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UFRRJ PROFLETRAS Angela Marina Bravin Variação e mudança linguística: o paradigma verbal do português brasileiro Um fenômeno linguístico é variável quando existem na língua duas ou mais de duas formas, consideradas variantes, com o mesmo valor de verdade. Trata-se, portanto, de competição entre formas, que não ocorrem com todas as regras, já que num sistema há também as categóricas. Ou seja: aquelas que se apresentam sempre da mesma maneira. No tocante às regras variáveis, pesquisas sociolinguísticas sobre o português brasileiro, em décadas de estudos, já identificaram inúmeros fenômenos nos diferentes níveis linguísticos. Paiva e Scherre (1999) 1 citam, por exemplo, a competição entre as diversas realizações do [S] pós-vocálico: [meyZum/meyzmu/meúmu/memo], no nível fonético-fonológico; quanto ao morfossintático, as autoras destacam a variação de concordância no sintagma nominal (os meninos/os menino; as portas abertas/as porta aberta), entre verbo e sujeito (Eles ganham dimais/Eles ganha dimais) e dos predicativos e particípios passivos com o sujeito (as coisas tão caras/as coisa tá cara; os meus filhos foram amamentados/os meus filhos foram alfabetizado) 2 . Em relação à modalidade escrita, são apontadas por Paiva e Scherre as alternativas de realização nula e plena do sujeito de 1 a ., 2 a . e 3 a . pessoas, como se verifica nos exemplos que destacamos para ilustrar a variação no uso da 3ª pessoa: (Acho que ele também tinha uma quedinha por mim, mas 0 não ousava sequer sair do sério. Ele é um cara muito legal não é?) . Enfim, quer na modalidade falada, quer na escrita, no registro culto ou popular, variação linguística consiste em “meios alternativos de dizer “a mesma coisa”3, estando disponíveis a todos os membros de uma comunidade de fala. A mudança linguística ocorre quando uma variante sai do sistema (cai em desuso) para dar lugar a outra. É o que ocorreu com algumas formas do paradigma verbal. . 1 PAIVA, M. da Conceição e SCHERRE, M.Marta Pereira. Retrospectiva Sociolinguística:Contribuições do PEUL. D.E.L.T.A vol.15. 1999. Disponível em HTTP://www.scielo.br/scielo.php. Acesso em 30/01/2013. 2 No texto de Paiva e Scherre, ver nota 1, aparecem as referências aos trabalhos de onde as autoras destacaram tais exemplos. 3 LUCCHESI, Dante.Sistema, mudança e linguagem: um percurso na história da linguística moderna. São Paulo:Párabola, 2004, p.201. Angela Bravin Paradigmas do português Paradigma histórico Pleno Veiculado nas gramáticas pedagógicas Paradigma em uso Reduzido Ainda não é descrito nas gramáticas pedagógicas Paradigma com simplificação acentuada Próprio a falantes não escolarizados, sobretudo de áreas não urbanas Eu canto canto Canto Tu cantas Você canta Você/tu canta Ele/ela canta canta Canta Nós cantamos nós cantamos/a gente canta a gente canta Vós cantais Vocês cantam vocês canta Eles cantam cantam Canta Cinco flexões três flexões Uma flexão LUCCHESI, Dante. As duas grandes vertentes da história sociolinguística do Brasil (1500- 2000). Revista Delta. Vol 17, 2001. Disponível em www.scielo.br/ acesso em 20/03/2013. O paradigma verbal no português de Helvécia – não há flexão: eu não cunhece ninguém. “O quadro de variação observado em Helvécia, relacionado com o dos demais dialetos populares, aponta, portanto, para um sistema anterior em que a deterioração do sistema flexional atinge o paradigma como um todo. Após essa drástica redução, se teria iniciado um processo de implementação da regra de concordância, a partir da primeira pessoa do singular.” LUCCHESI. Hipóteses: a simplificação do paradigma histórico está relacionada à entrada da segunda pessoa indireta no sistema pronominal- você- e à entrada da expressão a gente. MAS essas formas não entraram no sistema abruptamente. Houve um período de variação, por exemplo, em que vós competia com vocês e tu com você. Na verdade, um paradigma biunívoco competia com outro em que ocorre, até hoje, um sincretismo gramatical: Eu o Tu_______s Você________________ 0 Ele/ela______0 Ele/ela Nós______mos Vós_____is Vocês m Eles_____m Eles/elas “Pepa -Jurou de o procurar, ᶲ anda a buscallo E se acaso ᶲ o achar ᶲ ha de matallo. Tornou-se a falla ao corpo? Você treme? Tarelo – Que ᶲ dizes ?” “Revolução da terceira pessoa” Vossa mercê › você + 3ª pessoa Repercussões gramaticais: rearranjos na conjugação verbal (arcaização das formas verbais de segunda pessoa do plural; acréscimo de novos valores para as formas de terceira pessoa verbal.) Concordância verbal – relação entre verbo e sujeito concretizada por meio das flexões verbais de número-pessoal “No português padrão, um verbo deve concordar com seu sujeito, quer este esteja presente ou apagado, anteposto ou posposto...na língua escrita padrão e na fala normal das classes educadas, a regra de concordância é quase categórica.”4 Duas moças interessantes estudam na Faculdade Gama Filho. João saiu de casa 7 h. Ø Foi trabalhar. Vieram todos os alunos ao curso. Em casos de sujeito de mais de um núcleo pronominal: Você e eu - concorda com a 3ª pessoa plural: Você e eu iremos cuidar do caso imediatamente. Tu e ele - concorda com a 2ª pessoa plural: Tu e ele fizestes a declaração conforme as normas da casa. Algumas regras especiais Sujeito coletivo Se o coletivo estiver sozinho - verbo no singular: A multidão invadiu o palco. O pessoal chegou tarde. Se o coletivo estiver acompanhado de adjunto adnominal plural - verbo no plural: A multidão de fans invadiram o palco. Expressões partitivas Se a expressão estiver sozinha - verbo no singular: A maior parte ficou do lado de fora. 4 NARO, A.J. “The social and structural dimensions of a syntatic change, Language, 57, 1981. P.64. Se a expressão estiver acompanhada de adjunto adnominal plural - verbo no plural: A maior parte dos estudantes ficaram do lado de fora. A maior parte de suas poesias foram escritas durante o exilo. Segundo Viera 5 , essas regras especiais indicam que a Gramática normativa legitima a variabilidade que envolve a concordância verbal. Ainda de acordo com Vieira, a opção pela concordância ou não-concordância pode ser investigada pelo controle de diversos elementos linguísticos possivelmente condicionadores de uma ou outra preferência. Vejamos alguns: “a) a posição do sujeito em relação ao verbo: sujeitos pospostos favoreceriam a não-concordância (Chegou os menino (s)); b)a distância entre o núcleo do sintagma nominal sujeito e o verbo: quanto maior a distância entre esses dois constituintes, maior seria o cancelamento da regra de concordância verbal (Os livros, sobre a viagem dos navegantes do século XVI, já menciona o fato narrado.); c) o paralelismo no nível oracional: o menor número de marcas explícitas de plural no sujeito levaria à ausência de marcas de plural no verbo (Ao peixe nada velozmente.); d) a animacidade do sujeito: sujeitos de referência animada (peixe, homem), que funcionam em geral como agentes da oração, favoreceriam a realizaçãoda marca de plural no verbo, enquanto os de natureza inanimada (barco) não a favoreceriam; e) o paralelismo no nível discursivo: no caso de verbos em série discursiva, a ausência da marca de plural em um verbo levaria à ausência de marca de plural no verbo seguinte (os peixe pula, corre, nada sem parar.) f) a saliência fônica: as formas verbais mais perceptíveis, mais salientes, (como, por exemplo, cantou/cantaram ou é/são), seriam mais marcadas no plural do que as menos perceptíveis, menos salientes (como come/comem). Dois principais condicionamentos 5 VIEIRA, Sílvia R. Concordância verbal. In: VIEIRA, Sílvia R. e BRANDÃO, Sílvia F. Ensino de gramática. São Paulo:Contexto, 2007. Levando em consideração a saliência fônica, o professor Naro (UFRJ) e a professora Marta Scherre postularam uma escala para a regra de concordância: 1. Come/comem: a marca de plural é apenas a nasalização com a consequente ditongação; 2. Fala/falam: a marca de plural é a ditongação nasal; 3. Faz/fazem: a marca de plural é uma sílaba extra; 4. 4. Dá/dão; vai/vão: são formas monossilábicas marcadas no plural pelo ditongo nasal; 5. Comeu/comeram: no plural há o acréscimo do morfema [-ram] ao radical do verbo; 6. Falou/falaram; foi/foram: no plural, a vogal do tema verbal se altera de /o/ para /a/ e há o acréscimo do morfema [-ram]. 6 Assim: - saliência fônica < menor probabilidade de ocorrer flexão; + Saliência fônica > maior probabilidade de ocorrer concordância. Levando em conta a posição do sujeito em relação ao verbo: a) sujeito anteposto > maior probabilidade de ocorrer a flexão; b) sujeito posposto< menor probabilidade de ocorrer a flexão. 6 BORTONI-RICARDO, Stella Maris. Educação em língua materna. São Paulo: Parábola Editora. 2006. P.98.
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