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Ar t i go Revista Analytica • Dezembro 2007/Janeiro 2008 • Nº32 CIANOBACTÉRIAS E SUAS TOXINAS Resumo As cianobactérias são microrganismos presentes em ambientes aquáticos e vêm sendo cada vez mais pesquisadas devido a sua capacidade de produção de toxinas, em alguns casos, altamente prejudiciais à saúde humana e animal. Essas toxinas, denominadas cianotoxinas, são responsáveis por alterações organolépticas das águas e têm sido causadoras de graves intoxicações pela ingestão e contato com corpos d’água contaminados. Conhecer essas cianotoxinas envolve a disponibilidade de técnicas analíticas sofisticadas, além de métodos definidos e validados. Palavras-chave: cianobactérias, cianotoxinas, métodos analíticos summaRy Cyanobacteria are microorganisms that live in aquatic environments and have been widely studied because of their capability to produce toxins, that are, in some cases, hazardous to human and animal health. These toxins, called cyanotoxins, are responsible for sensory alterations in water and have been the cause of serious intoxications by ingestion and con- tact with contaminated waters. Knowledge of cyanobacterial toxins require availability of sophisticated analytical techniques, and so harmonized and validated methods. Keywords: cyanobacteria, cyanotoxins, analytical methods Talita Gomes Carneiro e Flávio Leite T&E Analítica – Centro Analítico e Científico Ltda. Correspondência: R. Lauro Vannucci, 1.260 Jardim Santa Cândida CEP: 13087-548. Campinas.SP Fone: (19) 3756-6600 Fax: (19) 3296-0128 E-mail: teanalitica@teanalitica.com.br; talita@teanalitica.com.br; flavio@teanalitica.com.br IntRodução Cianobactérias e suas toxinas As cianobactérias, também conhecidas como cianofíceas ou algas azuis, são microrganismos procarióticos (não pos- suem qualquer tipo de membrana para compartimentalização de DNA e outras organelas), autotróficos (produzem seu próprio alimento por meio de fotossíntese) e são capazes de se desenvolver em mananciais superficiais, especialmente aqueles com elevados níveis de nutrientes. O aumento das atividades urbanas e industriais, assim como a descarga de seus efluentes acarretam o acúmulo de nutrientes ricos em fósforo e nitrogênio nos corpos d’água. Ao fenômeno causado pelo excesso desses compostos nutrientes dá-se o nome eutrofização, que aliado à elevação da temperatura, tem como uma das consequências, a rápida proliferação de cianobactérias no ambiente aquático, conhecida como “floração” ou “bloom”. As cianobactérias têm sido estudadas no ramo alimentício, farmacêutico e agrícola pelo seu alto valor nutritivo, possível potencial farmacológico e pela influência que exercem sobre a fertilidade de solos e águas. Entretanto, algumas espécies de cianobactérias têm a capacidade de produzir metabólitos secundários que dão gosto e odor desagradáveis à água, além de poderosas toxinas. Daí seu principal interesse e estudos sobre os impactos no meio ambiente e na saúde. No Brasil, entre os gêneros potencialmente nocivos, destacam-se Mi- crocystis, Anabaena, Cylindrospermopsis, Oscillatoria, Planktothrix e Aphanocapsa (Calijuri, 2006). Denominadas cianotoxinas, essas substâncias causam gra- ves injúrias a animais terrestres, aquáticos e humanos, através da ingestão ou contato com a água contaminada. As principais e mais perigosas toxinas produzidas por esses gêneros de cianobactérias são Microcistinas, Nodularinas, Anatoxinas, Cilindrospermopsinas e Saxitoxinas. As cianotoxinas são clas- sificadas como hepatotóxicas, neurotóxicas, dermatotóxicas ou promotoras da inibição da síntese de proteínas, de acordo com seu mecanismo de ação. 36 Ed 32 Ciano.indd 2 17/12/2007 19:57:23 Revista Analytica • Dezembro 2007/Janeiro 2008 • Nº32 Segundo suas estruturas químicas, as toxinas de cianobac- térias são classifi cadas como alcalóides, peptídeos cíclicos ou lipopolissacarídeos, como mostra a Figura 1. A cilindrospermopsina (Figura 1) é um alcalóide guanidí- nico cíclico hepatotóxico, de peso molecular (PM) 415. Em sua forma pura, afeta principalmente o fígado, além de induzir sintomas patológicos nos rins e coração. Essa toxina apresen- ta DL50 de 2,1 mg.kg -1 em 24 horas e 0,2 mg.kg-1 em 5-6 dias, segundo bioensaios realizados em ratos (Ohtani et al., 1992). Também conhecidas como PSP’s (Paralytic Shellfi sh Poisons), as saxitoxinas (Figura 2) são um grupo de alcalóides carbamatos neurotóxicos, produzidas por cianobactérias de águas mari- nhas ou doces. Intoxicações por essas substâncias, de acordo com bioensaios em ratos, causaram uma morte rápida (2-30 minutos) por parada respiratória, devido ao bloqueio dos ca- nais de sódio. Saxitoxina e seus análogos, como mostrado acima, apresentam diferentes estruturas químicas e, conse- quentemente, diferentes toxicidades (Calijuri, 2006). Anatoxina e suas variantes (Figura 3) são alcalóides neu- rotóxicos de baixo peso molecular e alta toxicidade. Estudos em ratos demonstraram valores de DL50 entre 200 e 250 µg.kg-1 para anatoxina-a e homoanatoxina-a. Para anatoxina- a(s), a DL50 foi de 20 µg.kg -1 de peso corpóreo. (Carmichael et al., 1990) As microcistinas (Figura 4), hepatotoxinas mais comumen- te encontradas em blooms de água doce, são peptídeos cíclicos formados por sete aminoácidos (heptapeptídeos cíclicos) de pesos moleculares (PM’s) entre 800 e 1100. Essas toxinas são 37 Figura 1. Alcalóide - Cilindrospermopsina Figura 2. Alcalóides - Saxitoxinas O O N NH HH O3SO H Me + NH NHHN - OH + + R2 NH2 NH OH OH O O N N HH R3 H2N R1N H2N STX R1 R2 R3 STX H H H GTX-II H H OSO3- GTX-III H OSO3- H NeoSTX OH H H GTX-I OH H OSO3- GTX-IV OH OSO3- H Ed 32 Ciano.indd 3 17/12/2007 19:57:26 Ar t i go Revista Analytica • Dezembro 2007/Janeiro 2008 • Nº32 caracterizadas de acordo com o arranjo dos aminoácidos na molécula e podem levar à morte em algumas horas por hemor- ragia no fígado. Cerca de 60 variações estruturais de microcis- tinas já foram identificadas. As mais conhecidas são MC-RR; MC-YR; MC-LR e MC-LA (Chorus e Bartram ed., 1998). Nodularinas (Figura 5) são peptídeos cíclicos hepatotóxicos formados por 5 aminoácidos (pentapeptídeos cíclicos). Assim como as microcistinas, as nodularinas são solúveis em água e apresentam alta estabilidade química, o que traz importantes im- plicações sobre sua persistência no meio ambiente e exposição a humanos nos corpos d’água. Poucas variações de nodularinas foram identificadas e sua toxicidade, segundo experimentos em animais, é dada por hemorragia e necrose de hepatócitos, além de carcinogênese de fígado (Chorus e Bartram ed., 1998). 38 H CH3 CH3 CH3 CH2 CO2H CO2H CH3 CH3CH3 OCH3 HN N N NN NH N H Adda Glu Mdha Ala β-Me-Asp O O O O O O O H H H H H H H H H H H HH Y X Figura 4. Peptídeos Cíclicos - Microcistinas Figura 3. Alcalóides - Anatoxinas NH2 + O CH3 NH2 + O CH2CH3 CH3 HN N N O O O -O P + CH3 CH3 +H2N anatoxin-a homoanatoxin-a anatoxin-a(S) x y MC-RR Arginin Arginin MC-yR Tryptophan Arginin MC-LR Leucin Arginin MC-LA Leucin Alanin Ed 32 Ciano.indd 4 17/12/2007 19:57:36 Revista Analytica • Dezembro 2007/Janeiro 2008 • Nº32 Ed 32 Ciano.indd 5 17/12/2007 19:57:41 Ar t i go Revista Analytica • Dezembro 2007/Janeiro 2008 • Nº32 Figura 5. Peptídeos Cíclicos - Nodularinas NH H2N COOH COOH O O OH O O O NH NH NH NN NH Lipopolissacarídeos (LPS) são componentes da parede celular de toda bactéria gram-negativa, incluindo as ciano- bactérias. Como o próprio nome indica, lipopolissacarídeos são polímeroscomplexos compostos por açúcares e lipídeos, normalmente ácidos graxos C14-C18. Diferentes gêneros de cianobactérias apresentam diferentes composições de LPS. Tais toxinas são classificadas como irritantes e pirogênicas por causarem reações alérgicas a animais mamíferos e hu- manos (Weckesser e Drews, 1979). Estudos comparativos indicam que LPS produzidos por cianobactérias são menos tóxicos a seres humanos que LPS produzidos por outras bac- térias gram-negativas, como por exemplo, Salmonella sp. (Ke- leti e Sykora, 1982). Tem-se observado nos últimos 20 anos, grande aumento de ocorrências de florações de algas tóxicas em reservató- rios utilizados para abastecimento público. Um dos primeiros e mais graves relatos de intoxicação humana por cianotoxinas no Brasil foi em 1996, na cidade de Caruaru, Pernambuco, onde 60 pacientes de hemodiálise morreram pela hepatotoxi- na microcistina, encontrada na água utilizada no procedimen- to (Jochimsen et al., 1998). Em recente Conferência Internacional “7th International Conference on Toxic Cyanobacteria” (7th ICTC), realizada no es- tado do Rio de Janeiro e organizada pela pesquisadora Profa. Dra. Sandra Azevedo, especialistas de diversos países discuti- ram temas como métodos de detecção; Ecofisiologia e Ecolo- gia; gerenciamento e tratamento de água; Biologia Molecular; avaliação de risco; Toxicologia, além dos novos desafios rela- cionados às cianobactérias tóxicas. avanços na ÁRea analítIca das cIanotoxInas Métodos para detecção, identificação e quantificação de cianotoxinas podem variar de acordo com a sofisticação e o tipo de informações que proporcionam. Em campo, testes rá- pidos e de baixo custo podem ser empregados para avaliação do grau de risco de uma floração e direcionar as medidas a serem tomadas. Por outro lado, técnicas analíticas mais so- fisticadas podem determinar com maior precisão a identidade e quantidade das cianotoxinas. Os métodos analíticos hoje disponíveis para essa finalidade se dividem em físico-químicos (HPLC-UV; HPLC-PDA; eletroforese capilar; LC/MS); bioquí- micos (ensaio de inibição de fosfatase; ensaio de inibição de acetilcolinesterase; ELISA) ou biológicos (bioensaios; testes de toxicidade). Segundo Guia da Organização Mundial da Saúde “Toxic Cyanobacteria in Water”, após clean-up das amostras, nodulari- nas, microcistinas (Lawton et al., 1994) e cilindrospermopsina (Hawkins et al., 1997) podem ser detectadas por sistemas de HPLC acoplados a PDA ou espectroscopia de massas. Já para 40 Ed 32 Ciano.indd 6 17/12/2007 19:57:42 Revista Analytica • Dezembro 2007/Janeiro 2008 • Nº32 1. CALIJURI, M.C.; ALVES, M.S.A.; DOS SANTOS, A.C.A. Cianobactérias e cianotoxinas em águas continentais. CNPq, 2006 2. OHTANI, I.; MOORE, R.E.; RUNNEGAR, M.T.C. Cylindrospermopsin, a potent hepatotoxin form the blue-green algae Cylindrospermopsis raciborskii, 1992. In: CHORUS, I & BARTRAM, J (ed.) Toxic cyanobacteria in water – A guide to their public health consequences, monitoring and management. World Health Organization, 1999 3. CARMICHAEL, W.W.; MAHMOOD, N.A.; HYDE E.G. Natural toxins from cyanobacteria (blue-green algae), 1990 4. CHORUS, I & BARTRAM, J (ed.) Toxic cyanobacteria in water – A guide to their public health consequences, monitoring and management. World Health Organization, 1999 5. WECKESSER, J. and DREWS G. Lipopolysaccharides of photosynthetic prokaryotes, 1979. In: CHORUS, I & BARTRAM, J (ed.) Toxic cyanobacteria in water – A guide to their public health consequences, monitoring and management. World Health Organization, 1999 6. KELETI, G. and SYKORA, J.L. Production and properties of cyanobacterial endotoxins. 1982. In: CHORUS, I & BARTRAM, J (ed.) Toxic cyanobacteria in water – A guide to their public health conse quences, monitoring and management. World Health Organization, 1999 7. JOCHIMSEN, E.M.; CARMICHAEL, W.W.; AN, J.; CARDO, D.M.; COOKSON, S.T.; HOLMES, C.E.M.; ANTUNES, M.B. de C.; FILHO, D.A. de M.; LYRA, T.M.; BARRETO, V.S.T.; AZEVEDO, S.M.F.O.; JARVIS, W.R. Liver failure and death after exposure to microcystins at a haemodialysis center in Brazil, 1998 8. LAWTON, L.A.; EDWARDS, C.; CODD, G.A. Extraction and high- performance liquid chromatographic method for the determination of microcystins in raw and treated waters. 1994. 9. HAWKINS, P.R.; CHANDRASENA, N.R.; JONES, G.J.; HUMPAGE, A.R.; FALCONER, I.R. Isolation and toxicity of Cylindrospermopsis raciborskii from an ornamental lake, 1997. 10. OSHIMA, Y. Post-column derivatization HPLC methods for paralytic shellfish poisons, 1995. 11. CONSELHO NACIONAL DE MEIO AMBIENTE - CONAMA. Resolução no 357 de 17 de março de 2005. Brasília. 12. BRASIL. Portaria no 518, de 25 de março de 2004. Brasília: Ministério da Saúde. 13. QUILLIAM, M.A.; THOMAS, K.M.; MELANSON, J.; HUMPAGE, A.; MERILUOTO, J.; SPOOF, L.; LOADER, J.; MILES, C.O.; SELWOOD, A.; WOOD, S. Preparation of certified reference materials for cyanobacterial toxins: An international initiative. 7th ICTC, 2007. R e f e r ê n c i a s a quantificação de saxitoxinas é proposto método por HPLC com detecção por fluorescência (Oshima, 1995). No Brasil, a Resolução no 357/2005 do Conselho Nacional de Meio Ambiente (CONAMA) dispõe sobre a classificação dos corpos de água, além de estabelecer condições e padrões de lançamentos de efluentes, incluindo limites de densidade de cianobactérias. A Portaria no 518/2004 do Ministério da Saúde, por sua vez, estabelece procedimentos e responsabi- lidades relativos ao controle e vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade, através de parâmetros microbiológicos, físicos e químicos, além de recomendar e estabelecer valores aceitáveis para cianobac- térias e cianotoxinas (microcistinas, saxitoxinas e cilindros- permopsinas). No entanto, a quantificação dessas cianotoxinas tem sido prejudicada pela baixa disponibilidade de materiais de refe- rência (padrões analíticos). Iniciativas internacionais, através de esforços colaborativos e com o objetivo de suprir essa necessidade de mercado, têm buscado a preparação de ma- teriais de referência certificados no Brasil e exterior. Estra- tégias gerais para o desenvolvimento desses padrões ana- líticos envolvem operações como: (a) extração de toxinas a partir de culturas em larga-escala de cianobactérias ou a partir de ocorrências naturais (florações ou blooms); (b) pu- rificação por métodos preparativos de separação; (c) deter- minação da pureza e estudos de estabilidade; (d) preparação de soluções estoque concentradas, seguida de precisas di- luições para a obtenção de soluções finais de concentrações conhecidas; (e) fracionamento em ampolas e certificação do produto através de métodos analíticos validados. (Quilliam et al., 2007) conclusão Os impactos ambientais e os problemas de saúde pública causados por florações de cianobactérias têm se mostrado cada vez mais freqüentes no Brasil e no mundo. Uma das causas observadas é o lançamento não controlado de efluen- tes, a partir do quê, se faz necessária a conscientização da população e entidades comerciais, no sentido de controlar e solucionar essa problemática. Do ponto de vista analítico, observa-se um grande avanço com relação às técnicas instrumentais, embora a indisponibi- lidade de padrões e materiais certificados seja um obstáculo para os cientistas. Laboratórios privados e oficiais no Brasil se estruturam dentro do alto custo e da complexidade analítica para ofere- cer o controle da qualidade das águas para abastecimento pú- blico, segundo parâmetros estabelecidos por órgãos oficiais. 41 Ed 32 Ciano.indd 7 17/12/2007 19:57:42
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