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Manual de Procedimentos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos Guia Prático para ONGs Global Rights Geledés – Instituto da Mulher Negra (versão em português) APRESENTAÇÃO A mais de duas décadas as organizações não governamentais vêm desempenhando papel cada vez mais importante na promoção e proteção dos direitos humanos em nível regional e internacional. Hoje, mais do que nunca os defensores de direitos humanos das Américas estão utilizando a Comissão Interamericana de Direitos Humanos para proteger os direitos humanos em nosso hemisfério. O Global Rights no começo dos anos 90 iniciou processo de coalizão com organizações internacionais, tendo no Brasil, como organização parceira, desde o ano de 2000 o Geledés – Instituto da Mulher Negra, uma organização de defesa dos direitos humanos que atua sobretudo em defesa dos fundamentais das mulheres negras e, através do Projeto SOS Racismo na defesa dos direitos das vitimas de racismo no âmbito nacional. Desta maneira surgiu a parceria entre Geledés e Global Rights, em especial no âmbito internacional com atuação no sistema interamericano de direitos humanos. Em razão do trabalho que vem sendo desenvolvido desde o ano de 2000, Geledés e Global Rights oferecem este manual como ferramenta para as ONGs interessadas em promover os direitos humanos em nível regional. Este manual foi desenvolvido originalmente nas versões em espanhol e inglês pelo Global Rights, esta parceria permitiu a produção da versão em português. Esperamos haver criado um instrumento que responda efetivamente a muitos segmentos temáticos que têm sido violados em seus direitos fundamentais e que o manual sirva como resposta a algumas perguntas comuns realizadas por diversos entes da sociedade civil, sobretudo para a incidência no sistema Interamericano de proteção de direitos humanos. Portanto, esperamos: � Prover às ONGs conhecimento acerca dos procedimentos formais e procedimentos práticos do sistema interamericano; � Permitir que às ONGs obtenham oportunidades de informação de como e quando devem intervir no sistema interamericano; � Prover às ONGs aliadas novas idéias e estratégias práticas que possam ser utilizadas para o avanço de suas agendas. O manual traz informações importantes às ONGs, tais como; de que maneira aceder ao status consultivo da OEA, perpassando pela mobilização política da população e pressão ante ao governo e ao próprio sistema interamericano. Como efetivar um pedido de visita in loco dos relatores aos Estados membros entre outras. Temos por expectativa que esta manual ajude sua ONG no desenvolvimento de suas atividades, em especial no âmbito regional de proteção dos direitos humanos. Rodnei Jericó da Silva. Advogado e Coordenador do Projeto SOS Racismo Geledés – Instituto da Mulher Negra AGRADECIMENTOS Agradecimentos especiais aos escritores desse guia, Carlos Quesada, Global Rights, diretor do Programa para América Latina; Felipe Gonzalez; consultor para a América Latina do Global Rights (1991-2003), diretor do Programa de Direitos Humanos e Professor de Direitos Humanos Internacional da Universidade Diego Portales, em Santiago do Chile; Gaston Chillier, ex-diretor para América Latina do Programa para América Latina Global Rights (2000- 2003); e Mark Ensalaco, diretor do Programa de Direitos Humanos da Universidade de Dauton, Ohio. Gostaríamos de expressar nosso apreço também à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos por nos permitir a reprodução integral do material “Como Apresentar petições no Sistema Interamericano”, para compor este Manual de Procedimentos no Sistema Interamericano de proteção dos Direitos Humanos. Gostaríamos de agradecer às muitas organizações e pessoas que trabalharam conosco durante os últimos anos sobre o Sistema Interamericano. Agrademos especialmente à todas organizações parceiras que apoiaram os cursos sobre o sistema interamericano – Casa Alianza, Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL), a Associação de Profissionais Afroamericanos, e a Associação de Profissionais Afrocolombianos, a Rede de Advogados Afrolatinos e Caribenhos. Agradecimentos adicionais para Aimee Sullivan, Ann Andrews, Ariel Dulitzky, Claire Antonelli. Elizabeth West, Elvia Duque Castilho, Jennifer Rasmussen, Kate McCann, Kristina Campbell, Maria do Carmo Cruz, Marissa Ferri, Mark Bromley, Zakiya Carr Johnson, que por seu intenso trabalho e dedicação ajudaram a conduzir este projeto à sua finalização. Esperamos que este Manual seja um instrumento eficaz e possa contribuir nos esforços para promover os direitos humanos na América Latina. Este projeto não seria possível sem os fundos doados pelo Instituto da Paz dos Estados Unidos, ao Instituto Sociedade Aberta, à Fundação John D & Catherine T. MacArthur, ao doador anônimo e Agência dos Estados Unidos para o desenvolvimento Internacional. Esta versão em português teve apoio Fundação Ford Brasil. SUMÁRIO Pág. Capítulo I I – Visão geral da OEA em matéria de Direitos Humanos 1.1 O que é a OEA 8 1.2 Quais os organismos da OEA com incidência em matéria de direitos humanos 8 1.3 Quais os principais Tratados e Declarações da OEA 9 1.4 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos 11 a) funções da CIDH 12 1.5 A corte Interamericana de Direitos Humanos 14 1.6 A Assembléia geral e o Conselho Permanente Da OEA 16 1.7 Quais as formas de participação da sociedade Civil na OEA ? 24 1.8 alguns aspectos práticos do Lobby no Conselho Permanente e na Assembléia Geral 30 Capítulo II II – Funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos 2.1 Relatórios sobre países 36 2.2 Visitas in Loco 40 2.3 Trabalho especializado em algumas áreas temáticas através de relatorias e outros mecanismos 48 2.4 Atividades de promoção dos Direitos Humanos E outras iniciativas 51 Capítulo III III – Papel da ONGs na Comissão Interamericana de DH 3.1 papel da ONGs 53 3.2 O que as ONGs podem fazer 55 3.3 Conclusões sobre o papel das ONGs 56 Capítulo IV VI – Aplicação do Sistema Interamericano no âmbito interno 4.1 como se incorporam os tratados de Direitos humanos No âmbito interno 58 4.2 Aplicação dos tratados no âmbito local 59 4.3 A implementação das decisões na Comissão e na Corte 62 4.4 A implementação das recomendações da Comissão 64 4.5 A implementação de acordos de solução amistosa 67 4.6 Assinaturas de acordos de cumprimento sem solução Amistosa 68 4.7 Implementação das sentenças da Corte 70 4.8 Caso Neusa dos Santos e Gisele Ferreira 72 Capítulo V V – O Valor do sistema Interamericano para as ONGs 5.1 O valor do sistema interamericano 84 5.2 a obtenção da justiça em casos individuais 85 5.3 A retirada de uma situação geral de violação aos direitos humanos 85 5.4 O fortalecimento do estado de direito 865.5 A decisão de usar o sistema interamericano 87 ANEXOS. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 8 Capitulo I I. UMA VISÃO GERAL DA OEA EM MATÉRIA DE DIREITOS HUMANOS 1.1 O que é a OEA? OEA é a sigla da Organização dos Estados Americanos 1 fundada em 1948, seus membros são todos os Estados do continente americano incluindo a América Latina, o Caribe e a América do Norte. Na atualidade conta com 35 Estados membros. Destes, Cuba é o único que atualmente não participa de maneira efetiva na OEA em razão dos seus direitos terem saído suspensos em 1962. A Organização foi criada em decorrência de um tratado chamado Carta da OEA2 que foi reformado em diversas oportunidades. Este documento estabelece as principais características da Organização e a sua estrutura orgânica, bem como os direitos e os deveres dos seus integrantes. A sede principal da Organização dos Estados Americanos está em Washington, D.C Estados Unidos. Porém, alguns dos seus organismos estão localizados em outros locais, por exemplo, a Corte Interamericana de Direitos Humanos3, em São José da Costa Rica, e o Instituto Interamericano da Criança 4 , com sede em Montevidéu, Uruguai. A OEA desenvolve ações no âmbito diplomático, político, econômico e dos direitos humanos, bem como em outras áreas. Graças aos esforços realizados por organizações não governamentais e por diversos Estados, as formas de participação da sociedade civil na OEA vêm ampliando-se desde a sua criação. 1.2 Quais são os organismos da OEA com incidência em matéria de direitos humanos? É importante saber que “Sistema Interamericano” é o nome dado aos diversos organismos regionais que se ocupam dos direitos humanos. A Organização dos Estados Americanos conta com dois órgãos principais dedicados à proteção e a promoção dos direitos humanos: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. Estes organismos estão constituídos por especialistas independentes, isto é, não representam os seus países de origem. Existem dois órgãos políticos na OEA, o Conselho Permanente 5 e a Assembléia Geral6, que também desempenham um papel importante na área dos direitos humanos. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 9 Por sua vez, no Conselho Permanente funcionam vários organismos, entre os quais se destaca a Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos (CAJP)7 . Estes órgãos são integrados pelos Estados membros da Organização. Existem ainda no interior da OEA outros organismos que atendem temas específicos relacionados com direitos humanos, como a Comissão Interamericana de Mulheres (CIM) 8 , o Instituto Indigenista Interamericano 9 , o Instituto Interamericano da Criança 10 , a Unidade de Promoção da Democracia 11 e o Comitê Jurídico Interamericano 12 . Porém, estes organismos se concentram fundamentalmente em atividades de estudo e divulgação temática mais do que em trabalhos de proteção aos direitos propriamente ditos. 1.3 Quais são os principais tratados e declarações da OEA? Qual é a diferença entre um tratado e uma declaração? Os tratados são acordos jurídicos internacionais que estabelecem direitos e deveres para quem os ratifica. Podem ser subscritos por organismos internacionais ou pelos países. Este é o caso de todos os tratados da OEA. Os tratados são juridicamente obrigatórios para quem os subscreve. Uma declaração é um acordo menos formal, mas quando se refere a uma prática internacional estendida ou a normas imperativas do Direito Internacional Público (conhecidas como normas de Ius Cogens) também resulta juridicamente obrigatória. Por exemplo, os órgãos internacionais de direitos humanos consideram que várias disposições da Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem são obrigatórias pelas razões mencionadas. Existem declarações solenes e não solenes. As solenes geralmente contêm um preâmbulo e artigos, e a sua adoção pode demorar (às vezes vários anos), pois são precedidas por um intenso debate. Por esta razão, são mais importantes do que as não solenes, que são mais curtas e com freqüências mais específicas. Porém, estas últimas também podem ser importantes em um contexto determinado, por exemplo, quando incluem um pronunciamento a respeito de um determinado país. Como já foi mencionado, a própria OEA foi criada em decorrência de um tratado, a Carta da Organização. Para se incorporar à OEA, um Estado deve ratificar este documento. A Carta impõe certas obrigações aos países em matéria de direitos humanos e por isso todos os Estados membros da OEA têm o dever de proteger tais direitos, Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 10 independentemente de que tenham ou não ratificado outros tratados ou declarações da OEA. A respeito dos direitos humanos, o principal tratado é a Convenção Americana de Direitos Humanos (CADH)13, também conhecida como “Pacto de San José da Costa Rica” por ter sido aprovada nessa cidade, em 1969. A Convenção entrou em vigência em 1978, quando um número suficiente de Estados ratificou. Ela rege o funcionamento da Comissão e da Corte e consagra os principais direitos. Na sua versão original a Convenção refere-se fundamentalmente a direitos civis e políticos, tais como o direito à vida, à liberdade pessoal, à liberdade de expressão, à eleição das autoridades e à possibilidade de ser eleito para cargos públicos etc... Apesar da Convenção Americana de Direitos Humanos incluir referências aos direitos econômicos, sociais e culturais (DHESCs), estas são raras. Por isso a Convenção foi complementada posteriormente com o Protocolo Adicional Sobre Direitos Humanos em Matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais 14 , chamado também de “Protocolo de San Salvador”, em referência ao lugar em que foi aprovado. Este Protocolo entrou em vigor em 1998. Outro instrumento de caráter geral sobre direitos humanos é a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem15, adotada em Bogotá (Colômbia) por ocasião da fundação da OEA em 1948. Contém uma relação dos direitos civis e políticos e dos direitos econômicos, sociais e culturais mais importantes. Nos marcos da OEA também foram aprovados vários instrumentos sobre aspectos específicos dos direitos humanos. Entre os mais importantes estão: a Convenção Interamericana Para Prevenir e Sancionar a Tortura 16 , o Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos Referente à Abolição da Pena de Morte17, a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas18, a Convenção Interamericana Para Prevenir, Sancionar e Erradicar a Violência Contra a Mulher 19 (também chamada “Convenção de Belém do Pará”) e a Convenção Interamericana para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência20. É importante ressaltar que estes tratados impõem algumas obrigações aos Estados. Os artigos 1º e 2º da Convenção Americana estabelecem o compromisso dos Estados membros no sentido de não só respeitar os direitos e liberdades reconhecidos na Convenção, mas também de “adotar, de acordo com as suas normas constitucionais e com as disposições desta Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias para tornar efetivos tais direitos e liberdades.” Os outros tratados também impõem a obrigação de tornar efetivos os direitos neles consagrados. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 11A peculiaridade dos tratados de direitos humanos: Obrigação os Estados protegerem as pessoas Geralmente, os tratados internacionais estabelecem obrigações para os Estados. Por exemplo, um tratado entre dois países vizinhos pode definir as fronteiras comuns. Em outras ocasiões muitos Estados assinam um tratado e estabelecem obrigações entre eles (por exemplo, em matéria comercial). Geralmente, nesses tratados, quando um Estado deixa de cumprir as suas obrigações, os outros Estados também podem se vir isentos do cumprimento. A peculiaridade dos tratados sobre direitos humanos é que impõem aos Estados a forma em que devem se comportar em relação com as pessoas que moram no território sob a sua jurisdição. Em conseqüência, cada Estado é obrigado perante os outros a proteger os direitos humanos dessas pessoas. Da mesma forma, estes tratados outorgam poderes a alguns órgãos (como a Comissão e a Corte Interamericana) para que supervisionem o cumprimento das obrigações estabelecidas. Neste caso, a falta de cumprimento por parte de um Estado não isenta os outros das obrigações. 1.4 A Comissão Interamericana de Direitos Humanos A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) foi criada em 1959 e entrou em funcionamento em 1960. Desde 1967 possui caráter de órgão reconhecido pela Carta da OEA. Posteriormente, a Convenção Americana Sobre Direitos Humanos definiu a Comissão como um dos órgãos principais do Sistema Interamericano dos Direitos Humanos. A estrutura, competência e funções da Comissão estão descritas na Convenção Americana e no Estatuto e no Regulamento21 da própria CIDH. A Comissão tem sede em Washington, D.C escritório central da OEA, é integrada por sete comissionados eleitos pelos Estados membros. O seu mandado dura quatro anos e eles podem ser reeleitos uma única vez. Os comissionados são independentes, isto é, não representam o seu país de procedência, porém, não pode haver mais de um comissionado com a mesma nacionalidade. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 12 Porque é importante que os membros da Comissão sejam independentes, isto é, não representem os seus países de origem? Nem todos os órgãos internacionais de direitos humanos estão integrados por pessoas independentes. Por exemplo, na Comissão de Direitos Humanos da ONU, os próprios Estados estão representados e considerações de tipo diplomático podem influenciar as decisões. Por sua vez, na Comissão Interamericana de Direitos Humanos, o fato de que os seus integrantes não representem nenhum dos países contribui significativamente com a eficácia e independência da Comissão. Desta forma, mesmo na época em que existiam muitas ditaduras no continente americano, a Comissão fiscalizou o comportamento desses governos em matéria de direitos humanos e pôde fazer um chamado à comunidade internacional para tomar medidas que impedissem a continuação das violações a esses direitos. Funções da Comissão As funções da Comissão podem ser resumidas da seguinte forma: Preparação de relatórios A CIDH prepara relatórios sobre a situação dos direitos humanos em determinados países. Geralmente, estes relatórios se referem à situação geral, mas algumas vezes tratam de aspectos específicos (por exemplo, as condições carcerárias em um determinado país). A Comissão também prepara relatórios referentes à forma em que os Estados da OEA tratam um assunto em particular; por exemplo, a abordagem dos direitos humanos da mulher. Realização de visitas in loco A Comissão realiza visitas in loco, isto é, no local em que considera necessário avaliar a situação dos direitos humanos. Em mais de quatro décadas de trabalho, a Comissão visitou a grande maioria dos Estados da OEA. Estas visitas são de enorme importância porque permitem à CIDH levantar informações de primeira mão sobre a situação dos direitos humanos, entrarem em contato direto com a sociedade civil, interagir com as autoridades e manifestar os reparos que possam existir a respeito das suas políticas e condutas, de modo geral dar visibilidade à Comissão ao colocar o tema dos direitos humanos em um lugar mais destacado na agenda e no debate público. Para isso, a Comissão Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 13 normalmente mantém a imprensa informada sobre a sua visita e organiza uma entrevista coletiva no final. Trabalho especializado em algumas áreas temáticas, através de Relatorias e outros mecanismos Existe assuntos que a Comissão considera de particular relevância e para os quais estabelece Relatorias ou outros órgãos especiais. Um relator é alguém designado individualmente por um comitê para pesquisar temas específicos sobre direitos humanos e preparar relatórios. Por exemplo, atualmente existem Relatorias sobre liberdade de expressão, direitos humanos da mulher, condições carcerárias, indígenas, crianças e trabalhadores migratórios. Também existe uma unidade dedicada à proteção dos defensores dos direitos humanos, que leva em consideração os riscos aos que estão submetidos por conta do seu trabalho. Conhecimento e resolução de denúncias em casos específicos Qualquer indivíduo ou organização pode apresentar denúncias de violação aos direitos humanos de uma ou mais pessoas perante a Comissão. A Comissão estuda estas denúncias, recebe as provas, emite resoluções, acompanha o cumprimento das resoluções por parte dos Estados e encaminha casos à Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Comissão também pode adotar medidas cautelares urgentes em casos graves, com o objetivo de proteger a vida ou outros direitos das pessoas envolvidas. Também pode solicitar à Corte que estabeleça medidas provisórias com o mesmo objetivo. Outras funções Uma das funções adicionais da Comissão é a promoção dos direitos humanos, isto é, a divulgação da importância de proteger tais direitos e do papel que realiza o Sistema Interamericano nesse sentido. Outra tarefa relevante consiste na participação da Comissão na preparação de tratados e declarações. Mais recentemente, a Comissão vem desenvolvendo uma função consultiva. A Comissão realiza todas estas funções utilizando especialmente os parâmetros estabelecidos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos, na Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e em outros instrumentos internacionais de direitos humanos. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 14 As vítimas, os seus familiares, os seus advogados, e em geral as organizações da sociedade civil podem participar em diversas formas para que a Comissão desempenhe estas funções com eficácia. De fato esta participação da sociedade civil freqüentemente resulta fundamental. No Capítulo II deste Manual serão apresentadas com mais detalhes as funções da Comissão, e o seu uso prático, bem como as formas de incidência da sociedade civil. A evolução da Comissão Interamericana. De governos ditatoriais a governos civis A Comissão Interamericana foi estabelecida originalmente em um contexto em que existiam inúmeras ditaduras na América. Nos seus primeiros anos de atividade, a CIDH concentrou o seu trabalho na elaboração de relatórios sobre a situação dos direitos humanos em países sob regimes ditatoriais. Posteriormente, desde meados da década de 60, começou também a receber e resolver denúncias de casos específicos. Estas denúncias se referiam em sua grande maioria a violações massivas e sistemáticas do direito à vida, à integridade física e psíquica (casos de tortura e outras agressões) e a outros direitos básicos. Porém, a maior parte das suas tarefas continuou centradana elaboração de relatórios, pois através deles era possível apresentar um quadro geral de tais violações, as suas causas e as formas de superá-las. A partir de meados da década de 80 e, em especial da década de 90, já com um claro predomínio de governos civis na OEA, o conhecimento de denúncias específicas passou a ser a tarefa principal da Comissão. Apesar de que até a presente data a maioria destas denúncias continua referindo-se a violações à vida e à integridade pessoal, elas começaram a se diversificar do ponto de vista temático. Hoje a Comissão recebe também um número enorme de casos relacionados a problemas de discriminação e liberdade de expressão, entre outros assuntos. 1.5 A Corte Interamericana de Direitos Humanos A Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) foi criada pela Convenção Americana e entrou em funcionamento efetivo em 1979. A estrutura, competência e funções da Corte estão descritas na própria Convenção e no Estatuto e Regulamento da Corte. A sede da Corte está localizada em San José da Costa Rica, é integrada por sete juízes eleitos pelos Estados membros, por um período de seis anos, e podem se reeleger uma única vez. Pela sua condição de juízes, são eleitos de forma independente, isto é, não Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 15 representam o seu país de origem, porém, a Corte não pode ter mais de um juiz da mesma nacionalidade ao mesmo tempo. A Corte Interamericana de Direitos Humanos tem duas funções principais: Função contenciosa Através da função contenciosa a Corte recebe denúncias de casos específicos que podem ser encaminhadas pela Comissão ou pelos Estados, mas não de forma direta por pessoas ou organizações da sociedade civil. A Corte recebe as provas e decide os casos e, ao mesmo tempo estabelece indenizações ou outras formas de compensação, ordenando aos Estados reformas a sua legislação ou adoção de outras medidas. Posteriormente, a Corte acompanha as resoluções para garantir o seu cumprimento, e só depois que a sentença é cumprida na sua totalidade o caso é encerrado. Somente aqueles Estados que reconheceram de forma expressa a jurisdição contenciosa da Corte são submetidos a ela. Em casos urgentes a Corte também pode adotar medidas provisórias urgentes para proteger os direitos básicos das pessoas. Apesar de que não possível que um cidadão leve diretamente um caso perante a Corte, ele pode participar do processo de tramitação para garantir uma adequada defesa dos seus direitos. Função consultiva Por meio da função consultiva a Corte se pronuncia sobre problemas jurídicos relevantes em matéria de direitos humanos no continente americano. Para isso, se baseia nos tratados e declarações do Sistema Interamericano e nos instrumentos internacionais de outros sistemas internacionais de proteção desses direitos. No exercício de sua função consultiva a Corte também pode emitir pronunciamentos sobre a interpretação de determinadas normas de instrumentos interamericanos. A Corte exerce esta função com relação a todos os Estados membros da OEA. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 16 A evolução da Corte Interamericana Durante a sua primeira década de trabalho, desde a sua criação em 1979, a Corte se concentrou quase exclusivamente na emissão de opiniões consultivas, e firmou algumas bases importantes para a jurisprudência do Sistema Interamericano. A partir do final dos anos 80, a Comissão começou a encaminhar casos contenciosos com maior regularidade, apesar de ainda representar uma porcentagem pequena do total de casos decididos pela Comissão. Isto mudou a partir da adoção dos novos regulamentos da Corte e da Comissão em 2001, e o volume de casos contenciosos perante a Corte aumentou significativamente. Apesar de que os Estados também têm o poder de encaminhar casos à Corte, isto só aconteceu em uma oportunidade, em 2002, quando tanto o Peru quanto a Comissão encaminharam o caso de Lori Berenson simultaneamente. Mais adiante este Manual apresentara com mais detalhes as funções da Corte e o seu uso prático, bem como as formas de incidência da sociedade civil. 1.6 A Assembléia Geral e o Conselho Permanente da OEA A Assembléia Geral está integrada pelos Estados membros da OEA. Geralmente, os Ministros das Relações Exteriores lideram as delegações dos seus respectivos Estados em certos casos, pouco freqüentes, algumas delegações são lideradas pelo Presidente da República ou outra autoridade em exercício do cargo de Chefe de Estado ou de governo. Há mais de uma década a OEA realiza anualmente uma Assembléia Geral Ordinária e, quando considera necessário, Assembléias Gerais Extraordinárias. A Assembléia Geral Ordinária é itinerante e normalmente acontece durante três dias a partir da primeira segunda-feira de junho de cada ano. As Assembléias Gerais Extraordinárias são realizadas quase sempre em Washington, D.C. O Conselho Permanente da OEA é o órgão político desta organização, funciona regularmente e tem a sua sede em Washington, D.C. Está integrado pelos Estados membros da OEA, representados por seus respectivos Embaixadores. Junto com o Secretário Geral da Organização, o Conselho Permanente desempenha o trabalho cotidiano em assuntos políticos, diplomáticos, econômicos, comerciais, etc. Estes temas incluem também os direitos humanos é comum que as pessoas e instituições da sociedade civil desconheçam esse fato. Apesar de que ao longo da história da OEA o papel do Conselho Permanente vem tendo conseqüências tanto positivas quanto negativas para a proteção dos direitos Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 17 humanos na América, é preciso reconhecer a relevância do trabalho de incidência e a necessidade de conhecer as suas funções. O Conselho Permanente está integrado por uma série de comissões em que também podem participar as organizações da sociedade civil. A mais relevante em matéria de direitos humanos é a Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos (CAJP). Na seguinte seção trataremos das funções da Assembléia Geral e do Conselho Permanente devido a que os seus papéis são complementares: Elaboração de tratados e declarações sobre direitos humanos Para iniciar a elaboração de um tratado ou de uma declaração na OEA é indispensável a decisão favorável da Assembléia Geral. Em ocasiões, é possível que surja na Comissão Interamericana ou em alguma organização não governamental a idéia de preparar um tratado ou declaração sobre direitos humanos. Mas para oficializar a sua elaboração, a Assembléia Geral deve adotar uma decisão neste sentido. Uma vez tomada à decisão, a Assembléia Geral pede ao Conselho Permanente que inicie a preparação. Geralmente este forma um Grupo de Trabalho dentro da Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos para elaborar os artigos do projeto de instrumento internacional. O Grupo de Trabalho está integrado por representantes daqueles Estados que desejam integrá-lo. A possibilidade que tem a sociedade civil de incidir na tarefa que desenvolverá o Grupo de Trabalho depende, em boa parte, da vontade dos Estados, mas também dos esforços de lobby realizados pelas mesmas organizações não governamentais. Neste sentido, é importante que as ONGs motivem os Estados que possuem políticas de maior proteção dos direitos humanos para participar do Grupo de Trabalho respectivo. Também é importante que a sociedade civil mantenha canais de diálogo fluidos e constantes com os Estados, tanto através de diálogos informais como de apresentações escritas e verbais perante o Grupo. Além disso, pode ser útil que asorganizações da sociedade civil convençam o Grupo de Trabalho para convidar especialistas na matéria com o objetivo de realizar palestras. Normalmente a elaboração de um tratado ou de uma declaração leva vários anos. Ao longo do processo de elaboração são preparados sucessivos rascunhos que, por sua vez, são apresentados para consideração por parte do Conselho Permanente e, em alguns casos, da Assembléia Geral. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 18 Às vezes pode ser importante promover a abertura de um debate sobre o estado de um projeto de instrumento na Assembléia Geral, pois as prioridades ou os pontos de vista dos Embaixadores perante a OEA nem sempre coincidem com os dos seus respectivos Ministérios das Relações Exteriores e um impulso da Assembléia Geral pode ser decisivo. Além disso, é importante o lobby nos Ministérios das Relações Exteriores, porque no marco da elaboração de tratados, com freqüência são eles que encaminham estas apresentações escritas ao Grupo de Trabalho. Uma vez que o Conselho Permanente considera que um rascunho está na sua fase final, normalmente o próprio Conselho aperfeiçoa alguns aspectos do texto. Esta etapa também pode ser decisiva, pois às vezes no último momento podem ser introduzidas mudanças importantes. Por tal razão, o acompanhamento por parte das organizações da sociedade civil também deve se manter nesta etapa. Como há vários anos que as Assembléias Gerais são curtas (três dias, e não mais cinco como antigamente), é provável que o texto do instrumento internacional aprovado pelo Conselho Permanente seja adotado sem mudanças por parte da Assembléia Geral. Dai a importância de que a sociedade civil intervenha perante o Conselho Permanente. Um caso de participação ativa da sociedade civil na preparação de um tratado: a Convenção Interamericana sobre o Desaparecimento Forçado de Pessoas A idéia de elaborar uma Convenção sobre desaparecimentos tinha começado a ser discutida na OEA em meados da década de oitenta. Isto também influenciou a ONU22, onde começou o trabalho de preparação de uma declaração solene (com artigos) sobre o tema. Na ONU, a preocupação pelos desaparecimentos tinha surgido a partir de sua prática sistemática na América Latina, posteriormente, tinha se estendido a outros continentes, em especial a Ásia. Na OEA, a CIDH tinha preparado em fins da década de oitenta uma versão preliminar da Convenção que reunia os avanços de jurisprudência mais importantes. Porém, apesar de ter sido criado um Grupo de Trabalho na OEA para análise, na prática se passaram vários anos sem que os Estados realizassem um acompanhamento efetivo do tema. Por sua vez, em janeiro de 1992, a ONU aprovou a declaração que vinha preparando e surgia então o paradoxo de que, tendo a ONU iniciado o seu trabalho na matéria com Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 19 base no impulso inicial do Sistema Interamericano, a tarefa terminava antes do que na OEA. Claro que por se tratar de uma declaração e não de uma convenção (como era o caso da OEA), a sua aprovação resultava menos complexa. Mas considerando a quantidade de trabalho dedicado ao tema em ambos os sistemas, evidente que a ONU tinha contribuído com esforços bem maiores. A aprovação da Declaração Sobre a Proteção de Todas as Pessoas Contra o Desaparecimento Forçado ou Involuntário por parte da ONU fez com que o assunto ganhasse agilidade na OEA. Mas a Declaração não incluía um critério protetor dos direitos humanos. Então, o Grupo de Trabalho, conformado por Estados membros da OEA, preparou uma nova versão da Convenção cujas normas significavam um retrocesso absoluto a respeito do estado de coisas no Sistema em matéria de desaparecimentos. Ao se afastar totalmente do projeto preparado pela Comissão, da jurisprudência da Corte em casos como o de Velásquez Rodríguez (entre outros) e de várias resoluções da Assembléia Geral, o novo rascunho eliminava toda referência ao caráter de crime contra a humanidade dos desaparecimentos forçados, aceitava a invocação da obediência devida como causa de justificação, considerava legítimo o ditado de normas de anistia no assunto e permitia o asilo político para os seus perpetradores, entre outras disposições. Este Projeto, ainda inconcluso, chegou até a Assembléia Geral realizada em maio de 1992 que devia decidir os passos a seguir. O pequeno grupo de organizações não governamentais presentes, integrado pela FEDEFAM23 (Federação das Associações de Familiares de Presos Políticos Desaparecidos), a Global Rights24 (antes conhecida como International Human Rights Law Group), a Anistia Internacional25 e a Comissão Internacional de Juristas 26 , conseguiu que a resolução aprovada incorporasse a necessidade de escutar as entidades da sociedade civil durante a seguinte etapa de tramitação do projeto de Convenção. Antes, houve um intenso debate com Estados que apoiavam e Estados que rejeitavam tal participação. Finalmente, foi possível uma solução de consenso segundo a qual o Grupo de Trabalho teria que “escutar” as organizações da sociedade civil. Ao longo dos dois anos seguintes, as ONGs formaram uma coalizão ampla e trabalharam ativamente para fortalecer a Convenção, com o propósito de garantir que fosse considerado o desenvolvimento internacional na matéria. A Argentina, o Canadá, o Chile e os Estados Unidos desempenharam um papel relevante nesse sentido. Por sua vez, os Estados mantiveram a Comissão Interamericana em um papel secundário apesar de ser experta na matéria. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 20 Finalmente, foi adotado um texto que, em termos gerais, resultava satisfatório no referente às normas, pois alterava a regulação dos quatro aspectos mencionados que tinham sido objeto de críticas severas. Em essência, a Convenção consolidava em um instrumento com caráter de tratado uma série de normas que até esse momento tinham sido desenvolvidas no Sistema Interamericano, especialmente pela via da interpretação da Convenção Americana de Direitos Humanos. Todavia, a criação de mecanismos específicos destinados a tornar mais eficiente á proteção (outro elemento que se supõe deve estar presente em um tratado desta natureza) mereceu pouca regulamentação. No projeto original, a CIDH tinha criado alguns mecanismos específicos para enfrentar com urgência a situação dos desaparecimentos, mas foram eliminados completamente no texto final. Por isso será necessário continuar utilizando os mecanismos estabelecidos na Convenção Americana de Direitos Humanos. De qualquer forma, no balanço final a experiência resultou positiva, tanto por ter fortalecido significativamente a Convenção quanto por ter desenvolvido uma iniciativa de trabalho conjunto de uma ampla coalizão de ONG, que depois se projetou em um trabalho sistemático perante os órgãos políticos da OEA. O pedido, a recepção, a discussão e a aprovação de relatórios em matéria de direitos humanos e a adoção de resoluções. A Assembléia Geral e o Conselho Permanente da OEA são os órgãos que ordenam a preparação de relatórios no âmbito dos direitos humanos e, da mesma forma, recebem tais relatórios e os submetem a debate e eventual aprovação. Os órgãos políticos da OEA pedem numerosos relatórios que têm relação direta ou indireta com o tema de direitos humanos. Ainda, a Comissão e a Corte Interamericana (esta última por ordem da Convenção Americana) devem apresentar um Relatório Anual sobre as suas atividades. Estes Relatórios são submetidos primeiramente à consideração do Conselho Permanente. O Presidente da Comissão e o Presidente da Corte realizam exposiçõesorais e depois os Estados manifestam os seus pontos de vista. Algumas vezes estes debates são intensos, com Estados que apóiam o trabalho dos órgãos de direitos humanos mencionados e outros Estados que o questionam, geralmente como reação às críticas ao seu recorde de proteção dos direitos humanos. Estes debates costumam refletir diferentes visões dos Estados sobre o Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 21 papel que desenvolvem os direitos humanos, bem como do papel dos órgãos interamericanos na matéria. Devido ao formato reduzido da Assembléia Geral, atualmente não costumam acontecer ali debates significativos a propósito destes Relatórios. Apesar de que em razão de práticas diplomáticas, o Conselho Permanente e a Assembléia Geral nunca rejeitam formalmente os Relatórios da Comissão ou da Corte, é importante ter em consideração que tais órgãos políticos emitem resoluções a propósito dos Relatórios apresentados, e que o conteúdo dessas resoluções pode influenciar a agenda dos órgãos de direitos humanos. Por isso é muito importante que a sociedade civil intervenha de forma ativa em atividades de lobby em relação com estas resoluções. E convém a sua prática tanto no Conselho Permanente como na Assembléia Geral, pois se trata de resoluções que com freqüência são alteradas em alguns aspectos. Além disso, o Conselho Permanente e a Assembléia Geral conhecem e decidem sobre muitas outras resoluções com incidência em direitos humanos. Estas podem se referir aos assuntos mais diversos, tais como o sistema judicial e os direitos humanos, o terrorismo e os direitos humanos, o fortalecimento do Sistema Interamericano, a participação da sociedade civil nesta área, a proteção dos defensores de direitos humanos, etc. Na maioria dos casos, uma vez aprovadas as resoluções pelo Conselho Permanente, são adotadas sem maiores debates pela Assembléia Geral. Porém, em muitos casos a Assembléia introduz alterações (às vezes importantes) e a sociedade civil desempenha um papel central nesse sentido por meio de atividades de lobby com alguns Estados. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 22 Os órgãos políticos e a Comissão Interamericana Durante os anos 1960, 70 e 80, apesar de que muitos dos governos representados nos órgãos políticos eram ditatoriais, tais órgãos assumiam geralmente os aspectos substantivos dos Relatórios da Comissão e debatiam a situação dos direitos humanos dos Estados com base nesses Relatórios. Além disso, era comum que a Assembléia Geral emitisse uma resolução se referindo de forma específica ao país de que tratava o Relatório. Apesar de que os governos acusados algumas vezes impediam as visitas da Comissão e apresentavam defesas de peso, os órgãos políticos não evitavam o debate e o seu apoio à CIDH era claro. Naquela época, o Sistema Interamericano apresentava dois grupos muito bem definidos: de um lado, os Estados com governos claramente ditatoriais que, massiva e sistematicamente, violavam os direitos humanos, do outro, aqueles que não estavam nessas condições e que apareciam em uma situação comparativa superior à dos primeiros, por possuirem governos civis e não praticar os atentados contra o direito à vida. Era de se esperar que no momento em que mudasse o contexto com predomínio de governos civis haveria um apoio significativo ao trabalho da Comissão. Porém, isto não tem acontecido. Apesar de que vários Estados apóiam o trabalho da Comissão, a maioria deles desempenha um papel passivo a maior parte do tempo, e reage com veemência quando se sente questionada. Isto também abre espaço para o protagonismo dos Estados mais beligerantes. Por isso, a participação da sociedade civil no Conselho Permanente e na Assembléia Geral é especialmente importante. Competências exclusivas da Assembléia Geral Além de ter as funções complementares com o Conselho Permanente que já foram mencionadas, a Assembléia Geral possui certas competências exclusivas em matéria de direitos humanos. As principais são: A eleição dos juízes da Corte e dos membros da Comissão � A Assembléia Geral elege os juízes e os comissionados dentre os candidatos que os Estados indicam. Também são os Estados que votam na Assembléia Geral, como acontece em todas as organizações intergovernamentais (a ONU, a Organização da Unidade Africana, o Conselho da Europa etc...) Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 23 � Em conseqüência, a sociedade civil não pode participar diretamente na indicação de candidatos nem na sua eleição. Porém, através do lobby pode exercer a sua influência, que se apresenta em várias etapas: � Convencer alguns Estados a apresentar candidatos(as) que sejam especialistas em direitos humanos (uma exigência incluida na Convenção Americana que nem sempre é respeitada) e promover as suas candidaturas entre outros Estados. É importante mencionar que esta tarefa é realizada fundamentalmente nos respectivos Ministérios das Relações Exteriores e não no Conselho Permanente, pois geralmente são os próprios Ministérios que tomam essas decisões. Para isso também é possível recorrer à imprensa. De qualquer maneira, as ONGs deverão avaliar, caso a caso, não só as vantagens mas também as desvantagens que para um candidato(a) possa representar o apoio expresso de uma ONG; � Deixar clara para os Estados a inconveniência de escolher candidatos(as) com um histórico negativo em matéria de direitos humanos, por exemplo, pessoas que tenham desempenhado funções governamentais em regimes ditatoriais. Este lobby pode ser realizado tanto através dos Ministérios das Relações Exteriores como durante a própria Assembléia Geral e, em geral, por meio de chamados de atenção à opinião pública; � Em termos gerais, promover a necessidade de desenvolver um processo transparente e bem informado, e com um debate amplo, a respeito da qualidade técnica dos(as) candidatos(as) e da sua experiência no assunto. Acompanhar as sentenças da Corte A Assembléia Geral da OEA conta com uma ordem expressa, que tem origem no artigo 65 da Convenção Americana, para acompanhar as sentenças da Corte e garantir o seu cumprimento efetivo por parte dos Estados cuja responsabilidade tenha sido estabelecida na sentença. A Corte deve informar à Assembléia sobre aqueles casos em que os Estados não tenham cumprido com as suas resoluções para que sejam adotadas as medidas do caso. Este papel surge do caráter de garantes coletivos do Sistema que possuem os Estados. Porém, na prática a Assembléia Geral se limita a cumprir com a formalidade desta função, sem fazer um acompanhamento realmente efetivo, por isso é imprescindível o papel ativo das organizações da sociedade civil a este respeito. Determinar os orçamentos dos órgãos de direitos humanos. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 24 A Assembléia Geral desempenha uma função importante na determinação dos orçamentos financeiros da Comissão e da Corte Interamericana, mesmo sendo o Secretário Geral da OEA quem determina os valores de maneira específica. Trata- se de uma atribuição que vem adquirindo crescente importância nos últimos anos, uma vez que o aumento do volume de casos na Corte produz novas necessidades de financiamento. 1.7 Quais são as formas de participação da sociedade civil na OEA? As organizações da sociedade civil sempre tiveram uma participação muito ativa no trabalho da Comissão e da Corte Interamericana. No caso da primeira, elas vêm desempenhando um papel fundamental para apoiar suas tarefas, denunciando violações,proporcionando informação relevante para a elaboração de Informativos sobre países, convocando as vítimas para que declarem perante a Comissão nas visitas in loco que são realizadas etc... Além do mais, a participação das ONG tem sido relevante na tramitação de casos perante a Corte Interamericana, tanto em casos contenciosos (seja como assessoras da Comissão ou, mais recentemente, atuando de forma autônoma na representação das vítimas) como em opiniões consultivas. Estas formas de participação serão revistas no Capítulo II deste Manual. Tanto o Conselho Permanente quanto a Assembléia Geral da OEA produzem um impacto em matéria de direitos humanos. Porém, ao longo da história da OEA, a sociedade civil não vem prestando a mesma atenção a estes organismos. Isto começou a mudar a partir da década de 90, quando a sociedade civil aumentou a sua presença nos órgãos políticos. Como o Conselho Permanente e a Assembléia Geral estavam acostumados com uma forma de trabalho que não era monitorada, nem contavam com a participação direta das ONG, o processo de abertura para aceitar uma maior participação não foi fácil. Mas foi justamente devido ao impulso de uma coalizão de organizações não governamentais que conseguiram reunir o apoio de governos favoráveis à idéia, que as formas de participação da sociedade civil perante os órgãos políticos da OEA foram ampliadas. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 25 Uma breve história dos esforços da sociedade civil por alcançar uma maior participação na OEA Até alguns anos atrás, as poucas ONGs que participavam da Assembléia Geral da OEA contavam com uma "concessão condescendente", pois era completamente discrecional para a OEA convidá-las ou não. Isto, junto com o fato das ONGs não poderem, realizar apresentações perante a Assembléia, criava um círculo vicioso, pois tais organizações não viam lógica em destinar recursos para assistir às Assembléias. Apesar disso, a participação das ONGs foi aumentando progressivamente ao longo dos anos noventa, devido a crescente percepção de que, mesmo com todas as limitações, o lobby nas Assembléias conseguia algumas conquistas. Assim, a partir de 1997, foi quebrado o círculo vicioso e a presença da sociedade civil aumentou significativamente com a assistência de muitas ONG na Assembléia Geral e a assinatura de outras tantas de uma declaração conjunta. Com relação ao Conselho Permanente, desde meados dos anos noventa començou a ser permitida de maneira informal e não regular, a assistência das ONGs, mas sem que fossem convocadas nem informadas sobre a agenda. A informação sobre as reuniões dependia da boa vontade de alguns representantes. Em outras ocasiões e sem que existissem critérios predefinidos para isso, simplesmente as ONGs eram excluidas de determinadas reuniões. Formalmente não tinham autorização para circular documentos ou realizar intervenções orais. Devido a estas deficiências e ao impulso das mesmas ONGs e de alguns Estados, o Conselho Permanente estabeleceu em 1994 um Grupo de Trabalho sobre a situação das organizações não governamentais, destinado a orientar a criação de um mecanismo de status consultivo que reconhecesse e institucionalizasse o seu direito de participar dos assuntos da OEA. Todavia, em uma primeira etapa, este Grupo deu por encerradas as suas tarefas sem recomendar o estabelecimento de um status consultivo nem nada parecido. Enquanto o Grupo de Trabalho estava ativo, algumas ONG prepararam um rascunho com um conjunto de regulações sobre o status consultivo. Este documento foi distribuído entre diversas delegações governamentais, mas nenhuma o submeteu ao Grupo de Trabalho, por considerar que não haveria disposição coletiva para trabalhar sobre as regulações. Quando parecia que o processo em direção ao estabelecimento de um status consultivo ficaria parado definitivamente, o assunto recuperou um inesperado vigor como conseqüência das orientações da segunda Cúpula das Américas, realizada em Santiago Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 26 do Chile em abril de 1998, em que colocou-se a necessidade de fortalecer as formas de participação da sociedade civil. Isto fez com que na Assembléia Geral da OEA desse ano fosse adotada uma resolução que conclamava a efetivar tal participação. Um Grupo de Trabalho conjunto do Conselho Permanente e do CIDI (Conselho Interamericano de Desenvolvimento Integral) sobre o fortalecimiento e a modernização da OEA assumiu então a tarefa de abrir novos espaços para a participação da sociedade civil. Ao mesmo tempo, as organizações não governamentais estabeleceram uma coordenação permanente para acompanhar formalmente o processo e formular aportes ao mencionado Grupo de Trabalho. A seguir, o Grupo de Trabalho preparou um rascunho que incluia um conjunto de diretrizes detalhadas estabelecendo um mecanismo de status consultivo. A Assembléia Geral de 1999 referendou o trabalho e aprovou uma resolução sobre a OEA e a sociedade civil, incluindo um anexo com tais diretrizes. A resolução da Assembléia criou uma Comissão no interior do Conselho Permanente encarregada de acompanhar as diretrizes e de completá-las antes de terminar o ano 1999. A coalição de ONGs continuou com a sua tarefa de acompanhamento nesta etapa e encaminhou um conjunto de observações sobre o rascunho de diretrizes para a referida Comissão. Este processo finalizou efetivamente em dezembro de 1999, ao ser consagrado um sistema de status consultivo para as entidades da sociedade civil na OEA. A aprovação por parte da Comissão de um documento chamado "Diretrizes para a participação das organizações da sociedade civil nas atividades da OEA"27 (incluído nos anexos) e a sua adoção poucos dias depois por parte do Conselho Permanente concretizou o processo. O sistema de status consultivo das ONGs perante a OEA O estabelecimento de um sistema de status consultivo para as organizações da sociedade civil pode se transformar, caso seja bem implementado, em um passo significativo para ter uma OEA mais transparente e eficiente. O sistema estabelecido ainda apresenta insuficiências e, apesar de que as ONGs formularam ao longo do processo de sua criação uma série de propostas que foram incorporadas, subsistem algumas limitações para a sua participação que não parecem coerentes com o propósito geral de fortalecer a participação da sociedade civil. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 27 De alguma forma, subsiste um certo "receio" por parte de alguns Estados a respeito de que as organizações da sociedade civil possam assumir efetivamente um papel que transfira o protagonismo dos Estados membros da OEA para tais organizações. Porém, o estabelecimento de um mecanismo de status consultivo abre as portas para o desenvolvimento de uma dinâmica diferente, que deveria conduzir a uma ampliação das formas de participação das ONGs e de interação entre elas e os organismos da OEA. As diretrizes que estabelecem o status consultivo começam indicando (páragrafo 1) que o seu objetivo é regulamentar a participação das organizações da sociedade civil na OEA. A seguir, afirma que vai se entender por organização da sociedade civil "toda instituição, organização ou entidade nacional ou internacional integrada por pessoas naturais ou jurídicas de caráter não governamental" (páragrafo 2). Também inclui um conjunto de princípios que regem a participação das ONGs, entre os quais se destaca que os assuntos de que se ocupem deverão ser de competência da OEA, e as finalidades e propósitos que os orientam deverão estar de acordo como espírito, os propósitos e os princípios estabelecidos na Carta da OEA (4.a), e que a sua atividade deverá contribuir com o desenvolvimento das atividades dos órgãos da OEA (4.b). O status consultivo reconhece o direito das ONGs cadastradas de participarem nas Conferências da OEA. Mas as inovações mais significativas são as relacionadas com o Conselho Permanente e a CIDH. Assim, fica estabelecido que "[l] as organizações da sociedade civil que tenham sido registradas no cadastro poderão nomear representantes para que participem das reuniões públicas do Conselho Permanente, do CIDH e dos seus órgãos subsidiários". Isto pode se estender às reuniões particulares com a autorização do Presidente, desde que os Estados participantes tenham sido consultados previamente (páragrafo 13.a). As ONGs ainda deverão ser informadas sobre o calendário de reuniões públicas e sobre as respectivas agendas (13.b). Também fica estabelecido o direito das ONGs de apresentar documentos escritos sobre os temas de discussão, que deverão ser distribuídos pela Secretaria da OEA para os Estados membros. Quando o documento tiver mais de 2000 palavras, a ONG deverá assumir o custo da sua distribuição (13.c). Fica assim consagrado um direito até agora inexistente para as organizações da sociedade civil: fazer circular documentos por canais oficiais da OEA. Outro passo sem precedentes na OEA é o fato de que as ONGs poderão realizar apresentações orais perante determinados órgãos políticos. Estas poderão se realizar nas reuniões das comissões, grupos de expertos e Grupos de Trabalho do Conselho Permanente ou das ONGs. No caso das comissões só é autorizada uma apresentação no Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 28 começo do debate mas nos outros organismos é possível fazer uma nova apresentação no final das considerações de cada tema. Da mesma forma, só no caso das reuniões dos grupos de experts e Grupos de Trabalho (e não nas reuniões das comissões) fica estabelecido que as ONGs (receberão a documentação pertinente antes da reunião. Porém, em disposições aplicáveis a todos os casos anteriores, as diretrizes enfatizam que "[l] as organizações da sociedade civil não poderão participar nas deliberações, negociações e decisões que adotem os Estados membros" (com idênticas palavras em 13d e 13e). Estas disposições são ambíguas e não deixam claro se eventualmente autorizariam a exclusão das ONGs em determinados momentos durante as discussões, o que seria completamente contraditório com os propósitos que guiam o estabelecimento de um sistema de status consultivo. É dever dos organismos da sociedade civil promover uma interpretação destas disposições que permita a mais ampla participação. Para tornar o mecanismo do status consultivo o mais benêfico possível, será indispensável que as ONGs do hemisfério utilizem efetivamente as novas vias disponíveis, de forma que tirem delas o maior proveito para o fortalecimento do Sistema Interamericano. Além do mais, devido à ambigüidade de algumas regulamentações do status consultivo, resulta indispensável um papel ativo das organizações da sociedade civil para que tais normas sejam interpretadas da maneira que melhor favoreçam a transparência e a participação. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 29 COMO ADQUIRIR STATUS CONSULTIVO PERANTE A OEA Para adquirir status consultivo perante os órgãos políticos da OEA, as organizações da sociedade civil devem encaminhar o pedido respectivo ao Secretário Geral da OEA, ao seguinte endereço: Secretaria Geral da OEA 17th Street and Constitution Avenue, NW Washington, DC 20006 USA O pedido deve conter os seguintes elementos: • Nome ou razão social, domicílio e data de constitução da organização, bem como os nomes de seus diretivos e de seus representantes legais; • Áreas principais de trabalho da organização e indicação da sua relação com as atividades dos órgãos da OEA em que pretende participar; • Motivos pelos quais considera que os aportes que possa fazer às atividades da OEA serão do interesse desta; • Identificação das áreas de trabalho da OEA em que se compromete a apoiar as tarefas realizadas ou a formular recomendações sobre a melhor maneira de alcançar os objetivos da OEA. Deverão ser anexados os seguintes documentos: • Ata constitutiva da organização • Estatutos • Relatório anual mais recente • Declaração de missão institucional • Estados financeiros correspondentes ao ano anterior ao pedido. Deverão ser incluídas as fontes financeiras públicas e particulares, com referência especial às fontes financeiras governamentais. Existe um Comitê sobre a Participação da Sociedade Civil nas Atividades da OEA, encarregado de tramitar os pedidos. O Comitê estuda os pedidos e pode requerer informação adicional. Depois, os encaminha ao Conselho Permanente da OEA, que é quem decide sobre o pedido. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 30 É indispensável a obtenção de status consultivo para participar na OEA? Em primeiro lugar, é preciso reafirmar que quando nos referimos a ‘status consultivo’ estamos falando da participação da sociedade civil com relação aos órgãos políticos da OEA. A obtenção ou não do status consultivo não tem relação, por sua vez, com as atuações das entidades da sociedade civil perante a Comissão e a Corte Interamericana de Direitos Humanos. As atuações junto a estes órgãos estão regulamentadas pela Convenção Americana de Direitos Humanos e pelos respectivos regulamentos da Comissão e da Corte e não pelo sistema de status consultivo. Com relação aos órgãos políticos (Conselho Permanente e Assembléia Geral), apesar de que a obtenção de status consultivo não é imprescindível para que uma organização não governamental participe das suas atividades, é bastante recomendável. Quando uma ONG não tem status consultivo, fica a critério dos órgãos políticos aceitarem ou não a sua participação. Por sua vez, quando ela conta com o status, essa participação corresponde ao exercício de um direito, do qual a ONG não pode ser privada discrecionalmente. Além do mais, a aquisição de um status consultivo permitirá a ONG se manter melhor informada sobre o trabalho da OEA, e a colocará em melhores condições para fazer mais eficaz a sua participação. Uma resolução do Conselho Permanente do ano 2003 fortaleceu a participação das organizações da sociedade civil, especialmente daquelas cadastradas no sistema de status consultivo. O documento, chamado “Estratégias para aumentar e fortalecer a participação das organizações da sociedade civil nas atividades da OEA28”, solicitava a vários organismos da instituição a implementação de uma série de medidas práticas com o objetivo de aumentar o acesso à informação sobre a OEA por parte das ONGs, de criar instâncias regulares de debate com a participação das ONGs e de estabelecer mecanismos adequados de divulgação sobre estes assuntos. A resolução também incentivava os Estados membros da OEA para que adotaram medidas específicas com esse mesmo objetivo. 1.8 Alguns aspectos práticos do lobby no Conselho Permanente e na Assembléia Geral Efetivamente, para acompanhar da melhor forma os assuntos do Conselho Permanente, o ideal e realizar um trabalho de lobby constante. Porém, isto pode ser difícil para as ONGs que não têm sede ou representantes na cidade onde funciona o Conselho Permanente. Por este motivo, uma boa recomendação é o desenvolvimento de contatos com ONGs semelhantes sediadas em Washington, D.C. Por outra parte, é importante saber quais são os momentos chaves a cada ano para participarde forma direta no Conselho Permanente. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 31 Também é preciso conhecer a forma de preparar e desenvolver essa participação na Assembléia Geral. Como a Assembléia Geral da OEA é realizada em princípio de junho, este é o ponto de partida de cada ciclo anual de trabalho. A Assembléia emite grande quantidade de resoluções para serem implementadas pelo Conselho Permanente e os seus órgãos subsidiários ao longo do ano. Estes, por sua vez, geralmente devem prestar contas do trabalho realizado na próxima Assembléia Geral. Os momentos de maior atividade das ONGs com relação ao Conselho Permanente e à Comissão de Assuntos Jurídicos e Políticos coincidem com os períodos de sessões da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que é quando se reúne o maior número de organizações não governamentais de todo o continente americano em Washington, D.C. O primeiro destes períodos de sessões acontece normalmente no final de fevereiro e princípio de março de cada ano. O segundo é realizado geralmente o final de setembro e princípio de outubro. As ONGs devem aproveitar esses períodos para acordar estratégias e realizar apresentações orais no Conselho Permanente da OEA e nos seus organismos subsidiários. Tais apresentações costumam ir acompanhadas por apresentações escritas. Estas podem ser complementadas por outras que se realizem ao longo do ano. Além do mais, na época dessas visitas, as ONGs costumam se reunir com as Embaixadas dos Estados da OEA. Nas sessões de finais de fevereiro e princípio de março, as ONGs acompanham essas tarefas. O ideal seria que o maior número possível de ONGs participassem nas sessões do Conselho Permanente dedicadas a matérias de direitos humanos. Todavia, com freqüência isto não é possível pela falta de recursos, então as apresentações podem ser encaminhadas por escrito e estabelecer formas de coordenação com ONGs que efetivamente assistam às sessões. Outro meio complementar de lobby é o realizado nos próprios Ministérios das Relações Exteriores com o propósito de influenciar as instruções que eles encaminham às suas Missões na OEA. É importante considerar que, se para uma ONG a decisão sobre uma resolução é fundamental (por exemplo, em caso de que tenha relação com o respectivo país), é conveniente se esforçar ao máximo para intervir nas sessões respectivas do Conselho Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 32 Permanente e não esperar até a Assembléia Geral. Na grande maioria dos casos, as resoluções acordadas no Conselho Permanente são aprovadas sem alterações na Assembléia Geral porque esta não tem tempo suficiente para reabrir um debate substancial sobre cada assunto. Para participar da Assembléia Geral deve se encaminhar uma carta para o Secretário Geral da OEA, com um mínimo de 60 dias de antecedência (ver exemplo de carta nos anexos do Manual). Se a ONG possui status consultivo a sua participação estará garantida, mas se não tem, mesmo que na prática seja mais provável que não haja problemas para participar, a rigor trata-se de uma decisão individual do Secretário Geral fazer ou não o convite. Uma ONG não precisa realizar trabalhos em vários países para participar da Assembléia; isto é, a situação é diferente da dos órgãos da ONU, como a Comissão de Direitos Humanos, onde é necessário realizar um trabalho internacional (ou assistir sob o patrocínio de uma ONG internacional) para poder participar. Para se preparar adequadamente para a Assembléia Geral é preciso entender que o seu trabalho é uma continuação do que realiza o Conselho Permanente. Como já foi mencionado, a Assembléia Geral é o lugar onde começa e termina cada ciclo anual, e até ela chega o que o Conselho Permanente vem realizando ao longo desse período. Isto não quer dizer que para uma ONG que não tenha participado de sessões do Conselho Permanente, ou que não tenha interagido de qualquer outra forma com o Conselho, não faça sentido participar da Assembléia Geral. Mas deve considerar que, neste último caso, a sua possibilidade de impacto vai diminuir bastante. Existe uma coalizão internacional de ONGs de direitos humanos que trabalham junto ao Sistema Interamericano e que, além de acompanhar as atividades do Conselho Permanente, desenvolvem várias iniciativas como preparação para a Assembléia Geral (ver nos anexos as informaçoes sobre o contato da coalisão). Uma destas iniciativas consiste em uma declaração conjunta que inclui tanto as ONGs que participarão da Assembléia como as outras que, ainda que não possam ir, têm interesse em expor o seu ponto de vista. Imediatamente antes da Assembléia Geral, as ONGs geralmente realizam um seminário ou outro encontro para debater os temas mais pertinentes que serão tratados na Assembléia. Também são convidados para participar deste seminário delegados nacionais. O objetivo é sensibilizá-los sobre as principais preocupações das entidades da sociedade civil. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 33 As ONGs também organizam uma entrevista coletiva para apresentar as suas propostas para a Assembléia Geral. Esta habilita uma Sala para a Imprensa onde é possível manter um contato direto durante a realização das sessões. Por seu caráter internacional, não somente a mídia do país sede dá cobertura à Assembléia, mas também a de outros países, bem como agências internacionais de notícias. Por isso, pelo menos potencialmente, é possível que as colocações da sociedade civil obtenham uma maior divulgação. Ainda, desde que foi estabelecido o sistema de status consultivo, também é realizado imediatamente antes da Assembléia um Fórum convocado pela OEA do qual participam e intervêm a sociedade civil, os Estados e as autoridades da OEA, inclusive o Secretário Geral. Esta é outra possibilidade para dar a conhecer aos Estados e à OEA os pontos de vista das organizações não governamentais. Durante a Assembléia propriamente dita, as possibilidades que as ONGs têm de realizar apresentações orais são muito poucas. Ainda que com o estabelecimiento do status consultivo as ONGs tenham ampliado as suas formas de participação oral em outras instâncias da OEA, o mesmo não aconteceu a respeito da Assembléia Geral por conta da sua curta duração. Não obstante, uma fórmula prática vem sendo utilizada em algumas oportunidades. Consiste em conseguir que algum Estado permita que as ONGs ocupem parte do seu tempo ou que um Estado leia algum documento preparado pelas ONGs . Um exemplo do primeiro caso aconteceu quando o Panamá, país anfitrião da Assembléia Geral da OEA em 1996, cedeu parte do seu tempo a uma ONG de pessoas portadoras de deficiência visual para expressar as suas observações sobre o projeto de ‘Convenção Interamericana Para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Pessoas Portadoras de Deficiência’ (aprovada alguns anos depois). Exemplo do segundo caso foi a leitura que realizou o Ministro das Relações Exteriores da Costa Rica (Estado anfitrião da Assembléia realizada em 2001) de um documento preparado por um grupo de ONGs. Independentemente do anterior, as ONGs podem realizar apresentações escritas, que serão divulgadas pelas vias oficiais da OEA (isto é, passam a ser documentos da Assembléia). Todavia, o principal trabalho que podem desenvolver as organizações da sociedade civil durante a Assembléia propriamente dita é a atividade de lobby. Neste sentido, de forma coordenada, as ONGs realizam reuniões com as delegações nacionais e as autoridades da OEA, tanto para influenciar as decisões que a Assembléia pode adotar quanto para planejar estratégiasde trabalho futuros. Também acontecem diversos contatos informais, incluindo alguns durante o processo de revisão e emenda de alguns projetos de resoluções. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 34 Durante a Assembléia, as ONGs se reúnem constantemente para se manter informadas e coordenadas sobre os avanços e obstáculos nas atividades de lobby. No último dia da Assembléia é realizada uma reunião de balanço e projeções do trabalho desenvolvido. É evidente a importância de ampliar a participação das organizações da sociedade civil na OEA, não somente na Comissão e na Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas também nos órgãos políticos, considerando a influência (às vezes decisiva) que eles exercem sobre o trabalho de direitos humanos da OEA. AS RELAÇÕES ENTRE O CARIBE INGLÊS E O SISTEMA INTERAMERICANO DE PROTEÇÃO DE DIREITOS HUMANOS Desde o primeiro momento, as relações entre os países do Caribe Inglês e o Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos não têm sido muito boas. Em meados dos anos 60, quando estes países obtiveram a sua independência, houve um forte debate nas elites políticas sobre a questão de se integrar ou não à Organização dos Estados Americanos, institução que os países do Caribe Inglês percebem como um lugar para os latino-americanos “falarem”. Os aspectos geográficos, bem como a possibilidade de receber apoio da OEA, em especial do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), prevaleceram sobre os receios aos aspectos culturais e políticos. Mesmo assim, alguns países demoraram vários anos para se unir à OEA: Trinidad e Tobago, cinco anos, e a Jamaica, sete anos após a sua independência.29 A questão da língua foi e continua sendo um aspecto que distancia as relações entre o Caribe Inglês e os países latino-americanos. Além do mais, os sistemas políticos do Caribe Inglês foram percebidos como mais estáveis do que os correspondentes na América Latina. Mas talvez o elemento que mais influenciou a atitude do Caribe a respeito da OEA é o artigo 8 da Carta. O artigo 8 excluiu a Guiana e o Belize da OEA por causa de alguns territórios em litígio: a Venezuela reclamava uma quinta parte do território da Guiana e a Guatemala reclamava o Belize como próprio. É preciso considerar que a ratificação da Granada em 1978 foi o que permitiu que a Convenção Americana entrasse em vigência. Por outra parte, Trinidad e Tobago o único país do Caribe Inglês aceitassem a jurisdição da Corte Interamericana, se transformou no primeiro país em denunciar um tratado de direitos humanos em 199830. A denúncia feita por Trinidad e Tobago causou uma reviravolta na região e a Jamaica ameaçou fazer a mesma coisa. Se somarmos o fracasso em conseguir que os outros quatro Estados do Caribe Inglês aceitaram a jurisdição contenciosa da Corte, e a Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 35 negativa de todos os outros países do Caribe de ratificar a Convenção Americana (com exceção de Barbados), é óbvio que o uso do Sistema Interamericano no Caribe constitui um desafio. Não há dúvida de que boa parte da discórdia entre os países do Caribe inglês e o Sistema Interamericano é a pena de morte, presente em todos os livros de direito dos países de língua inglesa e que vem representando uma razão de peso para não ratificar a Convenção Americana ou aceitar a jurisdição contenciosa da Corte. É importante que dentro da participação das ONGs tente se incorporar e incentivar a participação das ONGs de direitos humanos do Caribe inglês. Existem organizações relevantes no Belize, Barbados, Jamaica e São Vicente e Granadinas, que poderiam ser convidadas para participar nas Assembléias da OEA e em outras atividades com o fim de incentivar ações no interior destes países que promovam o Sistema Interamericano. Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 36 Capítulo II II. FUNÇÕES DA COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS Neste capítulo serão apresentadas as diferentes funções da Comissão Interamericana de Direitos Humanos (adiante, “Comissão” ou “CIDH”), com exceção dos casos específicos devido a sua maior extensão. A Comissão possui as seguintes funções: • Elaborar Relatórios sobre países; • Realizar visitas in loco (isto é, no local dos acontecimentos); • Desenvolver um trabalho especializado em certas áreas temáticas, através de Relatorias e outros mecanismos; • Realizar ações de divulgação e promoção e outras iniciativas; • Tomar conhecimento e resolver denúncias em casos específicos. 2.1 Relatórios sobre países A Comissão prepara e publica Relatórios sobre países de duas formas. A primeira, trata-se de um relatório dedicado exclusivamente a um país, que pode ser muito extenso (com mais de 100 páginas) e que geralmente está precedido por uma visita ao respectivo Estado, salvo se este não autorize a CIDH para entrar no seu território. A segunda forma consiste em um relatório menor, que geralmente tem entre 10 e 20 páginas e está incorporado ao Relatório Anual da Comissão. A função destes relatórios curtos costuma ser a de acompanhar os relatórios dedicados exclusivamente a um país. Podem ou não estar precedidos por uma visita da Comissão ou de alguns dos seus membros. Os Comissionados distribuem entre si os diferentes países que fazem parte da OEA. Por isso, para garantir a eficácia do trabalho das ONGs, é conveniente identificar o Comissionado encarregado do respectivo país31. Da mesma forma, os integrantes da Procedimentos no Sistema Interamericano dos Direitos Humanos 37 Comissão contam com uma ou mais pessoas dedicadas a determinados países, que também é importante identificar. Durante as primeras décadas de funcionamento da Comissão, os Relatórios sobre países concentravam-se quase exclusivamente nas violações aos direitos civis e políticos. Isso devido a que estes (o direito à vida, a não ser torturado, a não ser detido arbitrariamente etc...) constituiam os direitos violados em grande escala pelos regimes ditatoriais. Posteriormente, os Relatórios sobre países começaram a incluir direitos econômicos, sociais e culturais (DHESCs). Os relatórios também incorporaram uma perspectiva de gênero para analisar as violações, e incluiram outros coletivos vulneráveis, por exemplo, os povos indígenas e as populações afrodescendentes. A elaboração e publicação de Relatórios sobre países se constituiu praticamente na única tarefa da Comissão nos seus primeiros anos de funcionamento. Nessa época, a Comissão elaborou relatórios sobre a Cuba, Guatemala, Haiti e República Dominicana. Inclusive quando a tramitação de casos individuais começou a se desenvolver em meados da década de sessenta, a tarefa principal da CIDH continuou sendo a preparação de Relatórios sobre países. Esta foi a situação até quase 1990. Existiam duas razões básicas para isto. Em primeiro lugar, muitos dos Estados contra os quais se apresentavam denúncias individuais não participavam na tramitação do caso, isto é, não contestavam a denúncia e não encaminhavam nenhuma resposta aos requerimentos da Comissão, ou só respondiam de forma sumária, sem se aprofundar nas alegações nem apresentar provas. Em segundo lugar, e levando em consideração que a Comissão lidava fundamentalmente com violações massivas e sistemáticas, isto é, aquelas que obedeciam a um plano deliberado de alguns Estados, a solução de casos individuais, mesmo que o Estado houvesse ou não participado da tramitação, resultava insuficiente. Como se tratava de enfrentar centenas ou até milhares de violações cometidas em um período curto por um mesmo
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