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MICROMORFOLOGIA BASES PARA DESCRIÇÃO DE LÂMINAS DELGADAS 2ª Edição SELMA SIMÕES DE CASTRO UNICAMP – IG – DGEO UFG – IESA D E S O LO S CAMPINAS / GOIÂNIA FEVEREIRO DE 2008 SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. I APRESENTAÇÃO Este texto foi especialmente concebido para auxiliar pessoas que estejam iniciando análises microscópicas de amostras de solos em lâminas delgadas, técnicas essas conhecidas no âmbito da Pedologia como Micromorfologia de Solos. Organizado a partir da compilação de trabalhos de referência internacionalmente consagrados e, em sua maioria, publicados na segunda metade do século XX, o presente trabalho pretende oferecer aos leitores os conceitos, fundamentos e procedimentos descritivos relacionados a essa técnica de estudo, adaptados à língua portuguesa praticada no Brasil. Elaborado na forma de apostila, destina-se especialmente a auxiliar alunos de cursos de graduação, pós-graduação ou especialização de diversas instituições de ensino e pesquisa, direta ou indiretamente ligadas às Ciências da Terra e do Solo. Na verdade, ele corresponde a uma edição atualizada, ampliada e inteiramente revista de uma primeira versão intitulada “Micromorfologia de Solos: pequeno guia para a descrição de lâminas delgadas”, também de nossa autoria e datada de 1989. Nesta oportunidade, visando atender à implementação de disciplinas eletivas intituladas “Fundamentos de Micromorfologia de Solos”, foi com imenso prazer que nos dispusemos à reedição deste material, enriquecido ainda pela experiência e acervo acumulados no transcurso desses treze anos. Tal iniciativa foi viabilizada por meio do convênio firmado entre o Instituto de Estudos Sócio- Ambientais da Universidade Federal de Goiás – UFG e o Instituto de Geociências da Universidade Estadual de Campinas – UNICAMP, além do apoio financeiro da Fundação de Amparo à Pesquisa da UFG – FUNAPE. Cabe ainda um agradecimento especial ao bacharelando em Geografia da UNICAMP, Paulo S. Monteiro da Costa, sem o qual esta edição não teria sido possível neste momento. Com esmerada atenção e infindável paciência, ele SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. II procedeu a uma inteira revisão do texto, das ilustrações e da diagramação, que tornaram o trabalho mais organizado e melhor apresentado. Por fim, nossa expectativa é a de continuar contribuindo para a divulgação dessa técnica de pesquisa, extremamente útil na busca da compreensão das interações e processos que se desenvolvem no interior dos solos. Selma Simões de Castro setembro de 2002. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. III SUMÁRIO APRESENTAÇÃO .................................................................................................................... I SUMÁRIO ............................................................................................................................. III SUMÁRIO DE ANEXOS, FIGURAS E QUADROS ......................................................................V 1. Anexos........................................................................................................................... V 2. Figuras........................................................................................................................... V 3. Quadros........................................................................................................................ VI INTRODUÇÃO ........................................................................................................................1 PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E APLICAÇÕES DA MICROMORFOLOGIA DE SOLOS........................3 4. Princípios básicos.........................................................................................................3 5. Objetivos ........................................................................................................................7 6. Aplicações......................................................................................................................9 CONCEITOS BÁSICOS DAS ORGANIZAÇÕES MICROMORFOLÓGICAS........................................11 7. Atributos, unidades de organização e componentes ..............................................11 7.1. TEXTURA..................................................................................................................13 7.2. CRISTALINIDADE .......................................................................................................13 7.3. ESTRUTURA..............................................................................................................13 7.4. PEDALIDADE.............................................................................................................14 7.5. AGREGADO...............................................................................................................14 7.6. TRAMA .....................................................................................................................15 7.7. FUNDO MATRICIAL.....................................................................................................15 7.7.1. Poros ...............................................................................................................15 7.7.2. Esqueleto.........................................................................................................16 7.7.3. Plasma.............................................................................................................16 7.8. FEIÇÕES PEDOLÓGICAS ............................................................................................16 7.8.1. Cutãs ...............................................................................................................17 7.8.2. Pedotúbulos.....................................................................................................18 7.8.3. Glébulas...........................................................................................................18 7.8.4. Cristalárias.......................................................................................................18 7.8.5. Excrementos....................................................................................................19 8. Hierarquia e cronologia das organizações ...............................................................19 8.1. HIERARQUIA .............................................................................................................19 8.2. CRONOLOGIA............................................................................................................20 AMOSTRAGEM, IMPREGNAÇÃO E PREPARAÇÃO DAS LÂMINAS ..........................................21 9. Recomendações, critérios e técnicas........................................................................21 9.1. AMOSTRAGEM, COLETA E MANUSEIO .........................................................................21 9.1.1. Planos de amostragem....................................................................................21 9.1.2. Coleta das amostras........................................................................................26 9.2. IMPREGNAÇÃO E PREPARAÇÃO DAS LÂMINAS .............................................................29 9.2.1. Impregnação....................................................................................................29 9.2.2. Preparação das lâminas ..................................................................................33SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. IV PREPARAÇÃO PARA DESCRIÇÃO MICROMORFOLÓGICA........................................................36 10. Recomendações, critérios, técnicas e equipamentos ...........................................36 10.1. RECOMENDAÇÕES PRÉVIAS.....................................................................................36 10.2. EXAME POR MICROSCOPIA ÓPTICA...........................................................................37 10.2.1. Observação geral ..........................................................................................37 10.2.2. Microscopia óptica de detalhe .......................................................................37 10.3. EXAME POR ULTRAMICROSCOPIA E/OU POR MICROSSONDAGEM................................39 10.3.1. Critérios para adoção e requisitos prévios ....................................................39 10.3.2. Exame por ultramicroscopia ..........................................................................42 10.3.3. Exame por microssondagem (análise química pontual) ................................43 DESCRIÇÃO E CLASSIFICAÇÃO MICROMORFOLÓGICA .........................................................45 11. Atributos e unidades de organização......................................................................45 11.1. CRITÉRIOS GERAIS..................................................................................................45 11.1.1. Grau de seleção ............................................................................................45 11.1.2. Dimensão.......................................................................................................46 11.1.3. Freqüência.....................................................................................................46 11.1.4. Variabilidade ..................................................................................................46 11.1.5. Cor .................................................................................................................48 11.1.6. Contraste e nitidez.........................................................................................48 11.1.7. Forma ............................................................................................................50 11.1.8. Distribuição ....................................................................................................55 11.1.9. Orientação .....................................................................................................57 11.2. TEXTURA................................................................................................................58 11.3. ESTRUTURA............................................................................................................58 11.4. PEDALIDADE ...........................................................................................................59 11.4.1. Grau de desenvolvimento..............................................................................59 11.4.2. Grau de acomodação ....................................................................................60 11.5. AGREGADO.............................................................................................................61 11.6. TRAMA ...................................................................................................................61 11.7. FUNDO MATRICIAL...................................................................................................64 11.7.1. Poros .............................................................................................................65 11.7.2. Esqueleto.......................................................................................................70 11.7.3. Plasma...........................................................................................................72 11.8. FEIÇÕES PEDOLÓGICAS ..........................................................................................84 11.8.1. Cutãs .............................................................................................................89 11.8.2. Subcutãs......................................................................................................101 11.8.3. Pedotúbulos.................................................................................................104 11.8.4. Glébulas.......................................................................................................109 11.8.5. Cristalárias...................................................................................................119 11.8.6. Excrementos................................................................................................121 ORGANIZAÇÃO E APRESENTAÇÃO DOS DADOS..................................................................123 ANEXOS............................................................................................................................125 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ........................................................................................132 BIBLIOGRAFIA RECOMENDADA..........................................................................................134 SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. V SUMÁRIO DE ANEXOS, FIGURAS E QUADROS 1. Anexos Anexo 1: Avaliação visual de porcentagens de constituintes ...................................... 126 Anexo 2: Correspondência da escala Munsell em português ...................................... 127 Anexo 3: Grau de arredondamento, esfericidade e rugosidade .................................. 129 Anexo 4: Diagrama triangular de classes texturais ...................................................... 130 Anexo 5: Principais tipos de microestrutura ................................................................. 131 2. Figuras Figura 1: Modelo hipotético de perfil de solo .................................................................. 5 Figura 2: Esquema dos níveis de organização pedológica ............................................. 6 Figura 3: Níveis hierárquicos de estrutura morfológica ................................................. 12 Figura 4: Esquema de amostragem para perfis de solo ............................................... 23 Figura 5: Esquema de amostragem para feições pedológicas em bandas onduladas.. 24 Figura 6: Coleta de amostras de solo para micromorfologia ........................................ 27 Figura 7: Impregnação e lâminas para micromorfologia ............................................... 32 Figura 8: Tamanhos de lâminas para micromorfologia ................................................. 35 Figura 9: Classes de forma segundo a razão entre eixos ortogonais ........................... 51 Figura 10: Formas típicas agrupadas por classe de forma ............................................. 52 Figura 11: Rugosidade superficial ................................................................................... 54 Figura 12: Tipos de distribuição ...................................................................................... 56 Figura 13: Graus de desenvolvimento dos agregados .................................................... 60 Figura 14: Graus de acomodação dos agregados ........................................................... 60 Figura 15: Exemplos de fotomicrografias de tramas ........................................................ 63 Figura 16: Exemplos de fotomicrografias de tramas transicionais e detalhes ................. 64 Figura 17: Classificação morfológica de poros ................................................................67 Figura 18: Esquema das estruturas cristalinas argilosas ................................................. 75 Figura 19: Orientação referida do plasma ........................................................................ 79 Figura 20: Orientação relativa do plasma ........................................................................ 81 SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. VI Figura 21: Tramas birrefringentes do plasma .................................................................. 83 Figura 22: Gêneros de feições pedológicas ..................................................................... 85 Figura 23: Tipos de cutãs segundo sua natureza (a) ....................................................... 89 Figura 24: Tipos de cutãs segundo sua natureza (b) ....................................................... 91 Figura 25: Distribuição relativa de cutãs por justaposição ............................................... 93 Figura 26: Extinções típicas em cutãs argilosos .............................................................. 94 Figura 27: Orientação de base de feições texturais (laminação) ..................................... 95 Figura 28: Aspectos da laminação de cutãs .................................................................... 96 Figura 29: Exemplos de fotomicrografias de cutãs (a) ................................................... 100 Figura 30: Exemplos de fotomicrografias de cutãs (b) ................................................... 101 Figura 31: Hipocutãs e quasicutãs comparados a cutãs ............................................... 103 Figura 32: Tipos de preenchimento (pedotúbulos) ........................................................ 105 Figura 33: Tipos de pedotúbulos .................................................................................... 106 Figura 34: Exemplos de fotomicrografias de pedotúbulos ............................................. 108 Figura 35: Formas externas de nódulos (glébulas) ........................................................ 111 Figura 36: Tipos de glébulas .......................................................................................... 113 Figura 37: Tipos de nódulos (glébulas) .......................................................................... 115 Figura 38: Exemplos de fotomicrografias de glébulas ................................................... 116 Anexo 1: Avaliação visual de porcentagens de constituintes ...................................... 126 Anexo 3: Grau de arredondamento, esfericidade e rugosidade .................................. 129 Anexo 4: Diagrama triangular de classes texturais ...................................................... 130 3. Quadros Quadro 1: Níveis de organização pedológica .................................................................. 5 Quadro 2: Transformação das rochas em alteritas e solos ............................................. 8 Quadro 3: Atributos, unidades de organização e constituintes ...................................... 11 Quadro 4: Exemplo de registro de coleta ....................................................................... 28 Quadro 5: Comparação entre tipos de microscópio e microssonda .............................. 40 Quadro 6: Comparação das microscopias integradas ................................................... 41 Quadro 7: Grau de seleção, dimensão, freqüência e variabilidade ............................... 47 Quadro 8: Cor, contraste e nitidez ................................................................................. 49 Quadro 9: Graus de arredondamento ............................................................................ 54 Quadro 10: Graus e tipos de orientação .......................................................................... 57 Quadro 11: Classes de tamanho dos agregados ............................................................. 61 Quadro 12: Correspondência entre classificações de tramas ......................................... 62 Quadro 13: Classificação dimensional de poros .............................................................. 65 SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. VII Quadro 14: Critério de distinção entre canais e poros planares ...................................... 68 Quadro 15: Classes de alisamento das paredes de poros .............................................. 68 Quadro 16: Classes genéticas de poros .......................................................................... 69 Quadro 17: Características genético-evolutivas do esqueleto ......................................... 71 Quadro 18: Organização funcional entre esqueleto e plasma ......................................... 72 Quadro 19: Modos de associação dos minerais de argila ............................................... 74 Quadro 20: Propriedades ópticas das estruturas plásmicas ............................................ 76 Quadro 21: Tipos genéticos mais comuns de plasma ..................................................... 77 Quadro 22: Orientação de base do plasma ..................................................................... 78 Quadro 23: Classificação de feições pedológicas (a) ...................................................... 87 Quadro 24: Classificação de feições pedológicas (b) ...................................................... 88 Quadro 25: Classes texturais de cutãs ............................................................................ 92 Quadro 26: Freqüência de feições texturais .................................................................... 93 Quadro 27: Tipos genéticos de cutãs .............................................................................. 98 Quadro 28: Formas externas de glébulas ...................................................................... 110 Anexo 2: Correspondência da escala Munsell em português .................................... 127 Anexo 5: Principais tipos de microestrutura ............................................................... 131 SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 1 INTRODUÇÃO A micromorfologia de solos é também conhecida como micropedologia, aliás, título da obra pioneira de KUBIENA (1938) que, historicamente, é considerado o precursor da observação de lâminas delgadas nos estudos pedológicos. BREWER publicou em 1964, com reedição em 1976, uma nova obra intitulada “Fabric and mineral analysis of soils”. A partir de então, tal técnica de observação passou a difundir-se mais e mais, ganhando impulso aproximadamente entre 1975 e 1985, quando vêm somar-se a elas os trabalhos de FITZPATRICK (1980) e a compilação elaborada por BULLOCK et al (1985), tornando-se obras de referência em todo o mundo. Esta última representou também um grande esforço de sistematização dos conceitos, vindo a esgotar-se rapidamente e permanecendo até o presente sem ser reeditada. Em todo esse período, numerosos pesquisadores contribuíram com estudos específicos sobre determinadas organizações pedológicas, onde a microscopia foi imprescindível para demonstrar os processos pedogenéticos envolvidos. Paralelamente, ocorriam eventos e publicações decorrentes, organizados por grupos e comissões internacionais de estudo e sistematização. Tais encontros, iniciados em 1962 e documentados pelos respectivos anais (proceedings), mostram, por um lado, a evolução dos conceitos e revelam, por outro, uma crescente sofisticação dos equipamentos eletrônicos1 disponibilizados eutilizados como valioso apoio à microscopia óptica. Outros pesquisadores da Alemanha, Espanha, Canadá, etc, mereceriam ser lembrados pela importância na difusão da técnica e na geração de conhecimento, mas são inúmeros. No Brasil merece destaque PERECIN (1973), que embora não tendo realizado uma publicação de caráter geral como aqueles autores, contribuiu significativamente para o desenvolvimento e difusão dessa técnica de observação em nosso país durante os anos 1970. 1 Microscópio Eletrônico de Varredura, Microscópio Eletrônico de Transmissão e Microssonda. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 2 Vindos da França para o Brasil, CHAUVEL e DELVIGNE deixaram inestimável contribuição na década de 1980, ministrando cursos, proporcionando estágios e publicando apostilas em português, servindo a muitos, muitas vezes. A repercussão do uso da análise microscópica dos solos e as dificuldades de compreensão da terminologia e dos conceitos envolvidos em diversas línguas levaram STOOPS (1986) a publicar uma tradução multilíngüe da terminologia utilizada por BULLOCK et al (1985), a partir do inglês.2 Na mesma ocasião, sob a coordenação de CURI (1985), a SBCS3 publicou a Terminologia de Micromorfologia do Solo. Durante o XXVIII Congresso Brasileiro de Ciência do Solo em Campinas, realizado em 1987, e pela primeira vez no Brasil, pesquisadores que trabalhavam com essa técnica reuniram-se no intuito de debater idéias, terminando por propor a organização de um glossário ilustrado sobre o assunto, trabalho esse lamentavelmente não concluído até o momento. Em 1996, durante o XIII Congresso Latino-Americano de Ciências do Solo em Águas de Lindóia (SP), CASTRO organizou uma mesa redonda para fazer uma espécie de balanço do uso dessa técnica. Ainda durante o evento, a autora apresentou um trabalho ressaltando algumas das contribuições significativas na utilização da micromorfologia em estudos de gênese, comportamento e funcionamento de solos no Brasil, incluindo suas aplicações. Apesar dos esforços empreendidos até o momento, é preciso reconhecer que ainda há muito a fazer para o desenvolvimento pleno deste campo de estudo no Brasil. 2 O vocabulário é apresentado em inglês, holandês, francês, alemão, português (de Portugal), espanhol e russo. 3 SBCS: Sociedade Brasileira de Ciência do Solo. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 3 PRINCÍPIOS, OBJETIVOS E APLICAÇÕES DA MICROMORFOLOGIA DE SOLOS 4. Princípios básicos A análise microscópica dos solos corresponde a uma técnica de observação morfológica em escala micrométrica. Tal técnica requer amostras de material pedológico adequadamente coletadas, previamente impregnadas com resinas, finamente cortadas e coladas em lâminas delgadas similares às petrográficas, podendo ser produzidas também em tamanho médio ou “mamute”. Os materiais assim preparados são observados como auxílio de lupas e microscópios ópticos polarizadores do tipo usado em Petrografia, ambos preferencialmente binoculares, podendo ainda ser submetidos à microscopia eletrônica e microanálise após tratamentos adequados, desde que as lâminas não estejam recobertas por lamínulas, ou que estas possam ser facilmente removidas. Como técnica de análise microscópica, os constituintes sólidos são identificados por suas propriedades ópticas, admitindo-se também o uso de reagentes auxiliares na sua observação. Trata-se de uma técnica de observação que, por si só, não responde a todas as questões levantadas numa pesquisa pedológica e, por isso, não prescinde dos resultados analíticos obtidos pelo emprego de outras técnicas. Para quem inicia seus estudos nessa técnica, é importante ressaltar, dentre outros, quatro pontos importantes: 1º. A lâmina contém uma porção minúscula de um material de dimensão espacial muito maior, o que condiciona a utilidade da análise a uma amostragem criteriosa do que se pretende investigar; SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 4 2º. Para que possam ter utilidade no esclarecimento das controvérsias pedológicas, o material amostrado deve estar com sua estrutura preservada, ou seja, não deformado, além de corretamente situado quanto à sua orientação, profundidade, plano de coleta, etc.; 3º. Ao se trabalhar sobre lâminas delgadas, ou seja, sobre seções polidas, se está trabalhando bidimensionalmente, o que dificulta realizar cálculos volumétricos; 4º. O limite da resolução do microscópio óptico impõe restrições às observações de constituintes muito finos. Além disso, é também importante lembrar que a pesquisa pedológica parte do estudo do perfil de solo, ou seja, um corte vertical em profundidade de uma dada cobertura pedológica, que expõe seus diferentes horizontes até a rocha não alterada. Interpreta-se o perfil de solo verticalmente, como resultante das transferências e acumulações4 de matéria e pedoturbações5, que promovem a formação dos horizontes do solo, cuja estrutura nada mais tem a ver com aquela da rocha sã, ou mesmo da alterada, onde ocorrem apenas transformações mineralógicas, como as pseudomorfoses6 e neoformações7 (Figura 1). Hoje, com o avanço dos trabalhos que procuram compreender e estudar o solo tal como ele é, ou seja, uma cobertura tridimensional e numa perspectiva dinâmica no tempo, o perfil passou a ter um significado não só vertical, mas também lateral, na medida que uma sucessão de perfis alinhados do topo até à base de uma encosta permite identificar não só a distribuição de horizontes, mas também as relações entre eles, permitindo convalidar hipóteses que podem explicá-las. Os níveis de organização pedológica estão embutidos uns nos outros e constituem unidades de medida que implicam em ordens de grandeza extremas, variando do quilômetro (km) ao nanômetro (nm) (Quadro 1). 4 Transferências e acumulações implicam na movimentação da matéria, incluindo em geral perdas e adições. 5 Pedoturbação significa redistribuição de matéria com reorganização estrutural. 6 Pseudomorfose é a transformação de um mineral primário em secundário, com manutenção da forma do primário e acarretando a manutenção da estrutura litológica original; epigenia. 7 Neoformação é a formação de um mineral secundário a partir da solução resultante da alteração, não mantendo mais integralmente a estrutura litológica. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 5 Quadro 1: Níveis de organização pedológica (Adaptado de CHAUVEL, 1979) Nível de organização Paisagem Sistema pedológico em continuum Sucessão vertical de horizontes Horizonte de solo Agregado elementar Constituintes do agregado elementar Escala intrínseca do nível Megascópica Macroscópica Macroscópica Macroscópica Microscópica Nanoscópica Ordem de grandeza aproximada do nível km – hm hm – dam dam – m m – cm cm - μm mm – nm Unidade de organização do nível Sistema pedológico em continuum Sucessão vertical de horizontes Horizonte de solo Agregado elementar Constituintes do agregado elementar Compostos químicos Técnica de observação do nível Direta a olho nu Olho nu ou lupa Microscopiaóptica Microscopia eletrônica Figura 1: Modelo hipotético de perfil de solo Mecanismos Perfil de solo Horizontes Distinção dominantes Perdas, transferências e acumulações ligadas às pedoturbações Neoformações Pseudomorfoses A (Orgânico) B (Mineral) C RA R (Inspirado em BOCQUIER, 1981) Solo Alterita (rocha alterada) Rocha sã Solum + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + + . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 6 Cobertura pedológica Sistema pedológico Sucessão vertical de horizontes HORIZONTES: 1, 2, 3 Figura 2: Esquema dos níveis de organização pedológica Agregado elementar Horizonte de solo (Estrutura primária) (Estrutura secundária) Fundo matricial Cristais associados Cristal unitário (Argila) MEGAESTRUTURA MACROESTRUTURA MICROESTRUTURA MACROESTRUTURA MICROESTRUTURA NANOESTRUTURA 2 B A 3 2 1 B A 23 1 3 2 1 (Inspirado em BOCQUIER, 1981) Seção Poros Esqueleto Plasma SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 7 É importante notar que, dentro de uma cobertura pedológica, ocorrem sistemas pedológicos que contêm diferentes horizontes que se superpõem, justapõem ou superimpõem, e que podem ser identificados em campo mediante a abertura de perfis de solo em toposseqüências8. Cada um desses horizontes é composto por um conjunto de agregados que, quando cortados e colados a lâminas, permitem identificar o arranjo dos constituintes, tais como as frações areia e silte (esqueleto), a fração argila (plasma) e os poros associados, os quais constituem o fundo matricial. Ao se aprofundar ainda mais o estudo de tais constituintes, pode-se evidenciar alguns deles, por exemplo, o plasma, identificar- se a associação de cristais que o compõem, ou até mesmo chegar-se ao estudo isolado de um ou mais desses cristais (Figura 2). As organizações podem ter sido identificadas em campo e, nesse caso, a microscopia permite dissecá-las, mas pode também ter ocorrido o caminho inverso; reveladas pela microscopia, podem ser reconhecidas posteriormente no campo, melhorando com isso a escala de observação. Por outro lado, não é recomendável realizar estudos microscópicos de solos em escalas de grande generalização cartográfica, as quais devem servir-se do conhecimento já existente. É importante não confundir escala de observação, atribuível ao observador, com níveis de organização, que são intrínsecas ao material no seu arranjo natural. É igualmente importante estabelecer as relações entre as escalas de campo e microscópica (CHAUVEL, 1979). 5. Objetivos A micromorfologia de solos destina-se, portanto, ao estudo das organizações microscópicas, também chamadas de microorganizações pedológicas, ou microestruturas, isto é, trabalha com constituintes e organizações na ordem de medida dos milímetros e, sobretudo, dos micrômetros. Ela contempla o estudo detalhado dos constituintes dos agregados dos horizontes de solo e de suas relações, seu grau de preservação face às adições ou perdas, 8 Disposição dos horizontes lateralmente do topo à base de um interflúvio. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 8 contribuindo para importantes deduções a respeito dos processos pedológicos envolvidos, sejam eles naturais ou induzidos pelos usos e/ou manejos. Em resumo, os objetivos fundamentais da micromorfologia de solos são: 1º. Identificar os constituintes dos solos nas diferentes frações; 2º. Definir as relações existentes entre os constituintes (tipos de organização, hierarquia e cronologia das organizações); 3º. Formular hipóteses ou demonstrações acerca da dinâmica genética e evolutiva dos solos, na tentativa de esclarecer as controvérsias sobre sua origem, evolução e comportamento. A micromorfologia aplicada aos estudos de alteração, embora trabalhe nas mesmas ordens de grandeza da micromorfologia de solos, contempla mais o estudo detalhado das formas de alteração e transformações dos minerais primários (pseudomorfoses, epigenia, estágios de alteração, graus de mineralogênese, etc) e, com freqüência, o estudo de depósitos supérgenos, de interesse para a metalogenia, por exemplo (Quadro 2). Quadro 2: Transformação das rochas em alteritas e solos (Modificado de CHAUVEL, 1979) Rochas cristalinas endógenas Alteritas Solos (Horizonte B) Constituintes Minerais primários (Endógeno e hipógeno) ⇒ Minerais primários herdados: ª Esqueleto associado ⇒ Minerais secundários, transformados e/ou neoformados: ª Alteroplasma ⇒ Minerais primários herdados: ª Esqueleto redistribuído ⇒ Minerais secundários, transferidos e acumulados: ª Pedoplasma Macroporos Ausentes (Diáclases) ⇒ Litoporos e alguns bioporos ⇒ Pedoporos e bioporos Trama Litotrama ⇒ Alterotrama: ª Isalterita (Conservado); ª Aloalterita (Não conservado) ⇒ Pedotrama Processos / mecanismos Magmatismo e metamorfismos Pseudomorfoses, neoformações e iluviação pontual Pedoturbação, agregação e horizontação SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 9 6. Aplicações Dentre uma infinidade de outras possibilidades, a micromorfologia de solos permite caracterizar as organizações pedológicas com a finalidade de diferenciar e classificar horizontes ou perfis de solo, avaliar seus estágios de evolução e grau de equilíbrio, sobretudo face ao uso e manejo de que são alvo. A análise detalhada dos constituintes serve para diagnosticar filiações litológicas e/ou pedogenéticas entre os materiais, os processos e mecanismos a elas associados (alteração, pedogênese e morfogênese), seus eventos, fases e cronologia relativa. Isso inclui a identificação de paleossolos, permitindo também separá-los de solos enterrados atuais. As características dos arranjos e constituintes presentes nas amostras dão subsídios suficientes para a identificação, diagnóstico e prognóstico do comportamento e funcionamento do solo, associados ao seu uso. Alguns exemplos gerais de aplicação podem ser lembrados: 1) Pedologia: Gênese, morfologia e classificação, Comportamento e funcionamento (física e geoquímica do solo), Uso, manejo e conservação, Paleopedologia. 2) Geomorfologia: Processos de vertentes, Depósitos correlativos, Cronoestratigrafia. 3) Geologia: Relações entre rochas e suas alterações, Depósitos supérgenos, Geologia aplicada, geologia de engenharia ou geotecnia (compactações, adensamentos e porosidade em barragens, estradas, irrigação, etc.). SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIADE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 10 4) Geografia física: Distribuição de solos relacionada a fatores de formação, Biogeografia (ações da fauna e da flora), Paleogeografia ou reconstituição paleoambiental, Impactos do uso e ocupação. 5) Pré-história e arqueologia: Detecção de fragmentos nos depósitos, Cronologia e hierarquia de depósitos, Relações entre depósitos e características paleoambientais. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 11 CONCEITOS BÁSICOS DAS ORGANIZAÇÕES MICROMORFOLÓGICAS 7. Atributos, unidades de organização e componentes Serão apresentados, em seguida, os conceitos considerados como fundamentais para a identificação dos arranjos pedológicos e seus componentes, cujas estruturas são de interesse para o estudo microscópico dos solos, como esquematizados abaixo (Quadro 3). Quadro 3: Atributos, unidades de organização e componentes Atributos Unidades de Organização Componentes Cristalinidade Textura Pedalidade Agregados Estrutura Poros Fundo matricial Esqueleto Plasma Trama Cutãs Feições Pedotúbulos Pedológicas Glébulas Cristalárias Excrementos SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 12 Os atributos são características inerentes às organizações. As unidades de organização micromorfológica dependem desses atributos e são conjuntos unitários, portanto finitos, que contêm arranjo próprio, podendo ser classificados em três tipos: agregado, fundo matricial e feição pedológica. Pelo fato de se estar trabalhando em diferentes níveis de estrutura, os agregados podem ser constituídos por outros agregados, por um fundo matricial e por feições pedológicas. O fundo matricial, por sua vez, pode ser constituído por poros, esqueleto e plasma. Já as feições pedológicas, representadas por cutãs, pedotúbulos, glébulas, cristalárias e excrementos, também podem possuir o seu próprio fundo matricial, além de outras feições pedológicas nela embutidas (Figura 3). Figura 3: Níveis hierárquicos de estrutura morfológica (Inspirado em BREWER, 1976) Agregado primário ou elementar Fundo matricial (Poros intra-agregados, esqueleto e plasma) Feições pedológicas intra-agregadas Agregado secundário Agregado primário ou elementar Fundo matricial (Poros interagregados) Feições pedológicas interagregadas Agregado terciário Agregado secundário Fundo matricial (Poros interagregados) Feições pedológicas interagregadas Estrutura terciária . Estrutura secundária . Estrutura primária ou elementar . Estrutura de base . Estruturas plásmicas . SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 13 7.1. Textura Textura é a constituição física de um material pedológico, expressa pelo grau de cristalinidade e estrutura das partículas sólidas (BREWER, 1964). Até 1975, muitos trabalhos utilizaram limites granulométricos na caracterização de textura e apoiaram-se na separação entre esqueleto e plasma no limite de 2 μm, considerando o primeiro como o material mais grosseiro e o segundo como o mais fino. 7.2. Cristalinidade A cristalinidade se refere ao grau de desenvolvimento dos cristais, condicionando sua resposta óptica individual (minerais primários) ou de conjunto (argilas). A cristalinidade também está relacionada à textura e à estrutura do solo. 7.3. Estrutura O termo estrutura, em micromorfologia, teve até o presente muitas definições, algumas que não consideram os poros, outras que sim, outras ainda que a empregam apenas quando há os agregados elementares. Quanto à questão dos poros, a dificuldade enfrentada para a definição da estrutura refere- se à sua localização, isto é, se estão contidos dentro dos agregados elementares ou entre estes. O conceito mais difundido considera estrutura como sendo a constituição física de um material pedológico expressa pelo tamanho, pela forma e pelo arranjo das partículas sólidas e poros, formando agregados ou não (BULLOCK et al, 1985). Esses autores adotam ainda o termo microestrutura para todos os aspectos da estrutura visíveis, quando o material pedológico é examinado sob aumento óptico acima de 5X. Convém lembrar que, em descrição de solo em campo, é comum considerar-se o limite de 1 mm de diâmetro médio para separar a micro da macroestrutura, quando o material apresenta-se agregado. Algumas vezes utiliza- se o termo subestrutura, quando uma macroestrutura desfaz-se em outra sob a pressão dos dedos. Vale ressaltar que pode haver uma correspondência relativa entre as formas das macro e das microestruturas, variando apenas a sua dimensão. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 14 7.4. Pedalidade A agregação do material pedológico conduz à formação de volumes (agregados)9, cujas formas geométricas podem encontrar-se em diferentes graus de desenvolvimento e servem à identificação da estrutura em campo, ou seja, da macroestrutura. Quando se identifica esse grau de desenvolvimento para a microestrutura, a partir das lâminas, fala-se em pedalidade. O arranjo de conjunto10 existente entre poros, esqueleto e plasma pode ou não resultar em agregados. Alguns autores chamam de assembléia,11 outros de AEP,12 o grau de desenvolvimento da agregação que, mesmo incipiente, é representado pela pedalidade. Pedalidade é a constituição física de um material pedológico, expressa pelo tamanho, pela forma e pelo arranjo dos agregados elementares, podendo ser avaliada segundo seus graus de desenvolvimento e acomodação. O grau de desenvolvimento indica o estágio de formação do agregado com base na extensão dos poros planares em seu contorno. O grau de acomodação refere-se à maneira como as paredes dos agregados se ajustam umas às outras. Segundo BULLOCK et al (1985), os trabalhos de campo permitiram reconhecer agregados de diferentes formas e dimensões, produtos de sua constituição mineralógica e composição granulométrica, apresentando comportamentos variáveis, razão pela qual é importante descrevê-los quanto a estas características. 7.5. Agregado Agregado é uma unidade reconhecível de solo, consistindo num aglomerado de partículas que se separa das unidades vizinhas por superfícies de menor resistência (poros, revestimentos, etc.). Um solo pode ser pédico (com agregados) ou apédico (sem agregados). Agregado elementar ou primário é a unidade de base da micromorfologia de solos. Um agregado elementar ou primário pode combinar-se com outro(s) 9 Também denominados peds (CURI, 1985). 10 Do inglês: arrangement. 11 Do francês: assemblage. 12 Associação entre esqueleto e plasma. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 15 e/ou com feições pedológicas e dar origem a agregadossecundários, que agrupados tornam-se terciários e assim por diante, de forma análoga ao que as células, tecidos e órgãos representam para a biologia (Figura 3). 7.6. Trama O termo trama13 tem sido utilizado para exprimir o tipo e o grau de organização (arranjo) dos componentes do material. O tipo é identificado mediante padrões conhecidos. Originalmente, KUBIENA (1938) conceituou trama como o arranjo dos constituintes do solo em suas relações uns com os outros, esclarecendo mais tarde que o conceito abrange também o aspecto funcional e genético. BREWER & SLEEMAN (1960) e BREWER (1964) restringiram o conceito de trama ao arranjo dos constituintes, inclusive orientação e padrão de distribuição, definindo-a como constituição física do material, expressa pelo arranjo espacial das partículas sólidas e poros associados. BULLOCK et al (1985) integraram os dois conceitos, entendendo-a como a organização total do solo, expressa pelo arranjo espacial dos seus constituintes (sólidos, líquidos e gasosos), sua forma, dimensão e freqüência, considerando-a do ponto de vista configurativo, funcional e genético, conceito esse que acabou se consagrando entre os pesquisadores da área. 7.7. Fundo matricial O fundo matricial compreende o material ou matéria-prima que se encontra dentro dos agregados elementares ou compondo solos apédicos (não agregados), constituindo-se freqüentemente de poros, esqueleto e plasma intra- agregados. Esses constituintes podem apresentar padrões de arranjo variáveis no interior dos agregados, dependendo da sua natureza e distribuição. 7.7.1. Poros Poros são volumes “vazios”, isto é, orifícios ou aberturas desprovidos de materiais sólidos que atuam de diferentes formas, capazes de reter líquidos (soluções) e/ou permitir sua percolação, bem como a passagem de ar (gases), de 13 No inglês: fabric. No espanhol: contextura. No português de Portugal : tessitura. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 16 animais, raízes, etc. Podem ter diversas origens, diferentes formas e dimensões e possuir diferentes “gerações”. A porosidade do fundo matricial corresponde aos poros intra-agregados, mas há também a porosidade interagregados e transagregados. Na observação da lâmina convém discriminá-las sempre que possível, além de considerar que nos materiais apédicos a porosidade se situa intergrãos. 7.7.2. Esqueleto O esqueleto é formado por partículas maiores que 2 μm, granulometricamente classificadas como areia e silte (ou limo). Constitui-se de minerais primários (quartzo, feldspatos, micas, etc.), embora em alguns casos certas feições pedológicas, como por exemplo nódulos, possam apresentar-se em abundância e se comportar como esqueleto (pseudo-areia ou pseudo-silte). 7.7.3. Plasma O plasma é composto por partículas menores que 2 μm, granulometricamente classificadas como fração argila. O plasma pode conter minerais argilosos, matéria orgânica, sais, óxidos, hidróxidos, etc. Algumas vezes, porém, o forte grau de cristalização do plasma pode atingir dimensões maiores que 2 μm, como no caso da gibbsita, sendo nesse caso chamado de cristaliplasma, ou plasma crístico. As partículas do plasma em geral não podem ser unitariamente identificadas por microscopia óptica, necessitando para isso de corantes, difração de raios X, observação por microscopia eletrônica de varredura ou de transmissão, entre outros meios. 7.8. Feições pedológicas O conceito de feição pedológica14 para todas as unidades resultantes dos processos pedogenéticos, passados ou presentes, foi introduzido por BREWER & SLEEMAN em 1960 e revisto por BREWER em 1964. É um conceito similar ao de feição sedimentar de rocha sedimentar (SHROCK, 1948). 14 Também chamada de estrutura associada (CURI, 1985). SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 17 De acordo com BREWER (op.cit.), correspondem à reorganização do plasma ativo, especialmente o mais mobilizável, que leva à formação de revestimentos (coatings) de frações do plasma sobre as paredes dos poros, à cimentação de constituintes em locais específicos e outras manifestações. BULLOCK et al (1985) consideram feição pedológica uma unidade com trama discreta (individualizada), presente no solo, reconhecível ou distinguível do material adjacente por diferença na concentração de um ou mais componentes, tais como fração granulométrica, matéria orgânica, cristais, componentes químicos ou trama interna. Assim sendo podemos conceituar feição pedológica como uma unidade reconhecível no solo e que se distingue do material vizinho por diferenças na concentração de uma fração do plasma ou na pedotrama (arranjo) dos constituintes, ou ainda por corpos estranhos incluídos, de origem sedimentar ou biológica. A definição não inclui os agregados, mas inclui as feições pedológicas herdadas da rocha parental, ou formadas por processos de deposição de material transportado. São elas: cutãs e subcutãs, pedotúbulos, glébulas, cristalárias e excrementos. 7.8.1. Cutãs O termo coating foi usado inicialmente por KUBIENA (1938), mas aplicava- se apenas aos filmes coloidais que envolviam os grãos. BREWER (1964) utilizou o termo cutan também para as modificações de textura, estrutura ou trama nas superfícies naturais do material pedológico causadas pela concentração de certos constituintes (concentrações plásmicas), ou a modificações in situ do plasma (separações plásmicas), podendo ser constituídos de qualquer substância componente do material do solo. Por força dessa definição, os cutãs associam-se às paredes de poros, de grãos e de agregados. Os cutãs caracterizam-se: 1º. Pela natureza das superfícies de descontinuidades; 2º. Pela natureza mineralógica e arranjo interno; 3º. Pelos seus limites com a matriz ou por características especiais. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 18 7.8.2. Pedotúbulos Os pedotúbulos são resultantes da escavação promovida por animais ou raízes, posteriormente preenchidas por materiais de origens variadas. Caracterizam-se como feições pedológicas milimétricas, algumas vezes centimétricas, formadas por grãos do esqueleto, com ou sem plasma, e que apresentam uma forma externa tubular simples ou ramificada. Distinguem-se pela forma externa, associação interna, presença e composição do plasma, individualização e origem. 7.8.3. Glébulas Conforme BREWER (1964), as glébulas são unidades tridimensionais nodulares dentro do fundo matricial, de forma geralmente esférica a elipsoidal alongada, formadas por acumulações relativas de certos constituintes do plasma. É importante assinalar que as glébulas não correspondem a um cristal ou a crescimentos intercristalinos. Sua morfologia é incompatível com os poros atuais ou com as superfícies de grãos ou de agregados, correspondendo a diferenciações e acumulações relativas de certos constituintes e identificáveis como unidades, a partir dos limites distintos que apresentam e da diferenciação da trama em relação ao seu entorno no fundo matricial. Deve-se ainda salientar que BULLOCK et al (1985) utilizam como conceito genérico o termo nódulo, ao invés de glébula. 7.8.4. Cristalárias As cristalárias são definidas como cristais simples ou arranjos de cristais de frações puras do plasma, que não fecham o fundo matricial, mas formam massas coerentes. Sua morfologia interna é compatívelcom sua formação e sua presença atual nos poros originais do material pedológico. KUBIENA (1938) as descreveu como cristais de câmaras, de tubos e intercalados. Mais tarde PETTIJOHN (1957) as descreveu como esferulitas e rosetas. BREWER (1964) propôs o termo “cristalária” para todas essas feições, exceto as intercaladas, ao observar que elas ocorrem em poros relativamente grandes e se constituem de minerais em estado cristalino praticamente puro. BULLOCK et al (1985) as denominaram de “feições cristalinas”. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 19 7.8.5. Excrementos Embora chamadas por alguns autores de pelotas fecais, é recomendável designá-las como excrementos, considerando que nem todas elas apresentam-se na forma de pelotas. Os excrementos compreendem as deposições fecais de animais que desenvolvem sua atividade no solo. Segundo BULLOCK et al (1985), o exame dos excrementos de animais do solo é importante por duas razões: 1º. Refletem a atividade dos animais e as condições do meio; 2º. Podem chegar a compor parte considerável do solo. 8. Hierarquia e cronologia das organizações O estabelecimento tanto da hierarquia quanto da cronologia entre as organizações são auxiliares imprescindíveis para a identificação de mecanismos e processos que atuaram e/ou ainda atuam no material, sejam eles mecânicos, geoquímicos, cristaloquímicos, etc., fornecendo a noção precisa das escalas de trabalho e suas interrelações (Quadro 1). Os critérios podem ser similares aos de geologia e geomorfologia (superposição, justaposição, superimposição, etc). 8.1. Hierarquia Hierarquia é a ordem na qual a organização aparece no espaço. Exemplo: pequenos grãos de quartzo (1º nível), que formam uma coifa sobre os grãos mais grosseiros (2º nível), que se encontra dentro de um nódulo ferruginoso (3º nível), que se situa num dado fundo matricial (4º nível), que constitui os agregados elementares (5º nível), que no conjunto formam um horizonte (6º nível), que faz parte de um sistema pedológico (7º nível), que é um corte dos volumes pedológicos presentes numa bacia de 1ª ordem (8º nível), que é representativa de um dado compartimento topomorfológico da paisagem (9º nível), e assim por diante (CHAUVEL, 1979). SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 20 8.2. Cronologia Cronologia é a ordem na qual a organização aparece no tempo. Exemplo: formação de um fundo matricial com quartzo e argila (1ª fase), fissuração seguida dos primeiros depósitos de argila (2ª fase), e assim por diante (CHAUVEL, 1979). SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 21 AMOSTRAGEM, IMPREGNAÇÃO E PREPARAÇÃO DAS LÂMINAS 9. Recomendações, critérios e técnicas Alguns dos procedimentos apresentados a seguir foram resumidos para fins didáticos a partir das instruções de CHAUVEL (1979), das experiências da própria autora (CASTRO, 1985), ou extraídos de BREWER (1976), FEDOROFF (1979), BULLOCK et al (1985), DOIRISSE (1989) ou A. R. MERMUT (1992). 9.1. Amostragem, coleta e manuseio 9.1.1. Planos de amostragem A concepção do plano de amostragem deriva dos objetivos da pesquisa e das observações de campo que permitiram caracterizar a morfologia do solo tal como ela se apresenta. O plano de amostragem reflete uma estratégia adotada para que a investigação possa responder às questões formuladas, ou que correm o risco de não serem esclarecidas satisfatoriamente por outras escalas de observação ou métodos de laboratório. Assim, pode-se dizer que a estratégia se baseia diretamente na(s) hipótese(s) levantada(s), sobretudo em campo, e depende da reflexão do pesquisador a respeito de seu objeto e dados anteriores acumulados de pesquisa. Ela pode privilegiar apenas os horizontes diagnósticos de cada perfil de solo, os quais permitem identificar o tipo de solo em termos de classificação, ou até mesmo a totalidade dos horizontes e transições. Pode-se, no entanto, relacionar alguns tipos mais freqüentes de pesquisa destinadas a estudos em escalas de detalhe e semidetalhe e apontar algumas recomendações gerais como a seguir, as quais não devem absolutamente transformar-se em receitas aplicáveis em toda e qualquer situação. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 22 9.1.1.1. Levantamento e mapeamento de solos Esse tipo de trabalho destina-se à elaboração de mapas-base que apresentam o inventário dos solos que compõem o mosaico de uma dada área, priorizando-se o reconhecimento de estruturas e feições pedológicas dos horizontes diagnósticos. Para tal, recomenda-se coletar amostras dos perfis-tipo que servirão para caracterizar suas estruturas na escala microscópica e para, eventualmente, elucidar dúvidas quanto à classificação do solo que constitui uma dada unidade de mapeamento. 9.1.1.2. Gênese e evolução de solos Normalmente esse tipo de pesquisa destina-se a caracterizar processos e mecanismos genético-evolutivos dos solos, priorizando-se identificar os processos pedogenéticos atuantes. Isso se faz pelo reconhecimento dos constituintes e pela formação ou desaparecimento de estruturas e feições pedológicas associadas a mecanismos de perdas, transferências e adições, seja por concentração relativa ou absoluta de matéria. Em geral pode ser feita: 1º. Por perfil ou conjunto de perfis isolados, correspondentes a uma dada unidade de mapeamento, representativa de um tipo específico de solo ou pedon. Os perfis podem ser coletados em compartimentos distantes, desde que homólogos. 2º. Por perfil, em cada unidade de mapeamento do conjunto de unidades contidas no interior de um só compartimento geomorfológico ou geomórfico. Podem se coletados perfis de unidades de mapeamento de vários compartimentos distintos. 3º. Em perfis verticais de solo dispostos em catena15. 4º. Em perfis verticais de solo dispostos em toposseqüência16. Dependendo dos objetivos do trabalho, pode-se implantar uma 15 Catena é uma sucessão lateral de perfis verticais de solos seqüenciados, implantados do topo à base de um interflúvio, sem ligação lateral explícita entre seus horizontes. 16 Toposseqüência é a representação de um sistema pedológico, restituído pela ligação em continuum vertical e lateral dos horizontes pedológicos presentes do topo à base de um interflúvio, ou do divisor de águas ao fundo do vale de uma bacia hidrográfica elementar (1ª ordem). SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 23 toposseqüência em cada unidade geomorfológica ou compartimento morfopedológico17 de uma dada região. 5º. Em horizontes específicos, partes destes ou transições entre horizontes onde ocorrem certas feições pedológicas, especialmente no caso de nódulos ou concreções, bandas onduladas, manchas de hidromorfia, cerosidades ou outras. Nesse caso, é conveniente que sejam coletadas amostras do material sub e suprajacente, bem como de pontos representativos de todo o trajeto em que se desenvolvem, com o intuito de perceber como se formam e evoluem. Em quaisquer das quatro primeiras alternativas acima, recomenda-se coletar amostras de todos os horizontes dos perfis de solo, se possível da rocha matriz (ainda que alterada), com o propósito não só de esclarecer descontinuidades litológicas ou filiação genética com a rocha ou com horizontes de solo pré-existentes,mas também a seqüência de sua evolução pedológica. Um exemplo dos pontos de coleta dos monólitos em perfis de solo é mostrado na Figura 4. 17 Compartimento morfopedológico é uma unidade espacial que revela correlação entre substrato, relevo e sistema pedológico dominantes, sendo diferenciada das unidades vizinhas por mudanças num desses componentes. Figura 4: Esquema de amostragem para perfis de solo Col. A E BA Bt1 Bt2 Casc. BW A11 A12 AB BA BW 0 1 2 P ro fu nd id ad e [m ] Latossolo Argissolo (Podzólico) SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 24 Para a quinta alternativa, um exemplo da coleta de feições pedológicas do tipo bandas onduladas é mostrado na Figura 5. 9.1.1.3. Uso, manejo e conservação de solos Esse tipo de pesquisa destina-se principalmente a enfocar potenciais ou restrições naturais dos solos ao uso e manejo, podendo ainda envolver trabalhos destinados a pesquisar formas de recuperação de solos degradados. Ela pode se caracterizar tanto por uma perspectiva conservacionista, portanto basicamente preventiva, como por uma perspectiva corretiva. Em ambos os casos pode destinar-se à produção de conhecimento científico ou de tecnologia. Prioriza-se reconhecer os indicadores de suscetibilidades das estruturas e da porosidade, face ao uso e manejo que se pretende ou daquele que já afetou negativa ou positivamente o solo. Costuma envolver unidades territoriais e/ou de planejamento no seu todo ou parte (meso ou microrregião, município, propriedade rural, microbacias, etc.), ou unidades naturais (sub-bacias hidrográficas, compartimentos geomorfológicos ou setores destes, setores de determinadas classes de capacidade de uso do solo ou de aptidão agrícola). Se o estudo for feito por unidade de mapeamento, em catena ou em toposseqüência, recomenda- se proceder como acima descrito em função do que se quer demonstrar. Figura 5: Esquema de amostragem para feições pedológicas em bandas onduladas 0 1 P ro fu nd id ad e [m ] 2 3 4 5 Distância [m] Horizonte A Horizonte E Horizonte Bt Mosqueado de hidromorfia Banda ondulada SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 25 9.1.1.4. Comportamento e funcionamento hídrico de solos Esse tipo de pesquisa freqüentemente está associado a estudos de gênese e evolução ou a estudos de manejo e conservação de solos, seja para explicar como os fluxos hídricos condicionam o aparecimento ou desaparecimento de certos horizontes, seja para estudar os processos de erosão, compactação, recuperação de estruturas degradadas, etc. Prioriza-se, sobretudo, o estudo do sistema poroso (dimensão, forma e conexão dos poros), além das estruturas que se formam e se destroem. Quando se trabalha em perfis representativos de unidades de mapeamento, procede-se à coleta dos horizontes de perfil completo. Quando se trabalha com sistema pedológico e se deseja esclarecer questões relativas aos fluxos hídricos, tanto verticais como laterais, recomenda-se coletar amostras dos horizontes dos perfis seqüenciados, admitindo-se, em certos casos, a coleta apenas dos horizontes diagnósticos ou daqueles que se associam aos fluxos. 9.1.1.5. Recuperação de solos degradados Esse tipo de pesquisa trabalha freqüentemente com áreas específicas em campo, ou estudos de simulação em laboratório de amostras coletadas em campo, priorizando em geral os horizontes afetados por erosão, compactação, contaminação ou outros, que podem ser comparados aos não afetados. Em qualquer um dos casos, o estudo é focado sobre as estruturas, as porosidades e seu papel. Recomenda-se a coleta de amostras-testemunho (antes da experimentação) e posteriormente ao longo do experimento, em tempos sucessivos, até que se alcance o estágio esperado. Trata-se de efetuar um monitoramento do comportamento das organizações dos horizontes afetados, até que se recuperem. Recomenda-se ainda atenção especial aos horizontes e/ou profundidades em campo afetadas pela degradação. 9.1.1.6. Geotecnia e geologia de engenharia Esse tipo de pesquisa destina-se a caracterizar atributos dos materiais pedológicos que serão ou foram utilizados em obras civis, seja quanto à sua natureza, seja quanto ao comportamento face aos impactos de fundações e edificações em geral (estradas, barragens e reservatórios, loteamentos, etc.). SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 26 Prioriza acompanhar as transformações estruturais dos materiais submetidos a determinados ensaios que simulam os efeitos em campo dos impactos sobre os solos em conseqüência da obra. Pode ainda destinar-se a inventariar solos fontes para empréstimos ou outros, no que se refere à identificação de seus atributos de estrutura, porosidade e outros potenciais, face ao uso pretendido. Recomenda-se efetuar coleta de amostras, sobretudo, quando os comportamentos detectados pelos ensaios (compactação, estabilidade, etc.) sugerem influência, principalmente, das microestruturas e das porosidades. Nesse caso, recomenda-se coletar amostras antes e depois dos ensaios. 9.1.2. Coleta das amostras A coleta de amostras para fabricação de lâminas delgadas pode ser feita em campo ou em laboratório. Em campo, são feitas diretamente nas paredes dos perfis de solos expostos em barrancos ou trincheiras, preservando-se a estrutura in natura do material. Procede-se, comumente, através da escultura de monólitos, cujas dimensões podem ser variadas, de modo a serem acomodadas em caixas. Há várias dimensões possíveis, dentre elas 3 X 4 X 5 cm, 5 X 7 X 5 cm, ou 9 X 13 X 5 cm, estas últimas denominadas “mamutes” (Figura 6 – foto 6.3). Para geotecnia pode-se retirar os monólitos do miolo dos grandes blocos (em geral 30 X 30 X 30 cm) coletados em campo para ensaios em laboratório (caracterização, compactação, percolação, etc.), embalados em caixas de madeira com tampa e às vezes parafinados. Tais blocos são esculpidos de cima para baixo nos terrenos ou em degraus construídos progressivamente nas laterais das trincheiras. O método originalmente proposto por Kubiena (1938) para a coleta dos monólitos utiliza caixas metálicas com o fundo e a tampa removíveis, as quais levaram seu nome (Caixas de Kubiena). Atualmente utilizam-se outros materiais, como saboneteiras plásticas flexíveis, ou caixas de papel cartão ou papelão, com ou sem tampa. Estas últimas possuem a vantagem de não precisarem ser removidas no momento da impregnação (Figura 6 – fotos 6.1 a 6.3). SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 27 As embalagens devem impedir que as amostras sofram deformações, desagregação ou fraturamento durante o manuseio e transporte até o laboratório onde serão preparadas. Assim, a coleta e o manuseio devem ser efetuados com utensílios e cuidados adequados, capazes de preservar as condições originais. O procedimentomais utilizado hoje em dia envolve os seguintes passos: 1) Uma vez determinados os locais de interesse na toposseqüência e no perfil, seleciona-se na parede do perfil uma pequena área a ser amostrada, um pouco maior que a dimensão da caixa de coleta, cuidando-se para que a superfície esteja limpa e relativamente plana, de modo a preservar a estrutura. Se necessário, cortam-se as pontas de pequenas raízes com tesoura, sem perturbar a amostra. É conveniente elaborar-se uma listagem anexa à caderneta de campo para a anotação das informações das amostras coletadas, devendo as denominações ser claras para o autor da pesquisa (Quadro 4). Figura 6: Coleta de amostras de solo para micromorfologia (Fotos: Selma Simões de Castro) Foto 6.1: Preparação para retirada da amostra. Foto 6.2: Amostra retirada em caixa plástica. Foto 6.3: Amostras de diferentes tamanhos. 6.1 6.2 6.3 SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 28 2) Desenha-se o contorno da caixa, no horizonte, transição ou feição pedológica que se quer amostrar, com auxílio de um canivete ou faca e inscrevem-se no verso da caixa as anotações de identificação (código de identificação do perfil, do horizonte e da profundidade) e de orientação, por meio de uma pequena seta indicando a direção superior do perfil, e eventualmente outra, indicando se a montante ou jusante da vertente. 3) As faces do bloco a ser retirado devem ser cuidadosamente esculpidas com uma faca ou canivete, iniciando-se pelas laterais, depois a superior, e por último a inferior, aprofundando o corte suavemente, de modo inclinado no início e depois deixando as paredes retas, até que a caixa se ajuste completamente ao bloco (Figura 6 – foto 6.1). Após isso, acomoda-se a embalagem sobre a amostra e força-se o seu desprendimento fazendo uma pequena alavanca com a faca ou canivete, segurando-se firmemente a caixa e virando-a imediatamente para aposição horizontal (Figura 6 – foto 6.2). Pode-se então colocar tampa, envolvê-la com jornal ou filme de poliéster. Outra técnica consiste no uso de caixas metálicas abertas dos dois lados (Caixas de Kubiena), sendo uma das bordas cortante. A caixa deve ser introduzida no perfil de solo, batendo-se sobre uma madeira apoiada na parte de trás. Libera-se com cuidado a amostra, aparam-se os excessos e colocam-se o fundo e a tampa. 4) Acomodam-se as amostras coletada em caixa de madeira ou papelão forrada com jornal, bolinhas de isopor, espuma ou “plástico-bolha”, separando-as das vizinhas também com um desses materiais de proteção, para evitar que se quebrem no transporte para o laboratório. Quadro 4: Exemplo de registro de coleta Informação geral da amostra Perfil / horizonte Profundidade (cm) Motivo da coleta Lâmina Top. Camélias 1PVA 7 - 14 Estrutura grumosa TC 1.1 Top. Camélias 1PVE 35 - 42 Relíquias do Bt TC 1.2 Top. Camélias 1PVBt 63 - 70 Cerosidade TC 1.3 SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 29 Quando o material se destina a ensaios de laboratório, a coleta deve ser feita antes e após cada ensaio, cuidando-se para que a amostra não se desmanche por excesso de umidade, por exemplo. Às vezes, o que se pode coletar é o resíduo do ensaio, como o de estabilidade de agregados feita a úmido. Nesse caso, sabe-se que a estrutura no seu arranjo inicial foi modificada, mas a amostra coletada antes do ensaio revelará como era o arranjo antes, servindo de testemunho. 9.2. Impregnação e preparação das lâminas 9.2.1. Impregnação Para a confecção das lâminas é necessário que o material friável seja suficientemente endurecido para poder ser cortado e polido. Tal condição pode ser obtida mediante a impregnação das amostras com resinas plásticas não expansíveis de poliéster, epóxi, ou vernizes. As resinas que estaremos indicando a seguir são aquelas que vêm sendo utilizadas com sucesso, embora tenha havido grandes progressos no ramo de polímeros e seja possível testar novos produtos. São elas: Resinas de poliéster: Polilyte.18 Resinas epóxi: Araldite®.19 Vernizes: Vestopal e Extratil.20 Muito embora o método de impregnação por vernizes tenha sido testado por PARISOT, BONNAL & SIGOLO (1975), nos limitaremos à descrição do uso das resinas plásticas de poliéster. As amostras devem ser cuidadosamente manuseadas durante todo o preparo, evitando-se impactos ou esforços. Caso as caixas de coleta sejam de materiais rígidos (metais rígidos, plástico ou madeira), estas devem ser retiradas antes da impregnação, sendo substituídas por alumínio moldável, ou dispostas para impregnação diretamente nas caixas de papel cartão usadas no campo. A resina mais comumente utilizada é a de poliéster pré-acelerada, diluída com solvente e adicionada de um catalisador, para que possa se polimerizar em 18 Polilyte corresponde às resinas Reforplás T208 (pré-acelerada) e 8001 (não acelerada). 19 Araldite é marca registrada da Ciba-Geigy S.A. 20 Corresponde ao material Isolasil 1210. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 30 alguns dias. Caso a resina não seja pré-acelerada, deve-se adicionar ainda um acelerador. A proporção entre os ingredientes deve ser testada para cada tipo de amostra. Amostras muito argilosas, com argilas expansíveis ou muito compactadas, respondem melhor a soluções mais diluídas, enquanto amostras ricas em matéria orgânica ou arenosas respondem melhor a soluções menos diluídas. Também o tempo de impregnação é maior para as primeiras e menor para essas últimas. Os procedimentos básicos são: 1) Para retirar o excesso de umidade e facilitar a impregnação por capilaridade, secar as amostras ao ar ou em estufa com temperatura entre 40º e 50ºC, mantendo a porta aberta. Alguns tipos de solo não podem ser secos em estufa sob o risco de sofrerem rachaduras, requerendo outros métodos, como substituição da umidade por acetona sob vácuo. Os materiais contendo argilas expansivas (esmectitas) requerem processo de liofilização21 para retirada da umidade. 2) Dispor os torrões com volumes entre 3 e 4 cm³ cada um22 dentro de um recipiente metálico (alumínio ou lata), deixando-os no dessecador até receberem a mistura, de preferência por gotejamento. 3) As dosagens dos ingredientes suficientes para impregnar um total de 15 cm³, ou quatro torrões pequenos como indicado acima, são: — 100 ml de resina de poliéster T-208 (pré-acelerada) ou 8001 (não acelerada) — 35 ml de monômero de estireno (ou acetona pura P.A.) — 5 gotas de catalisador Peroxol (peróxido metil-etil-cetona) — 1 gota de acelerador de cobalto a 6 % (apenas para resina não acelerada) 21 Liofilização: processo de secagem e eliminação de voláteis realizado em baixa temperatura e sob pressão reduzida. 22 O volume dos torrões pode ser maior caso o recipiente possa comportá-los. SELMA SIMÕES DE CASTRO MICROMORFOLOGIA DE SOLOS Campinas/Goiânia: UNICAMP/UFG, fevereiro/2008. 31 No caso da necessidade de efetuar análise de imagem da porosidade, pode ser adicionado um pigmento orgânico solúvel na resina e que reaja à luz ultravioleta.23 4) Adicionar um a um os ingredientes num béquer de
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