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O Livro na Idade Media

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Os Livros na Idade Média
Jacques Verger
Tradução de Carlota Boto
Capítulo III da obra Homens e Saber na Idade Média (Bauru/SP: Edusc, 1999).
O Acesso ao Livro
Sem refazer aqui toda a história do livro medieval, convém antes recordar que sua confecção e
circulação são sempre cercadas por múltiplos obstáculos que lhes tornavam difícil o acesso.
O primeiro e principal obstáculo era de ordem econômica. O livro custava caro. Esse custo vinha, antes
de mais nada, do preço do suporte. Um livro requeria grande quantidade de pergaminho (de acordo com
o formato do livro, obtinha-se de dez a dezesseis folhas por pele) e o pergaminho era um material
oneroso. A difusão do papel chiffon, ocorrida na Espanha desde o século XII, na França no XIII, permitiu
baixar o preço. Mas é somente no século XIV e, sobretudo, no XV que o uso do papel se difundiu
largamente no domínio do livro manuscrito. Com igual superfície, calculando-se a partir de documentos
franceses, o papel podia tornar-se cinco vezes mais barato que o pergaminho no século XIV e até treze
vezes mais barato no século XV, graças à melhoria das técnicas de papelaria e à multiplicação das
oficinas de papel. Mas em outros lugares, especialmente na Alemanha, a diferença foi, sem dúvida,
menor.
De qualquer modo, o ganho sobre o preço total do livro permanecia relativamente limitado, na ordem de
10 a 20% somente em relação às obras em pergaminho. A relativa modéstia desse ganho permitiu a esse
tipo de livro guardar uma posição suficientemente sólida, visto que muitos letrados parecem ter tido um
preconceito desfavorável contra o livro de papel, julgado, ao mesmo tempo, menos nobre e menos
sólido, sobretudo para os textos importantes e para obras pelas quais o dono se apegava, desejando
transmiti-las aos descendentes.
Na realidade, o fator principal do elevado preço dos livros era o custo da cópia. Os bons copistas eram
raros. No final da Idade Média, os scriptoria monásticos haviam perdido o essencial de sua importância e
a maior parte dos escribas seriam, doravante, artesãos profissionais que se encontravam principalmente
em grandes cidades, especialmente aquelas que abrigavam uma clientela importante, quer dizer, as
capitais da nobreza e as cidades universitárias. Mesmo deixando de lado o caso dos livros de luxo
ornados de miniaturas, verdadeiras obras de arte destinadas sobretudo aos prelados, aos grandes senhores
e aos reis, a confecção de livros tomava tempo. Os bons copistas trabalhavam lentamente> por volta de
duas folhas e meia por dia, em média. Por outras palavras, em um ano, um bom copista produzia apenas
cinco livros de duzentas folhas; ou ainda, se preferirmos, para chegar a fornecer mil livros deste tipo em
um ano, não se poderia ter menos de duzentos copistas trabalhando o tempo inteiro. Nas cidades
universitárias, onde mestres e estudantes tinham necessidade de muitos livros, mas dispunham de
limitados recursos financeiros, procurou-se reduzir a um mínimo o preço de revenda dos livros: pequenos
formatos, linhas apertadas, escrita mais cursiva, multiplicação das abreviaturas permitiam economizar o
pergaminho ou o papel, sempre ganhando um pouco de tempo de cópia. A adoção do sistema de pecia,
que acelerava a rotação dos exemplares a serem reproduzidos, permitia igualmente melhorar a
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produtividade dos escribas, sempre preservando a qualidade dos textos postos em circulação. (1)
Nessas condições, acredita-se que muitos escolheram uma solução bem menos onerosa — mas que não
garantia mais a correção dos textos transcritos —, que consistia em encomendar a qualquer copista
"amador" — um capelão necessitado ou um estudante pobre, por exemplo — a cópia do livro desejado.
O problema do preço real dos livros medievais é uma verdadeira pedra no caminho dos pesquisadores.
(...) Algumas conclusões relativamente seguras, entretanto, impõem-se (deixo aqui de lado os livros de
luxo das bibliotecas principescas). (...) Inicialmente, os preços dos livros eram extremamente variados.
Os mais caros, geralmente as grandes Bíblias ou os volumes glosados dos Corpus Iuris Civilis ou do
Corpus Iuris Canonici, custavam uma dezena de livras de Tours (para tomar uma unidade de medida
francesa). Mas existiam, ao lado disso, inúmeros pequenos volumes, por vezes sob a forma de simples
cadernos soltos, nos quais se anexavam "anotações" de cursos, alguns fragmentos de questões
disputadas, de sermões, de breves tratados práticos etc. eram vendidos por algumas poucas moedas.
Em seguida, os preços parecem haver variado praticamente do simples ao dobro, conforme se tratassem
de livros novos ou livros de segunda mão. O mercado de livros de segunda mão era, com efeito, muito
ativo, especialmente nas cidades universitárias, onde ele era alimentado pelas obras colocadas à venda
por estudantes em necessidade ou deixando a universidade, por aqueles que emprestavam sob penhor,
pelos colégios se desvencilhando de seus exemplares repetidos, por herdeiros liquidando a biblioteca de
algum tio cura ou cônego, etc.
Pode-se em tais condições, estabelecer o "preço médio" do livro medieval? (...) Talvez seja interessante
notar que em Paris, por volta de 1400, o "preço médio" de um livro correspondia aproximadamente a
sete dias de "salário e pensão" de um notário ou secretário do rei; nessas condições, vê-se que qualquer
personagem (ora, há que se recordar que os notários e secretários do rei eram em Paris, no final da Idade
Média, com os conselheiros do Parlamento e os professores da universidade, os principais donos de
bibliotecas privadas) praticamente não teria podido, mesmo considerando a compra de livros em um
quarto de seus proventos — hipótese evidentemente otimista — adquirir mais de duzentos e cinqüenta
volumes em vinte anos de carreira. Na realidade, a mais importante das bibliotecas privadas parisienses
cuja composição conhecemos, aquela do escrivão do parlamento Nicolas de Baye, nessa época, em 1419,
permanecia bem abaixo dessa cifra teórica, com 198 volumes dos quais uma parte foi adquirida por
doação ou herança.
Pudemos reconstituir, seja pelo exame dos manuscritos subsistentes, seja pela análise dos inventários e
dos testamentos, um número bastante grande de bibliotecas privadas do final da Idade Média. No caso da
França esses estudos permitiram, primeiramente, mostrar que, uma vez colocados à parte o rei, os
príncipes de sangue e os grandes senhores, os homens de saber são praticamente os únicos a possuírem,
até o final do século XV, bibliotecas de alguma importância. Para além delas e, até em meios onde os
indivíduos alfabetizados não deveriam faltar — pequena e média nobreza, mercadores, baixo clero — os
livros eram praticamente ausentes; aqui um fragmento de crônica, ali um livro de horas e uma vida de
santo, acolá ainda uma coleção dos estatutos sinodais não podem evidentemente ser caracterizados como
bibliotecas.
Entre os próprios homens de saber, as coleções de livros possuíam importância variável. A biblioteca de
um estudante, ainda que abastado, não ultrapassava praticamente, em média, uma dúzia de volumes: os
livros de estudos fundamentais, de um lado, uma ou duas coleções de textos religiosos, de outro. Seus
professores, que tinham necessidade de uma pequena biblioteca pessoal para preparar seus cursos, eram
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um pouco melhor aquinhoados e possuíam, para além das "autoridades" de base, um determinado
número de comentários e tratados modernos; isso representava, no mínimo, cerca de trinta livros.
Contudo, alguns mestres, mais ricos ou de espírito mais curioso, possuíam bibliotecas que alcançavam
ou até ultrapassavam uma centena de volumes. Foi igualmente com essa cifra média de uma centena de
volumes que se organizaram as bibliotecas de homensdo Parlamento de Paris por volta de 1400. Tais
cifras não eram sensivelmente ultrapassadas, a não ser nos casos de verdadeiros bibliófilos (como o
escrivão Nicolas de Baye ou, cinqüenta anos mais tarde, Roger Benoîton, antigo notário e secretário do
rei que manteria orgulhosamente o catálogo comentado de 257 livros de sua coleção pessoal), ou de
personagens que haviam acedido a altas funções (...).
A dimensão média das bibliotecas teria aumentado do século XIV par o XV? Sem fornecer resultados
muito precisos, as pesquisas recentes parecem indicar uma tendência nesse sentido. (...) A produção de
livros novos tinha diminuído sensivelmente na França, entre 1350 e 1450, em virtude da crise econômica
geral do período, e podemos pensar que se tratava de uma tendência comum a toda a Europa ocidental.
Porém as bibliotecas não continham apenas livros novos. A existência de um ativo mercado de segunda
mão e a cuidadosa conservação dos manuscritos antigos — a esperança de vida dos livros medievais,
sobretudo os mais úteis e os mais caros, era certamente bem mais do que secular — permitiam às
coleções aumentarem pelo simples efeito da acumulação. Entretanto, o crescimento não foi considerável.
Em certo número de casos, foi a aparição de belíssimas bibliotecas, com inúmeras centenas de volumes,
que parecem ter elevado a cifra média, mais do que um aumento generalizado.
Os proprietários de bibliotecas consideravam-nas verdadeiros tesouros e as tratavam com o maior
cuidado. O valor de um livro era, para um homem de saber, simultaneamente simbólico e material.
Cuidadosamente conservados dentro de um cofre ou armário, os livros proclamavam a ciência de seu
proprietário. Freqüentemente adquiridos junto a livrarias de universidades, por vezes despachados com
altos custos de Paris ou de Bolonha, os livros eram indissoluvelmente ligados aos estudos e aos
diplomas. A entrega de um livro ao candidato não era um dos gestos rituais das cerimônias de
doutorado? Por outro lado, toda biblioteca de alguma importância possuía um alto valor de mercado. Ela
representava uma forma de entesouramento, um capital tanto intelectual quanto financeiro que se
pretendia legar aos seus herdeiros, se eles empreendessem seus próprios estudos, fosse num colégio,
fossem em alguma igreja. Os juristas sempre se bateram para que os livros não fossem computados
quando os oficiais do imposto vinham avaliar seus bens móveis; a seus olhos, esse privilégio não era
apenas uma apreciável vantagem fiscal — porque não era raro que tais livros representassem, em valor, a
metade ou mais do capital imobiliário — mas também o reconhecimento público da nobreza do seu saber
e das atividades que eles exerciam a título de sua competência intelectual. Não mais do que as armas do
cavaleiro, os livros do doutor não deveriam recair nas malhas do imposto.
Será que a relativa simplicidade das bibliotecas privadas poderia ser compensada pelo recurso às
bibliotecas públicas ou pelo menos — a noção de serviço público sendo evidentemente anacrônica nesta
matéria (2) — institucionais? Existiam, na época, três tipos de bibliotecas que poderiam merecer tal
qualificação.
Primeiramente, as bibliotecas principescas. Na altura da morte do rei da França Carlos V (1380), sua
"livraria" do Louvre contava com pouco menos de 1300 volumes; no século XV, o duque de Bourgogne
Filipe, o Bom teria tido uma biblioteca com cerca de 880 livros. POr seu turno, os papas de Avignon
enriqueceram sem cessar suas coleções de livros. Eles possuíam mais de dois mil quando morreu Urbano
V, de acordo com um inventário de 1369. (...) As bibliotecas dos príncipes e dos pontífices eram abertas
ao público? Seu catálogo preciso deixa supor que pelo menos os familiares do soberano, seus visitantes
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distintos e seus conselheiros políticos tinham acesso a elas.
Vinham, em seguida, as bibliotecas das catedrais, dos mosteiros e dos conventos. Tratava-se, em geral,
de antigas coleções que, excetuando-se as dos religiosos mendicantes, não foram especialmente
enriquecidas no final da Idade Média, mas haviam sido extremamente importantes (mais de 300 volumes
em Notre-Dame de Paris em finais do século XV, 486 na catedral de Reims em 1462, e mais ainda nos
mosteiros: por volta de 1450-1460, havia cerca de 1600 volumes em Saint-Denis ou em Claraval na
França, 1100 em Monte Cassino na Itália, 800 em Melk na Áustria, etc.); a conservação dos manuscritos
mais antigos lhes era bem assegurada. Seria lá, como constataram os humanistas italianos "editores" de
autores antigos, que teríamos a maior chance de descobrir manuscritos particularmente veneráveis,
remontando, algumas vezes, à renascença carolíngia. Mas de resto, tais bibliotecas eclesiásticas eram,
sobretudo, ricas em textos religiosos e em livros litúrgicos que não eram necessariamente úteis para os
homens de saber. Aliás, nem se sabe ao certo se elas eram completamente abertas a outros leitores que
não fossem os cônegos e frades que serviam essas igrejas ou aqueles mosteiros.
As bibliotecas mais "modernas" eram as dos conventos mendicantes, cujos estudantes, leitores
conventuais e pregadores, compartilhavam do espaço, sobretudo, no caso caso dos colégios e
universidades.
Os principais colégios universitários tinham uma biblioteca cujo núcleo era geralmente constituído pela
própria biblioteca do fundador, que vinham completar as doações posteriores, dos benfeitores ou antigos
membros do colégio. Era assim que o colégio da Sorbonne possuiria, desde 1338, uma biblioteca de
1772 volumes que a tornavam então, sem dúvida, a mais bela da França; o colégio de Navarra em Paris e
o de Foix em Toulouse deviam, os dois juntos, abrigar cerca de 800 volumes por volta de 1500. Os
outros colégios possuíam coleções muito mais modestas, mas por vezes, preciosas: cerca de 200 livros
no colégio d'Autun em Paris (1462), 150 no colégio d'Annecy em Avignon (1435), 78 no colégio de
Pélegry em Cahors (1395), etc. Os colégios ingleses parecem oferecer cifras da mesma ordem (...). Uma
das mais célebres bibliotecas de colégio foi, no final da Idade Média, a do Collegium Amplonianum de
Erfurt, que recebeu em 1433, de seu fundador, o antigo reitor Amplonius Ratingk, uma extraordinária
coleção de 637 livros, rica em clássicos, o que representou uma das vias de ingresso do humanismo na
Alemanha. No conjunto, entretanto, as bibliotecas dos colégios continham, sobretudo, livros de estudos,
destacando-se as disciplinas tradicionalmente ensinadas nas universidades. Tais bibliotecas eram, então,
particularmente bem adaptadas para os homens de saber. Resta averiguar se eles ainda teriam acesso a
ela após o fim de seus estudos: os estatutos conservados não parecem indicar que os visitantes externos
tenham sido acolhidos com muita facilidade nas bibliotecas de colégios.
O mesmo acontecia com as bibliotecas de universidades, as quais eram, aliás, freqüentemente, muito
menos importantes e que praticamente não existiam antes do século XV. Na França, constatamos entre as
primeiras bibliotecas universitárias, constituídas somente por algumas dezenas de volumes, aquelas de
Orléans (1411), de Avignon (1427), de Poitiers (1446) e as faculdades de medicina e de direitos canônico
de Paris (1395 e 1475). Foi quase exclusivamente em Cahen que um inventário, tardio, é verdade (1515),
constatou uma coleção mais substancial (277 volumes). Outras universidades eram melhor providas,
como Oxford cuja biblioteca, fundada em 1412, se desenvolveu principalmente graças às doações do
duque de Gloucester (280 livros entre 1439 e 1447).
No total, é provável que, no exercício cotidiano de suas atividades profissionais ou administrativas, o
conjunto dos homens de saber, sobretudo os leigos — fossem eles médicos, advogados, procuradores,
juízes ou oficiais do rei —, deveria, antes de tudo, contar com os recursos de suapequena livraria
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pessoal... e de sua memória, eventualmente auxiliada por aqueles pequenos cadernos e anotações
pessoais que alguns pedagogos os aconselhavam a começar a compor desde o tempo de seus estudos,
sugerindo ainda que os mantivessem sempre à mão. Era apenas a título excepcional e para consultar esta
ou aquela obra rara em sua versão original que eles deveriam buscar sua admissão em uma biblioteca
universitária, eclesiástica ou principesca. Compreende-se, nessas condições, o sucesso que sempre
desfrutaram na Idade Média os florilégios, repertórios, dicionários, enciclopédias e todo gênero que
permitisse restringir, em alguma medida, o acesso aos livros.
Do Manuscrito ao impresso
A invenção da tipografia, que transformou completamente, tanto em rapidez quanto em quantidade, a
circulação da informação escrita no seio da sociedade, foi realmente uma das revoluções técnicas mais
importantes da história da humanidade. Teria ela também conseguido fazer com que seus efeitos fossem
imediatamente sentidos no meio dos homens de saber da sociedade medieval?
Recordemos aqui — naturalmente deixando de lado o problema dos antecedentes chineses — que é
difícil apontar para a invenção da tipografia uma data e um autor únicos, o célebre Hans Gutenberg
(c.1400 - c. 1468) sendo provavelmente apenas o mais conhecido desses artesãos, geralmente ourives de
origem, os quais, nos países renanos, no segundo terço do século XV, conseguiram inaugurar uma nova
técnica de impressão por caracteres móveis gravados, os quais a moda das imagens xilográficas fazia, já
há algum tempo, pressentir, quer pela possibilidade material, quer pelo interesse prático.
A difusão da tipografia foi relativamente lenta. Os primeiros livros impressos dos quais foram
conservados alguns exemplares — a "Bíblia de 42 linhas", dita de Gutenberg, o Saltério de Mayence —
datam dos anos 1450. Tratava-se então de uma técnica essencialmente germânica, implantada em
Mayence, Colônia, Estrasburgo, Bâle. Além disso, durante uma geração ainda, através de toda a Europa,
os impressores serão na grande maioria os alemães. Praticamente, foi apenas em 1470 que eles
começaram a emigrar para além de suas fronteiras. Nessa época, apenas cinco ou seis tipografias
funcionavam fora da Alemanha, sendo que as únicas que prometiam um certo futuro eram as de Veneza,
onde Jean de Spire se estabeleceu em 1469, e de Paris, onde Ulrich Gering de Constance e dois
companheiros vieram instalar, em 1470, sua oficina próxima da Sorbonne (senão no próprio interior do
colégio) por solicitação de dois socii desta, estando tanto um como outro fortemente impregnados pelo
humanismo, o Saboiano Guillaume Fichet e, da Basiléia, Jean Heynlin.
O decênio 1471-1480 viu a imprensa se multiplicar na Alemanha (em 26 localidades novas, tomando
conta também da Suíça e dos Países Baixos), mas principalmente na Itália (44 localidades novas). Em
compensação, a França, com sete implantações em Albi, Angers, Caen, Lyon, Poitiers, Toulouse e Viena,
a Península Ibérica (oito implantações) e, de maneira surpreendente, a Inglaterra (apenas quatro
implantações: Londres, Westmister, St Alban's, Oxford) ainda não haviam entrado no movimento; elas
farão isso, no caso das duas primeiras, entre 1481 e 1500: 28 novas implantações na França, 19 na
Península Ibérica... mas nenhuma na Inglaterra. A Alemanha (21 novas implantações) e Itália (26)
conservaram, entretanto, a vanguarda, que aparece ainda mais nitidamente se considerarmos a
quantidade de livros produzidos. Avaliados pelos historiadores em cerca de 27.000 edições antes de
1500, correspondendo a mais de dez milhões de livros, tal produção provinha, ao menos em quatro
quintos, da Itália (44%) e da Alemanha (35%); em seguida, vinham 15% de edições francesas, e os
outros países da Europa simplesmente repartiam os 5% restantes. Se, no total, cerca de 240 localidades
européias haviam visto, em 1500, funcionar uma prensa de imprimir, o mapa da tipografia apresentava
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ainda lacunas espantosas (Bordeaux ou Montpellier na França, Cambridge na Inglaterra) e, de qualquer
modo, seria necessário, para ser preciso, distinguir as localidades onde impressores itinerantes
simplesmente haviam passado, deslocando-se com sua prensa e seus caracteres, e cuja modesta atividade
não fizera nascer uma produção regular, daquelas onde as oficinas de tipografia se instalaram com atraso,
dado que estas podiam se beneficiar dos capitais e dos clientes com segurança. No segundo caso, o único
verdadeiramente importante, as grandes cidades alemãs de um lado, Veneza de outro, vinham
imediatamente à frente; na França, foi Paris que, de longe, venceu, com uma produção três vezes maior
do que aquela de Lyon.
Mais ainda que a reprodução do livro impresso, é sua difusão que nos interessa aqui. Entre uma e outra,
havia evidentemente alguns desníveis. Podiam-se importar livros alemães ou italianos na França ou na
Inglaterra para diminuir as fraquezas da imprensa local. Ao contrário, a aparição da tipografia não
terminou de uma vez com as atividades dos copistas de manuscritos; mesmo que a produção destes tenha
sofrido inflexões por toda parte e mais claramente após 1470, continuou-se a transcrever livros
manuscritos até o início do século XVI. E, de qualquer maneira, os manuscritos mais antigos
continuavam a ser utilizados e a circular. Aqueles que possuíam belas coleções — sendo que, dentre eles,
destacavam-se precisamente os homens de saber — tinham tendência a conservá-los e não substituí-los,
a não ser progressivamente, pelos livros impressos. Estes, de fato, custavam menos, mas estamos mal
informados sobre o ritmo perante o qual aconteceu o distanciamento entre manuscritos e impressos em
termos de preço; não se pode esquecer que os primeiros livros impressos freqüentemente tiveram
modestas tiragens, por vezes da ordem de cem exemplares, e não eram então necessariamente tão bem
comercializados e nem muito acessíveis.
Os estudos bem precisos fazem-nos pensar que, por volta de 1480, a parte da impressão nas "bibliotecas
do saber" francesas não passava dos 6% e que foi apenas por volta de 1500 que ela passou para mais de
50%. A evolução parece ter sido a mesma por todo lado, anterior em dez ou quinze anos na Itália, mais
lenta ainda na Inglaterra.
Aliás, teriam sido os homens de saber os principais clientes da nova invenção? Efetivamente, como se
tem observado há tempos, os textos impressos do século XV foram, em sua grande maioria, os textos
"medievais" cujo mercado parecia assegurado. Mas não eram necessariamente esses os que tinham a
preferência das bibliotecas eruditas. Em primeiro lugar, encontram-se livros religiosos, que constituem
quase a metade da produção incunábula: tratava-se, por um lado, de Bíblias, por outro, de livros
litúrgicos (missais, breviários, livros de horas), enfim, tratados de espiritualidade, livros de devoção,
vidas de santos, etc., em latim ou em língua vulgar. Outra categoria bem provida: a gramática; porém
tratava-se de obras elementares (o Donato, o Doctrinale de Alexandre de Ville-Dieu, os Dísticos de
Catão, etc.) que eram dirigidos tanto aos alunos das escolas primárias quanto aos estudantes da faculdade
de artes; eles puderam servir para a melhoria dos ensinamentos de base, não para a renovação cultural
das elites. Vinha finalmente a literatura profana, geralmente em língua vernácula: enciclopédias e
florilégios, crônicas, versões mais ou menos modernizadas das canções de gesta ou dos romances
corteses, para uso, sem dúvida, de um público aristocrático, que se aproximavam com obras
decididamente populares, do gênero dos almanaques e outros "calendários dos pastores".
Em compensação, os textos eruditos, dos quais existiam, sobretudonas cidades universitárias, centenas
de manuscritos, não tiveram a não ser elegantemente e com freqüência tardiamente as honras da
impressão. Nem as Sentenças de Pedro Lombardo, nem os grandes doutores da escolástica, de Tomás de
Aquino e Alberto Magno, até Gerson, foram impressos em Paris antes de 1500; aquelas edições que lhes
foram oferecidas, depois de 1480, vieram da Alemanha ou da Itália. Poder-se-ia dizer o mesmo de
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Aristóteles ou dos Corpus e comentários de direito romano e canônico. Os textos jurídicos, que
ocupavam um tal lugar nas bibliotecas eruditas da Idade Média, praticamente não representam mais de
10% das edições incunábulas, produzidas principalmente em Lyon ou na Itália. Ou seja, foram os textos
propriamente humanistas, quer dizer, os clássicos (latinos e, cada vez mais, os gregos) e as obras de
autores italianos recentes que teriam sido os livros impressos mais procurados pelos letrados, inclusive
na França ou na Inglaterra, porque precisamente os manuscritos lá eram raros. Os primeiros livros
editados na Sorbonne, no prelo de Ulrich Gering (que teria sido aconselhado por Fichet e Heynlin)em
1470-1472, assinalavam quase tudo desta categoria: Gering começou por um manual italiano de arte
epistolar, aquele de Gasparin de Bergame, depois editou Salluste, Cícero, Perse, Juvenal, etc., ao mesmo
tempo que os modernos (os Elegentiae de Lorenzo Valla e a Rhétorique do próprio Fichet). Mas deve-se
recordar que, desde 1472, esse mesmo Gering deixara a Sorbonne e, tendo transferido sua oficina para a
Rua Saint-Jacques, ele retornou aos textos universitários mais tradicionais e, sobretudo, às obras de
piedade.
Em suma, acredito que se pode concluir que, desde os primeiros decênios de sua existência, a imprensa
alargou consideravelmente o público da cultura escrita. Os meios populares, pelo menos urbanos, não se
conservariam mais á parte do mundo do livro; os oficiais subalternos (sargentos, notários, etc.), os
simples vigários tiveram, dali por diante, a possibilidade de constituir para si próprios um embrião de
biblioteca, ainda que fosse com apenas uma dezena de volumes. Vê-se, por toda parte, entre 1480 e
1530, multiplicarem-se essas "bibliotecas mínimas", de acordo com a expressão de Pierre Aquilon. Além
disso, a tipografia certamente permitiu um efetivo progresso cultural nos meios aristocráticos. Vê-se
então constituírem-se belas bibliotecas, principalmente literárias e vernáculas. A isso deve-se
evidentemente aliar o novo impulso então proporcionado às grandes bibliotecas principescas.
Mas, no que concerne aos homens de saber, colocando-se à parte, sem dúvida, uma elite de humanistas,
geralmente italianos estimulados por novas idéias e sempre curiosos de novos textos, não se percebe em
que medida, antes de 1500, os progressos do livro impresso modificaram as proporções ou a composição
das bibliotecas. (...)
NOTAS:
(1) O sistema de pecia, que apareceu em Bolonha e em Paris durante o século XIII, consistia em confiar aos livreiros da
universidade exemplares oficialmente controlados dos principais livros de estudo; tais exemplares eram feitos de cadernos
(pecioe) não ligados, o que permitia serem alocados para inúmeros copistas ao mesmo tempo; estes podiam, então, produzir
simultaneamente muitas cópias do mesmo livro.
(2) As primeiras bibliotecas públicas, no sentido moderno da palavra, apareceram no curso do século XV em Florença, em
Veneza e em algumas cidades alemãs.
Reproduzido com autorização da Editora.
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