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Linguagem Conhecimento Pensamento

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 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE BRASÍLIA /CICLO BÁSICO
PROFESSORA : REGINA CLÁUDIA COELHO NETTO 
TEXTO 06
Pensamento e linguagem
Leia, com atenção, o texto abaixo e responda ao que se pede: 
“No início do vigésimo terceiro mês”, diz D.R. Major, “a criança desenvolveu a
mania de dar nome às coisas, como se quisesse contar aos outros os seus nomes
ou nos chamar a atenção para as coisas que está examinando. Olha e aponta para um
objeto, ou toca-o com a mão, diz-lhe o nome olhando para os companheiros”. Tal atitude não seria compreensível não fora o fato de que o nome, no desenvolvimento mental da criança, exerce função de primeiríssima importância. [...]. Aprendendo a nomear as coisas, a criança não acrescenta simplesmente uma lista de sinais artificiais ao seu conhecimento anterior de objetos empíricos já prontos. Aprende, antes, a formar os conceitos destes objetos, a entrar em acordo com o mundo objetivo. Daí por diante, pisa terreno mais firme. Suas percepções vagas, incertas, flutuantes, e seus sentimentos confusos principiam a assumir nova forma. CASSIRER, Ernst. Antropologia filosófica, p.209-210.
INTRODUÇÃO 
Falar é uma atividade especificamente humana. E falar não se resume a pronunciar sons inarticulados: como mostra o texto acima, falar é nomear objetos, é formar conceitos, é articulá-los de forma coerente. Falar, é manifestar nosso pensamento sobre o mundo, tanto o nosso mundo subjetivo de sentimentos e desejos, como o mundo objetivo exterior a nós. E para que possamos falar, é necessário que façamos uso de uma linguagem estruturada que nos permita pensar e comunicar o pensamento, que seja um instrumento por meio do qual possamos estabelecer diálogos com nossos semelhantes e atribuir sentido à realidade que nos cerca.
A linguagem verbal – falada e escrita –, entretanto, não é a única linguagem usada pelo ser humano, no seu esforço de dar significados ao mundo. Por isso, primeiro vamos examinar as características da linguagem em geral, e como ela se estrutura, para depois discutirmos os vários tipos de linguagem criados pelo ser humano, inclusive a verbal.
Estruturação da linguagem
Toda linguagem é um sistema de signos. O signo é uma coisa que está em lugar de outra, sob algum aspecto�. Por exemplo, o gesto de levantar o braço e abanar a mão pode estar no lugar de um cumprimento ou de um adeus; ele é signo dessas duas coisas. Os números substituem as quantidades reais de objetos. Elefante está escrito aqui no lugar do animal.
Tipos de signo
Ora, se o signo está no lugar do objeto que ele representa, essa representação pode assumir aspectos variados, dependendo do tipo de relação que o signo mantém com o objeto representado.
Se a relação é de semelhança, temos um signo do tipo ícone. Exemplos: um desenho que tenha semelhança com o objeto representado; uma fotografia; uma palavra onomatopaica (cocorocó, bem-te-vi etc.).
Se a relação é de causa e efeito, uma relação que afeta a existência do objeto ou é por ela afetada, temos um signo do tipo índice. Exemplos: as nuvens são signos indiciais de chuva (são causa da chuva); o chão molhado também pode ser índice de chuva (é efeito da chuva); a fumaça ou o cheiro de queimado são signos indiciais de fogo; os sinais matemáticos (+, -, x e ÷), quando colocados ao lado de números, são signos indiciais das operações que devem ser efetuadas; a febre é signo que indica doença. Todos esses signos indicam, apontam para o objeto representado.
Se a relação é arbitrária, regida simplesmente por convenção, temos o símbolo, que discutiremos com mais detalhes no item 3 deste capítulo. As palavras são o melhor exemplo de símbolo, mas há muitos outros: a cor preta, nas culturas ocidentais, é símbolo de luto, pesar, enquanto o branco o é na China e no Japão; o branco é também símbolo de pureza em algumas culturas; o uso da aliança no dedo anular da mão esquerda simboliza a condição de casado. Esses signos são aceitos pela sociedade como representação dos objetos luto, pureza e casamento e só se mantêm por convenção, hábito ou tradição.
Podemos ver que só o ser humano é capaz de estabelecer signos arbitrários, regidos por convenções sociais. Por isso dizemos que o mundo humano é simbólico.
Os animais são capazes de entender apenas ícones e índices. O cachorro, por exemplo, utiliza o signo indicial cheiro. Ele é capaz de reconhecer o cheiro do dono numa roupa, num lugar. E o cheiro indica a presença do objeto (o dono) que ele procura. Ele reconhece, ainda, o tom de voz, as ações que indicam passeio, castigo ou a hora de comer.
O signo relaciona-se com o objeto de forma a dar origem em nossa mente a um segundo signo que explica o primeiro. Exemplificando: para explicar o signo casa a uma criança, podemos fazer um desenho. O desenho, nesse caso, é o segundo signo que interpreta o primeiro, pela semelhança com o objeto representado. Um sinônimo explica igualmente um signo: “casa” pode também ser interpretada por meio da palavra lar. Este segundo signo (lar) interpreta o primeiro em sentido bastante específico de “minha casa” ou “lugar onde moro e considero meu refúgio”. Essa explicação é diferente da oferecida pelo desenho, que se refere mais à arquitetura que à relação afetiva que mantemos com o lugar onde moramos.
Elementos da linguagem
Precisamente por ser um sistema de signos, toda linguagem possui um repertório, ou seja, uma relação dos signos que vão compô-la. Por exemplo, um dicionário da língua portuguesa relaciona signos que pertencem a essa língua. A linguagem musical tonal, para compor seu repertório, dentre todos os sons possíveis, seleciona alguns, denominados dó, ré, mi, fá, sol, La, si, acrescidos do sustenido ou do bemol (que são meios-tons).
Além do repertório, também é preciso que se estabeleçam as regras de combinação desses signos. Quais podemos usar juntos, quais não podemos? Continuando com os exemplos semânticos, não podemos combinar signos que tenham sentidos opostos: subir/descer, nascer/morrer etc. Não podemos dizer “Ele subiu descendo as escadas”, mas podemos dizer “Ele subiu correndo as escadas”.�
Como último passo, a linguagem deve estabelecer as regras de uso dos signos. Em que ocasiões devemos empregar Vossa Senhoria? Quando e como usar a cor preta como luto?
Só quando conhecemos o repertório de signos, as regras de combinação e as regras de uso desses signos é que podemos dizer que dominamos uma linguagem.
Tipos de linguagem
Apesar de, até este ponto, termos falado mais da linguagem verbal (línguas, como são conhecidas), há vários tipos de linguagem criados pelo ser humano, que vão das linguagens matemáticas, linguagens de computador, passam pelas línguas diversas, pelas linguagens artísticas (arquitetônica, musical, pictórica, escultórica, teatral, cinematográfica etc.) e chegam às linguagens gestuais, da moda, espaciais etc.
Será que todas essas linguagens se estruturam da mesma forma? Será que o repertório de signos e as regras de combinação e de uso desses signos são similares?
Logo à primeira vista, fica claro que algumas dessas linguagens têm estrutura mais flexível que outras.
Tomando a moda como exemplo de linguagem flexível, percebemos que, através dos tempos e com muito maior rapidez do que com as palavras e os sons de uma língua, é alterado o seu repertório de signos. Há signos que caem em desuso, como, por exemplo, o corpinho (anterior ao sutiã), e há outros que são introduzidos a cada nova estação, como o bustiê.
Quanto às regras de combinação, elas também são variáveis. Hoje é moda combinar calças compridas com vestidos ou túnicas retas, ou, ainda, usar blusas semelhantes, como camisetas de cores variadas, umas sobre as outras. Isso era inadmissível há algum tempo. Em relação ao uso, podemos dizer o mesmo: hoje, o jeans tem entrada franca em festas e até em casamentos, que já exigiram roupas bastante formais. Roupas que eram consideradas íntimas, como a combinação, passaram, no final do século XX,
a ser usadas como peça principal, à vista de todos.
A flexibilidade característica da linguagem da moda decorre do fato de que ela não se estabelece, como as línguas faladas, por meio de um processo de cristalização social. Ao contrário, ela é ditada por um pequeno grupo de costureiros, desenhistas e editores de moda que, por estarmos numa sociedade capitalista, incentivam mudanças que promovam maior consumo.
No outro pólo, podemos usar como exemplo as linguagens de computador (Java, C++, Visual Basic), que são altamente estruturadas e, portanto, bastante inflexíveis. Essas linguagens têm um número limitado de signos e de regras de combinação, e o computador só responderá dentro dos limites da sua linguagem. Por exemplo, se ao digitar uma instrução como copy (“copie”) errarmos na ortografia e escrevermos copi, o computador não reconhecerá esse signo. Ou, quando erramos uma letra de um endereço eletrônico, o e-mail nos é devolvido.
As linguagens artísticas constituem um meio-termo. Se, por um lado, respeitam a especificidade de cada campo artístico, por outro tendem a explorar esse campo e as possibilidades de cada linguagem até seu limite máximo. E é exatamente a essas explorações que devemos o desenvolvimento e a criação de novos estilos e novas técnicas. Por exemplo, na exposição A cor como linguagem (MASP, 1975), na qual estavam representadas várias tendências da pintura contemporânea que utilizam a cor, e não o desenho, como linguagem específica da pintura, surpreendemo-nos ao deparar com uma tela totalmente branca. À primeira vista, parecia uma tela em branco, antes de ser pintada. Prestando mais atenção, percebemos que ela havia sido pintada de branco. Desconcertados, nos perguntamos o que aquilo poderia significar dentro daquela exposição. O que significa o branco em termos de cor? Significa a impressão produzida nos órgãos visuais pelos raios da luz não-decomposta. O branco é anterior às outras cores e contém a possibilidade de todas elas. A tela branca, portando, dentro da proposta da cor como linguagem, significava, representava exatamente essa possibilidade de todas as cores. No caso, o artista levou ao limite extremo a experimentação da cor como linguagem.
A linguagem verbal
Considerando o ser humano um ser que fala e a palavra a senha de entrada no mundo humano�, vamos examinar em maior profundidade o que vem a ser a linguagem verbal.
A linguagem é um sistema simbólico. O ser humano é o único animal capaz de criar símbolos, isto é, signos arbitrários em relação ao objeto que representam e, por isso mesmo, convencionais, ou seja, dependentes de aceitação social. Tomemos, por exemplo, a palavra casa. Não há no seu som nem na sua forma escrita que nos remeta ao objeto por ela representado (cada casa que, concretamente, existe em nossas ruas). Designar esse objeto pela palavra casa, então é m ato arbitrário. A partir do momento em que não há relação alguma entre o signo casa e o objeto por ele representado, necessitamos de uma convenção, aceita pela sociedade, de que aquele signo representa aquele objeto. Só a partir dessa aceitação poderemos nos comunicar, sabendo que, ao usarmos a palavra casa, nosso interlocutor entenderá o que queremos dizer. A linguagem, portanto, é um sistema de representações aceitas por um grupo social, que possibilita a comunicação entre os integrantes desse mesmo grupo.
Entretanto, na medida em que esse laço entre representação e objeto representado é arbitrário, ele é, necessariamente, uma construção da razão, isto é, uma convenção do sujeito para poder se aproximar da realidade. A linguagem, portanto, é produto da razão e só pode existir onde há racionalidade.
A linguagem é um dos principais instrumentos na formação do mundo cultural porque nos permite transcender a nossa experiência. No momento em que damos nome a qualquer objeto da natureza, nós o individuamos, o diferenciamos do resto que o cerca; ele passa a existir para a nossa consciência. Com esse simples ato de nomear, distanciamo-nos da inteligência concreta animal, limitada ao aqui e agora e entramos no mundo do simbólico. O nome é símbolo dos objetos que existem no mundo natural e das entidades abstratas, que só têm existência no nosso pensamento (por exemplo, ações, estados ou qualidades, como tristeza, beleza, liberdade).
O nome tem a capacidade de tornar presente para a nossa consciência o objeto que está longe de nós.
O nome, ou a palavra, retém na nossa memória, enquanto idéia, aquilo que já não está ao alcance dos nossos sentidos: o cheiro do mar, o perfume do jasmim numa noite de verão, o toque da mão da pessoa amada, o som da voz do pai, o rosto de m amigo querido. O simples pronunciar de uma palavra representa, isto é, torna presente à nossa consciência o objeto a que ela se refere. Não precisamos mais da existência física das coisas: criamos, por meio da linguagem, um mundo estável de idéias que nos permite lembrar o que já foi e projetar o que será. Assim é instaurada a temporalidade no existir humano. Pela linguagem, ser humano deixa de reagir somente ao presente, ao imediato; passa a poder pensar o passado e o futuro e, com isso, a construir o seu projeto de vida.
Por transcender a situação concreta, o fluir contínuo da vida, o mundo criado pela linguagem se apresenta mais estável e sofre mudanças mais lentas do que o mundo natural. Pelas palavras, podemos transmitir o conhecimento acumulado por uma pessoa ou sociedade. Podemos passar adiante esta construção da razão que se chama cultura.
Linguagem, pensamento e cultura
Assim como existem diversos tipos de linguagem, existem diversos tipos de pensamento. Há o pensamento concreto, que se forma a partir da percepção, ou seja, da representação de objetos reais, e é imediato, sensível e intuitivo; e o pensamento abstrato, que estabelece relações (não-perceptíveis), que cria os conceitos e as noções gerais e abstratas, é mediato (precisa da mediação da linguagem) e racional. Por exemplo, percebemos algumas laranjas sobre a fruteira, num espaço dado, numa determinada disposição, cor e odor. Essa percepção, portanto, é concreta, sensível (as laranjas estão ali), imediata (dispensa raciocínio) e individual (é daquelas laranjas).
Já quando o matemático soma 4 + 4, ele está lidando com uma noção geral de quantidade. Não encontramos o número 4 na natureza. Encontramos uma certa quantidade de laranjas, abacates, meninos etc. representados abstratamente pelos números, que são construção da nossa razão (ver Capítulo 10 – Teoria do conhecimento).
Para cada tipo de pensamento há um tipo de linguagem adequado. Vejamos.
Para o pensamento abstrato e conceitual, que se afasta do sensível, do individual, a língua se apresenta como condição necessária, por ser um sistema de signos simbólicos que, como já dissemos, nos permite transcender o dado vivido e construir um mundo de idéias.
Ora, cada língua possui uma estruturação própria em termos de repertório, de regras de combinação e de uso. Isso quer dizer que cada língua organiza a realidade de modo diferente de outra, pois estabelece repertório e regras diferentes.
Exemplo clássico é a língua esquimó, que tem seis nomes diferentes para designar vários estados da neve. Em português, temos apenas a palavra neve. Outras alternativas não são previstas na língua portuguesa. O importante, entretanto, não é o fato de uma língua ter maior número de palavras para “recortar”� a realidade, mas saber que a existência dessas palavras leva à percepção da realidade de modo diferente. O esquimó percebe os diferentes estados da neve, e nós percebemos somente se há neve ou não.
Outros tipos de linguagem, entretanto, em especial as linguagens artísticas, são mais adequados ao pensamento concreto, como veremos na Unidade VI – Estética, quando tratarmos da arte como forma de pensamento e conhecimento. O pintor, por exemplo, está mais ligado ao mundo visual das cores e formas do que ao mundo abstrato dos conceitos. Podemos adiantar que, na medida em que as linguagens artísticas
são mais flexíveis que as línguas, elas necessariamente se estruturam e se reestruturam em função de projetos específicos. Quando a pintura tinha por função retratar ou imitar a realidade, vimos surgir a linguagem do figurativismo realista, que utiliza recursos variados, como a perspectiva, para criar a ilusão de profundidade. Quando a máquina fotográfica foi inventada e passou a dar conta dessa retratação da realidade de forma mais eficiente e rápida, a pintura precisou encontrar outra função e, conseqüentemente, outra linguagem.
Além do pensamento, a linguagem também mantém estreita relação com a cultura. Se, por um lado, as várias linguagens fixam e passam adiante os produtos do pensamento sob a forma de ciência, técnicas e artes, elas também sofrem a influência das modificações culturais. Nas línguas há modificações de repertório e semânticas a partir das novas descobertas e do desenvolvimento da técnica. Nas artes, as reestruturações da linguagem respondem a mudanças de valores, de anseios e de buscas no seio da cultura de cada sociedade.
Conclusão
A partir desse estudo da linguagem, vemos que ela é um produto bastante sofisticado que só a razão humana pode criar. Por isso, sua aquisição é um marco referencial da humanidade. A linguagem é simbólica, estruturada, adequada à cultura dentro da qual se desenvolve, adequada ao tipo de pensamento que vai comunicar/expressar; permite que o ser humano vá além do mundo vivido, do presente, para o mundo das idéias, da reflexão; permite que ele ultrapasse a sua realidade de vida e entre no mundo das possibilidades. Que exerça, enfim, a atividade produtiva de criar sentidos para o mundo e para sua própria vida.
LEITURAS COMPLEMENTARES
I
Linguagem e comunicação efetiva [distinção entre compreensão do signo e a compreensão da intenção daquele que usa o signo]
A compreensão dos signos, a compreensão da linguagem, é a base da comunicação. Para compreender um signo temos de percebê-lo e ao mesmo tempo experimentar um ato psíquico [...].
Examinemos um exemplo tomado a Martinak: o filhinho do chefe da estação, que freqüentemente observa o pai, vai para os trilhos, agita a bandeira vermelha e assim faz parar o trem que vem chegando. O maquinista compreendeu o signo mas não compreendeu a intenção de quem o usou. Porquanto a criança não agitara a bandeira para fazer parar o trem pois nem suspeitava as conseqüências do seu ato.
[...]
A distinção entre a compreensão do signo e a compreensão da intenção daquele que usa o signo deixa de ser trivial quando se chega à análise da diferença entre compreensão da intenção de certos termos ambíguos ou vagos e compreensão da intenção do autor desses termos. [Já que termos ambíguos ou vagos não têm definição precisa e admitem várias interpretações.] [...]
Problema mais complicado consiste em discutir entre a compreensão da significação de expressões e a recognição de convicções ligadas a essas expressões. Em outras palavras, trata-se aqui e uma distinção entre comunicação no sentido de transmissão de significações de expressões e comunicação no sentido de transmissão de convicções. Se, em contradistinção com mal-entendidos, concordamos em que esta comunicação é um processo de produção de signos, por uma parte, e de percepção desses signos, pela outra parte, acompanhado pela mesma compreensão desses signos por ambas as partes, então comunicação efetiva consiste nesse processo, desde que, além disso, a mesma compreensão dos signos seja acompanhada pelas mesmas convicções. Quando dois homens que se perderam na floresta discutem qual o caminho a seguir, para encontrar a saída, e quando afinal um deles diz: “Agora vamos virar à direita porque de acordo com o mapa é o único caminho para chegar a N”, o comentário: “Agora eles compreendem” (ou, mais restritamente, conquanto mais artificial: “Agora se estabeleceu a comunicação entre eles”) pode ser tomado quer no sentido de que ambos interpretaram do mesmo modo a significação da declaração de que devem virar à direita (pois poderia não haver compreensão, se um deles tivesse pouco conhecimento da língua do companheiro), quer no sentido de que haviam concordado quanto à escolha do caminho a tomar. De conformidade com a terminologia sugerida, este segundo caso se chama comunicação efetiva. Para estabelecer comunicação efetiva, cumpre, primeiro, estabelecer comunicação no sentido de idêntica compreensão da significação das expressões.
SCHAFF, Adam. Introdução à semântica.
Rio de Janeiro, Civilização Brasileira. 1968. p. 344-346.
II
O nascimento de uma linguagem
Esses caçadores de imagens colocavam suas câmaras fixas num determinado lugar e “registravam” o que estava na frente. Também quando teve início a ficção, a câmara ficava fixa e registrava a cena. Acabada a cena, seguia-se outra. O filme era uma sucessão de “quadros”, entrecortados por letreiros que apresentavam diálogos e davam outras informações que a tosca linguagem cinematográfica não conseguia fornecer. A relação entre a tela e o espectador era a mesma que no teatro. A câmara filmava uma cena como se ela estivesse ocupando uma poltrona na platéia de um teatro. Aos poucos, a linguagem cinematográfica foi-se construindo e é provavelmente aos cineastas americanos que se deve a maior contribuição para a formação desta linguagem cujas bases foram lançadas até mais ou menos 1915. Uma linguagem, evidentemente, não se desenvolve em abstrato, mas em função de um projeto. O projeto, mesmo que implícito, era contar estórias. O cinema tornava-se como que o herdeiro do folhetim do século XIX, que abastecia amplas camadas de leitores, e estava-se preparando para se tornar o grande contador de estórias da primeira metade do século XX. A linguagem desenvolveu-se, portanto, para tornar o cinema apto a contar estórias; outras opções teriam sido possíveis, que o cinema desenvolvesse uma linguagem científica ou ensaística, mas foi a linguagem da ficção que predominou.
Os passos fundamentais para a elaboração dessa linguagem foram a criação de estruturas narrativas e a relação com o espaço. Inicialmente o cinema só conseguir dizer: acontece isto (primeiro quadro), e depois: acontece aquilo (segundo quadro), assim por diante. Um salto qualitativo é dado quando o cinema deixa de relatar cenas que se sucedem no tempo e consegue dizer “enquanto isso”. Por exemplo, uma perseguição: vêem-se alternadamente o perseguidor e o perseguido; sabemos que, enquanto vemos o perseguido, o perseguidor que não vemos continua a correr, e vice-versa. Óbvio, para hoje. Na época, a elaboração de uma estrutura narrativa como esta era uma conquista nada óbvia. Num dos primeiros filmes de Méliès, vemos uma estrada, uma casa, um carro; o carro se desgoverna e atravessa a parede da casa. No quadro seguinte, vemos uma sala de jantar, uma família almoçando tranqüilamente; de repente, o carro irrompe na sala pela parede. É o mesmo acidente que já tínhamos visto de fora no quadro anterior algum tempo antes. Como se o filme tivesse recuado no tempo. Hoje, organizar-se-ia a narração colocando o exterior: a estrada, a casa, o carro andando; o interior: a família almoçando; voltar-se-ia ao exterior: o início do acidente, o carro entra na parede; ao interior: fim do acidente, o carro acaba de entrar na sala. De forma a ter um acidente que ocorra num momento único, visto de fora e de dentro. Mas foi necessário criar esta linguagem aos poucos.
BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo, 
Brasiliense, 1983.p.32-34.
 ATIVIDADES
Questões de interpretação e problematização
Leia a citação de Cassirer que inicia este capítulo e explique por que a aquisição da linguagem é um momento importante do desenvolvimento infantil.
Observe a linguagem usada pelos bandeirinhas e pelo juiz em um jogo de futebol e tente analisar os tipos de signos usados e os elementos dessa linguagem.
Explique e comente o seguinte texto: “cada língua organiza a realidade de modo diferente de outra, pois estabelece repertório e regras
diferentes”.
Explique a seguinte afirmação de Edward Lopes: “... as línguas naturais não são nem um decalque nem uma rotulação da realidade; elas delimitam aspectos de experiências vividas por cada povo, e estas experiências, como as línguas, não coincidem, necessariamente, de uma região para a outra”.
Questões sobre as leituras complementares
A partir da leitura complementar I, responda às perguntas de 7 a 9.
O que o autor entende por “comunicação efetiva”?
Explique por que o filho do chefe da estação não compreendeu o signo “agitar a bandeira vermelha”.
Levante exemplos, no seu cotidiano, de não-compreensão de signos e discuta as razões que levam ao mau entendimento deles.
A partir da leitura complementar II, resolva as questões 10 e 11.
Pense nos filmes a que você assiste, mesmo os seriados de televisão, e tente descobrir que recursos o cinema usa para contar uma história.
Um documentário conta uma história? Quais as diferenças de linguagem que apresenta quando comparado a um filme de ficção? E um videoclipe?
ARANHA, M.L. de A.; MARTINS, M.H.P. Filosofando: introdução à Filosofia.São Paulo: Moderna, 2004.
� PEIRCE, Charles S. Semiótica. São Paulo, Perspectiva, 1977.p.46.
� Na fala popular brasileira contemporânea, porém, vem sendo utilizada uma expressão criado por Truman, ex-presidente norte4-americano: “Inclua-me fora disso”, que é um franco desrespeito a essa regra semântica.
� GUSDORF, Georges. A fala. Porto. Despertar, s.d. p.7-8 (Coleção Humanitas)
� A linguagem elege determinadas partes da realidade para nomear. Nesse sentido, ela “recorta” a realidade.
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