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PIERO NÁDIO ARÁDIO TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 2 TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 3 ÍNDICE INTRODUÇÃO, 5 CAPÍTULO I – O MUNDO ANTIGO, 7 01 – O Mundo Helênico, 7 02 – O Mundo Romano, 9 LEITURA COMPLEMENTAR – A Economia Primitiva, 11 CAPÍTULO II – DE BIZÂNCIO AO FEUDALISMO, 15 03 – O Início da Idade Média, 15 04 – As Invasões Bárbaras, 15 LEITURA COMPLEMENTAR – A Economia e a Filosofia Escolástica, 19 CAPÍTULO III – O MERCANTILISMO, 21 05 – O Período da Renascença, 22 06 – O Regime Colonial, 24 LEITURA COMPLEMENTAR – As Idéias Econômicas do Mercantilismo, 27 CAPÍTULO IV – AS ESCOLAS ECONÔMICAS, 29 07 – A Escola Fisiocrática, 29 08 – A Escola Clássica, 30 09 – A Doutrina de Malthus, 31 10 – A Teoria da Renda de David Ricardo, 32 11 – A Influência da Escola Clássica, 35 12 – Stuart Mill, 36 CAPÍTULO V – A REVOLUÇÃO INDUSTRIAL E A TESE SOCIALISTA, 37 13 – A Ascensão da Classe Burguesa, 37 14 – O Socialismo Pré-Marxista, 39 15 – O Socialismo de Karl Marx, 40 LEITURA COMPLEMENTAR – A Teoria Econômica de Karl Marx, 43 CAPÍTULO VI – A EXPANSÃO DO CAPITALISMO, 45 16 – Imperialismo: A Nova Face do Capitalismo, 45 TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 4 17 – Anarquistas e Sindicalistas, 47 18 – O Comunismo Soviético, 48 LEITURA COMPLEMENTAR, Os Neoclássicos, 51 CAPÍTULO VII – A CRISE DO CAPITALISMO, 53 19 – A Grande Depressão, 51 20 – A Economia do Pós-Guerra, 55 LEITURA COMPLEMENTAR – A Teoria Keynesiana, 57 CAPÍTULO VIII – A NOVA REALIDADE ECONÔMICA, 59 21 – Capitalismo versus Comunismo, 60 22 – A Nova Revolução Industrial, 63 23 – Um Novo Mundo Econômico, 66 24 – O Problema dos Países Emergentes, 68 25 – Tecnologia e Desenvolvimento, 71 26 – Haverá Uma Ideologia para a Nova Época? , 72 LEITURA COMPLEMENTAR – A Nova Economia, 73 CAPÍTULO VIII – O PROBLEMA BRASILEIRO, 75 27 – O Brasil e o Cone Sul, 75 28 – Os Problemas da Integração Econômica, 75 APÊNDICE, 77 A MOEDA, 79 A RENDA NACIONAL, 81 A FORMAÇÃO DOS PREÇOS, 83 A POLÍTICA DEMOGRÁFICA, 85 QUESTIONÁRIO, 87 BIBLIOGRAFIA, 91 TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 5 INTRODUÇÃO A história do pensamento econômico refere-se ao desenvolvimento progressivo, ao longo da história humana, e retratada em cada um dos povos que surgiram desde a mais antiga civilização, das atividades humanas que se têm por “econômicas”. A procura incessante pelos meios de subsistência, o cultivo da terra, o sistema de trocas, o conceito de propriedade, são fenômenos que se enquadram nestas atividades econômicas, e que evoluíram, de meios bastante rudimentares, para os modernos e complexos sistemas econômicos característicos de nosso tempo atual. Devemos ressaltar a diferença básica que existe entre história do pensamento econômico, ou história da economia,1 entre história das doutrinas econômicas, e história econômica geral. A primeira refere-se, e tem por objetivo, estudar o processo histórico pelo qual surgiu o fenômeno propriamente econômico, através da análise da evolução deste sistema de trocas, do surgimento do dinheiro, do conceito de empréstimos, juros, capitais, bem como da atividade econômica em seu todo. Todo este processo tem um fundamento social, com base nas necessidades humanas de subsistência, proteção contra os elementos e as intempéries, e no progressivo acúmulo de bens econômicos através de trocas mercantis. A história das doutrinas econômicas visa, especificamente, estudar o pensamento dos autores e historiadores que se propuseram a explicar este fenômeno, criando teorias, escolas e sistemas econômicos, cujo exemplo mais claro é a forma como as doutrinas se dividiram ao longo do século XX, em sistema capitalista e sistema socialista, divisão esta que atingiu o próprio cerne das sociedades, dividindo o mundo em dois blocos políticos principais, os países democráticos e os países comunistas. Quanto à história econômica geral, é uma espécie de síntese entre as duas primeiras, cuja especificidade coloca a história sob um prisma econômico, ou seja, busca-se estudar os fatos sociais e históricos dando realce à tessitura econômica sobre a qual eles se desenvolveram. A história econômica geral difere da história do pensamento econômico sob vários aspectos. Enquanto esta procura realçar as teorias econômicas que vão surgindo à medida que as sociedades e a civilização em geral se desenvolvem, a primeira dá ênfase às razões econômicas (embasadas estas, por sua vez, em teorias econômicas diversas) pelas quais surgem os fatos sociais capazes de transformar a própria realidade histórica. Em nossa abordagem, não nos furtamos a incluir um breve escorço sobre as Escolas Econômicas (Fisiocrática e Clássica), cujos conceitos teóricos são indispensáveis para a compreensão mais exata da evolução dos fatos históricos sob o prisma econômico. 1 Mesmo aqui devemos distinguir entre a história dos fatos econômicos (constituídos pelas ações realizadas pelos indivíduos), e a interpretação intelectual (muitas vezes a posteriori), destes mesmos fatos, e que constituem propriamente tanto a teoria econômica (proposta para explicá-los) quanto a história das (várias) teorias econômicas propostas. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 6 Quase sempre, os fatos concretos ocorrem no bojo de um substrato teórico que lhes dá causa. Além disso, o nosso propósito é o de tentar buscar um entendimento acerca da evolução do pensamento, da história e dos fatos econômicos, apelando eventualmente para disciplinas autônomas auxiliares, tais como a História, a Antropologia, Ciência Política, entre outras, mas apenas com o objetivo de elucidar o modo como se deu tal evolução. As leitura complementares têm por objetivo dar um suporte teórico maior, que permita ao leitor entender e interpretar as causas e motivações econômicas que conduzem o desenvolvimento da história. O Capítulo IV em especial, bem como as leituras constantes do Apêndice, ainda que tenham um conteúdo não programático, irão reforçar este suporte teórico, muitas vezes buscado pelo leitor mais exigente. Aqueles que desejarem expandir seus conhecimentos para além destes modestos tópicos, encontrarão na bibliografia uma indicação para auxiliar tal intento. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 7 CAPÍTULO I O MUNDO ANTIGO 1 – O Mundo Helênico O estudo dos povos primitivos levou à conclusão de que a sua conduta, sob o aspecto das relações econômicas, pautava-se por um primitivo sistema de trocas, inexistindo qualquer tipo de moeda como base de troca, ou usando-se, para tal finalidade, objetos tidos como valiosos, tais como dentes ou peles de animais, clavas, arcos e flechas, etc. Em épocas recuadas, supõe-se que os indivíduos não tinham a capacidade de lavrar ou de semear a terra, com a finalidade de garantir umaprovisão constante de alimentos. É possível que houvesse inicialmente apenas um sistema simples de coleta de vegetais, a par de um sistema baseado na caça coletiva de animais, como fonte de alimentação, pela sua carne, e de proteção contra as intempéries, pela sua pele. A subsistência podia ser suprida também através da pesca e do consumo de frutos silvestres. Talvez os alimentos fossem consumidos crus, e, com certeza, não havia como armazená-los para posterior consumo. Isto transformava a atividade de subsistência em um processo permanente, causando a necessidade de os grupos estarem em constante deslocamento, sem se fixarem em definitivo em uma localidade qualquer. Os grupos eram, então, selvagens e errantes, vagando de região a região, entrando eventualmente em conflito com outros grupos, quando invadiam sua área de caça. Aos poucos, os grupos foram se fixando em determinados locais mais amenos, onde puderam desenvolver um sistema de lavratura da terra; foi onde surgiram as primeiras comunidades. Surgiu assim a atividade pastoril, com a domesticação de certos animais, principalmente gado e ovelhas. A nutrição aos poucos mudou para o consumo de grãos e sementes, o que acarretou diversas conseqüências. Entre elas, a necessidade de usar instrumentos e utensílios, ainda que rudimentares, seja para arar a terra, seja para a transformação dos alimentos: trituração; moagem; fermentação; etc. A fixação à terra, ainda que criando grupos comunais, pode ter levado à necessidade de isolar grupos familiares em terrenos restritos e vivendo em cabanas, o que terminou por levar ao conceito de “propriedade”. A necessidade de defender esta propriedade também levou ao desenvolvimento de armas rústicas de defesa. Evidentemente, nada causou tanto impacto quanto a domesticação do fogo, ou seja, a capacidade de acender e manter uma fogueira, sem ter que esperar pela queda de um raio, que o provocasse. O fogo, que podia ser provocado pelo atrito entre galhos secos, serviu para cozer alimentos, e com o tempo permitiu o nascimento de uma incipiente “indústria” de forja, pela manipulação de metais dúcteis e de baixo ponto de fusão: inicialmente criando instrumentos de cobre, e posteriormente desenvolvendo ferramentas de ferro. As primeiras comunidades, se viviam em paz, chegaram a organizar vários sistemas sociais, com a produção de mitos complexos, que normalmente eram memorizados pelos seus integrantes, e que tornavam possível uma vida em comum, pela aceitação TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 8 coletiva de uma origem comum, pelo respeito e culto aos ancestrais, e pelo temor aos fenômenos físicos da natureza. Com o tempo, estas comunidades puderam desenvolver uma complexa arte manufatureira, composta de cestaria (produção de cestas) e de artefatos de cerâmica. O calor do fogo permitiu manipular a argila, produzindo vasos, tijolos e telhas, entre outras coisas. Também a ouriversaria se desenvolveu, com a produção de jóias em geral. O contato progressivo entre várias comunidades levou gradativamente à necessidade de criar métodos de transporte e mecanismos de troca comercial, inicialmente usando objetos considerados valiosos pelos membros das várias comunidades. Mas os contatos comerciais muitas vezes redundavam em conflito, o que também podia provocar a necessidade da comunidade isolar-se e buscar sua auto-suficiência. A partir de 600 a.C., começou a surgir as civilização que mais iria influenciar a civilização ocidental: a civilização grega. A época mais recuada, ou época de Homero (que escreveu a Ilíada e a Odisséia), cada aldeia e cidade era bastante independente, e o tipo de vida econômica e social era bastante simples. A atividade diária de subsistência consistia em lavrar a terra, colher no tempo certo e trocar as mercadorias no mercado da cidade. Por volta de 800 a.C., as cidades começaram a se integrar em organizações políticas mais amplas, tanto devido ao comércio crescente quanto à inevitável necessidade de defesa contra povos invasores. As maiores e mais importantes cidades gregas foram Atenas e Esparta, que compartilhavam a hegemonia política e econômica. No auge de seu poderia, cada uma chegou a ter por volta de 400.000 habitantes. O comércio e a indústria se tornaram as principais atividades, levando ao crescimento da população urbana e criando uma classe de cidadãos que vivia na opulência. A escravidão era bastante comum, e os escravos eram prisioneiros de guerra vencidos em batalhas. O crescimento da riqueza criou uma classe de latifundiários, que começou a explorar os lavradores. Na luta pelo poder, a classe média em ascensão uniu-se aos lavradores, e o descontentamento com o governo despótico levou à fundação de governos democráticos, quando não de oligarquias liberais. O auge da história de Atenas ocorreu com o governo de Péricles (461-429 a.C.), durante o qual as artes foram levadas a um nível extremamente elevado. Foi um período de expansão econômica e de grande comércio realizado com as outras cidades da região do Peloponeso. Em Esparta, entretanto, ao contrário de Atenas, a situação política acabou levando a um sistema político absolutista; enquanto em Atenas floresciam as artes e o comércio, nesta outra, o governo oligarca ditatorial optou por criar uma comunidade voltada para o militarismo e para a conquista. A cidade fechou-se em si mesma, proibindo que seus cidadãos viajassem ou comerciassem com o exterior. A vida social imposta aos cidadãos era caracterizada pelo coletivismo e por rígidas normas de disciplina e de comportamento. Além disso, os cidadãos impunham uma férrea dominação sobre o grande número de escravos existentes. A organização econômica da cidade visava os seguintes objetivos: garantir a eficiência e a supremacia militar contra as cidades vizinhas; garantir a segurança interna TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 9 e a dominação da classe dos cidadãos.2 As melhores terras pertenciam ao Estado, mas a maioria acabava nas mãos da classe dominante (esparciatas). O comércio e a indústria ficavam a cargo dos periecos. Em épocas posteriores, o crescente fortalecimento das comunidades gregas transformou-as em cidades-estado, cuja supremacia era marcada por aquela que se destacava pela sua força guerreira, mas também pela sua hegemonia comercial. O comércio entre as cidades se dava tanto por via terrestre quanto por vias marítimas, e o constante contato comercial entre povos diferentes permitiu que várias conquistas intelectuais se divulgassem entre eles. 2 – O Mundo Romano Roma foi a mais importante cidade dos tempos antigos, em virtude de sua hegemonia militar. Aproximadamente em 265 a.C., toda a Itália já estava sob o jugo romano, e Roma encontrava apenas uma cidade que rivalizava com ela em força militar: Cartago. Ambas eram cidades ricas, prósperas e com grande força militar, e o embate entre elas durou muitos anos, antes que Roma a vencesse. As guerras com Cartago obrigaram a que Roma iniciasse uma expansão militar pelo Mediterrâneo, vencendo e conquistando povos vizinhos. Tais guerras3 tiveram grandes conseqüências; além de mudar a vida cultural romana, iniciaram uma grande revolução social e econômica, cujas características principais foram: um grande aumento da escravidão, como resultado da captura de enorme contigente de prisioneiros de guerra; o lento desaparecimento dos pequenos lavradores, que não podiam competir com o trigo mais barato cultivado nas províncias conquistadas; o aumento explosivo de uma classe de lavradores e camponeses empobrecidos, cujo trabalho fora substituído pelamão-de- obra escrava; o surgimento de uma classe média formada de mercadores, usurários e “publicanos”4 ; o surgimento de uma classe opulenta, que enriquecia com os lucros de guerra. Estas transformações levaram a contínuos conflitos de classes, em razão do profundo abismo que passou a separar ricos e pobres. A situação política degenerou a tal ponto que provocou diversas revoltas dos escravos, sendo que a mais famosa ocorreu quando um escravo chamado Espártaco5 liderou, em 73 a.C., uma revolta contra o jugo romano, à frente de 70.000 revoltosos. Entre os lavradores sem terra, deu-se a chamada “revolta dos Gracos”, que lutavam contra a aristocracia senatorial. Tibério Graco fazia parte da elite, mas defendia o interesse dos lavradores, o que deu motivo a que fosse morto a mando da aristocracia. 2 Havia três classes principais: a classe dos esparciatas, dominante; os periecos, intermediária (que viria a constituir a classe média); os ilotas, classe composta de servos (que eram desprezados pelos seus amos). 3 As famosas Guerras Púnicas. 4 Que detinham o poder de explorar minas, construir e manter estradas e cobrar impostos. 5 Espártaco não era propriamente um escravo, e sim um gladiador que lutava nas arenas romanas. Ele foi capturado e morto em batalha, e mil de seus adeptos foram crucificados. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 10 Nove anos depois, o seu irmão, Caio Graco, também foi morto ao tentar defender os interesses dos desprotegidos.6 Roma, que era uma república, tornou-se politicamente um império. Foi durante esta época que começou o seu declínio. A manutenção de um extenso império, a luta contínua contra os bárbaros, a corrupção interna, eram fatores que corroíam os recursos do Estado e que acabaram levando à sua queda. Outro fator, de ordem econômica, era a balança de comércio desfavorável, com as províncias. Aos poucos, com o contínuo escoamento de metais preciosos para fora, o governo romano, ao invés de incrementar as manufaturas para exportação, optou por aviltar a moeda. Isto teve graves e drásticas conseqüências: o desaparecimento do dinheiro de circulação, e o retorno às trocas de mercadorias; o declínio da indústria e do comércio; o crescimento da escravidão; o aumento da intervenção governamental sobre a economia, com resultados em geral catastróficos. Além disso, o aumento exacerbado da carga tributária sobre a classe média desencorajava qualquer novo empreendimento econômico. 6 Em ambos os casos, eles queriam fazer passar uma legislação que permitisse o acesso dos pobres a um trigo mais barato. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 11 LEITURA COMPLEMENTAR A Economia Primitiva Os primeiros povos civilizados, e que deixaram sua marca na história (egípcios; gregos; romanos), pouco se caracterizaram pelas iniciativas de tentar explicar o fenômeno econômico; apesar de exercerem uma intensa atividade econômica, houve raras tentativas explícitas de tentar entendê-lo. Nos diversos escritos filosóficos, existem apenas idéias esparsas e pouco concatenadas a respeito das idéias econômicas. Os gregos, de uma maneira geral, externavam muito mais idéias monetárias do que propriamente idéias econômicas. Até mesmo Platão, um dos maiores dentre os filósofos gregos, não chegou a compreender a enorme influência da atividade econômica na evolução das sociedades. No que mais se aproximou de uma exegese deste tipo de pensamento, em sua obra “A República” ele expõe o que considera o tipo ideal de Estado. Minimiza e despreza as atividades manuais e de comércio, e não dá valor ao acúmulo de riqueza. Este ponto de vista extremado tornou-se deletério para qualquer pensador que quisesse dedicar-se ao fenômeno econômico. Entretanto, Aristóteles recuperou a importância deste tipo de atividade intelectual, ao voltar-se para alguns temas considerados polêmicos. Entretanto, em sua obra “A Política”, ao analisar o surgimento da moeda, suas conclusões viriam a se tornar o fulcro e influenciar consideravelmente todas as análises sobre doutrinas econômicas que seriam feitas futuramente, pelos autores medievais. Na verdade, a condenação por Aristóteles de todo tipo de lucro (seja comercial, industrial e pelo usurário), orientou para o futuro a própria posição da Igreja Católica no que se refere a este tema, e deu ensejo a perseguições e lutas religiosas sem fim. Aristóteles fez uma distinção bastante precisa (e até hoje usada) quanto às funções da moeda: ela serviria como intermediária de trocas comerciais; como instrumento de comparação de valores; e como uma reserva de valor. Ele propôs também uma questão monetária que só se resolveu em tempos modernos. O valor da moeda depende do valor do metal precioso de que é feita, ou o seu valor depende da autoridade de quem a coloca em circulação?7 Platão era de opinião que a moeda tinha um valor nominal, constituído pelo Estado, talvez porque em sua época as moedas eram cunhadas em metal nobre, de ouro ou prata (mas as havia, também, de chumbo, cobre e bronze). Para Xenofonte, o valor da moeda estava no valor do metal precioso que a constituía. Já Aristóteles não se definiu quanto à questão, admitindo uma posição dúbia intermediária. Aristófanes foi o primeiro a evidenciar o fato de que a moeda de melhor qualidade é expulsa da circulação pela moeda de pior qualidade8 (a primeira passa a ser entesourada ou 7 Quando percebemos, nos tempos atuais, que a moeda foi sendo gradativamente substituída por sistemas cada vez mais abstratos de crédito (os vários tipos de títulos de crédito: o papel-moeda; o cheque, o cartão, etc.; os créditos interbancários nos quais apenas valores eletrônicos mudam de lugar), percebemos cada vez mais que a moeda é, em princípio, um acordo em comum acerca de um valor atribuído a uma ficção monetária instituída pelo Estado (vide A MOEDA, pág. 77). 8 Esta é a chamada Lei de Gresham. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 12 derretida, pelo seu maior valor). Opunham-se, então, as teorias “nominalista”9 e “metalista”, com debates acirrados sobre a questão.10 Entre os romanos, a orientação especulativa acerca das idéias econômicas provinha da política, e não mais da filosofia, como era entre os gregos. Vários fatores contribuíram para que o entendimento romano sobre este assunto se expandisse. A chamada Pax Romana, ou hegemonia militar sobre os povos circundantes (que pressupunha um forte espírito guerreiro); o estabelecimento de extensas vias ou estradas de comunicação interligando Roma com todo o império;11 a navegação segura no Mediterrâneo; o desenvolvimento de um sistema jurídico eficaz; um espírito público administrativo; todas estas foram causas que deram ensejo à expansão das transações comerciais, que levaram à criação de companhias mercantis e de sociedades por ações. “O romano é consumidor, mas não quer ser produtor. Sem dúvida era próspera, a princípio, a agricultura romana; mas logo os lavradores indígenas, pequenos proprietários de suas terras, foram sendo substituídos por escravos, enquanto a pequena propriedade, de cultura intensiva, cedia os passos ao latifúndio, de cultura extensiva. Dentro em pouco passaram as artes e os ofícios industriais e o comércio a ser considerados atividades indignas de um homem livre. Roma faz com que produzam para ela; as províncias, conquistadas e escravizadas,abastecem-na do necessário ao seu consumo.” (HUGON, Paul. Pág. 42). Mas não foi somente a escravatura que provocou a decadência da agricultura. Os pensadores romanos que se dedicaram ao assunto dividiam-se basicamente em duas correntes.12 Uns inclinavam-se pelo intervencionismo do Estado, que seria o único capaz de regulamentar e controlar os mecanismos econômicos; outros tendiam à corrente individualista, afirmando que o indivíduo em si era o único capaz de regular e equilibrar a economia.13 Em duas oportunidades, a tendência intervencionista se sobrepôs, acabando por se mostrar desastrosa. A Lei Semprônia, de 123 a.C., tornava o Estado responsável pela distribuição de cereais a preços abaixo do mercado; em 58 a.C., a Lei Clódia reservou aos indigentes tal responsabilidade. As conseqüências, 9 No período medieval a teoria nominalista foi retomada pelos chamados regalistas, e ela é hoje uma das teorias preferidas pelos economistas. A este respeito, é importante considerar a impossibilidade, atualmente, de qualquer país ou nação conseguir lastrear os seus ativos circulantes. O montante de moeda em circulação no mundo, considerando-se apenas o dólar dos EUA, ultrapassa consideravelmente a quantidade de ouro em estoque, seja em Forte Knox, seja nos cofres-fortes dos Bancos Centrais dos países mais ricos. 10 Os marxistas, para verem justificada a sua teoria do valor-trabalho, aceitavam a teoria metalista. 11 Estas vias romanas começaram a ser edificadas no século IV a.C., continuando até o século IV d.C. (ou seja, durante oitocentos anos elas se expandiram, sendo mantidas e cuidadas de forma a permitir um fácil acesso a todo o império). 12 As quais, curiosamente, ainda prevalecem ainda entre os teóricos modernos, que oscilam entre a duas tendências apontadas no texto. 13 O individualismo veio, mais tarde, a se desenvolver nas chamadas escolas fisiocrata, clássica e no moderno neo-liberalismo. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 13 previsivelmente, foram desastrosas, provocando a derrocada da lavoura.14 Além dessas, outras leis intervencionistas vieram conturbar o sistema econômico romano, provocando déficit orçamentário e fraudes sem fim. Quanto maiores se tornavam os problemas, mais o Estado intervinha, tentando por sob controle a economia. O plantio, a colheita e o transporte dos grãos era todo colocado sob estrito controle monopolista do estado. A tendência individualista surgiu sob a ótica jurídica, que veio dar ênfase ao sistema de propriedade privada, do direito das obrigações, dando um contorno visível à transmissão da propriedade, seja por meio de venda, seja por meio de sucessão. A obra dos jurisconsultos romanos veio a lançar as bases doutrinárias da economia política que começou a se desenvolver no Renascimento, vindo a desembocar nas escolas fisiocrática e clássica, e no chamado Liberalismo Econômico. 14 Alguns cantos ou hinos desta época foram compostos visando levar os romanos de volta à atividade rural, pela celebração da vida rústica. Como exemplos, temos os poemas “De re rustica”, de Catão, e “As Geórgicas”, de Virgílio. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 14 TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 15 CAPÍTULO II DE BIZÂNCIO AO FEUDALISMO 3 – O Início da Idade Média A decadência do império romano trouxe por decorrência dois pólos políticos opostos constituídos pelo Império Romano do Ocidente, com sede em Roma, e o Império Romano do Oriente, ou Império Bizantino. A rápida derrocada do primeiro trouxe como conseqüência o afrouxamento dos laços comerciais existentes entre as diversas nações, pela falta de um poder centralizador. Já não existindo a hegemonia militar romana, as fronteiras do império foram cedendo às rebeliões e às invasões de povos bárbaros oriundos do oriente, cujo intuito preponderante era mais o de destruir do que dominar. Os governos centralizados se enfraqueceram, e as cidades e aldeias que sobreviveram fecharam-se em si mesmas, ou simplesmente desapareceram, pela dispersão de seus habitantes, que espalharam-se em centros fortificados (os castelos) para garantir a sua sobrevivência. Na primeira fase da Idade Média, as condições sociais presentes no Império Bizantino eram bastante superiores às do Império do Ocidente. Neste, grandes porções da Itália e do sul da França já tinham regredido a um ruralismo primitivo, em uma total decadência da civilização que Roma tinha imposto em seus tempos áureos. Já no Império do Oriente, mantinha-se ainda o caráter urbano e suntuoso, com uma classe rica que vivia no luxo e no conforto. Constantinopla, Tarso, Edessa e Tessalonica eram cidades populosas, com um comércio ainda florescente. Só em Constantinopla viviam cerca de um milhão de pessoas, e não havia sinais de decadência cultural ou econômica. Mercadores, banqueiros, industriais e ricos proprietários de terras absorviam-se em uma atividade comercial intensa, consumindo artigos de luxo, ricas vestimentas de lã e de seda, tapeçarias, artefatos de vidro e porcelana. O esplendor das artes do Império Bizantino foi tal que até os dias de hoje ainda surpreendem os especialistas. A sua arte do mosaico, por exemplo, influenciou a arte dos vitrais, usados extensamente nas catedrais góticas. Apesar da miséria (comum para a época) das classes inferiores, estes ainda assim estavam em melhores condições econômicas do que a dos cidadãos das partes ocidentais do Império. Havia uma estabilidade política e econômica, que permitia uma prosperidade crescente. Foi somente com a ascensão do império sarraceno que teve início a decadência do Império Bizantino. 4 – As Invasões Bárbaras No Império do Ocidente, a invasão dos bárbaros ocorrida entre os anos de 395 d.C. e 571 d.C. deixou terras devastadas e povos trucidados por onde eles passaram. Em sua esteira ficavam apenas ruínas de povoados, de cidades e de terras de cultivo, numa ânsia inconcebível de destruição. Os bárbaros invadiram a Trácia, a Panônia, as Gálias, a TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 16 África, a Itália, e finalmente a própria cidade de Roma, jogando abaixo séculos de refinamento cultural e de civilização. Se é possível situar no tempo o início das trevas que se abateram sobre o ocidente, dando início à Idade Média, é exatamente no período destas invasões. O ano de 410 d.C. representa aproximadamente este limite entre idades, dando fim à idade antiga e iniciando um período que só veio a ter término por volta do ano de 1300. Até a época das primeiras cruzadas pouca coisa tinha mudado após mais de quinhentos anos, no continente europeu. Com o término dos império romanos do Ocidente e depois do Oriente, um marasmo se instalou por todo lado e a evolução histórica e cultural dos povos europeus como que estagnou. O feudalismo, regime estático por excelência, tornou-se dominante. A Idade Média estava começando. Foi com o Papa Urbano II e com Pedro, o Ermitão, que conclamaram à libertação de Jerusalém e do Santo Sepulcro do jugo muçulmano, que tiveram início as primeiras cruzadas. Estas foram movimentos militares de inspiração religiosa que lançaram as bases para uma mudança profunda nas estruturas sociais, políticas e mesmo religiosas até então vigentes. Seguindo o caminho aberto pelas cruzadas, o comércio intensificou- se por toda as rotas asiáticas, com o que as cidadesportuárias de Pizza, Veneza e Gênova alcançaram grande poder marítimo. O comércio intensificou-se a tal ponto que as instituições feudais mostraram-se incapazes de atender a demanda dos territórios conquistados; esta situação, por fim, conduziu à criação de centros urbanos por todo lado, sementes das futuras cidades européias, bem como contribuiu decisivamente para a derrocada do feudalismo e para a ascensão futura de uma nova classe, a burguesia. O contato dos cruzados com a civilização árabe, bem mais refinada e culta nesta época, levou por outro lado a mútuos intercâmbios culturais que mais aproveitaram ao Ocidente. Os árabes tinham traduzido os autores gregos clássicos, os quais chegaram, via as traduções muçulmanas, às mãos de vários estudiosos ocidentais. Os sistemas de filosofia, a medicina, a matemática, a geometria, a literatura, a arquitetura, formaram parte deste legado cultural. Com o surgimento das cidades e o reinício das trocas comerciais, começaram a surgir também associações de trabalhadores artífices. O comércio se dava através de vias de transporte e também de feiras, entre as quais as mais célebres foram as de Flandres15 e de Champagne.16 O contato cultural proporcionado pelas cruzadas permitiu o desenvolvimento de novas cidades-Estado, tais como Veneza, Florença, Gênova e Pizza, com a criação de grandes corporações de comércio. A especialização em ofícios e a divisão do trabalho se intensificaram, expandindo o mercado; a manutenção das cidades passou a depender dos produtos agrícolas, aumentando a interação urbano-rural. Novas profissões surgiram, e as trocas comerciais entre os centros urbanos e as localidades rurais produtivas se consolidaram. * * * 15 Região da Europa localizada ao longo do Mar do Norte. Atualmente, está dividida entre a França, Bélgica e Holanda 16 Região do nordeste da França; no período medieval, foi um importante condado , tendo atingido o seu apogeu no século XIII, graças às feiras que realizava. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 17 A partir do ano 800, já se podia notar, no Ocidente, um lento despertar da letargia da época medieval. O contato com as civilizações bizantina e sarracena, o embate com os nórdicos, foram algumas das causas deste ressurgimento. Nos quinhentos ou seiscentos anos seguintes (principalmente a partir do século XII) houve um surto de progresso, e o aumento do comércio trouxe prosperidade e estimulou as artes, a ciência e a cultura. Basicamente, o feudalismo foi uma estrutura descentralizada da sociedade (ou seja, com um fraco ou inexistente poder central). O poder era dividido entre a nobreza, através de um sistema de suserania e de vassalagem. A partir do século VII, os reis merovíngios costumavam recompensar os condes e duques com benefícios e com terras (que se tornavam condados – no primeiro caso – ou ducados – no segundo caso). Posteriormente, os reis carolíngios recompensavam os nobres locais quando estes forneciam tropas de soldados para lutarem contra os mouros. Quem possuía o feudo tinha o direito de propriedade, e por conseqüência o direito de governar. Entre o suserano e os seus vassalos havia uma relação contratual, que envolvia obrigações recíprocas. Os vassalos pagavam tributos aos seus senhores, que se obrigavam a proporcionar-lhes proteção de assistência econômica. Aos poucos, aumentou a dependência do governo central com relação às diversas suseranias. Como a maioria adquiria imunidade (isenção de pagamento de impostos), a autoridade central foi diminuindo cada vez mais. Apenas nominalmente, o suserano se submetia à autoridade do rei. Além disso, as constantes invasões de nórdicos, turcos e muçulmanos levavam a população a se voltar para os senhores feudais em busca de proteção. Aos poucos, este sistema evoluiu para um tipo de sociedade estratificada; no segundo período da Idade Média (“Alta Idade Média”), o feudalismo (que já se tornara hereditário) chegou a constituir um tipo legalmente reconhecido de estrutura social, até mesmo encarado como um sistema ideal. A lei era produto do costume ou da vontade de Deus. No regime feudal, a principal unidade econômica era a chamada “herdade senhorial”, que era geralmente o domínio de um cavaleiro. Alguns chegavam a possuir várias herdades (às vezes, centenas ou milhares), em que o tamanho médio de cada uma podia chegar a 150 hectares. Em cada uma havia uma ou mais aldeias, e as terras cultivadas pelos camponeses se dividiam em três partes: o terreno de plantio da primavera, o terreno de plantio do outono e o “pousio”. Todos eram revezados a cada ano (era o sistema chamado de “três campos”). TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 18 TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 19 LEITURA COMPLEMENTAR A Economia e a Filosofia Escolástica As idéias econômicas predominantes neste período tinham forte influência da Igreja Católica, através de seus pensadores (teólogos, canonistas e filósofos moralistas), que procuraram se alicerçar nos escritos sagrados e nas obras aristotélicas, principalmente. Aristóteles é o pensador de maior influência entre os medievos, e sua noção de “equilíbrio” foi a base para a concepção de justiça nas trocas (preço justo e justo salário), e para o princípio de moderação e moralidade como essência do fenômeno econômico. A Igreja Católica admitia a propriedade individual, mas regrada por um princípio social restritivo, que a legitima. O proprietário não deve abusar do seu direito de propriedade em detrimento da coletividade. O direito de propriedade é reconhecido como propiciador de ordem e paz social, além de aumentar o rendimento da produção (essencialmente agrícola). Reconhece, entretanto, que os benefícios da posse da terra não devem ficar restritos a uma minoria privilegiada, porque isto traz desigualdade de condições e injustiça social. Entretanto, tal reconhecimento não foi capaz de evitar a prevalência das condições que exatamente se procurava evitar: a concentração da posse da terra, com a conseqüente ascensão social daqueles que a detinham. O feudalismo, como veremos, foi exatamente isso: a posse privilegiada da terra pela nobreza, que tinha poder total sobre os camponeses que a ocupavam e a faziam produzir. O princípio moral regulador, a proibição da usura (empréstimo a juros) bem como o princípio da troca justa eram basicamente a base do sistema econômico deste período. Os artífices, organizados em corporações, tinham fixado o seu salário como uma retribuição máxima regulamentada oficialmente (não se fixava um valor mínimo, como se procede na atualidade). O lucro resultaria do equilíbrio entre o trabalho empregado (com a perícia envolvida) e a utilidade do serviço. Condenava-se o lucro imoderado, por ser contrário á “justiça nas trocas”. Os chamados Padres da Igreja (Tomás de Aquino; Boaventura, entre outros), acompanhando o raciocínio aristotélico, distinguiam entre bens fungíveis e não fungíveis. O dinheiro seria um bem fungível, que desaparece com o consumo. O bem não fungível, por não desaparecer com o uso, pode ser emprestado ou locado por contrato. O seu detentor, por se privar do uso e gozo da coisa, pode exigir uma compensação. Mas no empréstimo de coisa fungível, o cedente entrega simultaneamente o uso e a propriedade da coisa. A justiça e o justo preço se realizariam pela simples devolução do objeto, sem mais nada (ou seja, sem juros sobre o empréstimo). Desse modo, o dinheiro não pode ser objeto de empréstimo a juros. Tal era a concepção inicialda Igreja. Além da preocupação com o “preço justo”, S. Tomás considerava também a possibilidade de um vendedor vender um produto defeituoso. Ele afirmava que caso isto ocorresse, não deveria ser um ato intencional, e que, se descoberto o defeito, o vendedor deveria compensar o comprador. Esta concepção veio a se modificar gradativamente, quando novas condições foram surgindo. Por exemplo, começou-se a se admitir a possibilidade de recebimento de juros TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 20 pelos empréstimos, nos seguintes casos: se o emprestador sofria danos resultantes do empréstimo; se havia riscos, ou se havia renúncia a um possível lucro imediato. Razões religiosas levaram a liberar a usura para os judeus e para os lombardos,17 que se admitia não estarem submetidos às regras católicas. Com relação às idéias monetárias, havia grandes debates a respeito do valor e da circulação da moeda, bem como da conveniência de alterar ou não o seu valor. Nicolau Orèsme, bispo de Lisieux e conselheiro do Rei Carlos V, e Buridan, reitor da Universidade de Paris, foram teóricos que estudaram o assunto. Orèsme criticou as mutações monetárias; para ele, o rei não tem legitimidade para fazer estas mutações de valor. O valor da moeda é garantido pela autoridade do Rei, que ordena sua cunhagem, e que teria assim, autoridade para mudar o seu valor. O cunho indicava a qualidade da peça e o seu peso. Entrando, entretanto, em circulação, o seu valor passa a depender da comunidade onde ela circula, que decide pela conveniência de lhe alterar o valor.18 Orèsme observou que em sua época praticavam-se cinco diferentes formas de mutações monetárias: 1) mudanças na efígie, o que acontecia normalmente devido à mudança de governantes; 2) mudança da proporção, ou mudança do valor entre o metal nobre (ouro ou prata) e o valor da moeda; 3) mudança nominal, ou modificação dos preços em moeda corrente (havia uma moeda real, cujas subdivisões em moeda corrente podiam variar); 4) mudança oficial do peso da moeda (as fraudes se davam, pela diminuição – ou cerceamento – do peso da moeda, limando suas beiradas circulares); 5) mudança de sua substância: neste caso, mudava-se a sua liga, substituindo um metal por outro. Como já dissemos, a moeda má expulsa a moeda boa do mercado, e se acontecia de haver muitas mutações, quando a situação econômica se deteriorava, a tentativa de restaurar a ordem econômica pela introdução de uma nova moeda esbarrava neste obstáculo: a moeda boa, capaz de trazer estabilidade monetária, era fundida, ou simplesmente tomava rumo para fora do país. 17 Povo germânico que veio a se fixar na Panônia (atual Hungria). 18 Algumas classes sociais mais elevadas, tais como juizes e eclesiásticos, que costumavam ter uma renda fixa, ficavam prejudicados por estas mutações de valor na moeda. O povo também via-se despojado, quando era obrigado a receber moedas de valor nominal muito baixo, em troca de mercadorias de muito maior valor. Foi o que ocorreu, por exemplo, graças a um edito real de Jaime II, que forçou o recebimento, sob pena de morte, de moedas de cobre cujo valor aposto era seis vezes maior do que o seu valor intrínseco. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 21 CAPÍTULO III O MERCANTILISMO Por volta de 1400, aconteceu a chamada “Revolução Comercial”, cujas causas básicas foram as seguintes: a conquista do monopólio comercial do Mediterrâneo pelas cidades italianas; 2) o desenvolvimento de um lucrativo comércio entre estas cidades e os mercadores da Liga Hanseática, no norte da Europa; 3) a introdução de moedas de circulação geral; 4) a acumulação de capitais excedentes; 5) a procura de materiais bélicos e o estímulo ao comércio proporcionado pelos novos monarcas; 6) a procura pelas especiarias do Oriente. A procura das especiarias era uma preocupação constante das coroas portuguesa e espanhola, interessadas que estavam em quebrar o monopólio das cidades italianas. A Península Ibérica, afastada deste comércio, era obrigada a pagar altos preços por sedas, perfumes, especiarias e tapeçarias provenientes do Oriente. Em busca de uma nova rota para o Oriente, os navegadores espanhóis e portugueses acabaram encontrando novas terras. A introdução da bússola e do astrolábio deu também um novo impulso a estas viagens, cuja motivação, muitas vezes, era apenas o intenso fervor proselitista e um excesso de zelo religioso, que ardia por converter os pagãos. As viagens de navegação realizadas por espanhóis e portugueses foram seguidas posteriormente por inglese e franceses. Também os holandeses participaram desta corrida por novas terras, com intenções visivelmente colonialistas. O resultado destas viagens de descobrimento foi uma tremenda expansão do comércio. Os navios das grandes potências mundiais podiam ser encontrados singrando quaisquer dos setes mares, e logo o monopólio das cidades italianas chegou ao seu final. Enquanto Gênova, Pizza e Veneza passavam para segundo plano, cidades como Lisboa, Liverpool, Bordéus, Bristol e Amsterdã se alçavam a cidades de grande importância. Em seus portos, um intenso movimento marítimo mostrava a pujança do seu comércio, e os armazéns custavam a conter a enorme quantidade de mercadorias vindas de toda parte. Ao lado de tecidos e especiarias do Oriente, juntavam-se agora o tabaco, as batatas e o milho da América do Norte; o melaço e o rum das Antilhas; o cacau, o chocolate, a quina e a cochonilha da América do Sul; completando este rol de mercadorias, achavam-se ainda, vindos da África, penas de avestruz, marfim e até mesmo escravos. Outros produtos já conhecidos tiveram também intensificado o seu comércio, tal como o café, o açúcar, o arroz e o algodão, que em razão do extenso comércio acabaram deixando de ser mercadorias de luxo. Entretanto, talvez o maior e mais importante resultado da descoberta e conquista dessas novas terras foi a espantosa quantidade de metais preciosos, ouro e prata, que inundaram o continente europeu. Esse ouro e prata provinha tanto das pilhagens realizadas nos tesouros dos incas e astecas, como também das minas do México, Bolívia e Peru. A acumulação desta riqueza fabulosa e as extensas especulações que propiciou em sua esteira iriam forjar as bases para o capitalismo. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 22 Também durante a época da Revolução Comercial desenvolveu-se o sistema bancário. No século XVI, surgiu a sociedade por ações, que era formada através da subscrição de quotas de capital por um considerável número de investidores. O dinheiro, que tinha ressurgido com força a partir do século XI, mas cujo valor dificilmente era reconhecido fora de sua região de origem, começou, através das moedas de ducado veneziano e florim florentino, começaram a ter ampla aceitação por toda a Itália e nos mercados do norte da Europa. Entretanto, não havia um padrão monetário estável, e os valores sofriam constantes modificações. Foi como conseqüência do desenvolvimento da Revolução Comercial que se buscou adotar um sistema monetário mais estável e uniforme, e de maior eficiência. Esta fase caracterizou-se também por uma maior especulação teórica, de cujos frutos veio a surgir a doutrina econômica conhecida como mercantilismo. * * * É provável que o mercantilismo remonte ao reinado de Eduardo I (1272-1307). Este monarca estabeleceu o comércio de lã com Antuérpia, e tentou por várias formas regulamentar o comércio interno. SobEduardo III, uma guerra prolongada com a França provocou uma inflação desastrosa. Para mitigar o sofrimento dos trabalhadores, este monarca fixou preços e salários em uma proporção favorável a eles, exigindo em troca que se dedicassem a todas as formas de trabalho disponíveis. Uma das características dos escritores mercantilistas era a de que a de que devia alcançar o pleno emprego, por todos os meios. Entre as medidas tomadas para fomentar a indústria, destaca-se a concessão de patentes de monopólio. De um modo geral, davam maior importância às exportações, relegando o comércio interno a segundo plano. Para se entender todas as implicações das idéias surgidas sob o prisma do mercantilismo, necessário se faz estudar o pano de fundo histórico no qual ele se desenvolveu. 5 – O Período da Renascença A partir do ano 1300, as características gerais que definiam o feudalismo começaram a desaparecer. Novas instituições e novos modos de pensar vieram substituir o pensamento escolástico e as dogmáticas e esclerosadas instituições políticas, sociais, econômicas e religiosas que tinham dominado por séculos. A noite prolongada do período medieval foi sucedida por um período de grandes conquistas em todos os campos do conhecimento. Até cerca de 1650, houve um súbito renascimento do interesse pela cultura clássica, caraterizada pelas civilizações grega e romana. O século XVI, principalmente, foi um século marcado por grandes mudanças sociais, geográficas, religiosas e políticas. Foi o século das grandes descobertas, das grandes invenções, das grandes navegações de Magalhães e Colombo, os quais descobriram novos continentes. Entre as grandes invenções do período, encontra-se a da imprensa, que viria a se tornar um poderoso fator de difusão das novas idéias. * * * TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 23 Com a invenção do livro impresso as idéias difundiam-se rapidamente entre todos os países. Lutero e Calvino, insurgindo-se contra o Papa, deram origem à reforma religiosa mais profunda no seio da Igreja Católica. Tiveram seguidores na Alemanha, Suíça, estados escandinavos e sul da França. Neste país, seus seguidores eram chamados de huguenotes e de livres-pensadores. “Lutero, atacando a autoridade, fazendo da palavra evangélica a base de seus ensinamentos, dirigia-se a essas massas inquietas. Ele seguiu as massas enquanto elas exigiam pequenas reformas; mas os camponeses estavam se transformando numa classe que queria uma revolução na ordem social, que a pequena burguesia tinha interesse vital em conservar”. (TRAGTENBERG, Maurício. Pág. 24). A reforma chamada “Protestante” viria a ter enormes conseqüências no desenvolvimento futuro das relações comerciais entre os países. Os seguidores de Lutero e Calvino eram mais liberais no tocante às relações econômicas e não se deixavam tolher pela ética cristã,19 contrária aos juros e sempre temerosa de uma possível punição divina, em razão de uma prática comercial injusta. Os países que primeiro se converteram à pregação luterana e calvinista eram mais pragmáticos; além disso, o crescente fortalecimento do Estado, com o fim das suseranias feudais dava ensejo a um incremento no comércio entre as nações, bem como à busca de novos territórios a serem colonizados. “Assim, precisamente num período em que a expansão dos métodos burocráticos no comércio e no governo e o desenvolvimento da fabricação em grande escala estavam transformando todo o curso da atividade prática numa labuta árdua e cada vez mais destrutiva, o protestantismo desenvolvia uma habilidade especial de tirar prazer dessa árdua labuta. Esta foi a contribuição especial do protestantismo para o desenvolvimento do capitalismo e da indústria mecânica: não iniciá-los, mas torná-los toleráveis e instilar neles todas as energias da vida moral. Os trabalhos penosos serviam ao protestante de preciosa mortificação da carne; preciosa tanto num sentido profano como num sentido espiritual, pois, ao contrário dos cilícios e da autoflagelação da santo medieval, sua firme e constante concentração no trabalho fastidioso rendia lucros tangíveis”. (MUMFORD, Lewis. Pág. 226). 19 O fundamento das concepções religiosas do protestantismo baseava-se na doutrina pela qual os homens se justificam (ou se “salvam”) não pelas obras, mas pela fé. Enquanto esta última favorecia o poder do clero católico (única via “salvacionista”), a primeira admitia uma “verdade do coração”, tornando-se o homem juiz de si próprio. Esta doutrina individualista chamou a atenção da nova classe média de artesãos e negociantes, porque eliminava a culpa que se admitia ser trazida pelo acúmulo de riqueza. Embora a ética protestante (o chamado “espírito puritano”) atribuísse grande importância ao ascetismo e à temperança, por outro lado admitia uma valorização religiosa do trabalho (considerado uma forma de glorificar a Deus) e o próprio lucro, que seria uma mostra da generosidade divina. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 24 * * * A chamada “revolução puritana” veio a se tornar a bandeira ideológica do desenvolvimento (em época posterior) do capitalismo inglês, iniciado com a Revolução Industrial. A revolução puritana tem cinco períodos delimitados, que podem ser assim divididos: de 1642 a 1647, período da guerra civil que derrubou o rei; de 1647 a 1649, período que se caracterizou pela luta entre proprietários e lavradores (vencendo os primeiros); de 1649 a 1660, em que se consolida a revolução e o domínio de Cromwell, que se voltava para o interesse dos novos comerciantes e capitalistas.20 O quarto período transcorreu durante o reinado de Carlos II e Jaime II. Caracteriza-se pelo desaparecimento dos últimos vestígios do feudalismo. O último período vai dos Stuarts até o estabelecimento da monarquia constitucional em 1689, quando a Coroa aceitou a Declaração de Direitos (mas já em 1688 o governo inglês submetera-se ao controle da pequena nobreza e da classe média dos capitalistas). * * * As monarquias absolutistas, sempre com espírito beligerante, exigiam enormes somas de dinheiro para as guerra necessárias, dinheiro este que devia provir tanto dos impostos internos quanto da exploração externa de colônias ricas, capazes de fornecer metais preciosos em grande quantidade. O poder marítimo dividia-se entre Inglaterra, França, Holanda e Portugal, países colonialistas por natureza. A expressão do poder e da riqueza de uma nação era compreendido como produto do acúmulo de metais preciosos, principalmente o ouro e a prata, e eram as colônias que deveriam prover esta riqueza. Outra fonte de riqueza estava na exportação de artigos de luxo, que recebiam uma alta taxação para limitar a venda interna. A Inglaterra buscou incrementar largamente o comércio exterior;21 já a Espanha tendia ao acúmulo irrefreado de ouro, que ia buscar em suas colônias. 6 – O Regime Colonial As grandes navegações iniciadas pelos portugueses, espanhóis, ingleses e holandeses, principalmente, propiciaram o descobrimento de terras desconhecidas fora do continente europeu, que foram reivindicadas pelas coroas (reinos ou impérios) que as descobriram (a que se acrescentam a Bélgica e a França). O continente sul-americano, por exemplo, sofreu colonização espanhola e portuguesa, e foi a fonte de grandes riquezas minerais, seja de ouro, prata ou pedras preciosas, que enriqueceram o erário das nações européias. 20 Este interesse tinha por base a necessidadede Cromwell de arregimentar uma nova classe que o apoiasse contra os interesses da nobreza, que poderia tentar fazer voltar o regime monarquista. 21 Já no século XV a Inglaterra possuía uma grande indústria têxtil, como também a hegemonia do mercado mundial de produtos têxteis. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 25 “O início dessa colonização de povoamento no século XVII abre uma etapa nova na história da América. Em seus primeiros tempos essas colônias acarretam vultosos prejuízos para as companhias que as organizam. Particularmente grandes são os prejuízos dados pelas colônias que se instalam na América do Norte. No êxito da colonização agrícola portuguesa tivera como base a produção de um artigo cujo mercado se expandira extraordinariamente. A busca de artigos capazes de criar mercados em expansão constitui a preocupação dos novos núcleos coloniais.” (FURTADO, Celso. Pág. 21/22). Os territórios reivindicados tornaram-se possessões e/ou colônias, e foram progressivamente ocupados por levas de colonizadores, provindos dos continentes europeus.22 Durante os séculos XVI a XIX, principalmente, os países europeus intensificaram o processo de colonização e dominação (período de expansão colonial), como um meio de conquistar fontes de diversos produtos econômicos (especiarias, metais e pedras preciosas, açúcar e outros produtos tropicais), necessários ao comércio que se intensificava entre as nações. América, Ásia e África foram os continentes colonizados, tornando-se fontes supridoras das matérias-primas ansiadas pelas metrópoles. Neste período colonialista (denominado de “acumulação primitiva”), também os países produtores de especiarias sofreram intervenção militar dos países europeus, interessados em dominar este monopólio. Mas onde quer que existisse um interesse econômico (extração de metais e pedras preciosas, por exemplo), as potência européias colocavam sob o seu jugo militar os países ou nações mais fracos. Um as um, eles tornavam-se colônias da metrópole.23 A política colonial, ou política comercial imposta às colônias tinha um aspecto unilateral, favorável unicamente à metrópole (era o chamado “pacto colonial”). Desta forma, era comum que qualquer manifestação contrária a esta política fosse brutalmente reprimida, bem como qualquer forma de competição, seja da própria colônia, seja de outras nações. Havia um monopólio de compra e venda por parte da metrópole (e a ela favorável), como também de exportação/importação e de transportes de mercadorias.24 Também cabia à metrópole a fixação dos preços das mercadorias. A colônia tinha que aceitar essas imposições, ou aceitar os riscos de uma rebelião.25 22 Em alguns casos, como a colonização do Brasil, por exemplo, as guerras napoleônicas forçaram a transferência de toda a corte para o território da colônia, mudando drasticamente o seu status político (entretanto, deve-se à perspicácia e ao gênio do Visconde de Cairú ter convencido D. João VI a abrir os portos brasileiros ao comércio internacional, em 1808). Antes disso, a colônia não podia comerciar com o exterior. 23 A disputa entre estas potências, entre outras coisas, levou à criação do Tratado de Tordesilhas. 24 Foi esta política monopolizadora que provocou a revolta de várias colônias. A política de comércio do sal, por exemplo, deu ensejo às lutas pela independência por parte dos Estados Unidos da América, bem como foram o motivo unificador da resistência indiana contra a dominação inglesa. 25 Este foi basicamente um fenômeno político (a formação e exploração de colônias), e apenas a forma como se desenvolveu a exploração econômica nos interessa realmente, no contexto que estudamos este assunto. Politicamente, a colonização pressupõe uma relação de dependência entre o colonizado – a colônia – e a metrópole – o colonizador. É um fenômeno que resultou do Mercantilismo, e predominou TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 26 A riqueza resultante da exploração colonial nem sempre se mantinha; muitas vezes, o esforço resultante da colonização esgotava os cofres mais rapidamente do que estes se enchiam pela exploração. Entretanto, muitas das economias nacionais que vieram a se desenvolver propiciaram a formação de um capitalismo incipiente no continente europeu, iniciando uma economia de mercado e um sistema financeiro que permitiram o enriquecimento e um progresso econômico das nações ocidentais. Além disso, nem sempre o processo era extremamente desfavorável para a colônia. Muitas vezes ela sofria um processo civilizatório ou de modernização acentuado, que a tirava de um estado primitivo no qual sequer possuía uma economia nacional; em alguns casos, a colonização forçava a um processo político unificador entre tribos ou etnias rivais, eternos adversários na luta pela hegemonia política e pelo poder. * * * Os mercantilistas, ainda que pecassem pelo excessivo valor dado aos metais preciosos como fonte de riqueza, ainda assim tiveram o mérito de ter desenvolvido uma idéia ou noção nova, qual seja a de economia nacional. Além disso, as formas de comércio que desenvolveram criaram as bases políticas para as florescentes dinastias da Áustria, de Florença e de Frankfurt, entre outras. Foi daí também que surgiriam os modernos e poderosos complexos bancários, base de todo sistema capitalista. até pouco antes da II Guerra Mundial; após esta, as colônias iniciaram um processo irreversível de emancipação política e de independência. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 27 LEITURA COMPLEMENTAR As Idéias Econômicas do Mercantilismo Não existiu apenas um sistema mercantilista, mas vários, de acordo com o país. A Espanha, por exemplo, confundia os conceitos de “riqueza” e “metal precioso”, achando que o mero acúmulo deste levaria àquela. Esta forma rudimentar de mercantilismo era chamada de “metalista” ou de “bulionista”.26 Criavam-se medidas para impedir ou restringir a saída ou evasão de metais valiosos; por outro lado, criavam-se mecanismos para tentar atrair moedas estrangeiras para dentro do país. No comércio entre os países, regrada pela chamada “balança de contratos”, os navios espanhóis eram obrigados a levar mercadorias e a voltar com cargas de ouro. Quanto aos navios estrangeiros que aportavam com suas cargas em portos espanhóis, deveriam voltar com mercadorias, e não com pagamento em moedas ou em metais preciosos. Esta concepção mercantilista de “balança de contratos”, devido ao seu caráter restritivo, veio a evoluir para o sistema denominado “balança de comércio”. Na troca entre metais preciosos, buscava-se sempre uma condição favorável de superávit, que assegurasse ao país uma posição de credor. De qualquer modo, concebia-se a riqueza como resultado do acúmulo incessante de moeda e de metais preciosos. A França tinha outra posição, denominada mercantilismo “industrialista” ou “colbertista”.27 Colbert fomentou a indústria, com a finalidade de aumentar a quantidade de mercadorias exportadas, que seriam trocadas por metais preciosos. Caracterizou-se pelo intervencionismo de Estado, que outorgava monopólios de produção e regulamentava a indústria. O preço do trabalho, ou mão-de-obra, era fixado em um máximo. Também a taxa de juros era determinada pelo Estado. A preocupação metalista, voltada ao acúmulo de metais pela exportação, além de restringiro consumo interno, forçou a ingerência do Estado também em outros campos, como a adoção de uma política demográfica (favorável ao crescimento populacional, que redundaria em mais gente produzindo) e a organização de um exército poderoso. A Inglaterra, por sua vez, adotou um sistema mercantilista de moldes “comercialistas”. Sendo uma grande potência marítima, podia comerciar em grande escala em todo o mundo conhecido. Para conseguir um saldo favorável na balança de pagamentos, o Estado regulamentava a produção e controlava as vendas no exterior, assegurando-se de que a importação de ouro e prata fossem superiores à sua exportação. No século XVIII vemos aparecer a forma de mercantilismo denominada fiduciária. Entres outros teóricos das idéias econômicas e monetárias, temos o nome de John Law, banqueiro escocês que teve extenso papel na evolução destas idéias. Para Law, o aumento da riqueza pública podia ser feito unicamente pelo aumento da quantidade de moeda. Ele não se opunha à exportação de metais ou de moedas; também achava que não era obrigatório o repatriamento de metal precioso no valor das 26 De bullion, ouro em barras ou em lingotes. 27 De Jean Baptiste Colbert (1619-1683), ministro das Finanças do Rei Luís XIV. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 28 exportações realizadas. Achava que a simples criação do papel-moeda deveria permitir a aquisição de mercadorias, por ser o melhor instrumento de trocas. Ele parte de uma análise simples: enquanto persistir a confiança do cliente de um banco, ele não irá solicitar a conversão e reembolso de seus “bônus” (os papéis-moeda) em espécie metálica. A moeda em papel (notas bancárias, ou moeda emitida por bancos) poderia ser emitida em abundância, na proporção de sua procura, sem por em risco o desenvolvimento econômico. Mas Law não se deu conta que o excesso de notas bancárias em circulação tinham grande influência sobre os preços, que tendiam a elevar-se. Juntando-se a isso o excesso de emissões, a confiança dos portadores se evaporou, e houve uma correria para pedir reembolsos. Quando o público percebeu que não havia reservas em metais para cobrir as notas, o valor destas simplesmente desapareceu, ainda que tivessem curso forçado. Law, evidentemente, fez uma análise contrária; ele não percebeu que deveria ser a riqueza que deveria prover o aumento de circulação (por emissão) de moedas, e não o contrário. Se não havia reserva de valor, o volume monetário, por si só, também não conseguiria garantir o valor da moeda-papel ou nota bancária em circulação.28 Ainda que tenha antevisto o sistema de crédito e de trocas comerciais baseado em papel-moeda (e não em moedas metálicas), Law não conseguiu perceber que o uso desta deveria apoiar-se em uma prosperidade real.29 28 Este tipo de equívoco repetiu-se em diversas oportunidades históricas. Logo após a Revolução Francesa, a escassez de moedas levou à emissão de papel-moeda cujo lastro seria formado pelas terras confiscadas da Igreja. Em pouco tempo, a derrocada inflacionária veio mostrar o erro desta concepção. Também no início da República, no Brasil, cometeu-se o erro (a que se chamou “encilhamento”) de tentar fomentar a prosperidade econômica através de largas emissões de notas, além da concessão de crédito fácil e barato. Em breve, percebeu-se que o valor destas notas emitidas, e das ações das sociedades que se criaram eram apenas fumo, fumaça e vacuidade. 29 Com o economista David Ricardo, percebeu-se mais tarde que esta prosperidade deveria resultar do aumento do emprego e do aumento da renda suplementar que resultaria deste fato. Esta renda suplementar aumentaria o consumo, que por sua vez aumentaria a produção. Keynes, futuramente, voltaria a este tema da multiplicação real da renda. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 29 CAPÍTULO IV AS ESCOLAS ECONÔMICAS Denomina-se escola “liberal” às concepções que dão ênfase à iniciativa individual, em detrimento da iniciativa do Estado, para realizar a atividade econômica. Este movimento individualista caracteriza-se por uma divisa: “laissez-passer; laissez-faire” (deixe passar; deixe fazer). O liberalismo econômico, expresso neste sistema individualista, vinha como uma reação aos excessos do mercantilismo, que se caracterizou pelo exagero de regulamentação e pela ênfase dada à indústria, em detrimento da atividade agrícola. Esta política, agravada pelos baixos preços pagos pelos gêneros alimentícios, levou a população rural à miséria, bem como trouxe a ameaça de fome, pela redução das áreas de cultivo. O excesso de intervencionismo estatal acabou gerando grande descontentamento e oposição. Tudo isto veio a provocar uma reação ampla, de índole individualista e liberal, bem como de caráter científico, ao se procurar a explicação dos fenômenos econômicos. Esta reação se materializou através das escolas chamadas fisiocrática, francesa, e clássica, inglesa. 7 – A Escola Fisiocrática A escola fisiocrática surgiu com a obra do médico François Quesnay, que publicou suas investigações sobre economia na Enciclopédia dirigida por Diderot, a partir de 1756. Para os fisiocratas, as leis que regem os fatos econômicos são leis naturais, e assim devem ser compreendidas e estudadas. Há uma ordem natural que tudo rege, e que dá apoio ao direito de propriedade privada. Este direito exercia-se livremente, proporcionando progresso social e assegurando um preço justo ao produto agrícola. Por outro lado, afirma que este preço satisfatório também decorre da concorrência. Os fisiocratas dividem a sociedade em três classes: a classe produtiva, formada pelos agricultores; a classe de proprietários de imóveis; uma classe não-produtiva, ou “estéril”, formada por comerciantes, industriais, bem como por profissionais liberais e outras pessoas que se dedicam ao serviço doméstico. O sistema de circulação da riqueza proposto tem por base a descoberta realizada por William Harvey, em 1628, da circulação do sangue no corpo humano. Quesnay apresenta um sistema de circulação da riqueza análogo à fisiologia humana. A riqueza originalmente produzida pela classe “produtiva” circula pelas classes sociais conforme a sua importância, repartindo os bens produzidos. No fim do ciclo, a riqueza volta às mãos da classe “produtiva”, que volta a reparti-la (seja por pagamentos, ou por custos de produção – a classe “produtiva” obtém o seu lucro pela diferença entre a venda dos produtos agrícolas e o seu custo de produção). Entretanto, este ciclo mostra-se estacionário, pois não há produção de novas riquezas. Entretanto, ele já dá uma idéia do equilíbrio econômico, idéia que viria a ser retomada por Léon Walras em fins do século XIX. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 30 A riqueza somente poderia ser gerada pela produção agrícola, sempre em maior volume do que a riqueza consumida. O lucro obtido é chamado pelos fisiocratas de “produto líquido”. Assim, a idéia de valor está ligada à idéia de produção, confundindo- se riqueza e valor.30 Este erro de concepção levou os fisiocratas a difundirem uma doutrina de aversão ao comércio, de um modo geral, porque ele não seria criador de riqueza. Este erro apenas substituiu o erro cometido pelo mercantilismo, o de não dar importância à agricultura. * * * Como já vimos, aceitava-se a existência de uma ordem natural, que Deus criara para levar a felicidadeaos homens. As leis naturais não deveriam tolher a liberdade do homem, porque esta seria a base do progresso econômico e social. Além disso, este progresso baseava-se no direito de propriedade privada. Uma das preocupações dos fisiocratas era com relação ao “bom preço”. Para Quesnay, “abundância com preço alto é opulência”. O bom preço aproveitaria a todas as classes, pois elevaria todos os preços, trazendo abundância geral. Com relação aos impostos, as taxas deveriam incidir unicamente sobre a terra, por ser ela a riqueza real (dela provinha o “produto líquido”).31 8 – A Escola Clássica A partir do século XVII, as teorias mercantilistas já vinham sofrendo grandes críticas; William Petty (1623-1687), por exemplo, apontava que a riqueza provinha do trabalho, e não do comércio. Os fisiocratas, como vimos, colocavam os bens materiais como a fonte das riquezas: estes eram extraídos do solo, mediante o cultivo. Assim, somente da agricultura poderia provir o excedente que seria distribuído entre as demais classes da sociedade. A partir de Adam Smith surgiu a denominada “concepção clássica da economia”, também chamada de Escola Clássica. Em sua obra mais famosa, “A Riqueza das Nações”,32 publicada em 1776, Smith aponta que a riqueza é constituída pelos valores de uso (seguindo Petty, ele distingue entre o valor de uso e o valor de troca das mercadorias). O que determina a riqueza de uma nação é a sua produção total (que modernamente diz-se: Produto Nacional Bruto, ou PNB). Uma das análises mais penetrantes de Smith se dá quando ele distingue qual é, verdadeiramente, o fundamento do valor de troca.33 Este fundamento não está na utilidade da mercadoria, ou na sua capacidade de satisfação das necessidades humanas; está, isto sim, refletido no trabalho gasto em sua produção. 30 Apenas em épocas posteriores viriam os economistas a ligar a idéia de valor à satisfação das necessidades do homem. Desta forma, a indústria e o comércio, além de gerarem utilidade, aumentariam a utilidade das coisas já existentes. 31 As constantes sugestões modernas a respeito de imposto único têm nos fisiocratas a sua origem conceitual. 32 Cujo nome correto era: Investigação sobre a Natureza e as Causas da Riqueza das Nações. 33 Valor de troca é a quantidade de mercadorias que se pode obter em troca da mesma. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 31 Com base nesta concepção, Smith afirma que a riqueza, para crescer, depende diretamente da produtividade do trabalho. Esta produtividade, por sua vez, depende do grau de especialização, ou seja, do grau de divisão do trabalho atingido. Esta divisão depende ainda da extensão do mercado, o qual é normalmente limitado por todo tipo de obstáculos que se opõem ao comércio interno e externo da nação. A divisão do trabalho, para acontecer, devia resultar também de uma contínua acumulação de capital.34 Este aumento de capital deveria se processar em um regime de liberdade (principalmente sem intervencionismo estatal), e a sua causa imediata seria a poupança. Para Smith, quando o comércio provoca a expansão da divisão do trabalho, todos ganham, porque se beneficiam do aumento da produtividade. Ele via, na divisão do trabalho, a melhor cooperação entre os indivíduos, com vista a um bem comum. Propôs o câmbio livre, pois que somente este poderia conduzir ao desenvolvimento das forças produtivas. Era, igualmente, a favor de remover todas as limitações ao comércio interno.35 A ordem natural defendida pelos fisiocratas é entendida por ele de um modo racionalista; para ele, o equilíbrio do mercado é regulado por uma “mão invisível”, capaz de impedir os excessos de exploração econômica por parte das classes mais favorecidas, ciosas de seus privilégios e voltadas aos seus próprios interesses. Esta “mão invisível” faria com que a luta pelos interesses de cada um traria, ao final, benefícios a todos. Smith mostrou que havia um excedente, ou parte do produto do trabalho. Este excedente tomaria a forma de lucro e renda da terra. Antecipando-se de certa maneira a Karl Marx, ele chegou a demonstrar como ocorria uma apropriação deste excedente. Em oposição aos fisiocratas, afirma que todas as atividades capazes de produzir mercadoria, também produziam valor. Este valor pertencia, originalmente, ao trabalhador, quando este possuía os meios de subsistência e de produção (inclusive a terra). Quando perderam esta propriedade para os capitalistas e para os proprietários fundiários, puderam ter acesso a estes meios apenas em troca de uma parte do produto do trabalho (o qual seria exatamente o lucro). Entretanto, por lhe faltar uma melhor perspectiva histórica, Smith não desenvolveu a idéia, o que viria a ser feito futuramente por Marx. A renda da terra, por sua vez, decorria da diferença de custos de produção provocados pelas diferenças de fertilidade e de localização da mesma (terras férteis davam maior lucro do que terras menos férteis). 9 – A doutrina de Malthus Robert Malthus foi outro teórico da escola clássica. Basicamente, ele preocupava-se com a possibilidade de o crescimento populacional atingir um patamar de crescimento superior à capacidade de produção de alimentos. Em um estudo que realizou, chamado “Ensaio sobre a População”, ele reflete sobre alguns conceitos demográficos e suas conseqüências sobre a população. 34 Smith distinguia entre capitais circulantes (que hoje se chamam capital de giro), e capitais fixos, ou aquele usado para a aquisição de instrumental e maquinaria. 35 Que em sua época caracterizavam-se por regulamentações corporativas; vedação ao exercício de vários ofícios; proibição de migrações internas; etc. TÓPICOS DE HISTÓRIA ECONÔMICA GERAL ______________________________________________________________________ 32 Malthus percebera que existia um descompasso entre o crescimento da população e o aumento dos meios de subsistência. Fazendo uma análise científica, ele demonstrou que, enquanto o crescimento populacional se dava em proporção geométrica, o crescimento da produção de alimentos se dava apenas em proporção aritmética. Sendo assim, podia- se prever uma catástrofe, a qualquer momento.36 Entretanto, ele mostrou ainda que existiam dois tipos de óbices ao crescimento ilimitado da população: os repressivos e os preventivos. Os primeiros resultavam de fatos naturais (epidemias, doenças, etc.) ou provocados (guerras, conflitos, etc.). Os segundos resultariam de um controle espontâneo da natalidade, que entretanto se dava em menor escala, e que, para Malthus, deveria não somente ser colocado em prática, como também recomendado enfaticamente.37 10 – A Teoria da Renda de David Ricardo David Ricardo foi outro pensador vinculado à Escola Clássica. Foi bastante influenciado pela leitura da obra de Adam Smith,38 que dirigiu sua atenção para a economia política. Mas, ao contrário deste e de outros pensadores, Ricardo é menos acadêmico do que um filósofo prático, com extraordinário talento para os negócios, e com uma visão bastante abrangente a respeito do fenômeno econômico. Suas primeiras especulações dirigem-se para a moeda, e ele demonstra que o valor da moeda metálica deriva do trabalho para produzi-la; quanto à moeda fiduciária, ou moeda sem lastro, o seu valor depende da quantidade em circulação. Apontou a relação entre o comércio exterior e o valor desta moeda: se há excesso de moeda, os preços internos sobem, o que leva ao aumento de importação, que por sua vez acarreta déficit na balança comercial. Este déficit deverá ser coberto pela
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