseia 
na contraposição entre democracia e autocracia, mas aquela que contrapõe, 
embora com um uso historicamente distorcido do segundo termo, a demo­
cracia à ditadura. A denominação de ditadura estendida a todos os regimes 
que não são demo racia difundiu-se sobretudo após a Primeira Guerra 
Mundial, tanto através do apaixonado debate sobre a forma de governo 
instaurada na Rússia pelos bolchevistas, baseado nas diferentes interpreta­
ções do conceito marxista de ditadura do proletariado, como através do uso 
feito pelos adversários do termo 'ditadura' para designar os regimes fascis­
tas, começando pele italiano. Esta contraposição da ditadura ã democracia, 
num universo de discurso em que democracia assumiu um significado pre­
valentemente eulógico, acabou por fazer de 'ditadura' , contrariamente ao 
uso histórico, um termo com significado prevalentemente negativo, que era 
próprio, na filosofia clássica, de outros termos como 'tirania', 'despotismo', 
e, mais recentemente, 'autocracia'. Já em 1936, Elie Halévy podia definir a 
sua própria época como «l'ere des tyrannies», mas hoje já ninguém usaria 
esta expressão para defmir os vinte anos entre as duas guerras mundiais: os 
regimes que Halévy chamara «tiranias» passaram à história com o nome de 
«ditaduras» . 
'Ditadura', como de resto tirania, despotismo e autocracia, é um termo 
que também nos vem da Antiguidade Clássica. Mas, diferentemente destes 
últimos, teve originariamente uma conotação positiva. Em Roma, chamou-se 
dictator a um magistrado extraordinário, instituído cerca do ano 500 a. c., 
e que se manteve até finais do século III a. C., que era designado por um 
dos cônsules em circunstâncias excepcionais, tais como a condução de uma 
guerra (<<dictator rei publicae gerundae causa») ou o esmagamento de um 
motim (<<dictator seditionis sedandae causa»), e ao qual se atribuíam, pela 
excepcionalidade da situação, poderes extraordinários, que consistiam 
sobretudo na falta de distinção entre o imperium domi, que era o comando 
soberano exercido dentro dos limites da cidade, por isso mesmo subordi­
nado a limites que hoje diríamos constitucionais, como a provocatio ad 
populum, e o imperium militiae, que era o comando militar exercido além 
desses limites, e por isso mesmo não subordinado a limites constitucionais. 
A exorbitância do poder do ditador era contrabalançada pela sua efemeri­
dade: o ditador era designado para a duração do papel extraordinário que 
se lhe confiava e, em todo o caso, nunca além de seis meses nem além da 
duração do cargo do cônsul que o nomeava. O ditador, portanto, era um 
ma istrado extraordinário de facto~ mas legítimo, porque a sua instituição 
er a revista pela constitui ão e o seu oder era )ustI Icado pelo estado de 
necessidade (o estado de necessidade é considerado pelos juristas como um 
208 
hamou-se 
500 a. c., 
-!~do por um 
':::ond~ de uma 
~[o deum 
-
~ 
209 DEMOCRACIA/DITADURA 
facto normativo, isto é, um facto idóneo para suspender uma situação jurí­
dica precedente ou para impor uma situação jurídica nova). Resumida­
mente, as caraçterísticas da ditadura romana eram: Tã) estado de necessi­
dade, no que diz respeito ã legitimação; b) plenos poderes, no que diz 
respeito à extensão do comando; e) unicidade do sujeito investido do 
comando; d ) efemeridade do carg~Sendo magistratura monocrática, com 
poderes extraordinários mas legítimos e limitados no tempo, a ditadura 
distinguiu-se sempre da tirania e do desRotismo que, na linguagem vulgar, 
Sãõ frequememente côõfundidos . .9 tirano (iDonocr~o, exerce um poder 
a~soluto, m~s qão é j egítimo ~ nem seq\ler necessariamente temporário. 
O déspota é monocrático, exerce um poder absoJuto, ~ legítimo .!D~ão 
teülpõrario lPêlÕ contrá rio é um regime prolongado, como o demonstra o 
~xemplo clássico do despotismo oriental). Todas estas três formas têm em 
comum a monocraticidade e o absolutismo do poder, mas tirania e ditadura 
distinguem-se porque a segunda é legítima e a primeira não o é; despo­
tismo e ditadura distinguem-se porque, embora ambas sejam legítimas, o 
fundamento de legitimidade da primeira é de natureza histórico-geográfica, 
e o da segunda é o estado de legitimidade. A ditadura distingue-se da tira­
nia e do despotismo com base no seu carácter temporário. 
Foi este carácter de efemeridade que permitiu que os grandes escrito­
res políticos lhe dessem geralmente uma avaliação posit iva. Num capítulo 
dos Diseorsi intitulado significativamente L 'autorúà diclalOn·a feee bene e 
non danno alia R epubliea romana, Maquiavel confuta os que afirmaram ser 
a ditadura o resultado "do tempo da tirania de Roma" [1 513-19, ed. 1977 
p. 210], porque a tirania (referindo-se a César) não foi o efeito da ditadura, 
mas sim do prolongamento da ditadura para além dos limites de tempo 
estabelecidos. E vê correctamente na efemeridade e na especificidade do 
comando do ditador o seu aspecto positivo: "O ditador era designado a 
prazo e não perpetuamente, e para obviar apenas àquilo para que era 
criado; e a sua autoridade estendia-se desdeo poder de deliberar per se 
acerca das soluções urgentes que se impunham para aquela situação especí­
fica até o fazer qualquer coisa sem conselho, e castigar cada um sem apelo; 
mas nada podia fazer que fosse prejudicial ao Estado, como teria sido reti­
rar autoridade ao Senado ou ao Povo, desfazer a velha ordem da cidade e 
fazer uma nova" [ibid.). No COnlral social, Rousseau, depois de ter obser­
vado que as leis não podem prever todos os casos possíveis e que há situa­
ções excepcionais em que é oportuno suspender momentaneamente o efeito 
delas, afirma que «nestes casos raros e evidentes provê-se à segurança 
pública com um aeto particular que a confia ao mais digno» [1762, trad. it. 
p. 164). Esta delegação pode dar-se de duas maneiras diferentes, ou 
aumentando a autoridade do poder legítimo, e neste caso altera-se não a 
autoridade das leis mas tão-só a forma da sua administração, ou também, 
quando o perigo é tal que o sistema das leis ordinárias pode constituir um 
obstáculo à acção resolutiva, nomeando um chefe supremo (o ditador em 
si) que «mande calar todas as leis e suspenda momentaneamente a autori­
dade soberana» [ibid. ). T ambém para Rousseau, a ditadura só é saudável se 
for rigorosamente limitada no tempo: «Seja qual for a maneira em que este 
importante cargo seja outorgado, é necessário fixar a sua duração num prazo 
DEMOCRACIA/ DITADURA 210 
muito breve, que em nenhum caso possa ser prorrogado ... e passada a 
necessidade urgente, a ditadura torna-se tirânica e vã» [ibid., p . 167]. 
10. A ditadura moderna 
Como claramente resulta da história desta magistratura e das interpre­
tações clássicas que dela se deram, o ditador exerce poderes extraordinários 
mas apenas no âmbito da função executiva (não da legislativa). Tanto 
M aquiavel como Rousseau entendem certamente este limite, escrevendo 
um, como já se viu, que o ditador não podia fazer coisa que fosse «prejudi­
cial para o Estado»; o outro, que «a suspensão da actividade legislativa», 
que cabe ao ditador, «não a abole», porque «o magistrado que a manda 
calar não a pode fazer falar» [Rousseau 1762, trad. it. p. 165]. Só na idade 
moderna, na das grandes revoluções, o conceito de ditadura é estendido ao 
poder instaurador da nova ordem, quer dizer, ao poder revolucionário, 
que, como tal, conforme diz Maquiavel, desfaz as velhas ordens para fazer 
as novas. Na sua conhecida obra sobre a ditadura [1921], Carl Schmitt dis­
tingue a ditadura clássica, a que chama, citando Bodio, «comissária» (no 
sentido em que o ditador desempenha o próprio papel nos limites da 
«comissão» recebida), da ditadura dos tempos modernos, ou revolucionária, 
a que chama « oberana», a qual «vê em qualquer ordenamento existente 
um estado de coisas a remover completamente com a própria acção» e, 
portanto, «não suspende um'.l constituição vigente agindo sobre um direito 
por ela previsto e, por isso mesmo, constitucional, mas tenciona criar um 
estado de coisas em que seja possível impor uma constituição tida por 
autêntica» (trad . it. p. 149). Também a ditadura revolucionária nasce em 
estado de necessidade e exerce poderes excepcionais e, pela sua natureza, 
temporários (pelo menos nos propósitos iniciais), e por estas razões fica-lhe 
bem o nome de ditadura, mas o papel que lhe é atribuído ou que se lhe 
atribui é mais vasto: não é bem o de põr remédio a uma crise parcial do 
Estado, como pode ser uma guerra externa, um motim, mas é o de resolver 
uma crise total, uma crise ue õe mesmo em causa a existência dum 
determinado regime, como pode ser uma guerra civil (uma guerra, ist;-é, 
que pode marcar o fim do velho ordenamento e o nascimento de um 
novo). Enquanto o ditador comissário é investido do próprio poder pela 
constitui ão isto é, tem um poder constituído, o ditador soberano recebe 
simbolicamente o próprio poder por uma auto-investidura ou por uma 
investidura popular, embora simbólica, e assume um poder constituinte. 
Como caso exemplar deste segundo tipo de ditadura pode lembrar-se o da 
Convenção Nacional que decide em 10 de Outubro de 1793 suspender a 
constituição do mesmo ano (que nunca mais voltaria a vigorar) e estabelece 
que o governo provisório será «revolucionário» até que não se consiga a paz. 
No que diz respeito à ditadura clássica, a ditadura jacobina já não é 
uma magistratura monocrática, embora se destaque nela a personalidade de 
Robespierre, mas é a ditadura dum grupo revolucionário~concretamente da 
Comissão de Salvação Pública. 
210 
e passada a 
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ordinários 
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islativa», 
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-­
211 DEMOCRACIA/ DITADURA 
Esta dis~ciaç~, ~ conceito de ditadura e o c;onceito de poder 
monocrático, deve ser sublinhada porque assinala a passagem do lJSO clás­
sico do t~r~mo, que também depois da revolUção é aplicado ao regi~e 
introduzido por Napoleão, interpretado como ditadura militar, ao uso 
moderno, divulgado através dos. escritos de Marx e Engels. ~stes últjm91 
o termõ, usãdo em expressões como 'ditadura da burguesia' e 'ditadura do 
protetariado' , não se refere já a uma pessoa e nem sequer a um grupo de 
pessoas, mas com c~rteza a uma classe i.nreira, embora enfraquecendo o~seu 
signifi_cado originário de tal maneira que poderia ser proveitosamente subs­
tituído pelo termo 'dominação' , como de resto se dá numa expressão tipi­
camente marxiana e engelsiana como 'classe dominante'. Aliás, o carácter 
distintivo mais importante entre ditadura clássica e ditadu~oderna w á 
iiãextensão do R0..s!er,..9.!!e j~não é só ci;ginscrit~ ã função executiva, n!as 
se estende à função legislativa e até à constituinte} ainda que no caso espe­
cífico o governo revolucionário francês tenda a apresentar-se como um 
governo que não abole mas suspende excepcionalmente e provisoriamente a 
constituição e, portanto, como ditadura no sentido clássico da palavra. Na 
realidade, a diferença da ditadura revolucionária (ou contra-revolucionária­
é o mesmo) f!lce_à comissária 'deve sa~tar-se não através das declarações 
de princípios, entre as quais nunca falta o solene anúncio da própria efe­
meridade, mas nos factos, ou seja, nos efeitos que ela produz no ordena­
mento anterior. 
11. A ditadura revolucionária 
Um passo posterior na história da fortuna do conceito de ditadura é o 
que lhe fazem dar os predecessores de uma revolução (que, de facto, não 
ocorreu) igualitária, Babeuf, Buonarroti e companheiros, protagonistas da 
conspiração dos Iguais (9-10 de Setembro de 1795). No pensamento desses 
homens, particularmente de Buonarroti, que, sobrevivendo à condenação 
dos seus camaradas, se tornou nos últimos anos da sua longa vida o histo­
riador e o teórico da conjuração no livro Conspirarion pour l'égalité dite de 
Babeuf [1828], era muito clara a ideia de que a revolução tivesse de ser 
levada a cabo por um punhado de homens, simultaneamente animosos e 
iluminados, e que à explosão revolucionária se devesse seguir um estado 
transitório marcado por poderes excepcionais concentrados nas mãos de 
poucas pessoas (verdadeiro precedente histórico do estado de transição de 
Marx e Lenine) que, finalmente, a nova sociedade dos Iguais tivesse de ser 
instaurada só depois de a ditadura revolucionária conseguir e liminar 
- recorrendo, se necessário fosse , à violência, nem só contra os opressores 
mas também contra o povo, considerado como «incapaz de se regenerar 
por si mesmo» ­ qualquer vestígio do passado. Buonarroti escreve que 
para superar as dificuldades que se interpõem ao êxito da revolução é pre­
cisa a fo rça de todos, mas esta força não é nada «se não for dirigida por 
ma vontade forte, constante, iluminada, imutável» e que «muitas reformas 
são precisas antes que a vontade geral possa ser emitida e reconhecida» 
[1828-29, trad. it. p. 496) . Uma das tarefas que Buonarroti atribui ao 
governorevolucionário dos «sábios » consiste em preparar a nova constituição 
DEMOCRACIA/ DITADURA 212 
que deverá concluir a fase revolucionária, mostrando de tal maneira, sem 
deixar lugar a dúvidas, que o carácter principal da ditadura revolucionária 
é o exercício do poder soberano por excelência, que é o poder constituinte. 
Resta sublinhar que, não diferentemente do uso clássico do termo, inclu­
sive no novo contexto, 'ditadura', pelo facto de ter mudado o próprio signi­
ficado descritivo, nada perdeu da conotação originária positiva com res­
peito ao significado valorativo. Diferentemente do uso hodierno, em que 
'ditadura' em contraposição a 'democracia' assumiu, enfim, como já obser­
vei, uma conotação quase sempre negativa, o primeiro uso de 'ditadura' 
para indicar a ditadura revolucionária (e, de resto, também a ditadura mili­
tar) evoca o apoio que gozou o magistrado romano chamado em situações 
excepcionais a salvar a república de guerras ou motins, e o termo é usado 
ainda com uma conotação geralmente positiva. De resto, não se pode 
esquecer que no século XVI II foi usado com uma conotação positiva, pela 
primeira vez, também o termo 'despotismo' na contraposição que o fisio­
crata Le Mercier de la Riviere demarcou com nitidez entre despotismo 
arbitrário, «produzido pela opinião que se presta a todas as desordens, a 
todos os excessos, a que a ignorância o torna susceptível», e despotismo 
legal, "estabelecido natural e necessariamente sobre a evidência das leis 
duma ordem essencial» e, portanto, entendido como a melhor forma de 
governo que em virtude da monocraticidade e o absolutismo do poder tem 
condições de ler desapaixonada e perfeitamente o grande livro da natureza 
e declarar e fazer aplicar as únicas leis que têm de regular a ordem social: 
as leis naturais. Bastou um ad jectivo, 'iluminado', para mudar o valor de 
um termo como 'despotismo', execrado por séculos. Quando Buonarroti 
chama ' iluminada' à vontade da junta de corajosos que terá de guiar a 
revolução e 'sábios' aos componentes do governo do estado de transição, 
convida-nos a aproximar a ideia de ditadura revolucionária da de despo­
tismo iluminado. 
A ideia da ditadura revolucionária como governo provisório e tempo­
rário, imposto por circunstâncias excepcionais, foi uma constante da teoria 
e da prática de Blanqui, não da teoria política de Marx, que falou de dita­
dura do proletariado no sentido de domínio de classe e não de uma junta e 
am- a menos de um partido e, por isso, não no sentido tradicional de forma -
tip\ca de exercício de poder, não naquele sentido que o termo conservou 
substancialmente na passagem da ditadura clássica à moderna. As únicas 
anotações que Marx faz acerca do estado de transição são xtraídas da 
experiencia da Comuna de Paris entre Março e Maio de 1871 e visam mos­
trar que o governo da Comuna é uma forma de democracia mais avançada 
do que a democracia representativa dos mais desenvolvidos estados bur­
gueses. Não obstante, Engels no prefácio aos escritos de Marx sobre as 
guerras civis em França aponta na Comuna de Paris uma primeira e terrí­
vel experiência da ditadura do proletariado. Porém, isso, possivelmente, 
torna mais exemplarmente evidente que uma coisa é o domínio de classe 
(ditadura em sentido não técnico), outra cOIsa é a forma âe governo em 
que este domíníõ""Semanifesta (que não era, de facto, no caso da Comuna, 
pelo menos na interpretação de Marx, uma ditadura no sentido técnico). 
Na expressão marxiana 'ditadura do proletariado', o termo 'ditadura' 
não tem significado valorativo particularmente relevante: desde que todos 
212 
Comuna, 
.o técnico). 
~c_-~ -----() 'ditadura' 
- . que todos 
213 	 DEMOCRACIAlDITADURA 
os Estados são ditaduras no sentido de dominação de uma classe, o termo 
i~ica substãnciâ lmente um estado de coisas e tem, por isso, um sentido 
essencialmente descritivo. A passagem do- significado apreciativo positivo 
próprio da ditadura, enquanto magistratura ou enquanto governo revolu­
cionário, ao significado apreciativo negativo, hoje prevalecente, como já se 
disse no início, deu-se em virtude de por 'ditadura' se entender agora, cada 
vez mais, não genericamente o domínio de uma classe mas uma forma. de 
governo, quer diz.er, uIlla man.5;.ira de exercício do poder. Na extensão do 
conceito cabem mais ou menos todas as modalidades não dCiTiõcráticas de 
exercício do poder: neste alargamento das suas conotações, o conceito de 
ditadura perdeu progressivamente alguns traços essenciais que serviram 
para denotar, primeiro que tudo, o do estado de necessidade e o da efeme­
ridade, mesmo aquelas denotações que justificaram durante o decurso de 
toda a filosofia política uma apreciação positiva da instituição (o ditador 
romano) e da forma de governo por ela exemplificada (a ditadura revolu­
cionária). [N. B.j. 
Buonarroti, F. 
1828 Conspiration pour /'égali/é di/e de Babeuf, Librairie romantique, Bruxellc" (trad. ir. Einaudi, 
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1848 	 Aver/ issemene de la douzib ne édi/ion, in De la démocra/ie en Amérique, Pagnerre, Paris 184812 (trad. 
it . ibid., pp. 9- 11 ). 
DEMOCRACIA/ DITADURA 214 
Vico, G . 
1720 De universi iun's uno principio ec uno fine, Mosca, Napoli (trad. it. Sansoni, Firenze 1974). 
1744 La Scienza ntlOva giusta /'edizione dei 1744, Larena, Bari 1967' . 
o Como para muitos outros termos, o sigmficado de democracia/ ditadura mudou com o 
tempo. O seu uso, portanto, pressupõe sempre a referência a uns sis temas de referência (cf. 
sistemas de ref erência) que grosso modo podem identificar-se na dicotomia antigo/moderno 
entre meada por um período de transição localizável nos séculos XVlll -XIX. Na Antiguidade 
clássica a classificação (cf. sistemática e classificação) das diferentes formas de constituição 
seguia o critério do número daqueles que tinham a gestão da

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