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ALGUNS CONCEITOS FUNDAMENTAIS DA BIOÉTICA
O princípio do duplo efeito
Uma situação embaraçosa que acontece freqüentemente é que uma determinada ação produzirá dois efeitos, um bom e outro mau. O primeiro resultado é legítimo e aquele que queremos atingir, o segundo é mau e não esperamos, mas é inseparável do primeiro. A questão antagônica que surge é: Devemos procurar o bem e tolerar o mal? Para lidar com estes dilemas, o princípio do duplo efeito foi formulado. Ele nos permite realizar a ação boa que tem conseqüências más, desde que as seguintes condições sejam respeitadas:
A ação, em si mesma não deve ser má. Isto simplesmente reafirma o princípio moral fundamental que nunca devemos fazer o mal. Justamente porque o ato pode também causar conseqüências boas nem por isso é justificado.
O mal não pode ser o meio para produzir um efeito bom. De novo, este é o princípio moral tradicional: O fim não justifica os meios. Estamos proibidos de roubar bancos, mesmo se queremos o dinheiro para uma educação melhor de nossos filhos. O fim, o objetivo é bom, mas os meios para obtê-lo são errados.
O efeito mau não é desejado, mas simplesmente permitido ou tolerado. O que isto significa é que nossa intenção primeira é atingir o efeito bom. Podemos prever um efeito indesejável, mas não o procuramos, somente o permitimos. A distinção é sutil, e pode ser vista como meramente verbal, mas é importante. Esta dimensão do princípio está dizendo que podemos fazer o que é bom, mesmo acontecendo que alguma conseqüência indesejável coincida ou siga posteriormente nossa ação em se fazer o bem.
Deve existir uma razão proporcional para executar a ação, apesar das conseqüências que ela traz. Quando colocado na balança, o bem deve ser maior que o mal. Esta avaliação dos efeitos e valores abre um grande leque de problemas e dilemas. Algumas vezes a avaliação da proporcionalidade dos efeitos é muito complicada, mas dever ser feita se queremos proceder com integridade. (Cf. Richard McCormick, Ambiguity of Moral Choice, Department of Theology, Marquete University, p. 93).
O princípio da totalidade
O princípio da totalidade, estabelece simplesmente que a parte existe em função do todo. É aplicado especialmente para amputações e para remoção de órgãos danificados, mas é também uma maneira sumária de levantar outras questões em ética. A primeira é que as pessoas não são donas mas administradoras de seus corpos. Segundo, uma pessoa pode dispor de seus membros corporais ou funções somente até o ponto que isto é saudavelmente requerido.
Isto é feito quando é necessário para o próprio bem da pessoa como um todo, assegurar a própria existência, ou remover áreas danificadas que não podem ser evitadas ou consertadas. Portanto, o princípio de totalidade é um modo de afirmar que podemos legitimamente sacrificar a parte do corpo se for necessário preservar a saúde de todo o corpo.
Meios ordinários e extraordinários de tratamento
Geralmente falando, meios ordinários de preservar a vida são todos os remédios, tratamentos e operações que oferecem benefício razoável para o paciente e que pode ser obtido e usado sem excessivo gasto, dor ou outros inconvenientes. De outro lado, meios extraordinários são aqueles remédios, tratamentos e operações que não podem ser obtidos sem gasto excessivo, dor ou inconveniente ou que se usados não ofereceriam uma razoável esperança em beneficiar alguém.
É importante lembrar que estas são definições éticas e não médicas. Tais distinções são feitas com dificuldade em ética, mas são muito mais difíceis na prática médica. O ritmo do progresso médico torna os meios extraordinários de tratamento neste ano procedimentos normais no ano seguinte. De outro lado, uma intervenção tal como uma cirurgia do coração pode ser extremamente cara, dolorosa e inconveniente para o paciente, mas ainda é um meio comum de tratamento para esta doença particular. Tem que se perguntar se tal tratamento médico é ordinário ou extraordinário na perspectiva ética. Para a medicina o que é ordinário é o "standard" ou tratamento reconhecido para uma doença particular ou o que é ordinariamente esperado em tratar um problema particular. Isto não torna mais fácil dizer o que é ordinário e extraordinário em termos éticos, mas nos dá um arcabouço para tal avaliação.
Existe algo que não podemos deixar de esquecer a respeito da profissão médica. Sua razão de ser é curar, restaurar a saúde, preservar a vida. Membros da profissão médica tendem a fazer tudo o que é possível para curar toda doença e tem uma resistência profunda em fazer qualquer coisa que possa matar ou encurtar a vida. A medicina tenta conquistar a morte e erradicar a doença, e qualquer esforço fraco neste sentido pode ser visto como entrega ao inimigo. Muitos profissionais partilham a forte tendência cultural de que a ciência pode fazer tudo. Isto implica que em lutar contra a doença, tudo o que pode ser feito, deve ser feito, sem levar em conta os efeitos que tais tratamentos podem ter sobre a doença ou paciente.
De outro lado, contrariamente a estas atitudes profissionais e valores, existe o princípio ético que afirma que a pessoa não é obrigada a usar meios extraordinários para preservar a vida. Subjacente a este princípio está a convicção que a dimensão física, embora seja muito importante, não é o valor mais alto . . . A experiência humana nos diz que todas as pessoas morrem, então por quê fazer todo o possível para simplesmente retardar a morte?
Num determinado momento, na progressão de uma doença séria, tratamentos adicionais podem ser inúteis em termos de provocar uma cura. Esta tradição reconhece limites no que deve ser feito para curar a doença ou preservar a vida. Embora esta distinção não produza nenhuma regra a ser seguida em determinada situação, ela leva em conta certas verdades que poderíamos perder de vista: que a medicina e a ciência tem limites e que as pessoas morrem. Neste sentido Paul Ramsey nos lembra que enquanto existem limites em nossas tentativas de curar, nunca deveríamos parar de cuidar da pessoa que está doente ou morrendo.
Justiça
Outro conceito crítico em bioética é o de justiça. Esta é a virtude que procura dar a cada pessoa o que é seu ou devido, de maneira que a pessoa receba o que é merecido e o que tem sido legitimamente reclamado. A justiça exige que casos similares sejam tratados de uma forma similar e casos diferentes de maneira diferente.
Existem três tipos de justiça. Comutativa, que exige honestidade nos vários tipos de trocas tais como salários e preços. Retributiva, que exige que se pague o que é devido. Exige punição por violar a lei e obriga aos que roubam retornar o que foi roubado. Distributiva, que regula a partilha dos problemas e benefícios sociais. Este é o aspecto mais crítico para a bioética.
A razão porque a justiça distributiva é tão importante é que o problema da obtenção de recursos interfere em muitos assuntos da bioética. Pelo menos 4 normas diferentes são possíveis de distribuição. A primeira busca estritamente a igualdade: divide o montante de recursos pelo número de pessoas e dá a cada uma porção igual, independentemente das circunstâncias. A segunda, distribuiria os recursos de acordo com as necessidades. Alguns receberiam bastante e outros receberiam somente um pouco. Isto seria determinado e justificado na base das necessidades particulares de cada pessoa. Uma terceira fórmula regularia os recursos de acordo com o esforço individual. Quanto mais a pessoa tentar alcançar determinado objetivo, mais ela receberia. Finalmente, a norma de distribuição pode ser a contribuição social. Aqueles que deram muito para a sociedade receberiam muito em retorno; aqueles que deram pouco receberiam pouco. Cada um destes métodos de distribuição tem suas próprias forças e fraquezas. O que é importante é reconhecer os pontos fracos e fortes de cada método bem como suas implicações.
A santidade da vida humana
Esta é talvez a consideração mais fundamental na discussão bioética, porque se a vida humana não é sagrada, então praticamente pouco ou nadamais tem dimensão de sacralidade.
Nós a experimentamos como algo de valor e respeito, uma vez que qualquer intervenção ou interferência na vida humana deve ser avaliada e testada em referência a esta questão central.
Por que a vida humana é sagrada? Esta questão é fácil e difícil ao mesmo tempo. De um lado, nossa experiência dela, como algo bom e de valor, nos ajuda a percebê-la como sendo necessário preservá-la e partilhá-la. De outro lado, a dignidade da vida humana é um conceito fundamental que se baseia primeiramente em si mesmo e deve ser apoiado pela sua evidência própria de qualidade. Isto torna difícil que tenhamos uma definição aceita por todos, uma vez que não experimentamos a vida da mesma forma ou damos o mesmo valor na nossa escala de valores. A questão da dignidade humana torna-se particularmente problemática no começo e fim da vida. Quando a vida começa e devemos respeitá-la? Quando termina? Portanto o primeiro problema com o conceito de santidade ou dignidade da vida humana não é precisamente a definição ou experiência de valor, mas antes a aplicação de tal definição. Isto dá surgimento a muitos dilemas em bioética. Qual é a fonte de seu valor? Reside dentro da própria experiência humana. A vida humana é percebida como sagrada ou tendo uma certa dignidade porque os seres humanos são basicamente pessoas de valor. "As pessoas são importantes". Visto dentro da corrente filosófica chamada humanismo, a dignidade da existência humana surge de dentro de si mesma, a partir de seu próprio significado, sentido e se justifica em si mesma. A perspectiva teológica que é similar e complementária deste ponto de vista, sugere que a dignidade da pessoa humana recebe sua santificação por ter sido criada por Deus. Porque as pessoas são criadas à imagem e semelhança de Deus, devem ser respeitadas e possuem dignidade nesta participação especial na obra da criação. Estas duas percepções, a filosófica e a teológica, podem ser usadas separadamente ou em combinação numa variedade de argumentos. De novo o problema é a aplicação do conceito.
Daniel Callahan identificou 5 elementos que considera críticos no conceito de santidade da vida humana:
Sobrevivência da espécie humana;
Preservação das linhas familiares;
O direito dos seres humanos terem proteção de seus companheiros;
Respeito por escolhas pessoais e autodeterminação, que incluí integridade mental e emocional,
Inviolabilidade corporal. Meu corpo, com seus órgãos, sou eu mesmo.
(Daniel Caílahan, Abortion: Law, Choice and Poraíity, New York, Macmillan, 1972, p. 307 55)
Natureza e Pessoa
Importantes questões éticas ligadas à engenharia genética, ao debate do aborto e eutanásia envolve nossa compreensão de natureza e pessoas. Três modelos de natureza são operativos em muitas discussões éticas: 
1. Poder e plasticidade; 2. Natureza como algo sagrado; 3. Modelo teleológico.
Poder e Plasticidade
Neste modelo, a natureza é vista como essencialmente alheia e independente da pessoa, não possui um valor inerente e é dominada por forças e causas impessoais. E "plástica" no sentido que o homem pode usar, dominar e dar forma a ela numa variedade de formas possíveis. Este modelo sugere que a pessoa tem o direito ilimitado de dominar, manipular e controlar a natureza de qualquer maneira que possa se conceber. A única limitação viria dos limites de nossos conhecimentos dos segredos da natureza. Em outras palavras a natureza "se vinga", mas isto acontece somente se ignoramos do como ela trabalha. A implicação é óbvia: devemos buscar encontrar tudo quanto pudermos porque conhecimento é poder.
A Natureza é algo sagrado
Este modelo vê a natureza como uma realidade a ser reverenciada e respeitada. Na sua forma religiosa ocidental a natureza é vista como parte da criação de Deus e aceita como sagrada pela sua origem. Para o teólogo franciscano Boaventura, os objetos da natureza são marcas ou traços do criador e através deles podemos conhecer e amar a Deus. Nas tradições religiosas orientais, a natureza é vista como uma expressão do todo cósmico do qual tudo é uma manifestação. Os seres humanos devem se conformar com a natureza, sugere a tradição Taoísta, de modo que eles possam chegar a uma unidade com ela e estar em paz. O relacionamento que emerge destas descrições é de administração (stewardship). A pessoa é uma parte da natureza, e se a pessoa deve ser respeitada, assim deve ser a natureza que nutre e sustém toda a vida.
Modelo Teleológico
Esta é a visão secular da versão anterior. Ela vê um sentido e lógica na natureza em si, sem uma mão invisível por trás que está guiando. Nesta perspectiva é possível estudar a natureza e descobrir seu sentido e significado da vida humana. Este modelo também sugere que embora não sejamos escravos da natureza num sentido rígido, somos pelo menos capazes de contemplar limitações em intervenções violentas na natureza. Portanto existem limites no que podemos fazer. Contudo estes limites não vêm de uma realidade externa imposta tal como Deus (como no modelo anterior) mas do sentido inerente da própria natureza.
A compreensão destes modelos de natureza não resolve todos os dilemas éticos envolvidos na intervenção humana nos processos naturais, mas nos ajuda a compreender de onde as pessoas estão vindo quando confrontadas com estes problemas. Esta compreensão ilumina as premissas não faladas a partir das quais discutimos, e nos dá um quadro de referência que nos ajuda a avaliar como nos relacionamos com a natureza e que implicações têm, tanto para nós quanto para a sociedade.
	QUADRO RESUMO - MODELOS DE NATUREZA
	MODELO
	NATUREZA
	PESSOAS
	Poder e Elasticidade 
	Alheia 
Independe das pessoas 
Não tem valor inerente 
Dominada por forças impessoais
	Podem usar da natureza como elas querem (dominação)
	Natureza como algo sagrado 
	Criada por Deus 
Expressão do Criador 
Exigência de respeito e veneração 
	Parte da natureza. 
Confiada por Deus com o uso da natureza 
Responsável por este domínio (administração)
	Teleológico 
	Lógica e sentido em si mesma 
Não tem Criador
	Podem descobrir conhecimentos sobre a vida humana na natureza 
Limitadas no que elas podem fazer com a natureza
Qualidade de Vida
Os termos qualidade e santidade da vida são utilizados como ponto de encontro para opiniões opostas em questões relacionadas ao começo e fim da vida. Uma análise cuidadosa dos conceitos e da problemática que está por trás do cuidado dos pacientes terminais, pode ajudar a clarificar um pouco a ambigüidade deste debate.
Princípios
O termo santidade de vida geralmente tem sido interpretado para significar que toda pessoa, independentemente do estado de saúde, tem valor, que não deve ser usada como meio e sim tratada com dignidade. Este valor depende da transcendência de Deus, uma dimensão espiritual interior, ou da dinâmica da personalidade que transcende cada pessoa. Com este conceito, a recusa ou descontinuação de cuidados médicos baseados exclusivamente na incapacidade da pessoa utilizar plenamente seu potencial humano é moralmente inaceitável. Dificuldades surgem no entanto quando o termo é radicalizado. Os que dizem que por causa da santidade da vida nenhum tratamento deveria ser interrompido, por exemplo, no caso de um paciente que está morrendo ou um recém nascido com defeitos congênitos, defendem o vitalismo. Este posicionamento preserva a existência física mesmo quando outros bens na vida podem ou não ser mais realizados. De acordo com esta posição o mero prolongamento da vida física é moralmente requerido sem se perguntar a respeito de objetivos e finalidades da vida. Este posicionamento é um obstáculo para que se tomem decisões médicas adequadas.
O termo qualidade de vida tem sido interpretado significando que o valor da vida da pessoa é determinado em parte pela habilidade da pessoa realizar certos objetivos na vida. Quando estas habilidades não mais existem, então a obrigação de prolongar a vida ou continuar o tratamento não existem mais. Num extremo, este conceito pode estabelecer critérios arbitrários e injustos em se tomar decisõesmédicas, por exemplo, que todas as pessoas deficientes mentais ou todas as pessoas que sofrem certos defeitos genéticos não deveriam receber tratamento médico. Acrescente-se a isso que o conceito geralmente afirma que esta decisão ou julgamento é feito no melhor interesse do paciente, contudo existe muita confusão em torno de quem é o "melhor interesse" realmente. Implicações adicionais destes termos são freqüentemente confusas. Os argumentos de qualidade de vida, santidade da vida, significam que alguém escolhe qualidade antes que quantidade; que um não respeita a vida e o outro sim, que alguém não é consistente a respeito de julgamento de valor enquanto o outro pode ser. Cada uma destas distinções é uma falsa dicotomia.
Discussão
A questão levantada a respeito do conceito de qualidade ou santidade da vida, é uma questão que tem muito a ver com a moralidade em se determinar, tratar agressivamente, recusar, ou descontinuar certas terapias. Em questão está a relação entre a vida biológica e outras qualidades humanas e o significado que esta relação tem no processo de se tomar uma decisão médica. Algumas distinções podem esclarecer este aspecto.
Primeiramente, dever-se-ia estar certo sobre os caminhos descritivos e normativos em que tais conceitos são usados. Ambos podem ser usados de forma descritiva, como nas duas sentenças seguintes: A vida do paraplégico é sagrada e deve ser tratada com dignidade. A qualidade de vida do paraplégico pode ser diferente de alguém que não partilha do mesmo problema".
As duas afirmações são descritivas e não dizem ao profissional exatamente o que fazer, elas não são normativas. Esta função descritiva é importante, caso se necessite fazer um bom juízo ético-médico. A confusão acontece quando alguém interpreta esta função descrita como um imperativo categórico, tal como tratar ou não tratar, ou tratar agressivamente, sem levar em conta outros questionamentos.
Segundo, o objetivo dos cuidados médicos é de beneficiar o paciente. A razão de se tratar um paciente é libertar o paciente de certos tipos de deficiências que impedem que outros valores importantes sejam realizados. A medicina trabalha para eliminar estas deficiências e promove vida plena em benefício do paciente, mas ao trabalhar para se eliminar estas deficiências, a medicina não pode escolher eliminar os indivíduos que possuam estas deficiências. Tais ações são contrárias à própria medicina. Também deve-se lembrar que o morrer é o último ato de viver. A morte desnecessária deve ser evitada, mas a morte é uma realidade inevitável para todos. Ajudar às pessoas a morrer bem, quer sejam jovens ou velhos, é parte vital da medicina. Quando estes fatores são considerados cuidadosamente, deve-se compreender que a "qualidade" de vida da pessoa está no centro da prática médica. Beneficiar uma pessoa do ponto de vista médico, significa ajudar a pessoa a compreender as qualidades ou objetivos de uma existência biológica e não simplesmente prolongar a existência fisiológica.
Terceiro, decidir em circunstâncias difíceis é uma parte crucial da prática médica. Os cuidados médicos são uma arte, uma ciência e um processo de tomar decisões corretas com o paciente em direção à realização de importantes objetivos de vida. A habilidade do paciente desenvolver certos objetivos na vida é significativo. O paciente de câncer que está morrendo, por exemplo, permite-se que morra por que não existe terapias ou tratamentos disponíveis e porque tratamentos continuados simplesmente prolongam o processo de morrer. A dor e a "qualidade de vida" desta pessoa devido a esta doença não justifica o prolongamento da mera existência física. Respeito pela dignidade e sacralidade da pessoa exige a permissão ao paciente para morrer, não usar certas terapias, ou retirar outras porque elas não promovem vida. Um tratamento agressivo em tal caso é antiético.
Conclusão
A qualidade de vida de uma pessoa não é sinônimo de vida plena, fisiológica, psicológica ou emocional. Alguém é respeitado como pessoa independentemente do grau em que esse alguém desempenha tais funções. Contudo o nível em que a pessoa consegue desenvolver estas funções desempenha um papel importante no processo de se tomar decisões médicas. Negligenciar completamente tais fatores é ser vitalista, usando tecnologias de medicina como um mecânico, antes que como médico. O aspecto central da decisão é o beneficio do paciente que inclui a habilidade do paciente em atingir determinados objetivos da vida. A qualidade de vida do paciente, como ela se relaciona em realizar objetivos de vida é central para se decidir ética e medicamente. Qualidade e santidade de vida não são opostos. Eles somente tornam-se tais, em argumentos simplistas. O que é crucial é que decisões acuradas aconteçam baseadas nos princípios básicos da justiça. Talvez não é tanto a qualidade e sacralidade que causam conflitos nestas decisões, mas sim a falta de razão e justiça.
TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
1. Por que é difícil provar que a vida humana é sagrada?
2. Os seres humanos são preciosos e tem valor em si mesmos, independentemente de seus talentos e conquistas? Discuta.
3. O humanismo secular e a Tradição Judaico-cristã concordam sobre o valor da vida humana. Como seus pontos de vista diferem?
4. Por que profissionais médicos encontram dificuldades em por limites na sua luta contra a doença e a morte?
5. Para algumas pessoas, o princípio do duplo efeito se assemelha a: "o fim justifica os meios". Explique a diferença.
Questionamento
O homem como senhor da natureza
Houve um tempo, muito tempo atrás, quando a natureza era vista como viva e cheia de espíritos, sendo uma manifestação ou emanação de Deus ou dos deuses. Parte da tradição judaico-cristã tem sido o gradual "desencantamento" da natureza, pelo qual ela tem sido objetificada e dessacralizada. Os homens não mais sentem laços profundos de relacionamento com a natureza. Esta concepção é agora vista como histórica. Deixados bem para trás são os totens que significaram íntimo relacionamento com certos grupos de animais ou outros relacionamentos com a natureza. O resultado tem sido a crescente aceitação e expressão de uma ética de domínio (mastery) sobre a natureza.
Um fator chave nesta mudança de nosso relacionamento, desde o animismo ao domínio respeitoso até o domínio pragmático foi o processo da tremenda aceleração do conhecimento. Quando as pessoas eram ignorantes dos processos da natureza e quando as áreas de conhecimentos eram suficientemente pequenas para uma pessoa compreender muitas disciplinas diferentes, uma ética de dominação tendia a ser popular, era a única disponível. Os limites do conhecimento humano foram postos em cheque pelas conseqüências da secularização e independência da natureza. Hoje contudo, estes limites estão rapidamente desaparecendo em face de crescente conhecimento. E difícil permanecer somente responsável quando você pode ser o dominador "master". A nova ética emergente é sumariada no imperativo tecnológico: Se podemos fazê-lo, devemos fazê-lo. Enquanto esta ética não exclui atitude de reverência, ela continua o processo de objetificação da natureza e engrandece a possibilidade de esforços para manipulá-la. (Ética Ecológica).
O que é a natureza humana
Se partilhamos uma idéia clara a respeito do que significa ser homem, seríamos capazes de enfrentar muitos problemas: o debate sobre o aborto tem nos lembrado de uma maneira penosa, que existe pouco, se algum, acordo no que entendemos por natureza humana. O problema não é que nos faltem definições. Temos uma longa lista que poderíamos começar deste Platão até a presente safra de filósofos, teólogos, psicólogos, cientistas sociais e biólogos. Eles falham em nos ajudar, porque geralmente só vêem um lado da questão. Alguns focalizam somente as capacidades, outros o potencial das pessoas. Alguns enfatizam as qualidades essenciais da pessoa, outros se concentram nas emoções. Outros ainda focalizam a racionalidade. Certamente o problema é que enquanto não gostamos de nenhuma destas definições individualmente,também não gostamos delas coletivamente.
Estamos conscientes do contexto político e teológico dentro do qual estas definições foram geradas, bem como das manipulações ideológicas a que podem estar sujeitas. Tendemos a ver com suspeição as definições, porque elas podem ser usadas para servir um determinado objetivo, que pode ser contrário ao que almejamos.
Existe uma outra razão, de alguma maneira paradoxal, na dificuldade que sentimos em definir o que seja humanidade. Nosso conhecimento científico está crescendo. Quanto mais aprendemos a respeito de genética, mais apreciamos sua importância em nos ajudar a definir a nós mesmos. Quanto mais aprendemos a respeito de psicologia e ciências sociais, mais nos damos conta que podemos ser manipulados numa variedade de modalidades que não nos reconhecemos a nós próprios. Conseqüentemente, sabemos que a natureza humana pode ser muito mais maleável que nunca antes imaginamos. Aonde isto nos deixa? Alguns diriam que em tempo de confusão e incerteza deveríamos ser conservadores sem definir a natureza humana e deveríamos proceder vagarosamente até que soubéssemos para onde estamos indo. Outros concluiriam justamente o oposto: uma vez que estamos incertos, deveríamos ser liberais e precisamos caminhar rapidamente de modo que possamos ganhar o conhecimento que precisamos para ajudar a definir nossa natureza. Qualquer que seja a direção que tomarmos, não existe um consenso cultural em que possamos nos apoiar e confiar, haja visto os problemas levantados pela engenharia genética que afetam fundamentalmente o modo como definimos o que é o ser humano.
TÓPICOS PARA DISCUSSÃO
1. Qual dos três modelos de natureza melhor reflete suas próprias atitudes e valores?.
2. Descreva, com suas palavras, a caminhada da espécie humana "do animismo à administração respeitosa para a dominação pragmática".
Christian de Paul de Barchifontaine et alii: “Bioética e saúde” - São Paulo, CEDAS

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