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O Governo Goulart e o Golpe de 64 - Caio Navarro de Toledo

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Caio Navarro de Toledo 
 
O Governo Goulart 
E o Golpe de 64 
 
 
 
 
 
Índice 
 
 
 
 
Um governo no entreato golpista 
O "golpe branco" ou "a solução de compromisso" 
A crise político-institucional na versão parlamentarista 
Um governo no trapézio 
A politização da sociedade — esquerda e direita 
mobilizam-se 
O golpe político-militar 
Conclusões 
Indicações para leitura 
Um governo no entreato golpista 
 
 
 
O governo João Goulart nasceu, conviveu e morreu sob o signo 
do golpe de Estado. Se, em agosto de 1961, o golpe militar pôde 
ser conjurado, em abril de 1964, no entanto, ele deixaria de se 
constituir no fantasma — que rondou e perseguiu permanentemente o 
regime liberal-democrático inaugurado em 1946 — para se tornar nu-
ma concreta realidade. 
No dia 25 de agosto de 1961, Jânio Quadros resignava sem ao 
menos completar sete meses na Presidência da República. Na carta-
renúncia — autêntica paródia e pastiche da carta-testamento de Ge-
túlio Vargas, como observaram diversos autores —, Quadros não for-
mulou uma única razão convincente para explicar e justificar o seu 
teatral gesto. Se, naquele momento, a denúncia do golpe janista 
soava como uma mera especulação, hoje restam poucas dúvidas a esse 
respeito. A rigor, a renúncia constituía-se no primeiro ato de uma 
trama golpista. Julgava o demissionário que os ministros militares 
não apenas impediriam a posse de João Goulart, como também procu-
rariam impor, juntamente com o massivo e sonoro "clamor popular", 
o retorno do "grande líder". Na sua fantasia, Quadros voltaria, 
pois, nos "braços do povo". 
As ilusões do renunciante, contudo, logo se desvaneceram. Nem 
os ministros militares e, menos ainda, as massas populares tomaram 
qualquer iniciativa no sentido de reivindicar a volta de Quadros. 
Em várias partes do país, os setores populares e democráticos sai-
riam às ruas para defender, isto sim, a posse de João Goulart, a-
meaçada por um arbitrário veto militar, plenamente respaldado pela 
UDN e demais setores conservadores. As manifestações populares, 
associadas com as de políticos democráticos e de militares nacio-
nalistas, conseguiram impedir o golpe militar que se configurava 
em agosto de 1961. 
Assim, com a diferença de poucos dias, duas tentativas de gol-
pe se sucediam: a de Jânio Quadros e a dos setores militares. Três 
anos depois, tendo sido alcançada uma forte coesão ideológica no 
seio das Forças Armadas, os militares impuseram, juntamente com a 
significativa mobilização política das classes dominantes e de se-
tores das classes médias, uma nova ordem político-institucional no 
país. Os setores populares e democráticos, a partir de então, pa-
gariam um preço muito elevado pela resistência oferecida aos gol-
pistas em 1961. 
Foi, portanto, no entreato de alguns ensaios golpistas e de um 
golpe político-militar, plenamente vitorioso, que existiu o gover-
no João Goulart. Nos seus dois anos e meio de vigência (setembro 
de 1961 a março de 1964), um novo contexto político-social emergiu 
no país. Este novo quadro caracterizou-se por uma intensa crise 
econômico-financeira, freqüentes crises político-institucionais, 
extensa mobilização política das classes populares, ampliação e 
fortalecimento do movimento operário e dos trabalhadores do campo, 
crise do sistema partidário e acirramento da luta ideológica de 
classes. 
Este período da história política brasileira é significativo 
ainda pois nele se intensificam e se condensam alguns dos impasses 
e dos conflitos da democracia burguesa. Se entendemos que as con-
tradições sociais são processos constitutivos da formação social 
capitalista e de seus regimes políticos, então o período de 
1961/1964 deve ser visto como um momento privilegiado da vida po-
lítica brasileira posto que nele ocorreu uma polarização política 
e ideológica com dimensões inéditas e com características singula-
res. Para os que vêem nos conflitos e nos antagonismos o sinal da 
desagregação social, os "tempos de Goulart" só podem ser encarados 
como trágicos "tempos do caos e da anarquia". 
1964 é, pois, um marco divisor e uma referência obrigatória em 
qualquer avaliação sobre o passado recente. Decorridos menos de 20 
anos da queda do regime liberal-democrático, não deixam de ser a-
inda conflitantes as interpretações sobre o período Goulart. A 
nosso ver, motivações antagônicas parecem estar presentes em algu-
mas dessas interpretações. As esquerdas — não obstante reconheçam 
os reais avanços sociais e políticos ocorridos no período —, bus-
cam, fundamentalmente, investigar as razões dos limites e das im-
possibilidades da democracia burguesa com características "popu-
listas". A direita, ao definir os "tempos de Goulart" como a ex-
pressão acabada de toda a perversidade social (subversão, cor-
rupção, crise de autoridade, desordem etc), procura justificar a 
implantação do regime autoritário e a perpetuação do poder de Es-
tado militarizado. 
O "GOLPE BRANCO" OU 
"A SOLUÇÃO DE COMPROMISSO" 
 
 
 
O veto militar 
 
 
 
Com a renúncia de Jânio Quadros, o Congresso Nacional, reunido 
extraordinariamente no dia 25 de agosto de 1961, dava posse, na 
Presidência da República, a Ranieri Mazzilli (presidente da Câmara 
dos Deputados). Tal solução era encontrada em virtude de se encon-
trar ausente do país o vice-presidente da República, João Goulart. 
Imediatamente, os meios de comunicação do país passavam a di-
vulgar versões — cuja veracidade seria confirmada nos dias seguin-
tes — segundo as quais haveria, da parte de expressivos círculos 
militares, uma forte oposição à posse constitucional de João Gou-
lart na Presidência da República. As notícias iam mais longe: a-
firmava-se que os ministros militares não apenas desaconselhavam o 
retorno imediato de Goulart, como estavam decididos a detê-lo no 
momento em que pisasse o território nacional. Ao mesmo tempo que 
difundiam estas informações, vários jornais da chamada grande im-
prensa — expressando a opinião política dos setores conservadores 
das classes dominantes — conclamavam as Forças Armadas a assumirem 
um papel decisivo na crise política que se configurava com a re-
núncia de Jânio Quadros. Em outras palavras, tais setores estimu-
lavam e apoiavam o golpe militar. 
No dia 28 de agosto, através do presidente-interino, os três 
ministros militares buscaram impor ao Congresso a aprovação de uma 
breve nota onde — sem qualquer justificativa — era vetada a posse 
de Goulart. Por uma expressiva maioria, os congressistas manifes-
taram-se contra aquela arbitrária e ilegal exigência. No dia 30, 
os ministros militares voltariam à carga. Através de um manifesto 
à nação, agora se dignavam a explicitar as razões do veto a João 
Goulart. A certa altura, afirmava o documento: "Na Presidência da 
República, em regime que atribui ampla autoridade e poder pessoal 
ao chefe do governo, o sr. João Goulart constituir-se-á, sem dú-
vida alguma, no mais evidente incentivo a todos aqueles que dese-
jam ver o País mergulhado no caos, na anarquia, na luta civil". 
Todas estas "previsões" eram feitas na base do passado político de 
Goulart. Na ótica dos militares e dos demais setores civis golpis-
tas, Jango simbolizava tudo aquilo que havia de "negativo" na vida 
política brasileira: demagogo, subversivo e implacável inimigo da 
ordem capitalista. Seria o "diabo" tão vermelho como o pintavam? 
 
 
Goulart: por um capitalismo "humano" e "patriótico" 
 
 
Nos primeiros anos de sua rápida trajetória política, os es-
treitos laços de amizade mantidos com o ex-ditador — seu vizinho 
de estância na longínquaSão Borja (RS) — transformavam Goulart em 
figura altamente suspeita aos olhos dos setores antigetulistas. 
Como deputado pelo Rio Grande do Sul, eleito em 1950, Goulart so-
freu contundentes ataques pela imprensa; esteve seriamente ameaça-
do de perder o mandato parlamentar, pois raramente comparecia à 
Câmara Federal. Dedicava-se às suas tarefas de presidente do Dire-
tório Estadual do PTB e, desde então, orientava toda a sua ação 
política em direção ao movimento sindical. Destacando-se neste ti-
po de atividade, foi escolhido, em 1953, por Vargas, para o cargo 
de ministro do Trabalho. 
Foi um "deus nos acuda". Como admitir, num Ministério do Esta-
do, indagavam os setores de direita e liberais conservadores, o 
"chefe do peronismo brasileiro", o "demagogo sindicalista", o 
"corrupto negociante"? Pior ainda, prognosticavam: controlando e 
manipulando a classe operária e as massas populares, a partir do 
Ministério do Trabalho, Jango se constituiria numa peça importante 
para o sucesso de um novo golpe de Estado que estaria sendo engen-
drado pelo "maquiavélico" Vargas. 
Como ministro do Trabalho, Goulart é diariamente acusado de 
insuflar greves e de pregar a luta de classes. Seu maior sonho, 
afirmam ainda seus críticos, seria o de implantar no Brasil a "Re-
pública sindicalista" nos moldes do justicialismo peronista. Fa-
zendo blague, mas iradamente, um influente periódico das classes 
dominantes denunciava que Jango, ao invés de ser ministro do Tra-
balho, transformara-se num autêntico "ministro dos Trabalhado-
res"... Diante desta lamentação, a resposta de Goulart seria ex-
tremamente elucidativa. Numa entrevista, expressou com muita cla-
reza a estratégia do Estado democrático-burguês quanto à questão 
sindical: "(...) essa confiança do proletariado na secretaria de 
Estado que dirijo deveria constituir-se num motivo de tranqüilida-
de (para os patrões), e nunca de alarme. Pretender-se-ia, talvez, 
que o operariado brasileiro, já tão desencantado, não acreditasse 
nos poderes constitucionais?" (grifo nosso). 
Como herdeiro de imensa fortuna pessoal e grande proprietário 
de terras ("um latifundiário com saudável instinto de propriedade 
privada", como afirmou um de seus colaboradores), Goulart era, tal 
como seus críticos de direita, um fiel defensor do capitalismo. No 
entanto, asseverava ele, sua diferença em relação a estes residia 
na sua aspiração a um capitalismo mais "humanizado" e "patrióti-
co"; ou seja, Jango dizia opor-se àquilo que hoje se convencionou 
chamar de "capitalismo selvagem". "Não passa de torpe intriga o 
boato de que sou contra o capitalismo. Ã frente do Ministério do 
Trabalho estou pronto a estimular e a aplaudir os capitalistas que 
fazem de sua força econômica um meio legítimo de produzir rique-
zas, dando sempre às suas iniciativas um sentido social, humano e 
patriótico." 
Pouco mais de oito meses permaneceria no Ministério do Traba-
lho do segundo governo Vargas. Enquanto Goulart defendia publica-
mente um aumento de 100% para os trabalhadores que ganhavam salá-
rio mínimo, Vargas, através de seu ministro da Guerra, tomava co-
nhecimento de um documento ("Memorial dos Coronéis") assinado por 
81 oficiais do Exército. Nele se advertia o Exército e a Nação dos 
perigos do "comunismo solerte sempre à espreita", do "clima de ne-
gociata, desfalques e malversação de verbas", da "crise de autori-
dade" que solapava a coesão de "classe militar" etc. Em nenhum 
instante o nome de Jango era citado no "Memorial", mas a conse-
qüência da sua divulgação pela imprensa foi a sua imediata demis-
são do Ministério do Trabalho. (Entre os signatários do documento, 
redigido pelo então ten.cel. Golbery do Couto e Silva, estavam mi-
litares que, dez anos mais tarde, afastariam Goulart definitiva-
mente da vida política brasileira: Amaury Kruel, Syzeno Sarmento, 
Sílvio Frota, Ednardo D'Ávila, Euler Bentes, etc.) 
Como vice-presidente da República, durante o qüinqüênio desen-
volvimentista de Juscelino Kubitschek, João Goulart não deixaria 
de estar sob o fogo cerrado da direita e de setores liberais-
conservadores. No manifesto de agosto de 1961, os ministros mili-
tares alinhavam algumas acusações: "No cargo de vice-presidente, 
sabido é que usou sempre de sua influência em animar e apoiar, 
mesmo ostensivamente, manifestações grevistas promovidas por co-
nhecidos agitadores. E, ainda há pouco, como representante oficial 
em viagem à URSS e à China Comunista, tornou clara e patente sua 
incontida admiração ao regime destes países, exaltando o êxito das 
comunas populares". 
Desta forma, na ótica dos políticos e militares, comprometidos 
com as ideologias liberal-conservadora e de direita, de nada adi-
antava Goulart reiteradamente afirmar a sua crença no capitalismo. 
Deixavam, pois, de reconhecer que a atuação política de Jango (se-
ja na condição de ministro de Trabalho, seja na de vice-presi-
dente) contribuía objetivamente para um melhor controle do Estado 
burguês sobre as atividades sindicais. Igualmente, aqueles setores 
deixavam de perceber que — tal como concebia e exercia suas fun-
ções políticas e administrativas — Jango era uma eficiente porta-
voz, nos meios sindicais e populares, da ideologia populista do 
Estado protetor e "acima das classes". Obstinadamente reacionários 
e intransigentemente anticomunistas, não conseguiam deixar de re-
presentar Jango na figura de "perigoso agitador" e de "demagogo 
sindicalista". 
 
 
A luta pela legalidade 
 
 
Nem todos os setores sociais e políticos, no entanto, inter-
pretavam nessa direção a trajetória política de João Goulart. Não 
viam, pois, razões para lhe negar o direito de assumir a Presidên-
cia da República. Ideologicamente, estes setores afinavam-se com o 
nacionalismo reformista, com a liberal-democracia, com a esquerda 
revolucionária. Governadores de estados, parlamentares federais e 
estaduais, sindicatos de trabalhadores, entidades de empresários 
(CONCLAP), estudantes e alguns setores militares, se manifestavam 
em defesa da ordem constitucional. 
Dos governadores estaduais que declararam seu apoio à posse de 
Goulart (Carvalho Pinto, São Paulo; Ney Braga, Paraná; Mauro Bor-
ges, Goiás e Leonel Brizola, Rio Grande do Sul), foram estes dois 
últimos os que mais intensamente se empenharam na" "defesa da le-
galidade". Contudo, foi a partir de Porto Alegre que se unificou a 
oposição nacional ao golpe militar, em virtude da decidida ação 
política de seu governador e da adesão do III Exército, sob o co-
mando do gal. Machado Lopes. Brizola mobilizou amplos recursos de 
seu estado, chegando, inclusive, a se dispor a distribuir armas à 
população civil para combater eventuais ataques das forças golpis-
tas. Através das emissões da "Rede da Legalidade", acompanhava-se 
o desenrolar dos acontecimentos em todo o país e articulava-se o 
movimento antigolpista em nível nacional. 
Militares nacionalistas (o mal. Lott fora preso por ter lança-
do um manifesto contra o golpe), altos-oficiais do Exército, orga-
nizações militares sediadas nos estados do Pará, Minas Gerais, Rio 
Grande do Sul, São Paulo, Goiás, Guanabara e até mesmo em Brasí-
lia, almirantes, associavam-se ao movimento contra a solução cons-
piratória. Apesar de proibidas e reprimidas, manifestações popula-
res sucediam-se nos grandes centros urbanos (passeatas, comícios, 
panfletagem etc). Várias entidades de classe condenavam os golpis-
tas e defendiam a posse de Goulart. Inúmeras greves políticas em 
diversos setores (têxtil, transportes, bancários, metalúrgicos, 
portuários, etc.) culminam numa greve nacional em "defesa da lega-
lidade", deflagrada pelo Comando Geralda Greve (CGG), embrião do 
CGT. A UNE decretou "greve nacional"; na Bahia os estudantes cria-
vam a Frente de Resistência Democrática. 
 
 
A "solução de compromisso" 
 
 
O Congresso Nacional, expressando o sentimento geral dos seto-
res democráticos e populares, negava-se, no primeiro momento, a 
transigir com os golpistas. Contudo, os dois grandes partidos con-
servadores (UDN e PSD) articulavam, desde as primeiras horas da 
crise, a chamada "solução de compromisso": a emenda constitucional 
que instituía o regime parlamentarista no País. Se o golpe militar 
era derrotado, um golpe político, no entanto, era perpetrado con-
tra o regime vigente, pois a carta de 1946 proibia, taxativamente, 
toda e qualquer reforma constitucional num clima insurrecional. Um 
outro significado deste "golpe branco" é que a emenda parlamenta-
rista retirava a eleição do presidente da República do âmbito po-
pular, transferindo-a para o espaço reduzido da Câmara Federal. 
Por 236 votos a favor e 55 contra (40 eram do PTB), a emenda 
constitucional era aprovada no Congresso Nacional. Os congressis-
tas julgavam-se vitoriosos, pois afirmavam ter evitado uma "guerra 
civil" no país. Na verdade, o Congresso, através de sua maioria 
conservadora e liberal-democrata — com o incentivo dos militares 
dissidentes e com a anuência dos golpistas —, adiantou-se em ofe-
recer tal solução, pois o avanço das forças populares passava a se 
constituir numa ameaça política indesejável. Para os ideólogos 
burgueses da Ciência Política, o Congresso Nacional, neste episó-
dio, dava uma excelente lição daquilo que denominam de "realismo 
político" ou da "arte de conciliação". 
Alguns analistas afirmam, hoje, que o parlamentarismo não se 
configurava, naquela conjuntura, como uma saída política inescapá-
vel. Argumentam que o tempo corria na direção favorável à manu-
tenção do regime presidencialista, posto que o crescimento da par-
ticipação popular e a ampliação dos setores políticos e militares 
antigolpistas punham na defensiva e em minoria as forças reacioná-
rias. Como sugere o ex-deputado Almino Afonso: "Com mais alguns 
dias de resistência política do presidente João Goulart teria ha-
vido a solução normal, que seria a sua posse dentro do sistema 
presidencial". Ao contrario disso, João Goulart não apenas concor-
dou com a emenda constitucional, como se apressou em escolher uma 
solene efeméride nacional para ser empossado. No dia 7 de setembro 
de 1961, João Belchior Marques Goulart recebia no Congresso Nacio-
nal a faixa presidencial, sob o manto do regime parlamentarista. 
De acordo com a emenda parlamentarista, o Poder Executivo pas-
sava a ser exercido pelo presidente da República e por um Conselho 
de Ministros (Gabinete Parlamentar), a quem caberia a "direção e a 
responsabilidade da política do governo, assim como a administra-
ção federal". Ao presidente competiria nomear o presidente do Con-
selho de Ministros (primeiro-ministro) ou chefe do governo e, por 
indicação deste, os demais membros ministros de Estado. Na verda-
de, transformava-se o presidente da República em autêntico chefe 
de Estado, perdendo a sua iniciativa de elaborar leis, orientar a 
política externa, elaborar propostas de orçamentos, etc. O governo 
se efetivava fundamentalmente através do Conselho de Ministros 
que, por sua vez, dependia permanentemente do voto de confiança do 
Congresso Nacional. A emenda constitucional nº 4, nas suas Dispo-
sições Transitórias, previa a realização de um plebiscito que vi-
esse a decidir acerca da "manutenção do sistema parlamentar ou 
volta ao sistema presidencial". Tal consulta popular devia ocorrer 
nove meses antes do término do período presidencial de Goulart. 
Sob rédeas relativamente curtas, João Goulart iniciava, assim, 
seu governo na versão parlamentarista. Mas, conforme confessaria a 
um assessor, faria ele de tudo para abreviar a vida do novo regi-
me. Recusava-se a representar o papel de uma "Rainha Ehzabeth". 
Queria governar, não apenas reinar... 
A CRISE POLlTICO-INSTITUCIONAL 
NA VERSÃO PARLAMENTARISTA 
 
 
 
Na curta existência do regime parlamentarista (setembro de 
1961 a janeiro de 1963), o país veria sucederem-se três Conselhos 
de Ministros, além de se defrontar com o agravamento de sua situa-
ção econômico-financeira e se debater ainda com novas crises polí-
tico-institucionais. Administrativamente ineficiente e politica-
mente inviável, o parlamentarismo — sistema natimorto, como alguns 
o denominaram — teria os seus dias contados dentro da vida repu-
blicana brasileira. 
Do ponto de vista econômico, o governo parlamentarista não a-
penas herdava as profundas distorções da política desenvolvimen-
tista do governo Kubitschek como também tinha de fazer face às 
conseqüências imediatas das medidas econômico-financeiras postas 
em prática pela fracassada administração Quadros. No período Ku-
bitschek, ao se optar por um elevado nível de investimentos e ao 
se manter as importações de equipamentos necessários ao de-
senvolvimento econômico, apelou-se para um progressivo endivida-
mento externo. No período 1956/60, mostram os dados oficiais, o 
déficit nas transações correntes (mercadorias e serviços) alcançou 
a elevada cifra de 1,2 bilhões de dólares. De outro lado, "como o 
investimento externo fazia-se com a regalia da Instrução 113, isto 
é, sem cobertura cambial, o atendimento do déficit fez-se, princi-
palmente, através de empréstimos a curto prazo e de atrasos comer-
ciais, aumentando o endividamento externo" (Cibilis Viana, Refor-
mas de Base e a Política Nacionalista de Desenvolvimento). A taxa 
inflacionária elevou-se significativamente nos últimos anos do go-
verno Kubitschek, agravada fundamentalmente pela "deterioração das 
relações de troca, acúmulo de estoques invendáveis de café adqui-
ridos pelas autoridades monetárias; crescimento insuficiente da 
oferta de produtos agrícolas e oligopolização do comércio ataca-
dista de gêneros alimentícios" (Idem, ibidem). No período desen-
volvimentista anterior, houve um acentuado descompasso entre o 
crescimento do setor industrial e o da agricultura. Ainda segundo 
o autor acima, "a produção agrícola apresentou a taxa anual média 
de crescimento de 4,3% inferior a de todos os demais períodos". 
Com o aumento da população urbana (75% entre 1952 a 1961) e um au-
mento do poder de compra dos assalariados em geral, houve, conse-
qüentemente, a expansão da demanda de alimentos. Com o insuficien-
te crescimento da produção agrícola para o mercado interno, pas-
saram a ocorrer, a partir de 1961, agudas crises de abastecimento, 
gerando inquietações sociais e movimentos reivindicatórios de 
grande extensão nos campos e nas cidades. 
Além desses problemas, o governo que se empossava tinha de en-
frentar as graves conseqüências da reforma cambial precipitadamen-
te realizada por Quadros. Através da famigerada Instrução 204 da 
SUMOC, instituiu-se o regime de liberdade cambial (enganosamente 
denominado de "verdade cambial"). A partir de agora, as importa-
ções passavam a ser realizadas a taxas de mercado livre, ficando 
suprimidos os subsídios governamentais às compras de petróleo, 
trigo e papel. Na justificativa oficial, buscava-se alcançar o e-
quilíbrio das transações com o exterior, altamente comprometido no 
governo Kubitschek. A eliminação dos subsídios teve como con-
seqüência uma brusca e imediata alta do custo de vida, particular-
mente daqueles produtos que eram fundamentais no orçamento das 
classes trabalhadoras. 
 
 
Um gabinete de "união nacional" 
 
 
No dia 8 de setembro de 1961, o Congresso Nacional aprovava o 
primeiro Conselhode Ministros; era ele presidido por Tancredo Ne-
ves, conhecida figura do PSD mineiro. Goulart e Tancredo denomi-
naram o gabinete de "união nacional". Uma vez mais, pois, a fórmu-
la da "união nacional" era desenterrada do arsenal ideológico das 
classes dominantes a fim de encobrir a existência de conflitos e 
antagonismos no interior da conjuntura política. Na verdade, o 
primeiro gabinete representava uma nítida derrota do movimento po-
pular que, alguns dias antes, havia empolgado o país. Como as es-
querdas viriam a denunciar, tratava-se de um autêntico "gabinete 
de conciliação": "conciliação para evitar que fossem colhidos os 
frutos da vitória popular. Conciliação com os imperialistas, con-
ciliação com os golpistas" (Paulo M. Lima, in Revista Brasiliense, 
nº 22). 
A vitória das forças politicamente conservadoras do Congresso 
evidenciava-se mediante a composição do Gabinete, onde 4 ministros 
representavam o PSD e 2 a UDN; ao partido do qual o presidente da 
República era o presidente nacional, PTB, coube apenas uma pasta: 
o Ministério das Relações Exteriores, na figura de Francisco San 
Tiago Dantas. O importante Ministério da Fazenda teve sua respon-
sabilidade entregue ao banqueiro Walter Moreira Salles — ideologi-
camente identificado com os manuais ortodoxo-conservadores em ma-
téria de política econômico-financeira. Procurava-se, assim, con-
quistar o apoio do FMI e das autoridades financeiras norte-
americanas. 
Em matéria de política econômica, pode-se afirmar que "o pro-
grama do Conselho de Ministros obedecia aos mesmos princípios con-
servadores enunciados nos efêmeros governos Café Filho e Jânio 
Quadros, revelando-se, sob muitos aspectos, antagônicos ao ideário 
do nacionalismo desenvolvimentista" (Cibilis Viana, op. cit.). Se-
gundo este programa, por exemplo, não se fazia nenhuma crítica à 
reforma cambial implementada pelo governo anterior. Não seria es-
te, no entanto, o pensamento que orientava a assessoria econômica 
de Goulart (Goulart e Tancredo tinham assessorias distintas). Com-
posta de petebistas e nacionalistas-reformistas, a assessoria de 
Goulart buscaria influir sobre a orientação conservadora do gabi-
nete ao defender, por exemplo, o fortalecimento do setor estatal 
da economia. Nos seus primeiros pronunciamentos, Goulart faria 
críticas ao regime de "verdade cambial" e postularia a realização 
das Reformas de Base. 
Embora majoritariamente conservador, o gabinete de Tancredo 
Neves, logo nos seus primeiros meses de existência, tomou duas de-
cisões amplamente apoiadas pelos setores progressistas e nacio-
nalistas. A rigor, contudo, estas duas medidas nada mais faziam do 
que concretizar estudos oriundos do governo Quadros. Por proposta 
do ministro das Minas e Energia, Gabriel Passos (um nacionalista 
quase solitário na "constelação entreguista" da UDN), o Conselho 
de Ministros cancelava todas as autorizações feitas ao truste nor-
te-americano Hanna Corporation (companhia de mineração que explo-
rava jazidas em Minas Gerais). A outra decisão que repercutiu fa-
voravelmente nos meios progressistas do país foi o restabelecimen-
to das relações diplomáticas com a URSS (rompidas no governo Du-
tra, em plena "guerra fria"). Dava-se, assim, continuidade à polí-
tica externa independente cujos princípios básicos ("não interven-
ção de um Estado nos negócios internos de outro" e "autodetermina-
ção dos povos") foram enunciados no governo do contraditório Jânio 
Quadros. 
Exatamente dois meses depois, uma prova decisiva teria de en-
frentar a política externa independente do Brasil. Em Punta Del 
Este, Uruguai, reunia-se a Organização dos Estados Americanos (OE-
A) a fim de debater a situação de Cuba, após seu governo revolu-
cionário ter-se definido oficialmente pelo socialismo. Além da ex-
pulsão, proposta pelos EUA, pretendiam estes fazer aprovar sanções 
contra o governo presidido por Fidel Castro. O Brasil se opôs a 
qualquer forma de sanção (militar, econômica, rompimento das rela-
ções comerciais e diplomáticas) contra Cuba. No entanto, aprovou 
uma declaração onde se afirmava a "incompatibilidade entre um re-
gime marxista-leninista e os princípios democráticos do sistema 
interamericano". Cedendo parcialmente às fortes pressões norte-
americanas, o governo brasileiro se absteria na votação que propu-
nha a expulsão de Cuba da OEA. 
As relações norte-americanas/brasileiras sofreriam ainda um 
sério abalo quando, duas semanas após o encerramento da reunião da 
OEA, o governador Leonel Brizola, cunhado de João Goulart, de-
sapropriou os bens da Companhia Telefônica Nacional, no Rio Grande 
do Sul, subsidiária da International Telephone & Telegraph (ITT). 
"O Departamento do Estado protestou, energicamente, classificando 
o ato de Brizola como um 'passo atrás' nos planos da Aliança para 
o Progresso (...) E o Congresso dos EUA, diante da perspectiva de 
outras estatizações, votou a emenda Hinckenlooper, que determinava 
a suspensão de qualquer ajuda aos países que desapropriassem bens 
americanos, sem indenização imediata, adequada e efetiva" (Moniz 
Bandeira, O Governo João Goulart). 
Diante de futuras tentativas de encampações (Carlos Lacerda, 
governador da Guanabara, anunciou — demagogicamente — que expro-
priaria empresas estrangeiras em seu estado), o governo federal 
apressou-se em declarar sua disposição em negociar um acordo geral 
com as empresas de serviços públicos de propriedade estrangeira. 
Procurava, assim, o governo brasileiro demonstrar sua "boa vonta-
de" face ao capital estrangeiro; ao mesmo tempo tentava limpar o 
terreno dos possíveis obstáculos que poderiam dificultar as con-
versações a serem mantidas, nas semanas seguintes, entre os presi-
dentes do Brasil e dos EUA. 
Assessorado pelo embaixador brasileiro nos EUA, Roberto Cam-
pos, e por Moreira Salles, o presidente Goulart — no discurso pro-
nunciado perante o Congresso norte-americano e no comunicado con-
junto dos presidentes do Brasil/EUA — procura tranqüilizar a opi-
nião pública e os homens de negócios norte-americanos quanto aos 
caminhos a serem trilhados pelo governo brasileiro nos próximos 
anos. Entre outros temas, Goulart manifestou a adesão de seu go-
verno aos "princípios democráticos"; defendeu enfaticamente a par-
ticipação do capital privado estrangeiro no desenvolvimento brasi-
leiro; aprovou o princípio da "justa compensação" nos casos de de-
sapropriações de empresas estrangeiras operando no Brasil, etc. 
Embora revelasse preocupações quanto às dificuldades de execução 
do programa reformista da Aliança para o Progresso, Goulart elogi-
ou a iniciativa de Kennedy (provocada pela Revolução Cubana). Ad-
vertindo sobre os perigos que representaria o fracasso deste pro-
grama para os "povos democráticos", o presidente brasileiro fez 
seu o ideário reformista de Kennedy: "Aqueles que tornarem impos-
sível a revolução pacífica, farão inevitável a revolução violen-
ta". 
Apesar de todas as "juras de fidelidade e de amor" feitas por 
Goulart à democracia e ao capital estrangeiro, o país pouco lucra-
ria com a festejada viagem de Goulart aos EUA e México. Como ob-
servou um estudioso: "(...) o FMI e os outros principais credores 
do Brasil voltaram à sua atitude de esperar-para-ver dos últimos 
anos do governo Juscelino. Sentiam-se pessimistas. Não confiavam 
em que Jango tivesse o desejo, nem o poder de continuar o duro 
programa antiinflacionário empreendido por Jânio" (Thomas Skidmo-
re, De Getúlio a Castelo). 
 
 
A campanha das Reformas. Goulart X Gabinete 
 
 
Internamente, a viagem de Goulart aos EUA rendeu-lhe alguns 
proveitos; pela primeira vez, em toda a sua carreira política, adireita mais conservadora prestou-lhe homenagens. A UDN, através 
de seu líder na Câmara, Herbert Levy, saudou a sua performance nos 
EUA como a de um verdadeiro estadista. Porém, muito curto seria o 
período de tréguas que a oposição conservadora concederia ao go-
verno de Goulart. A partir do dia 1º de maio, a guerra novamente 
lhe seria declarada. 
Em reiteradas oportunidades, o presidente da República tinha 
se pronunciado acerca da urgência de o Executivo e de o Congresso 
aprovarem as reformas estruturais exigidas para a superação dos 
graves problemas econômicos, sociais e institucionais enfrentados 
pelo país. Não obstante se pudesse afirmar que era praticamente 
consensual — no Gabinete, no Congresso, nas Forças Armadas, nas 
associações e confederações rurais, na Igreja, nas organizações de 
trabalhadores rurais, etc. — o reconhecimento da necessidade da 
Reforma Agrária, as concepções acerca do seu sentido social e po-
lítico, da sua extensão e das pré-condições legais à sua realiza-
ção eram conflitantes. No seu discurso de 1º de maio, em Volta Re-
donda, Goulart chamou sobre si a fúria dos conservadores. Embora 
não explicitamente, Jango se opôs à forma moderada e conciliadora 
pela qual o gabinete de Tancredo Neves vinha encaminhando o debate 
do anteprojeto de Reforma Agrária de autoria do ministro da Agri-
cultura, o conhecido usineiro pernambucano Armando Monteiro (PSD). 
Apesar de ter criado importantes assessorias técnicas (Superinten-
dência da Reforma Agrária, SUPRA, e o Conselho Nacional de Reforma 
Agrária), o primeiro gabinete não chegou a enviar nenhum projeto 
de Reforma Agrária ao Congresso. 
A rigor, o que provocou a violenta reação dos setores de di-
reita foi o apelo do presidente ao Congresso no sentido de este 
realizar uma reforma da Carta de 1946. A reforma constitucional 
reivindicada por Goulart visava basicamente a alterar o § 16 do 
Art. 141 que condicionava as desapropriações de terra à "prévia e 
justa indenização em dinheiro". A vigência de tal preceito consti-
tucional, na prática, impedia — pelos altos recursos a serem des-
pendidos pelo governo — a realização de uma Reforma Agrária que 
implicasse uma ampla redistribuição de terras àqueles que nela e-
fetivamente trabalhavam. Diante da proposta do presidente da Repú-
blica, unem-se proprietários rurais, setores da Igreja, congres-
sistas liberais e conservadores, imprensa etc, para denunciar a 
"reforma agrária radical" cogitada, segundo eles, por Goulart. Na 
ótica desses grupos, a "revolução agrícola" deveria se fixar na 
"obediência aos preceitos constitucionais aliada ao interesse pri-
oritário pelo estímulo à produção" (Aspásia Camargo, "A Questão 
Agrária", in Brasil Republicano). 
Como observou a autora acima, o discurso de Volta Redonda pode 
ser considerado como um importante marco político: seja porque re-
presentou o primeiro esforço concentrado do governo em torno da 
realização das Reformas de Base (o segundo momento dessa campanha 
ocorreria a partir de abril de 1963), seja porque significou o a-
fastamento político do presidente da República face ao Conselho de 
Ministros e ao regime parlamentarista propriamente dito. Reconhe-
ce-se, também, nessa data, o início da intensificação da luta pela 
antecipação do Plebiscito. 
Sem o apoio do presidente da República, o Gabinete Tancredo 
Neves tinha os seus dias contados. Sob o pretexto de terem de cum-
prir a exigência legal de desincompatibilização funcional a fim de 
poderem concorrer às eleições de outubro de 1962, todos os membros 
do Gabinete Tancredo pediram demissão em junho. 
 
 
As crises de Gabinete 
 
 
A formação do 2º gabinete parlamentarista implicou uma compli-
cada batalha política para o presidente Goulart. Os dois grandes 
partidos conservadores do Congresso, PSD e UDN, uniam suas forças 
para rejeitar o nome do petebista San Tiago Dantas, indicado por 
Jango para presidir o novo gabinete. As razões da recusa eram evi-
dentes: San Tiago, que fazia parte da chamada "esquerda positiva", 
notabilizara-se, nos meses anteriores, pela condução da política 
externa independente. O febril anticomunismo da direita brasileira 
jamais poderia perdoar-lhe o reatamento das relações diplomáticas 
do Brasil com a URSS; igualmente, a sua intransigente oposição, 
dentro da OEA, a qualquer sanção contra Cuba socialista lhe vale-
ria a pecha de "traidor da pátria", por parte dos setores conser-
vadores. Além do mais, era um elemento da estrita confiança de 
Goulart, estando, pois, inteiramente solidário na luta que este 
movia contra o parlamentarismo e a favor das reformas de base. 
Sendo forçado a buscar apoio no PSD, Goulart apresentou um ou-
tro candidato: Auro Soares de Moura Andrade, presidente do Senado. 
No entanto, esta decisão desagradou as lideranças sindicais com-
prometidas com a luta pelas Reformas e que, desde o mês de junho, 
vinham defendendo a formação de um "Conselho de Ministros naciona-
lista e democrático". Diante da negativa face ao nome de San Tiago 
e da eminente aprovação do Conselho de Ministros a ser chefiado 
pelo conservador Moura Andrade, o Comando Geral da Greve (CGG) de-
cretou uma greve geral em todo o país para o dia 5 de julho. No 
dia anterior, porém, o senador do PSD desistia da sua indicação a 
primeiro-ministro. Apesar da renúncia de Moura Andrade e dos in-
sistentes apelos de Jango, a greve foi mantida. Na Guanabara, es-
tado onde se concentrou praticamente todo o movimento paredista, 
os militares do I Exército — sob o comando do general nacionalista 
Osvino Alves — colaboraram com os grevistas; não cederam veículos 
de seu uso para transporte público e também participaram das nego-
ciações para a libertação dos líderes sindicais reprimidos pela 
polícia do reacionário governador da Guanabara, Carlos Lacerda (S. 
Amad Costa, CGT e as Lutas Sindicais Brasileiras). A greve — con-
siderada pelo líder comunista Jover Telles como a maior da histó-
ria do movimento operário brasileiro — foi igualmente vitoriosa 
pelo fato de o presidente Goulart sancionar, uma semana depois, a 
lei que instituiu o 13º salário, uma das principais reivindicações 
da greve geral. 
O novo gabinete, presidido por Brochado da Rocha (PSD), rece-
bia voto de confiança no dia 13 de julho. Tratava-se de um gabine-
te de centro com orientação reformista. Nos seus dois curtos meses 
de existência, este conselho distinguiu-se basicamente por duas 
iniciativas políticas. A primeira consistiu num projeto de lei en-
viado ao Congresso visando antecipar a realização do Plebiscito; 
propunha-se o dia 7 de outubro, data marcada para as eleições da 
renovação do Congresso e escolha de alguns governadores de estado. 
Nova derrota de Goulart e do gabinete; nova greve geral seria de-
cretada pelas lideranças sindicais. Embora tivesse uma extensão 
menor do que a anterior, a greve foi igualmente vitoriosa pois, na 
madrugada de 15 de setembro (data fixada para a paralisação dos 
trabalhadores), o Congresso aprovou um projeto conciliador dos 
pessedistas Gustavo Capanema e Benedito Valadares. O Plebiscito, 
finalmente, tinha agora seu dia definido: 6 de janeiro de 1963. No 
entanto, a greve não reivindicava apenas a convocação do referen-
dum popular; exigia, também, a sanção da Lei de Remessa de Lucros 
(aprovada pelo Congresso mas ainda não regulamentada pelo Executi-
vo), a elevação dos níveis de salário mínimo na base de 100%, etc. 
Posto que o governo prometeu realizar estudos no sentido de aten-
der àquelas reivindicações, o Comando Geral do Trabalhadores 
(CGT), recentemente criado, suspendia a greve. 
A segunda importante iniciativa do Gabinete Brochado da Rocha 
consistiunuma mensagem enviada ao Congresso na qual se solicitava 
a autorização deste para que o Conselho de Ministros pudesse le-
gislar, através de decretos, sobre as Reformas de Base, remessa de 
lucros, regulamentação do direito de greve, abuso do poder econô-
mico, etc. Expressando os interesses dos proprietários e das asso-
ciações rurais, bem como da burguesia associada ao capital multi-
nacional, a aliança PSD/UDN fechava a questão contra a "delegação 
de poderes" pedida pelo gabinete. Prevendo a iminente derrota no 
plenário do Congresso, Brochado da Rocha demitiu-se. Desta forma, 
o Congresso cedia quanto à convocação do Plebiscito, mas a sua 
maioria não abriria mão de sua condição de intransigente defensora 
dos interesses das classes proprietárias e dos setores politi-
camente conservadores e de direita. Uma vez mais, Brizola se en-
carregaria de expressar a insatisfação dos movimentos populares e 
das correntes políticas nacionalistas e de esquerda: "O povo não 
poderia esperar outra coisa de um Congresso constituído, em sua 
maioria, de latifundiários, financistas, ricos comerciantes e in-
dustriais representantes da indústria automobilística, empreitei-
ros e integrantes da velha oligarquia brasileira" (apud M. Victor, 
5 Anos que Abalaram o Brasil). 
 
 
A campanha do plebiscito 
 
 
O terceiro e último Conselho de Ministros, presidido pelo ex-
ministro do Trabalho, Hermes Lima, duraria pouco mais de 4 meses. 
A rigor, a partir de meados de setembro de 1962, o comando do Exe-
cutivo passava praticamente para as mãos do presidente da Repúbli-
ca. Como viria a assinalar mais tarde o último premier do governo 
parlamentarista: "Vivia-se no país uma atmosfera mais presidencia-
lista que parlamentarista" (Hermes Lima — apud M. Bandeira, op. 
cit). Nesse sentido, deve-se reconhecer que o Gabinete provisório 
— oficialmente empossado dois meses depois — estava inteiramente 
solidário com o mais importante objetivo político perseguido por 
Goulart naquele momento: articular as forças políticas e sociais 
do país a fim de derrotar o parlamentarismo na eleição plebiscitá-
ria de 6 de janeiro. 
 
Pode-se afirmar que este gabinete esteve inteiramente envolvi-
do com a campanha do Plebiscito. Excluída a direita mais ardorosa-
mente anticomunista e antijanguista (a maioria da UDN IPES/ IBAD, 
imprensa conservadora, etc), poucos "moveram uma palha" em defesa 
do parlamentarismo. Em contrapartida, inúmeras foram as entidades 
e organizações que se empenharam na batalha política pelo retorno 
do presidencialismo. Importantes figuras políticas nacionais (al-
gumas delas particularmente interessadas em se candidatar, em e-
leições diretas, para a sucessão presidencial de Jango) apoiaram 
ostensivamente a derrubada do regime parlamentarista. Entre eles 
se incluíam Juscelino Kubitschek, Leonel Brizola, Cid Sampaio, Ma-
galhães Pinto, Juraci Magalhães e Carlos Lacerda (a UDN, partido 
dos três últimos, defendia a manutenção do parlamentarismo). 
Durante a campanha do Plebiscito, importantes figuras da ofi-
cialidade militar posicionaram-se a favor da volta do presidencia-
lismo. Poucas razões igualmente tinham os trabalhadores para apoi-
arem o regime parlamentarista. Nas últimas semanas de 1962, a CNTI 
(Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria) conclamava 
os trabalhadores brasileiros a comparecer ao referendum: "Todos, 
no, dia 6 de janeiro de 1963, assinalem o NÃO: NÃO à espoliação do 
país; NÃO aos exploradores do povo; NÃO à carestia e à fome. Por-
tanto, companheiro, um NÃO grande ao parlamentarismo". A rigor, 
para os trabalhadores, a luta pela retomada do presidencialismo 
significava, simplesmente, dar um "voto de confiança" ao presiden-
te da República que vinha defendendo publicamente a realização de 
reformas fundamentais na estrutura da sociedade brasileira. No dia 
6 de janeiro de 1963, depois de uma intensa e dispendiosa campanha 
político-publicitária contra o regime parlamentarista — comandada 
por Goulart e financiada por setores da burguesia brasileira —, 
cerca de 13 milhões de eleitores compareciam às urnas. Numa pro-
porção de 5 votos para 1, rejeitava-se o regime implantado na cri-
se político-militar de agosto de 1961. 
O regime parlamentarista fracassou pois se revelou altamente 
ineficaz do ponto de vista administrativo, como também pelo fato 
de ter-se constituído numa fonte permanente de crises institucio-
nais e políticas. O caráter híbrido e dualista do sistema — o pre-
sidente da República e o Conselho de Ministros, além de disputarem 
o controle do Executivo, divergiam quanto aos seus programas e 
prioridades de governo — dificultava a tomada de decisões que a 
realidade econômica e social do país urgentemente demandava. Não 
se sustentam, pois, aquelas interpretações que atribuem exclusiva-
mente à "má vontade" ou ao "desinteresse" de Goulart a responsabi-
lidade pela "triste sorte" que veio a ter o parlamentarismo no pa-
ís. Ressalte-se que o gabinete presidido por Brochado da Rocha 
buscou agilizar as decisões no campo administrativo e econômico; 
mas as Reformas de Base e outras medidas que estavam previstas pa-
ra serem implementadas esbarraram na intransigente oposição da a-
liança PSD/UDN. O Congresso que encerrava a sua legislatura em 
1962, sendo majoritariamente conservador, constituiu-se, assim, 
num forte obstáculo ao encaminhamento de políticas de caráter re-
formista oriundas do Executivo (seja da Residência da República, 
seja do Gabinete). 
Na crise político-militar de agosto de 1961, os dois maiores 
partidos conservadores apressaram-se em instituir no país um regi-
me que lhes permitiria deter maiores possibilidades para o contro-
le do Executivo. Como vimos, em certa medida, foram bem-sucedidos 
nesse intento, pois conseguiram impor limites e barreiras à ação 
do Executivo reformista — reconhecidamente mais eficazes do que 
aqueles tradicionalmente utilizados em regime presidencialista. No 
entanto, o parlamentarismo — forjado a toque de clarim e em ritmo 
marcial — não resistiu às inúmeras crises políticas que seu fun-
cionamento provocou e não conseguiu resolver. 
 
Um governo no trapézio 
 
 
 
No dia 23 da janeiro de 1963, com a revogação da emenda parla-
mentarista, João Goulart reassumia os plenos poderes que a Carta 
de 1946 conferia ao presidente da República. Após o malogro da ex-
periência parlamentarista, todas as indagações políticas resumiam-
se na seguinte: conseguiria o governo presidencialista de Goulart 
superar a crise econômico-financeira, aliviar as tensões sociais e 
afastar as crises políticas que vinham continuadamente desgastando 
a administração pública? Não seria exagerado afirmar que — entre 
os diferentes setores sociais — era praticamente consensual o re-
conhecimento de que da solução da crise econômico-financeira de-
pendia fundamentalmente o encaminhamento satisfatório dos demais 
problemas que afetavam o país. As propostas que as diversas clas-
ses sociais e grupos políticos ofereciam para resolver os proble-
mas da inflação, do déficit da balança de pagamentos, da continui-
dade do desenvolvimento econômico etc, não deixavam de ter orien-
tações diferentes e, por vezes, antagônicas. A este respeito deve-
se ressaltar que os tempos de Goulart constituíram-se em anos "ex-
tremamente férteis" na medida em que neles se processaram intensos 
debates sobre os rumos e direções que deveriam ser trilhados pela 
economia e sociedade brasileiras. Como observou um economista: "Ao 
contrário dos anos anteriores, em que reduzidas minorias controla-
vam a formulação política, nestes anos novos agrupamentos passaram 
a fazer ouvirsua voz no processo de decisão social. A política 
econômica não foi indiferente a este contexto social mais comple-
xo" (Carlos Lessa, 15 Anos de Política Econômica) . 
Como tende a ocorrer em todo regime democrático-burguês, o E-
xecutivo anunciava que o seu Plano de Governo tinha condições de 
resolver em profundidade os impasses e as dificuldades enfrentados 
pelo conjunto da sociedade brasileira. Essa ambiciosa proposta foi 
denominada de "Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico-Social: 
1963-1965", tendo sido elaborada pelo economista Celso Furtado 
(ministro do Planejamento), com a colaboração de San Tiago Dantas 
(ministro da Fazenda). A concepção e a execução do Plano Trienal — 
bem como as reações dos diferentes setores sociais e políticos a 
ele — contribuem de forma significativa para entendermos o que foi 
o governo Goulart. 
A análise da composição do primeiro ministério presidencialis-
ta, bem como o exame crítico do Plano Trienal, anunciavam muito 
expressivamente o estilo conciliador que iria predominar durante o 
governo Goulart — autêntico "governo de trapézio", segundo o jul-
gamento de um jornalista político. No Ministério encontravam-se 
políticos conservadores do PSD (Antônio Balbino e Amaral Peixoto), 
petebistas do grupo "fisiológico" (San Tiago Dantas e José Ermírio 
de Moraes — um dos expoentes da chamada "burguesia nacional"), um 
petebista do "grupo compacto" ou "ideológico" (Almino Afonso), 
técnicos "apartidários" como Celso Furtado e militares "duros" co-
mo o gal. Amaury Kruel. Por outro lado, o Plano Trienal, na sua 
formulação teórica, julgava poder harmonizar e satisfazer interes-
ses contraditórios — de patrões e empregados, de proprietários e 
trabalhadores assalariados. Quais os principais objetivos e pro-
postas do Plano? 
 
 
Plano Trienal: "combater a inflação com desenvolvimento" 
 
 
Diante das duas mais importantes tendências do comportamento 
da economia brasileira no início dos anos 60 — "aceleração infla-
cionária" (37% em 1961 e 51% em 1962) e "desaceleração do cresci-
mento"-(taxa de 7,3% em 1961 e 5,4% em 1962) —, o Plano trienal 
pretendia compatibilizar o combate ao surto inflacionário com uma 
política de desenvolvimento que permitisse ao país retomar as ta-
xas de crescimento do PIB (em torno de 7%) alcançadas durante o 
período de 1957 a 1961. Como reconheciam os setores de esquerda, o 
Plano constituía-se num avanço em relação às teses ortodoxas domi-
nantes, pois buscava combater o processo inflacionário "sem sacri-
fício do desenvolvimento". Paralelamente a estes dois objetivos 
principais, o Plano pretendia contribuir para uma melhor distribu-
ição dos frutos do desenvolvimento econômico, juntamente com "a 
redução das desigualdades regionais de níveis de vida". Enfatiza-
va, porém, o Plano Trienal, que se o processo inflacionário não 
fosse reduzido a limites toleráveis, o País — com uma iminente hi-
perinflação (prevista em 100% para fins de 1963, caso o plano de 
estabilização falhasse) — teria toda a sua atividade econômica pa-
ralisada e, conseqüentemente, passaria a ser o palco de perigosas 
lutas sociais. 
Tanto a análise feita pelo Plano sobre as causas do processo in-
flacionário, como as soluções ali apontadas, não deixariam de ser 
objeto de intensas polêmicas. Do lado do setor externo, admitiam 
as esquerdas que era correta a afirmação segundo a qual a inflação 
era provocada pela drenagem de recursos de recursos para o exteri-
or (através da "deterioração das relações de trocas") e pela 
transferência de renda (na forma de subsídios governamentais) para 
o setor exportador. Contudo, os "remédios" propostos — "refi-
nanciamento da dívida externa" e "entrada de recursos externos" 
para a amortização de empréstimos anteriormente contraídos — eram 
praticamente ineficazes como medidas antiinflacionárias; além do 
mais, amortizar dívidas com a entrada de capitais estrangeiros a-
gravaria ainda mais o nosso endividamento no exterior. Para as es-
querdas, o Plano constituía-se numa nova capitulação ao latifúndio 
e ao imperialismo: não se propunha a eliminação dos subsídios ao 
setor latifundiário-exportador nem se reconhecia o papel inflacio-
nário representado pelas remessas ao exterior de "juros, lucros e 
royalties, e a entrega de enorme soma de recursos públicos às 
grandes companhias estrangeiras, diretamente e através de isenções 
de impostos e favores cambiais" (H. Hoffmann, "O Plano Trienal e a 
Inflação", in Estudos Sociais, nº 16). 
Em relação ao setor público, a estratégia adotada para reduzir 
a pressão inflacionária consistia num "conjunto de medidas de ação 
convergente". Destacava, contudo, a "redução do dispêndio público 
programado" como o mais importante fator responsável pela inflação 
no País. Contra esta perspectiva, críticos à esquerda advertiam: 
"(...) o nível de gastos públicos não pode ser comprimido se se 
quer que a economia se desenvolva" (Paul Singer, Análise Crítica 
do Plano Trienal). Como se verá mais adiante, a realidade não dei-
xará de dar razão a esses críticos. 
 
 
Um plano antipopular e capitulacionista 
 
 
Para o ministro da Fazenda, San Tiago Dantas, o êxito da polí-
tica econômico-financeira passava a depender da "compreensão geral 
das áreas oficiais e não oficiais" acerca da "dramática situação" 
que enfrentava o País. Era voz corrente, nos círculos oficiais, 
que "o País não suportaria, no momento, nem reivindicações salari-
ais nem a pressão por maiores lucros, e as medidas que se adotam 
para evitar que à conjuntura desemboque num colapso financeiro de-
vem ter a compreensão e a colaboração dos dirigentes das classes 
produtoras e dos sindicatos de trabalhadores" (Carlos Castello 
Branco, Introdução à Revolução de 1964). Na perspectiva do gover-
no, nivelavam-se, assim, as "boas vontades": de um lado, a dos em-
presários que deveriam moderar, provisoriamente, o apetite por lu-
cros crescentes; de outro, a dos trabalhadores assalariados, que 
deveriam deixar de pressionar — adiando, pois, suas greves e rei-
vindicações — por salários mais elevados. Ora, bem se sabia que 
tais reivindicações visavam, simplesmente, recompor para a classe 
trabalhadora um nível de participação menos deteriorado na renda 
nacional. (Como mostrou um economista, a partir de 1958, com a ú-
nica exceção de 1961, houve uma acentuada deterioração do salário 
mínimo real.) (Francisco de Oliveira, "Crítica à Razão Dualista", 
in Estudos Cebrap.) Apesar da sua formulação teórica não conside-
rar os salários como fatores inflacionários, na prática, no entan-
to, o Plano pedia aos trabalhadores — como sempre o fazem os pla-
nos de "salvação nacional" — "colaboração", "paciência" e "patrio-
tismo". Mas, acima de tudo, que (novamente) "apertassem os cin-
tos"... 
O entusiasmo governamental começou a se esboçar em fevereiro e 
março, em virtude do apoio que o Plano recebia de associações das 
"classes produtoras" (a Confederação Nacional da Indústria, CNI), 
de governadores de estados etc; contudo, ele sofreria seus primei-
ros e fortes abalos com as críticas vindas de setores sindicais e 
das organizações políticas nacionalistas e de esquerda. Logo nos 
primeiros dias de fevereiro um manifesto do CGT revelaria que se-
ria tormentosa a administração do presidente Goulart. Nesse docu-
mento combatia-se a política financeira do Plano Trienal, pois en-
quanto este deixava intactos os lucros fabulosos do capital es-
trangeiro, dos latifundiários e dos grandes grupos econômicos na-
cionais, impunha, por outro lado, maiores sacrifícios às classes 
populares e trabalhadoras. Um crítico de esquerda assinalaria: 
"(...) o Plano Trienal visaa combater a inflação sem reduzir o 
crescimento econômico do país, no que se manifesta, tipicamente, a 
inspiração da burguesia nacional. Do ponto de vista dos defensores 
do Plano esta seria uma razão suficiente para que os trabalhadores 
o apoiassem. A verdade é, porém, que esta não é uma razão sufi-
ciente, mas uma razão burguesa e, portanto, inaceitável para os 
trabalhadores" (Jacob Gorender, "O Plano Trienal e o Combate à In-
flação", Novos Rumos, fevereiro de 1963). 
As críticas avolumaram-se e se intensificaram a partir do mo-
mento em que as conseqüências da política de eliminação de subsí-
dios ao trigo e ao petróleo (uma das medidas prioritárias no com-
bate à inflação) começaram a ser sentidas pelos setores populares. 
Em fevereiro, calculou-se que o fim da política de subsídios au-
mentaria o custo do transporte em 40% e o preço do trigo e do pão 
em 177%. Nos três primeiros meses de 1963, o índice geral dos pre-
ços subiu 16%, enquanto no mesmo período de 1962 o índice de au-
mento foi de 8%. A condenação ao Plano, unânime por parte dos se-
tores sindicais e populares e das organizações políticas de es-
querda (CGT, PUA, FPN, UNE, "grupo compacto" do PTB, etc), iria 
ter repercussões dentro do próprio Ministério, na medida em que a 
"diretriz de Almino Afonso no Ministério do Trabalho, ao fortale-
cer as direções operárias mais independentes, como o CGT, PUA, 
etc, colidiu com os interesses de Goulart" (Moniz Bandeira, op. 
cit.). Do lado dos empresários (particularmente da poderosa indús-
tria automobilística concentrada em São Paulo) havia "queixas ge-
neralizadas de falta de crédito". Diante das "violentas críticas" 
destes setores — encampadas pela própria CNI — haverá, no segundo 
trimestre de 1963, o relaxamento da política monetária que fará os 
meios de pagamento crescerem de 179,4 bilhões de cruzeiros contra 
a expansão projetada de 74,1 bilhões, "o que afetou definitivamen-
te o esquema do Plano Trienal" (C. Lessa, op. cit.). 
Os aspectos antinacionais da política econômico-financeira do 
governo Goulart ficariam também evidenciados quando das conversa-
ções entre Brasil e EUA acerca da negociação da assistência econô-
mica norte-americana e refinanciamento da dívida externa. Em março 
de 1963, San Tiago Dantas viajava a Washington com um forte argu-
mento para convencer o governo norte-americano a fornecer assis-
tência financeira ao Brasil: o Plano Trienal era a decisiva prova 
de que o País passava a se enquadrar dentro do receituário econô-
mico-financeiro propugnado pelo governo dos EUA e pelo FMI. Mas- 
os EUA, além de exigirem um compromisso formal por parte do gover-
no brasileiro de que o plano "não ficaria apenas no papel", impu-
seram ainda uma nova condição para a concessão do empréstimo soli-
citado: o governo Goulart deveria resolver com a máxima urgência a 
questão da desapropriação da AMFORP (American Foreign Power, sub-
sidiária da Bond & Share). Duas cartas de Goulart foram entregues 
a Kennedy por intermédio de San Tiago Dantas: nelas o governo bra-
sileiro comprometia-se a cumprir as duas exigências norte-ameri-
canas. (Entre os políticos norte-americanos circulava a versão de 
que a chamada "ajuda externa" dos EUA era freqüentemente desperdi-
çada pela má administração aos governos latino-americanos. No caso 
brasileiro, deixava, pois, de ser informado que, "na verdade, o 
que ocorria não era uma transferência de capitais dos EUA para o 
Brasil e, sim, ao contrário, um escoamento de recursos do Brasil 
para os EUA". Entre 1947 e 1960 entraram (empréstimos e investi-
mentos) US$ 1.814 milhões e "saíram no mesmo período.... US$ 2.459 
milhões sob a forma de remessas de lucros e juros, deixando um 
saldo negativo da ordem de USS 645 milhões" que, "acrescidos de 
US$ 1.022 milhões, sob a rubrica Serviços, ou seja, remessas de 
lucros clandestinas, perfaziam um total de USS 1.667 milhões. Em 
suma, num período de 13 anos, um volume considerável de dólares 
foi transferido do Brasil para os EUA. Rigorosamente, exportávamos 
muito mais capitais do que recebíamos" — Moniz Bandeira, op. cit.) 
Para tornar ainda mais complicada a situação do governo brasi-
leiro nas negociações de Washington, um porta-voz do Departamento 
de Estado — baseado nos relatórios de Mr. Gordon enviados regular-
mente da embaixada norte-americana no Brasil — alertava a opinião 
pública de seu país sobre a "perigosa atuação de comunistas" den-
tro da assessoria técnica de Goulart. Apesar das duas cartas do 
governo brasileiro (onde se garantia o acatamento às exigências 
norte-americanas) e de uma solene declaração oficial que negava a 
existência de "esquerdistas" na assessoria governamental, os EUA 
aprovaram um empréstimo de apenas USS 84 milhões, prometendo USS 
314,5 milhões para o ano fiscal de 1964, caso as medidas de con-
tenção inflacionária fossem efetivamente aqui aplicadas; antes, 
contudo, deveriam elas ser aprovadas por uma comissão do FMI, cuja 
visita ao Brasil estava prevista para meados de 1963. Embora os 
"brios nacionalistas" do governo brasileiro fossem feridos — noti-
ciou-se que San Tiago Dantas ameaçara abandonar as negociações com 
os EUA —, "razões pragmáticas" fizeram com que as imposições nor-
te-americanas fossem aceitas, conforme se verificou através do a-
cordo Dantas/ Bell. 
O caso da compra da AMFORP — o "escândalo da AMFORP" como fi-
cou conhecido na imprensa da época — transformou-se em grave pro-
blema político para a administração Goulart. Enquanto retirava os 
subsídios para o trigo e o petróleo e cortava alguns investimentos 
públicos, sob o pretexto de combater a inflação, o governo brasi-
leiro anunciava, em fins de abril, que se ultimavam os entendimen-
tos para a compra da AMFORP (que congregava 12 empresas de servi-
ços públicos). San Tiago Dantas e Roberto Campos (que a esquerda 
nacionalista ironicamente chamava de "Bob Fields", por ser ele um 
"refinado entreguista") tinham acertado com os representantes da 
empresa norte-americana o valor da transação: 188 milhões de dóla-
res. Na mesma ocasião, um grupo de trabalho integrado por técnicos 
brasileiros (CONESP) — dissolvido logo a seguir por Goulart — ava-
liava os bens da AMFORP em torno de 57 milhões de dólares. Para os 
setores nacionalistas, estava-se diante de uma imensa negociata, 
pois, além do preço extorsivo, as 12 usinas norte-americanas esta-
vam obsoletas, constituindo-se em verdadeiro "ferro velho". Tais 
denúncias tiveram ampla repercussão Política. Goulart recuou, pro-
telando a realização da compra, para desagrado do governo norte-
americano. (Em outubro de 1964, demonstrando eloqüente "boa vonta-
de" para com os empresários e governo dos EUA, o governo do mal. 
Castelo Branco adquiria a AMFORP.) 
O prestígio político de Goulart foi seriamente abalado neste 
episódio; inclusive os setores conservadores não lhe pouparam du-
ras críticas, ao ser conivente com negociações que os grupos na-
cionalistas classificavam de autêntico "crime de lesa-pátria". O 
plano, antes de completar 6 meses de duração, inviabilizava-se po-
lítica e economicamente. Nem os emprésários, nem os trabalhadores 
lhe ofereciam qualquer apoio. Em maio, o Ministério da Fazenda, 
diante das fortes pressões dos assalariados, tomava uma decisão 
inteiramente contrária às projeções do Plano, ao conceder um au-
mento de 70% aos funcionários civis e militares, quando estava 
previsto apenas 40%. De outro lado, como já foi mencionado, o go-
verno — face às reivindicações de setores industriais — voltaria 
atrás em suas medidas de contenção do crédito. 
O malogro do Plano se revelou de forma completa ao se proceder 
ao balanço do ano de 1963: nem desaceleraçãoda inflação, nem ace-
leração do crescimento foram alcançadas. Houve, sim, inflação sem 
desenvolvimento. Razão, pois, tinham os críticos de esquerda quan-
do — denunciando a retórica progressista do Plano — advertiam para 
os aspectos recessionistas, antipopulares e antinacionais das me-
didas concretas ali propostas. 
 
 
As reformas: como garantir a propriedade 
e impedir a "convulsão social" 
 
 
Outra batalha política que esteve em pauta durante todo o go-
verno Goulart foi a das Reformas de Base (Agrária, Bancária, Admi-
nistrativa, Fiscal, Eleitoral, Urbana, etc). Recorde-se que esta 
problemática fazia parte dos programas dos três gabinetes parla-
mentaristas e agora aparecia como um dos objetivos básicos do Pla-
no Trienal. (Como se encarregavam de divulgar os confidentes e 
cronistas palacianos, Goulart queria notabilizar-se na história 
política do Brasil como o "presidente da Reforma Social".) Reco-
nhece-se, no entanto, que a bandeira das Reformas passou a ser em-
punhada pelo governo, de forma mais enérgica, no período presiden-
cialista, apenas a partir do instante em que se começou a perceber 
o malogro do Plano Trienal. Logo nos primeiros meses do ano, aná-
lises feitas pelas esquerdas não apenas denunciavam o "cozimento 
em água fria das reformas" — amplamente agitadas por Goulart du-
rante a campanha do Plebiscito —, como também passavam a duvidar 
do conteúdo efetivamente transformador de que poderiam se revestir 
as propostas governamentais (Caio Prado Jr., Revista Brasiliense, 
nº 44). Qual seria, enfim, a perspectiva oficial acerca das Refor-
mas de Base? 
Assinala um sociólogo que, na visão dos governantes, "se não 
houvesse Reformas de Base (...) não se criariam as novas 'condi-
ções institucionais' para o desenvolvimento de outra etapa da eco-
nomia brasileira" (Octavio Ianni, Estado e Planejamento Econômico 
no Brasil); significava isso — conforme o reconhecimento do pró-
prio Plano Trienal — que as Reformas de Base eram indispensáveis, 
ao lado do planejamento, a fim de que o capitalismo industrial 
brasileiro pudesse alcançar um nível de desenvolvimento superior. 
Afirmava o Plano, por exemplo, que as reformas fiscal e agrária 
eram essenciais se se pretendesse a "eliminação de entraves insti-
tucionais à utilização ótima dos fatores de produção". Razões eco-
nômicas e sociais impunham a urgente realização das reformas, den-
tre elas a que mais debates provocou naquele período: a Reforma 
Agrária. 
De um lado, era preciso aumentar a produção agrícola (alimen-
tos que suprissem as demandas da população urbana em crescimento; 
matérias-primas para a expansão industrial etc), ao mesmo tempo 
que se buscava criar um mercado interno mais amplo para os bens 
manufaturados. De outro lado, prevendo-se situações incontroláveis 
de tensões e distúrbios sociais, propunha-se uma melhor redistri-
buição da terra (em mãos de um reduzido número de latifundiários e 
freqüentemente mantida de forma improdutiva). É exemplar a este 
respeito o testemunho de um dos mais íntimos colaboradores de Gou-
lart, acerca da concepção que este defendia de Reforma Agrária: 
"(...) o que Jango tentava fazer não tinha nada de muito ousado 
nem de radical. Ele dizia sempre que, se o número de proprietários 
rurais fosse elevado de 2 para 10 milhões, a propriedade seria 
muito melhor defendida, e simultaneamente possibilidades maiores 
seriam abertas a mais gente de comer mais, de se educar melhor, de 
viver mais dignamente. Por isso é que Jango, latifundiário, queria 
fazer a Reforma Agrária para defender a propriedade e assegurar a 
fartura, evitando o desespero popular e a convulsão social" (Darci 
Ribeiro, "Governo Goulart caiu por suas qualidades, não por seus 
defeitos", in A História Vivida II — O ESP, grifos nossos). 
Apesar de não ter nenhum sentido revolucionário, corresponden-
do, pois, de um lado, às necessidades da consolidação do capita-
lismo industrial e, de outro lado, à estratégia da dominação soci-
al burguesa, a Reforma Agrária proposta por Goulart será objeto de 
intensa e constante oposição por parte dos proprietários rurais e 
seus setores políticos, de setores da Igreja Católica, etc. (Re-
corde-se que, no período parlamentarista, idêntica foi a reação 
desses grupos. A diferença estava no fato de que naquele momento 
Goulart não tinha ainda formulado oficialmente a sua proposta de 
Reforma Agrária e de Reforma Constitucional.) Tais setores não ad-
mitiam, por exemplo, a alteração dos preceitos constitucionais sob 
a alegação de que — caso isso viesse a ocorrer — corria-se o risco 
de ser invalidado o estatuto da propriedade privada no Brasil... 
Além do mais, conforme assinalou um historiador, as demais refor-
mas propostas (eleitoral, educacional etc.) poderiam implicar a 
"alteração do equilíbrio político" e permitia até então a hegemo-
nia das forças conservadoras e de direita, particularmente no Le-
gislativo. A preocupação política maior das classes dominantes di-
ante das possíveis mudanças no campo são ressaltadas por uma estu-
diosa: "Havia, sem dúvida, o incontrolável temor de se ver ingres-
sar na cena política camadas sociais constituídas em 'clientelas 
políticas' que pudessem ser enquadradas, tal como o fora a classe 
operária com Getúlio Vargas. Tais temores eram, sem dúvida, reali-
mentados pela aceleração da eclosão de conflitos rurais, que cada 
vez mais se orientavam para a ocupação de terras" (Aspásia Camar-
go, op. cit.). 
Enquanto setores do PSD — apesar dos fortes compromissos do 
partido com os proprietários rurais — chegaram, num primeiro mo-
mento, a aceitar a discussão do anteprojeto do Executivo, a UDN 
fechava a questão contra qualquer alteração constitucional. Mas, a 
posição do PSD será outra a partir da Convenção da UDN realizada 
em abril de 1963. (Na cronologia do golpe de 64, esta reunião da 
UDN teve um papel decisivo: nela, ilustres figuras do partido de-
fenderam a intervenção das Forças Armadas e dos EUA a fim de porem 
termo ao "comunismo legal" de Goulart.) Influenciado pelas mani-
festações das chamadas "bases" da UDN, o PSD recuará definitiva-
mente face às suas primeiras conversações com o governo. Tal fato 
mostrou-se de forma evidente na votação da "emenda Bocaiúva" (e-
menda constitucional, apresentada pelo PTB, que buscava tornar fi-
nanceiramente viável a Reforma Agrária). Por 7 votos (PSD, UDN e 
PSP) contra 4 (PTB e PDC), a emenda seria rejeitada na Comissão 
Especial da Câmara, no mês de maio. Em Plenário, a emenda foi der-
rotada, em outubro, graças à aliança PSD e UDN — após intensa mo-
bilização dos proprietários rurais, comandados principalmente pela 
Confederação Rural Brasileira(CRB). 
Como ainda observaria a autora acima, a partir do veto na Co-
missão Especial, os setores nacionalistas desencadeariam uma cam-
panha de pressão nacional sobre o Congresso para a imediata apro-
vação das reformas. Através de comícios, passeatas, manifestos, os 
setores nacionalistas e populares exigem "reformas já!", ao mesmo 
tempo que denunciam o reacionarismo do Congresso controlado pelo 
PSD UDN e pelo "milionário IBAD". (Brizola diria que o PSD e a 
UDN, ao exigirem o pagamento prévio e em dinheiro, tornavam a 
questão agrária em autêntico "negocio agrário".) 
De outro lado, após ter sido batido na Comissão Especial, Gou-
lart — apesar das fortes críticas vindas dos grupos nacionalistas 
e de esquerda — volta-se novamente para o PSD. Em busca de apoio, 
aceita mudanças no anteprojeto de Reforma Agrária do executivo, a 
fim de torná-lo "menos radical" e, assim, aceitável para o conser-
vadorismo do PSD. Para isso, afastou toda a "assessoria gaúcha", 
vinculadapoliticamente a Leonel Brizola, que não concordava em 
fazer "concessões programáticas" no anteprojeto. Porém, serão in-
frutíferos os esforços do novo ministro da Justiça, Abelardo Jure-
ma, figura de relevo do PSD, a quem foi atribuída a específica ta-
refa de articular a antiga aliança PSD/PTB. (Jurema sintetizaria a 
visão conciliadora do governo através de uma famosa frase: "O PSD 
sem o PTB irá para a reação; o PTB sem o PSD irá para a Revolu-
ção".) Idêntica missão foi confiada a Tancredo Neves (PSD) ao ser 
indicado líder da bancada do Governo na Câmara. Porém, o fosso en-
tre o PTB e o PSD aprofundava-se na razão direta da aproximação 
deste com a UDN, os quais se alarmavam com a "agitação social", a 
"desordem" e a "comunização crescente do país" promovidas — segun-
do estes — por Goulart, pelo PTB e pelas "forças subversivas" 
(CGT, UNE, FMP, etc). 
De outro lado, os setores nacionalistas e de esquerda, criti-
cavam Goulart pela sua indecisão e indefinição em relação a uma 
série de medidas concretas de caráter nacionalista e popular que 
poderiam ser tomadas pelo governo, independentes de qualquer re-
forma constitucional. Entre essas medidas — algumas delas defendi-
das pelo próprio presidente em seus discursos — ressaltavam as se-
guintes: regulamentação da Lei de Remessa de Lucros (aprovada pelo 
Congresso, mas "engavetada" pelo Executivo); nacionalização das 
concessionárias de serviços públicos, moinhos, frigoríficos e in-
dústria farmacêutica; intervenção no mercado de gêneros alimentí-
cios; monopólio das operações de câmbio pelo Banco do Brasil; mo-
nopólio das exportações de café pelo IBC; ampliação do monopólio 
estatal do petróleo, etc. 
Administrativamente pouco se realizava, pois o governo se con-
sumia em sucessivas crises políticas. Como assinalavam os observa-
dores políticos, havia — do ponto de vista administrativo — "uma 
pasmaceira geral contaminando todas as hostes governistas"; da 
mesma forma, o Congresso apresentaria em 1963 um dos seus períodos 
de maior improdutividade legislativa. Esta realidade dava munição 
aos setores de direita que alardeavam a "incompetência administra-
tiva" do Executivo e a "crise de autoridade". 
 
O isolamento e debilidade política do governo 
 
A sucessão de crises políticas advinha das contradições em que se 
debatia o governo: ao mesmo tempo que agitava a bandeira do nacio-
nalismo e das Reformas — solicitando, pois, o apoio das massas po-
pulares e dos setores políticos de esquerda — Goulart, por outro 
lado, protelava indefinidamente a realização de medidas populares, 
afastava colaboradores ideologicamente progressistas, combatia os 
setores independentes (não pelegos) do movimento sindical, conde-
nava abertamente iniciativas políticas de esquerda (em abril de 
1963, na cidade de Marília, SP, usou a típica linguagem de direita 
ao proibir um congresso "comuno-fidelista"). As concessões à rea-
ção não se reduziam a estes fatos, pois o governo reservava os 
cargos mais importantes da administração federal (particularmente 
aqueles responsáveis pelapolítica econômico-financeira) apenas pa-
ra os representantes das classes dominantes, indicava também "du-
ros" das Forças Armadas para estratégicos postos de comando e man-
tinha compromissos com o conservador PSD. 
Sob a permanente desconfiança da direita e da esquerda, o go-
verno Goulart acabaria isolando-se politicamente. A ambigüidade e 
a debilidade política do governo se mostrariam de forma definitiva 
no episódio do Estado de Sítio. No dia 4 de outubro, o presidente 
da República encaminhava ao Congresso mensagem solicitando a de-
cretação do Estado de Sítio em todo o território nacional, pelo 
prazo de 30 dias. A justificativa do Ministério da Justiça escla-
recia que o Executivo necessitava de poderes especiais para impe-
dir "grave comoção intestina com caráter de guerra civil" que pu-
nha em "perigo as instituições democráticas e a ordem política". 
Explicitamente eram indicadas algumas das situações internas que 
perturbavam a ordem institucional: "manifestações coletivas de in-
disciplina" nas polícias militares de alguns estados; "sublevação 
de graduados e soldados" (Revolta dos Sargentos) que punha em ris-
co a disciplina e hierarquia militares; as freqüentes reivindica-
ções salariais que passavam a "ser fatores de agravamento da crise 
político-social" (na ocasião ocorria a greve dos bancários em São 
Paulo e o PUA anunciava a decretação de uma greve geral caso aque-
la paralisação fosse julgada ilegal por parte da justiça traba-
lhista) e, por fim, o fato de existirem governadores de importan-
tes estados "conspirando contra a Nação". A ira de Goulart e de 
seus ministros militares voltava-se particularmente contra o go-
vernador da Guanabara que, em entrevista a um jornal norte-ameri-
cano (Los Angeles Times), havia ridicularizado a autoridade do 
presidente da República, além de insinuar que os militares brasi-
leiros estavam confusos e desorientados diante de uma administra-
ção inteiramente "desastrosa" para o país. Coerente com a "vocação 
golpista" de seu partido, Carlos Lacerda conclamava o Departamento 
de Estado a deixar de lado sua "passividade" face à grave situação 
em que se encontrava o Brasil, presidido por um "totalitário à mo-
da sul-americana" e que "descambava para a esquerda". Não havia 
dúvida de que o Estado de Sítio objetivava, imediatamente, a in-
tervenção na Guanabara e a conseqüente derrubada do conspirador-
mor da UDN. (Carlos Lacerda afirmaria, posteriormente, que havia 
escapado, naqueles dias, de um atentado por parte de um comando 
pára-quedista a mando de Goulart. Embora a denúncia fosse negada 
por oficiais militares, a UDN e o PSD conseguiram aprovar a cons-
tituição de uma Comissão Parlamentar de Inquérito a fim de apurar 
a denúncia de Lacerda.) Logo a seguir, caso manifestasse solidari-
edade ao seu aliado da Guanabara, poderia "rolar a cabeça" do go-
vernador de São Paulo, Adhemar de Barros — acusado de fornecer ar-
mas (contrabandeadas da Bolívia) a grupos paramilitares ("milícias 
patrióticas"). Mas, indagavam os setores de esquerda: quem garanti-
ria que Miguel Arraes também não fazia parte da "lista de sanea-
mento" elaborada pelos militares, com a inteira complacência de 
Goulart? Idêntica pergunta faziam as lideranças sindicais e popu-
lares de todo o País acerca do destino que viriam a ter as organi-
zações em que militavam. 
 
Embora por razões distintas, todos os grupos políticos e asso-
ciações de classe — à direita e à esquerda — opuseram-se à conces-
são do Estado de Sítio (apenas os setores "pelegos" do movimento 
sindical e fração do PTB tradicionalmente fiel a Goulart tentaram 
o apoio inútil à medida de força). Os setores nacionalistas e de 
esquerda viam no Estado de Sítio uma grave ameaça às liberdades 
democráticas e aos movimentos progressistas. Afirmava, por exem-
plo, uma nota do CGT: "Somos, por princípio, contrários ao Estado 
de Sítio porque entendemos que a manutenção e ampliação das liber-
dades democráticas são meios insubstituíveis e necessários às lu-
tas contra os inimigos do Brasil e aos interesses da povo". A di-
reita, por seu lado, via no Estado de Sítio uma tentativa de golpe 
tramada por Goulart a fim de permanecer no poder, tal como o fize-
ra Getúlio Vargas em 1937. Diferentemente da ditadura estadono-
vista, estaríamos, então, face a uma "ditadura esquerdizante", 
proclamavam os setores de direita. 
 
 
Quem dará o golpe? 
 
 
Nos meses seguintes ao frustrado pedido de Estado de Sítio — 
retirado pelo governo tão logo se deu conta da fragorosa derrota 
que sofreria no Congresso —, ressurgiria, mais vigorosamente

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