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Introdução à Psicopedagogia Autores Márcia Souto Maior Mourão Sá Bertha de Borje Reis do Valle Cristina Maria Carvalho Delou Eloiza da Silva Gomes de Oliveira Fernando Gouvêa Henriete C. Sousa e Mello Ida Beatriz Mazzillo Mário Lúcio de Lima Nogueira Suely Pereira da Silva Rosa 2.ª edição 2008 © 2005 – IESDE Brasil S.A. É proibida a reprodução, mesmo parcial, por qualquer processo, sem autorização por escrito dos autores e do detentor dos direitos autorais. Todos os direitos reservados. IESDE Brasil S.A. Al. Dr. Carlos de Carvalho, 1.482 • Batel 80730-200 • Curitiba • PR www.iesde.com.br S111 Sá, Márcia Souto Maior Mourão; Valle, Bertha de Borje Reis do; Delou, Cristina Maria Carvalho et al. / Introdução à Psicopedagogia. / Márcia Souto Maior Mourão Sá; Bertha de Borje Reis do Valle; Cristina Maria Carvalho Delou. 2. ed — Curitiba : IESDE Brasil S.A. , 2008. 144 p. ISBN: 85-7638-250-4 1. Psicologia Educacional. 2. Psicopedagogia. 3. Psicologia na aprendizagem. 4. Avaliação educacional. I. Título. II. Vale, Ber- tha de Borje Reis do. III. Delou, Cristina Maria Carvalho. CDD 370.15 Sumário O passado e o presente da Psicopedagogia ..........................................................................5 Os caminhos da educação ........................................................................................................................5 Caracterização da Psicopedagogia ...........................................................................................................7 A Psicopedagogia no Brasil .....................................................................................................................9 A atuação do psicopedagogo – uma reflexão ...........................................................................................11 A inserção da Psicopedagogia nas instituições ....................................................................13 A construção das redes .............................................................................................................................13 O papel do psicopedagogo na instituição escolar ....................................................................................16 Para refletir e finalizar ..............................................................................................................................18 A crescente profissionalização do psicopedagogo ...............................................................21 O psicopedagogo como profissional ........................................................................................................21 Formas de atuação profissional do psicopedagogo ..................................................................................22 A função preventiva e a função curativa (terapêutica) ...........................................................................24 Princípios norteadores da ação do psicopedagogo ..................................................................................25 Diferenciação entre o papel do psicopedagogo e de alguns outros profissionais que atuam na área de Educação ..........................................................................................26 Finalizando ..............................................................................................................................................28 Teorizando a ação psicopedagógica: limites e possibilidades .............................................29 A Psicopedagogia legislada: o trabalho ético do psicopedagogo ......................................................39 Um pouco de ética ...................................................................................................................................39 Ética profissional .....................................................................................................................................40 O reconhecimento da profissão de psicopedagogo ..................................................................................42 Concluindo ...............................................................................................................................................45 Os campos de ação profissional do psicopedagogo: escola, clínica e empresa ...................47 Relacionados com as práticas educativas escolares: ...............................................................................47 Relacionados com outros tipos de práticas educativas: ...........................................................................50 Relacionados com a Psicopedagogia clínica: ..........................................................................................52 Psicologia e Pedagogia: uma relação dialógica ...................................................................55 Psicologia e Pedagogia: uma história de muitas aproximações e equívocos ...........................................55 A Psicologia da Educação: sua importância e abrangência .....................................................................58 A atuação do psicólogo na escola ............................................................................................................60 Uma conclusão... ......................................................................................................................................61 Os conceitos de normalidade e anormalidade em questão ..................................................63 A imprecisão do conceito de normalidade ...............................................................................................63 A avaliação, o “xis” do problema ............................................................................................................66 Esses alunos que não aprendem: um olhar psicopedagógico sobre o fracasso escolar .......73 As abordagens do fracasso escolar no Brasil – um pouco de História ....................................................73 Essas crianças que não aprendem... .........................................................................................................76 As “queixas” das escolas, interpretadas pela Psicopedagogia .............................................81 As “queixas” da escola ............................................................................................................................81 Um último olhar: o da Psicopedagogia ....................................................................................................87 Propostas psicopedagógicas para a Educação Inclusiva ......................................................91 Propostas psicopedagógicas para a Educação Inclusiva .........................................................................94 A intervenção psicopedagógica nos processos de ensino ....................................................101 Saber e conhecer ......................................................................................................................................102 A intervenção psicopedagógica nos processos de aprendizagens individuais e coletivas ...111 Inclusão escolar: dissonâncias entre teoria e prática ............................................................121 A importância da inclusão educacional e seu modelo de atendimento ....................................................121 Realidade da inclusão ..............................................................................................................................123 Professores acham que não há problemas com a inclusão ......................................................................123 Conclusão ................................................................................................................................................127 Escola Inclusiva: as crianças agradecem .............................................................................131Formação dos professores ........................................................................................................................132 Projeto Político Pedagógico .....................................................................................................................134 Concluindo ...............................................................................................................................................135 Referências ...........................................................................................................................139 O passado e o presente da Psicopedagogia B em-vindos à disciplina – Introdução à Psicopedagogia. Sabemos que alguns de vocês já possuem uma idéia do que seja Psicopedagogia, no entanto, sabemos também que a perfeita compreensão do que seja esta ciência não é de conhecimento geral. Por esse motivo, nesta primeira aula opta- mos por fazer uma apresentação mais ampla procurando ambientá-los nesta área do conhecimento. Para entendermos o objeto da Psicopedagogia, devemos, antes, rever o próprio desenvolvimen- to do processo educacional. Começaremos por trilhar o caminho da história, no qual veremos que a educação escolar que hoje temos só apareceu na época moderna. Os caminhos da educação Na Antigüidade, a educação acontecia no cotidiano de cada indivíduo. Por intermédio da convi- vência com os membros mais velhos da comunidade, os amigos e os vizinhos, as pessoas interioriza- vam os valores e as normas sociais do ambiente em que viviam. Também a educação para o trabalho era assim executada. Os jovens, a partir do momento em que adquiriam condições para trabalhar, eram colocados como aprendizes de ofício, trabalhando junto com os adultos para aprenderem uma profissão. Cabe lembrar que até a Idade Média, por exemplo, toda a produção era coletiva e as sociedades eram organizadas de acordo com as atividades exercidas para sua subsistência. Podemos perceber que, até esta época, a Educação não era sistemática e não havia sido, ainda, institucionalizada. A transmissão do saber não era uma atividade especializada, mas, fruto do saber cotidiano. Com o início da Idade Moderna, a grande ciência do conhecimento se fragmenta em diversas áreas. O homem já não conseguia deter todo o conhecimento existente. Esta situação trouxe consigo a necessidade de reformular toda a estrutura social. Era o início da Modernidade. O termo Modernidade, pela própria etimologia da palavra, evoca conceitos muitas vezes equí- vocos, ambígüos, polissêmicos e escorregadios, normalmente ligados à idéia de “progresso”. Uma idéia associada à valorização positiva da novidade que se manifesta na indústria, nas técnicas, na Ciência e nas mudanças sócio-políticas e culturais a elas correspondentes. Norberto Bobbio (1986, p. 768), em seu Dicionário de Política, define Modernidade como um conjunto de mudanças operadas nas esferas política, econômica e social que tem caracterizado os dois últimos séculos. Praticamente, a data do início do processo de Modernização poderia ser colocada na Revolução Francesa de 1789 e na quase contemporânea Revolução Industrial Inglesa, que provocaram uma série de mudanças de grande alcance, nomeadamente na esfera política e econômica, mudanças que estão intimamente inter-relacionadas. Naturalmente, o fermento dessas duas grandes transforma- ções há de ser buscado nas condições e nos processos que vinham se desenvolvendo havia algumas décadas e que culminaram nas duas revoluções. Bobbio (1986) acrescenta que este é um fenômeno abrangente, complexo e que ocorre em todos os setores do sistema social (p. 776). Segundo o mesmo autor, é necessário que fiquemos atentos a dois aspectos que aparecem quando buscamos entender os processos da Modernização: a tentativa incessante do homem para controlar a natureza e submetê-la às suas necessidades e a busca permanente de ampliar o campo das alternativas sociais e políticas para um maior número de pessoas. O surgimento da Modernidade levou a humanidade a uma revolução social que modificou todos os limites geográficos e sociais até então existentes. Segundo nos diz Habermas (2000, p. 88): O projeto da Modernidade formulado no século XVIII pelos filósofos do Iluminismo con- sistiu em esforços que visavam desenvolver tanto a ciência objetiva, a moralidade univer- sal e a lei, quanto a arte autônoma, conforme sua lógica interna. Este projeto pretendia ao mesmo tempo liberar o potencial cognitivo de cada um desses domínios no intuito de livrá-los de suas formas esotéricas. Os filósofos iluministas almejavam valer-se deste acúmulo de cultura especializada para enriquecer a vida cotidiana, ou seja, para organizar racionalmente o cotidiano da vida social. Como sabemos, até o século XVII, a burguesia controlava a produção e a economia dos Estados-Nacionais surgidos com o fim do Feudalismo, a partir dos séculos XV e XVI. Os movimentos sociais ocorridos na Europa no século XVIII, particular- mente a Revolução Francesa e a Revolução Industrial, vieram contrapor-se a esta situação, ou seja, tiveram como base uma revolução antiburguesa, gerando uma transformação social sem precedentes na história. O modernismo modificou to- dos os conceitos existentes à época, alterando as estruturas sociais, a religião e a ideologia apropriada e consolidada através dos séculos. Este período teve como uma de suas principais características o aparecimento de grandes descobertas científicas, a industrialização e a aceleração do ritmo de vida. Todos estes fatos foram causados, principalmente, pelas novas formas de poder e pela explosão demográfica que modificaram a visão do homem em relação ao universo e, conseqüentemente, seu lugar nele. A sociedade experimentou uma tomada de consciência de si própria e passou a buscar a renovação em todos os contextos sociais. Na área científica, manifestações da Modernidade constituíram a consolida- ção da moderna ciência da natureza, cujo fundamento do saber está na Matemáti- ca e trata seus resultados com apoio da experimentação o que, por certo, resultou em profundas transformações nos processos educacionais. Embora as pessoas continuassem arraigadas às suas antigas convicções, es- sas não mais representavam marcas orientadoras de conduta. Conseqüentemente, a experiência dos tempos modernos traz no seu bojo as imagens da desordem e da instabilidade, da insegurança e da fragmentação do mundo real conhecido. Os estilos de vida, até então estabelecidos, perderam sua razão de ser, em virtude desse processo que destruiu as certezas e crenças construídas ao longo dos tempos. Os parâmetros segundo os quais costumava-se distinguir o bem do Introdução à Psicopedagogia 6 mal, o justo do injusto, o desejável do indesejável, o certo do errado foram alte- rados; modificaram-se as categorias conhecidas de classificação e hierarquização sociais. Com a chegada da era industrial, chegou também a preocupação com a pro- dutividade e com tudo o que atrapalhava a possibilidade de produzir. Dentro deste contexto histórico, surge a Educação Sistematizada. Pela pri- meira vez os jovens são afastados de suas famílias para aprenderem com outros adultos, seguindo metodologias e currículos comuns. Todos os estudantes pas- saram a estudar e a absorver conhecimentos estandardizados e “necessários” a uma formação profissional. Este novo método de ensino trouxe consigo uma nova situação. Ao estarem os alunos juntos com os mesmos professores e aprendendo as mesmas coisas, percebe-se que nem todos aprendem com a mesma facilidade, nem com a mesma rapidez. As dificuldades de aprendizagem passaram a ser foco de atenção, e a Me- dicina começou a estudar a causa dos problemas e suas possíveis correções. A Primeira Guerra Mundial ofereceu a oportunidade de se descobrir, no cérebro dos soldados feridos, a relaçãodas áreas cerebrais danificadas com as funções que apareciam prejudicadas. A Oftalmologia, a Neurologia, a Psiquiatria eram algu- mas das áreas da Medicina que se ocupavam com esses estudos. No final do século XIX, educadores, psiquiatras e neuropsiquiatras come- çaram a se preocupar com os aspectos que interferiam na aprendizagem e a or- ganizar métodos para a Educação Infantil. Desta época, temos a colaboração de Seguin, Esquirol, Montessori e Decroly, entre outros. Abrem-se, assim, as portas para o surgimento da Psicopedagogia. Caracterização da Psicopedagogia Falar sobre Psicopedagogia é, hoje em dia, uma tarefa difícil, pois, por ser ela uma ciência muito nova e ter sua área de atuação inserida na confluência da Psicologia e da Pedagogia, apresenta múltiplas facetas, não possuindo, ainda, pa- radigmas operacionais totalmente estabelecidos, estando na busca de sua própria identidade enquanto área diferenciada de conhecimento, linha de pesquisa em Educação e em Psicologia, bem como atividades terapêuticas e/ou preventivas. Por essas razões é comum observarmos psicopedagogos que atuam em ins- tituições educacionais ficarem em dúvida de como conduzir suas atividades no contato com a comunidade escolar, priorizando, muitas vezes, a adoção de uma prática quase exclusivamente terapêutica individualizada com alunos que apre- sentam visíveis problemas de aprendizagem já instalados, em detrimento da uti- lização de uma prática preventiva institucional, visando evitar o aparecimento de novos distúrbios de aprendizagem. Ao buscar-se a melhor metodologia a ser utilizada pelo psicopedagogo em sua atuação fica-nos, também, a dúvida de como agir com “problemas ou distúr- O passado e o presente da Psicopedagogia 7 bios de aprendizagem”, pois face à complexidade do ser humano, uma determina- da patologia pode ter múltiplas causas e estas, em virtude da pulverização do co- nhecimento profissional em múltiplas especialidades, só poderiam ser “tratadas” sob a ótica da interdisciplinaridade, ou seja, com a atuação conjunta de diversos profissionais de áreas diferentes. Mas, poderíamos nos perguntar, em uma reali- dade escolar como a nossa, isto seria factível? A Psicopedagogia tem se desenvolvido como uma forma de vinculação entre a Pedagogia e a Psicologia, e pode ser entendida a partir de pressupostos teóricos elaborados em países de língua francesa. Nestes países, usa-se o termo Psicopedagogia em lugar de Psicologia da Educação, no sentido de que, neste caso, a Psicologia liga-se à Educação como uma ciência auxiliar na compreensão do processo pedagógico. A afirmação de que a Psicopedagogia, historicamente, surgiu na fronteira en- tre a Psicologia e a Pedagogia merece maior atenção. Kiguel (1987) aventa outra possibilidade quanto ao surgimento da Psicopedagogia ao mencionar as tentativas de explicação para o fracasso escolar por outras vias que não a pedagógica e a psicológica. Afirma que “os fatores etiológicos utilizados para explicar índices alar- mantes do fracasso escolar envolviam quase que exclusivamente fatores individuais como desnutrição, problemas neurológicos, psicológicos etc.”, acrescentando que “no Brasil, particularmente durante a década de 70, foi amplamente difundido o rótulo de Disfunção Cerebral Mínima para as crianças que apresentavam, como sintoma proeminente, distúrbios na escolaridade” (BOSSA, 1994, p. 7). Estudando o indivíduo que aprende no seu aspecto normal e patológico, a Psicopedagogia é a área que dá uma consideração especial ao aspecto psicológico deste indivíduo, mas sendo uma área aplicada, deverá ir além da práxis, desenvol- vendo pesquisas de base e criando um campo de conhecimento próprio. Atualmente, volta-se para uma realidade tipicamente educacional, que são certos fenômenos – relativos à não-aprendizagem – que ocorrem dentro do âmbito familiar, escolar e comunitário, que podem ser remediáveis e prevenidos. Acredi- tamos que, para o desenvolvimento desta ação tanto preventiva quanto terapêutica, será necessária a sistematização de uma série de pressupostos teóricos próprios. “Penso que a Psicopedagogia, como área de aplicação, antecede o status de área de estudos, a qual tem procurado sistematizar um corpo teórico próprio, definir o seu objeto de estudo, delimitar seu campo de atuação” (BOSSA, 1994, p. 6). Entretanto, justifica-se que a Psicopedagogia não tenha, ainda, desenvolvi- do o seu corpo teórico específico, de vez que é uma área nova em todo o mundo e que seu florescimento ainda está na dependência do desenvolvimento não só da Psicologia e da Pedagogia, mas também de áreas mais específicas de conhecimen- to, como a Neuropsicologia e a Psicolingüística, entre outras. Apesar de todas as dificuldades, parece-nos que podemos definir a Psicope- dagogia utilizando-nos de dois autores brasileiros. Para Rubinstein (1987, p. 103), Introdução à Psicopedagogia 8 [...] num primeiro momento a Psicopedagogia esteve voltada para a busca e o desenvol- vimento de metodologias que melhor atendessem aos portadores de dificuldades, tendo como objetivo fazer a reeducação ou a remediação e desta forma promover o desapareci- mento do sintoma. E, ainda, a partir do momento em que o foco de atenção passa a ser a compreensão do processo de aprendizagem e a relação que o aprendiz estabelece com a mesma, o objeto da psicopedagogia passa a ser mais abrangente: a metodologia é apenas um aspecto no processo terapêutico, e o principal objetivo é a investigação de etiologia da dificuldade de aprendizagem, bem como a compreensão do processamento da aprendiza- gem, considerando todas as variáveis que intervêm neste processo. Do ponto de vista de Weiss (1991, p. 6), “a Psicopedagogia busca a melhoria das relações com a aprendizagem, assim como a melhor qualidade na construção da própria aprendizagem de alunos e educadores”. As afirmações de Rubinstein e Weiss em relação ao objeto de estudo da Psicopedagogia sugerem que há um certo consenso quanto ao fato de que ela deve ocupar-se em estudar a aprendizagem humana; porém, é uma ilusão pensar que tal consenso nos conduza a um único caminho. O tema da aprendizagem apresen- ta tamanha complexidade que tem a dimensão da própria natureza humana e pre- cisaríamos de um outro curso só para conseguir tratá-lo. É importante, no entanto, ressaltar que a concepção de aprendizagem é resultado de uma visão de homem, e é em razão desta que se estabelece toda a teoria e a prática psicopedagógica. Segundo nos diz Visca (1987), a Psicopedagogia, que inicialmente foi uma ação subsidiária da Medicina e da Psicologia, perfilou-se como um conhecimento independente e complementar possuída de um objeto de estudo – o processo de aprendizagem – e de recursos diagnósticos, corretores e preventivos próprios. Alguns ramos de estudo, como você já deve ter notado, desenvolvem-se em outros países e, até, por vezes, demoram um pouco a chegar ao Brasil. Hoje, porém, com a rapidez dos processos de comunicação, a disseminação de infor- mações é mais rápida e a Psicopedagogia no Brasil tem se desenvolvido bem nos últimos anos. Vamos apresentar a você, agora, uma visão da Psicopedagogia no Brasil. A Psicopedagogia no Brasil A Psicopedagogia no Brasil hoje é uma área que estuda e lida com o pro- cesso de aprendizagem e suas dificuldades, e que, em sua ação profissional, deve englobar vários campos do conhecimento, integrando-os e sintetizando-os. O modelo teórico e prático resultante desta visão é fortemente influenciado pelos modelos europeu e argentino. Segundo nos diz Mery (1985), os Centros Psicopedagógicos, primeira forma de atuação da Psicopedagogia, foram fundados na Europa a partir da segunda metade do século XX, e objetivavam, como já vimos, atender pessoas que apre- sentavam dificuldades de aprendizagem, apesar de serem inteligentes, por meioda integração de conhecimentos pedagógicos e psicanalíticos. Nos Estados Unidos, o mesmo movimento acontecia, enfatizando mais os O passado e o presente da Psicopedagogia 9 conhecimentos médicos e dando um caráter mais organicista a esta preocupação com as dificuldades de aprendizagem. O movimento europeu acabou por originar a Psicopedagogia, enquanto que o movimento americano proliferou a crença de que os problemas de aprendizagem possuíam causas orgânicas e precisavam de atendimento especializado, influen- ciando parte do movimento da Psicologia Escolar que, até bem pouco tempo, se- gundo Bossa (1994), determinou a forma de tratamento dada ao fracasso escolar. A corrente européia influenciou a Argentina, que passou a cuidar de pessoas com dificuldade de aprendizagem, realizando um trabalho de reeducação. Mais tarde, este acabou sendo o objeto de estudo que contava com os conhecimentos da Psicanálise e da Psicologia Genética, além de todo o conhecimento, particular- mente os de linguagem e de psicomotricidade, que eram utilizados para melhorar a compreensão das referidas dificuldades. O Brasil recebeu, via Argentina, influências tanto americanas quanto eu- ropéias na formação da identidade de nossa psicopedagogia. Os conhecimentos transmitidos por diversos profissionais argentinos, por meio de cursos realizados particularmente no sul do país, muito contribuíram para a construção do nosso conhecimento psicopedagógico. A formação de nossos psicopedagogos é feita por meio de cursos de pós- graduação lato sensu, diferentemente do que ocorre na Argentina, onde esta for- mação é realizada por curso de graduação com duração de cinco anos. Esta ques- tão da formação, da maneira como se dá no nosso país, suscita uma discussão em que vantagens e desvantagens são levantadas. De um lado, o fato da nossa formação em Psicopedagogia envolver diversificados profissionais que atuam na área educacional acentua o caráter interdisciplinar desta área de estudo. De outro, em razão da presença de profissionais diversos, o psicopedagogo enfrenta dificul- dades em construir uma identidade própria. Ao avaliarmos as dificuldades impostas pela complexidade do próprio ob- jeto de estudo da Psicopedagogia, a sua recente existência enquanto área de es- tudos, as suas origens teóricas e a questão da formação no Brasil, constatamos que a busca de uma identidade implica, por esse aspecto, um processo árduo. Por outra parte, entretanto, os profissionais brasileiros envolvidos nessa busca estão mobilizados por um grande desejo de contribuir para tal processo permanente de construção. Apesar da diferença de formação, devemos considerar o fato de que as prá- ticas, em ambos, Brasil e Argentina, assemelham-se em muitos pontos, visto que o referencial teórico adotado pelos brasileiros, como vimos, está fortemente mar- cado por influências argentinas. Os aspectos em que a nossa forma de atuação difere daquela dos argentinos são decorrentes, principalmente, das condições de formação. No Brasil, é preciso repetir: Psicopedagogia é especialização, curso de aperfeiçoamento. Já a forma- ção em nível de graduação, como ocorre na Argentina, proporciona evidentemen- te um conhecimento bem mais sólido da matéria, do saber psicopedagógico e, conseqüentemente, uma prática mais consistente. Não devemos esquecer, no en- Introdução à Psicopedagogia 10 tanto, que são inúmeras as variáveis em jogo quando se fala na questão da forma- ção e, para a realidade brasileira, nossa modalidade de formação psicopedagógica possibilita uma maior interatividade entre os diversos profissionais envolvidos na prática educacional, não abrindo espaço para discussões que se limitam a dividir desempenhos de educadores e outros especialistas, de forma que a uns seja atribu- ído o direito de lidar com o afetivo e com a dinâmica da personalidade, e a outros a tarefa de trabalhar com os aspectos pedagógicos, considerando-os apenas como procedimentos didáticos para o desenvolvimento cognitivo. A atuação do psicopedagogo – uma reflexão O que nos parece importante refletir ao final de nossa aula é que todos – psicopedagogos ou educadores – saibam perceber o fenômeno “aprendizagem” de forma mais ampla e que sejam sensíveis para captar e considerar as relações significativas que o aluno busca no meio (suas necessidades) para a sua auto- realização. Desta forma, consideramos o trabalho psicopedagógico com características terapêuticas quando leva o indivíduo a construir e reorganizar a sua própria per- sonalidade, o seu “ser no mundo”. Mas, não podemos deixar de acrescentar que a atuação do psicopedagogo tem suas fronteiras, diferenciando-se de uma “psicote- rapia”, quando delimita seu espaço com a preocupação pedagógica de propiciar ao aluno a melhor utilização da linguagem e a elaboração cognitiva das informações específicas, com a finalidade de que este indivíduo possa concretizar e satisfazer as suas necessidades, atuando no mundo em que vive. Existe, ainda, um longo caminho a percorrer para fazermos a história da Psi- copedagogia. Como deve ter ficado claro para você, esta ciência está dando seus passos iniciais, mas ao utilizar-se dos fundamentos já estabelecidos por outras ci- ências como base para sua formulação teórico-prática, estes passos apresentam-se fortes e resolutos, com o propósito de firmar-se no campo científico e profissional como uma atividade que congrega os fenômenos da Educação. Com base no texto da aula que você acaba de estudar, procure levantar três vantagens e três desvantagens da formação do psicopedagogo adotada no Brasil. Procure comparar com a formação do psicopedagogo realizada na Argentina. Discuta seus pontos de vista com os colegas buscando formar uma idéia sobre a necessidade da formação em Psicopedagogia. O passado e o presente da Psicopedagogia 11 Introdução à Psicopedagogia 12 A inserção da Psicopedagogia nas instituições C onforme vimos na aula passada, o psicopedagogo trabalha com o que chamamos de “pro-blemas de aprendizagem”. Mas, para sabermos o que são problemas de aprendizagem, pre-cisamos antes dar uma breve passagem sobre a própria aprendizagem. Como já dissemos em nossa primeira aula, este tema é muito vasto e, por isso, vamos nos ater apenas a alguns conceitos básicos. Como é fácil de entender, todos nós iniciamos nossos processos de aprendizagem desde o mo- mento em que nascemos. Percebemos que o ser humano constrói sua estrutura de personalidade no interior da trama de relações sociais na qual ele está inserido. Podemos, por exemplo, nos reportar ao antigo ditado popular “dize-me com quem andas e te direi quem és”. Com isso estamos dizendo que todos nós construímos nossos saberes e fazeres dentro de um conjunto de relações sociais das quais participamos ativamente, sendo que estas relações ocorrem dentro do que chamamos de Instituições. Mas, como ocorrem as aprendizagens dentro deste contexto? Como se dá a construção do conheci- mento? Ao analisarmos a nossa estruturação como indivíduos, percebemos que uma das características do ser humano é ser prático e ativo, já que é por suas ações que ele modifica o meio ambiente, moldan- do-o para atender às suas necessidades. Enquanto transforma a realidade à sua volta, ele constrói a si mesmo, tecendo sua rede de saberes, a partir da qual irá interagir com o meio social, determinar suas ações, suas reações, suas convivências sadias ou neuróticas, enfim, todas as suas práticas sociais. A construção das redes Veja bem! No mesmo momento em que você nasceu, passou a fazer parte de uma instituição social organizada: a sua família. E como você, todos os seres humanos ao nascer encontram o idioma, os costumes, a religião, o modo de se alimentar e de se divertir, enfim, tudo já previamente estrutu- rado por outros que o antecederam. Esta organização é quepermite que a sociedade sobreviva e se reorganize, sempre acompanhando a evolução histórica e social de seu tempo. Como afirmava Karl Marx, as sociedades constituem-se em fenômenos históricos, já que os indivíduos se constroem uns aos outros, física e espiritualmente. Nós convivemos com nossos semelhantes em casa, no colégio, no mercado, nos clubes, enfim, em uma infinidade de instituições. Estamos sempre em contato com outras pessoas e por intermédio desta convivência aprendemos e ensinamos coisas. Todo nosso modo de ser e de nos comportarmos é fruto de nossa vida em sociedade. Para sobreviver, os homens constroem coisas e objetos, criam modos de vida em comum, ela- boram idéias e conceitos que regem as inter-relações pessoais entre os membros da sua comunidade. O conjunto destas criações forma o que denominamos de conhecimento. Diversas formas de estudar como este conhecimento se processa já surgiram ao longo dos tempos e continuam aparecendo todos os dias. Atualmente, em virtude da ampliação dos meios de di- vulgação das informações proporcionada pelo uso cada vez maior da tecnologia, os mais diferentes setores sociais, políticos e econômicos vêm propondo a idéia de construção de rede de saberes e de ações. Embora este conceito tenha surgido, em uma primeira instância, no conjunto das mudanças ocorridas no mundo do trabalho, essa idéia vem encontrando eco em quase todos os campos científicos, nos novos movimentos sociais e, inclusive, na Educação. Mas, perguntamos nós, o que vem a ser uma rede de saberes? Como você imagina que ela seja? Segundo nos explica Alves (199, p. 68), “a noção de rede não é algo que se explique por si mesmo. A palavra rede tem muitos sentidos, é polissêmica”. Por que então usar essa noção? Para esta estudiosa no assunto, devemos usar esta noção exatamente devido à polissemia. Tendo em vista que cada um tem sua própria concepção de rede tecida em seu cotidiano, o significado que se pretende ao usar esta expressão para simbolizar a construção dos saberes se cria de uma forma individual e por si mesmo. Segundo a mesma autora, redes existem e só podem ser pesquisadas nos processos cotidianos de viver. São, pois, formadas nos processos múltiplos e diferentes dentro das inúmeras relações que os su- jeitos todos, em seus contatos cotidianos, tecem, destecem e tecem outra vez, no espaço- tempo do aqui e agora. (ALVES, 1999, p. 15) Castells (2000, p. 498) define rede como sendo um conjunto de nós interco- nectados. Segundo este autor, cada um destes nós representa um ponto de inflexão na construção do conhecimento, bem como a interconexão com outros conheci- mentos vindos de outras fontes. A estrutura concreta de cada um destes pontos irá variar de acordo com o tipo de rede concreta que está estabelecida. Por exemplo, se estamos falando em processos educacionais, em bolsas de valores, de política ou estamos aprendendo a fazer novos quitutes, cada um destes fatos acabará por se constituir em um nó (ou ponto) de nossa rede de saberes. Vemos, assim, que este conceito refere-se a uma estrutura aberta e capaz de expandir-se de forma ilimitada e em todas as direções. Na construção de uma rede de saberes, todos os membros da sociedade são parceiros possíveis, contribuindo com seus conhecimentos, suas práticas, valores e crenças. Estas contribuições não são estáticas, muito ao contrário, encontram-se em permanente mudança. Assim, conceitos e valores considerados como verdades incontestáveis podem ser considerados, mais tardiamente, como algo ultrapassado e totalmente descartável. Para ilustrar, basta lembrarmos que, durante séculos, a Terra foi considerada por todos, inclusive os mais renomados e ilustres cientistas da época, como o centro do Universo e que os astros e as estrelas, como o Sol e a Lua, giravam em torno dela. E hoje, que julgamento você faria de alguém que afirmasse uma coisa des- sas? Com certeza, seria chamado de ignorante, concorda? Introdução à Psicopedagogia 14 Desta forma, podemos perceber por que o princípio de movimento é básico na formação de redes. Elas se constroem exatamente na instabilidade e na não- linearidade dos processos do conhecimento. Esse movimento deve ser entendido como a possibilidade que temos de variar as direções e o sentido ao tecermos os múltiplos fios possíveis para construir nossa rede de saberes. Esta flexibilidade de movimento inclui, também, as inúmeras variações possíveis nos parceiros que nos acompanham em nossa trajetória de construção e reconstrução dos saberes que, apesar de nossos esforços, encontram-se sempre inconclusos e incompletos. Além do movimento, o conceito de rede de saberes se constrói a partir de mais dois princípios importantes, que são o de articulação e o de co-responsa- bilidade. Como vimos, todas as pessoas que, de alguma maneira passam pelas nossas vidas, participam, direta ou indiretamente, da construção de nossa rede de saberes, pois todos os nossos conhecimentos são, de algum modo, articulados com as informações que recebemos e transmitimos e, com isso, todos somos co- responsáveis por sua construção e pelo uso que dela fazemos. O ato de tecer esta rede não é, portanto, obra de uma consciência isolada e autônoma, mas uma das formas de prática social que tem como sujeito os homens articulados entre si por relações sociais. Esta concepção de saber como processo de construção social por um sujeito coletivo deve orientar nossas tarefas no campo da aprendizagem. Como você deve ter percebido, toda nossa rede de conhecimentos é formada dentro de instituições e, assim, não fica difícil imaginar que a Psicopedagogia, cada vez mais, necessite inserir-se e estudar como ocorrem as relações interpes- soais nesses ambientes, particularmente nas famílias e nas escolas, nos quais a maior parte do conhecimento básico ocorre na infância e na adolescência. A Psicopedagogia vem atuando, também, com muito sucesso nas mais di- versas instituições organizadas além das já citadas, inclusive em hospitais e em- presas. Seu papel é analisar e assinalar os fatores que favorecem, intervêm ou prejudicam uma boa aprendizagem em uma instituição. Propõe e ajuda o desen- volvimento dos projetos favoráveis às mudanças educacionais, particularmente as de caráter profilático, visando evitar processos que conduzam às dificuldades de aquisição do conhecimento. Não podemos nos esquecer de que a aprendiza- gem deve ser olhada como a atividade de indivíduos ou grupos humanos, que, mediante a incorporação de informações e o desenvolvimento de experiências, promovem modificações estáveis na personalidade e na dinâmica grupal com as quais revertem o manejo instrumental da realidade. Vamos apresentar a seguir, uma visão do psicopedagogo na escola. Gosta- ríamos, no entanto, de ressaltar que as atividades que ele executa como psicope- dagogo na escola são, com as devidas adaptações, as mesmas que ele irá executar em qualquer outra instituição. A inserção da Psicopedagogia nas instituições 15 O papel do psicopedagogo na instituição escolar O trabalho psicopedagógico pode e deve ser pensado a partir da instituição escolar, na qual cumpre uma importante função social: a de socializar os conhe- cimentos disponíveis, promover o desenvolvimento cognitivo e a construção de regras de conduta dentro de um projeto social mais amplo. A escola, afinal, é res- ponsável por grande parte da aprendizagem do ser humano. O papel do psicopedagogo na docência e na clínica pode ser delineado de uma maneira relativamente mais objetiva do que seu papel na escola, embora acreditemos que o psicopedagogo tem muito a contribuir na dinâmica escolar. A atividade da escola está determinada pelo aspecto interacional. O psico- pedagogo pode, então, ser visto fazendo parte de uma equipe interdisciplinar que é campo de discussão da problemática docente,discente e administrativa. A grande maioria dos trabalhos que discutem a prática da psicopedagogia na instituição educativa focaliza a análise do processo de aprendizagem, ou, mais especificamente, a análise dos problemas de aprendizagem. Esta preocupação central está intimamente relacionada às próprias origens da Psicopedagogia, enquanto área do conhecimento: seu aparecimento e sua estruturação responderam, num primeiro momento, à necessidade de compreender melhor o processo de aprendizagem, para evitar (perspectiva preventiva) ou tratar (perspectiva terapêutica) problemas decorrentes de dificuldades nesse proces- so, no âmbito dos fenômenos individuais. Deve-se destacar, neste sentido, o fato de que tais análises priorizam, geralmente, a dimensão individual do processo de aprendizagem, enquanto fenômeno que ocorre no sujeito, ainda que considerando o papel de variáveis ambientais e relacionais na sua produção. Esta perspectiva reflete, de certa forma, a posi- ção dos estudos de aprendizagem na história do desenvolvimento do conhecimento psico- lógico. (CAVICCHIA, 1996, p. 197, grifos do autor) Tendo bem conceitualizado como se processa a aprendizagem e como evolui o pensamento, o psicopedagogo é o profissional indicado para assessorar e esclare- cer a escola a respeito de diversos aspectos do processo de ensino–aprendizagem. A Psicopedagogia, no âmbito da sua atuação preventiva, preocupa-se espe- cialmente com a escola. Dedicando-se às áreas relacionadas ao planejamento edu- cacional e ao assessoramento pedagógico, colabora com os planos educacionais e sanitários no âmbito das organizações, atuando numa modalidade cujo caráter é clínico, ou seja, realizando diagnóstico institucional e propostas operacionais pertinentes. O campo de atuação da modalidade preventiva é muito amplo, mas pouco explorado. Sobre o trabalho psicopedagógico na escola muito se tem a fa- zer. Grande parte da aprendizagem ocorre dentro da instituição escolar, na relação com o professor, com o conteúdo e com o grupo social escolar enquanto um todo. Devido ao fato de ser um lugar tão relevante na vida do ser humano, a instituição escolar, paradoxalmente, pode ser também muito prejudicial. No nível da instituição, nas escolas em especial, considera-se que um psicopedagogo deve procurar acompanhar a tendência muito saudável de, como um dos elementos da equipe, impulsionar o trabalho cooperativo de professores e demais profissionais da escola, pro- curando contribuir para uma maior eficiência e coerência, participando com todos, por exemplo, do momento da definição do projeto pedagógico e da análise e discussão de situ- ações e casos especiais. Considera-se questionável a possibilidade de o psicopedagogo vir Introdução à Psicopedagogia 16 a se apresentar como o dono da verdade e portador de soluções prontas, desconsiderando as possibilidades de trabalho cooperativo com educadores em geral. (FINI et al., 1996, p. 71) Em especial na escola, o psicopedagogo poderá contribuir no esclarecimento de dificuldades de aprendizagem que não têm como causa apenas deficiências do aluno, mas que são conseqüência de problemas escolares, tais como a organização de instituição, dos métodos de ensino, da relação professor–aluno, da linguagem do professor, entre outros. A instituição educativa, em suas diferentes modalidades – creche, pré-escola, escola de 1.º, 2.º ou 3.º graus – cumpre um papel central na sociedade: o de mediadora no processo de inserção da criança e do adolescente na cultura. Para isso, é necessário que ela se estru- ture e se instrumentalize de forma a responder às exigências propostas por este objetivo, tão amplo e complexo. Um dos aspectos principais dessa estruturação diz respeito à for- mação e qualificação de equipes de trabalho capazes de desenvolver projetos pedagógicos compatíveis com a natureza e os objetivos dessa instituição. Nesse processo, o psicope- dagogo se depara com uma das mais difíceis e instigantes de suas funções na instituição educativa: a de orientar e coordenar a formação e o funcionamento de equipes de trabalho, considerando o contexto institucional. (CAVICCHIA, 1996, p. 204) Os profissionais engajados no campo da Psicopedagogia têm atentado para a necessidade do trabalho a ser realizado na instituição escolar. Pensar a escola, à luz da Psicopedagogia, significa analisar um processo que inclui questões me- todológicas, relacionais e socioculturais, englobando o ponto de vista de quem ensina e de quem aprende, abrangendo, conforme já dissemos, a participação da família e da sociedade. O nível de intervenção do psicopedagogo na escola vai variar em função de ser mais contínuo ou menos contínuo. Sendo mais contínuo, ele poderá atuar preventivamente junto aos professores e técnicos de vários modos tais como: explicitando sobre habilidades, conceitos e princípios que são pré-requi- sitos para as aprendizagens e auxiliando para que as situações de ensino sejam organizadas de acordo com o desenvolvimento; participando da equipe de currículo e auxiliando a determinar priorida- des em relação aos objetivos educacionais; atuando, como integrador que é, como elemento de elo entre os pro- fissionais da escola diretamente envolvidos com o processo de ensino- aprendizagem. Reportemo-nos ao que pensa Weiss (1991) a respeito disso. Para esta pes- quisadora, existem diferentes enfoques em relação ao que se entende por Psicope- dagogia na escola. Ela, por seu turno, adota a posição de considerá-lo como uma atividade educacional em que se busca a melhoria da qualidade na construção da aprendizagem de alunos e educadores. A psicopedagogia busca dar ao professor e ao aluno um nível de autonomia na busca do conhecimento e, ao mesmo tempo, possibilita uma postura crítica em relação à estrutura da escola e da sociedade que ela representa. Nestas palavras, a psicopedagoga Maria Lúcia Lemme Weiss reflete a preo- cupação e a tendência atual da Psicopedagogia no seu compromisso com a escola. Nesse trabalho preventivo junto à escola, deve-se levar em consideração, inicial- mente, quem são os protagonistas dessa história: professor e aluno. A inserção da Psicopedagogia nas instituições 17 Assim sendo, pensar a escola à luz da Psicopedagogia implica nos debruçarmos espe- cialmente sobre a formação do professor. Pode-se dizer, por conseguinte, que uma das tarefas mais importantes na ação psicopedagógica preventiva é encontrar novas modali- dades para tornar essa formação mais eficiente. Sabe-se que as profissões são escolhidas atendendo a profundos desejos inconscientes, e que não se questiona e nem se leva em conta as motivações dessa escolha ao longo da formação do professor. Assim, pois, as propostas de formação docente devem oferecer ao professor condições para estabelecer uma relação madura e saudável com seus alunos, pais e autoridades escolares. Investigar, analisar e realizar novas propostas para uma formação docente que considere esses as- pectos constitui uma tarefa extremamente importante, da qual se ocupa a Psicopedagogia. (BOSSA, 1994, p. 71) Nosso ponto de vista é de que os problemas de aprendizagem são, em pri- meiro lugar, problemas de âmbito escolar e deveriam, inicialmente, merecer aten- ção da escola. Por utópico que possa aparecer, o psicopedagogo tem também um campo de atuação terapêutica dentro da escola. Vivemos um momento de conflito socioeconômico que tem como conseqüência problemas escolares que necessitam procedimentos remediáveis imediatos. Considerando tais problemas de um ponto de vista sistêmico, evidencia-se a relevância de que o indivíduo possa ser trabalha- do dentro de seu ambiente escolar e só sejam encaminhados para serviços espe- ciais os casos mais sérios, que necessitam de diagnóstico médico especializado e exames complementares. Nesta linha de pensamento, o psicopedagogo pode atuarterapeuticamente na escola de modo a: preparar o professor para a realização de atendimentos pedagógicos indi- vidualizados; auxiliar na compreensão de problemas na sala de aula, permitindo ao professor ver alternativas de ação e ver a maneira com que os demais técnicos podem intervir; participar no diagnóstico dos distúrbios específicos da aprendizagem; atender pequenos grupos de alunos. Para refletir e finalizar Vimos nesta aula como se dá a construção de nossos conhecimentos e como o psicopedagogo atua, particularmente na instituição escolar. Convém lembrá-lo, que não nos limitamos apenas aos professores e alunos. Estes principais parcei- ros no processo educacional não estão sozinhos: participam, também, a família e outros membros da comunidade que interferem no processo de aprendizagem – como, por exemplo, aqueles que decidem sobre as necessidades e prioridades escolares. O aluno, ao ingressar no ensino regular, por volta de sete anos, traz consigo uma história vivida dentro do seu grupo familiar. Se a sua história transcorreu sem maiores problemas, seu superego estará estruturado e poderá deslocar sua pulsão aos objetos socialmente valorizados, ou seja, estará pronto para a sublimação. A escola se beneficia e também tem função importante nesse mecanismo, pois lhe fornece as bases necessárias, ou seja, coloca ao dispor da criança os objetos para Introdução à Psicopedagogia 18 os quais se deslocará a sua pulsão. É o momento ideal para o ingresso no ensino regular, já que as suas condições psíquicas favorecem o aprendizado escolar. Se tudo correu bem no desenvolvimento da criança, estará estruturado o seu desejo de saber. Ingressa na escola com um desenvolvimento construído a partir do inter- câmbio com o meio familiar e social, o qual pode ter funcionado tanto como faci- litador quanto como inibidor no processo de desenvolvimento afetivo-intelectual. É importante que você tenha em mente, no entanto, que a aprendizagem não objetiva só a criança ou adolescente, mas o adulto e profissionais na integração e reintegração grupal. O trabalho do psicopedagogo se dá numa situação de rela- ção entre pessoas. Não é uma relação qualquer, mas um encontro entre educador e educando, em que o psicopedagogo precisa assumir sua função de educador, numa postura que se traduz em interesse pessoal e humano, que permite o de- sabrochar das energias criadoras, trazendo de dentro do educando capacidades e possibilidades muitas vezes desconhecidas dele mesmo e incentivando-o a pro- curar seu próprio caminho e a caminhar com seus próprios pés. O objetivo do psicopedagogo é o de conduzir a criança ou adolescente, o adulto ou a instituição a reinserir-se, reciclar-se numa escolaridade normal e saudável, de acordo com as possibilidades e interesses dela. Segundo as opiniões formuladas na presente aula, discuta com seus colegas em que deve consti- tuir o trabalho psicopedagógico na escola. Em sua argumentação, procure estabelecer, também, qual o papel da escola enquanto mediadora entre a realidade social e o aluno. A inserção da Psicopedagogia nas instituições 19 Introdução à Psicopedagogia 20 A crescente profissionalização do psicopedagogo Em nossas aulas iniciais vimos um pouco da história da Psicopedagogia e a inserção do psico- pedagogo nas instituições. Após estas primeiras aulas, você talvez esteja se perguntando: mas, afinal, que tipo de profissional é o psicopedagogo? Onde e como ele atua? As respostas a essas perguntas não são simples, mas estamos certos que a leitura desta aula o auxiliará bastante na elucidação de algumas destas questões. O psicopedagogo como profissional Enquanto profissional, o psicopedagogo pode atuar em uma perspectiva eminentemente preventi- va ou em uma abordagem terapêutica, clínica. O seu trabalho pode vincular-se a uma instituição (escola, hospital, centro comunitário, por exemplo) ou ser estritamente individual (em seu próprio consultório). Mas, em qualquer dos casos, cabe ressaltar, o psicopedagogo não deve prescindir do diálogo interdisci- plinar, dada a complexidade do ato de aprender e a complexidade existencial daquele que aprende, em sua totalidade constitutiva e de manifestação. Como sabemos, é bastante expressivo o número de alunos que apresentam dificuldades de ler, de escrever e mesmo de pensar, exigindo uma atuação terapêutica. Esta situação, tão presente em nossas escolas, demonstra a importância da ação preventiva do psicopedagogo, quando voltada para evitar o aparecimento de dificuldades na aprendizagem. Ocupando-se da integração do aluno no co- tidiano escolar, quanto às possibilidades e capacidades que ele detém e os interesses que manifesta, o psicopedagogo atua preventivamente, colaborando para que o aprendiz estabeleça uma relação praze- rosa com o ato de aprender e, mesmo, desafiadora. O psicopedagogo precisa saber não só como o aluno constrói o seu conhecimento, mas tam- bém como ele determina o instrumental que usa para construir e reconstruir este conhecimento. Em outras palavras, o psicopedagogo precisa saber de que modo o aluno produz a tessitura do conhecer e do aprender, na qual o afetivo, o cognitivo e o conjunto das circunstâncias que compõem o coti- diano escolar se entremeiam e onde pontuam, além do professor (com suas peculiaridades pessoais e didáticas); os colegas do aprendente (igualmente vivenciando o desafio do aprender). Somente assim o psicopedagogo terá condições de contribuir para o desaparecimento das possíveis dificuldades do aluno, em seu processo de construção do conhecimento. Ao deparar-se com essas dificuldades, o psicopedagogo precisa, ainda, distinguir entre as difi- culdades que se revelam como “sintomas” – aquelas que realmente são objeto de um trabalho psico- pedagógico (oriundas de um real problema de aprendizado) e as que se apresentam como “reativas” – oriundas de alguma reação emocional (objeto de interesse do psicólogo escolar). A ação preventiva do psicopedagogo no campo institucional escolar deve estender-se também ao corpo docente. Neste sentido, o psicopedagogo terá oportunidade de trabalhar junto aos professores, esclarecendo-os quanto ao processo evolutivo cognitivo do aluno, inter-relacionando-o aos aspectos afetivos e ambientais capazes de influenciarem favorável ou desfavoravelmente o ato de aprender. Muito bem! Com certeza, você agora já tem uma noção melhor do papel do psicopedagogo: a complexidade de sua atuação, os conhecimentos que ele deve mobilizar e alguns dos problemas que deve resolver. Para complementar essa vi- são vejamos, agora, algumas formas de sua atuação. Formas de atuação profissional do psicopedagogo A Psicopedagogia, como nos diz Bossa (1994) se ocupa da aprendizagem humana, que aparece de uma demanda bem clara – o problema de aprendizagem – e evoluiu devido à existência de recursos, ainda que embrionários, utilizados para atender a essa demanda, constituindo-se, assim, numa prática. Conforme vimos em nossas aulas, como a Psicopedagogia se preocupa com o problema de aprendizagem, deve ocupar-se inicialmente em entender o processo de aprendizagem. Portanto, vemos que esta ciência estuda as características da aprendizagem humana: como se aprende, como essa aprendizagem varia evoluti- vamente e está condicionada por vários fatores, como se produzem as alterações na aprendizagem, como reconhecê-las, tratá-las e preveni-las. Esse objeto de es- tudo, que é um sujeito a ser estudado por outro sujeito, adquire características específicas a depender do trabalho clínico ou preventivo. Bossa (1994) procura definir a diferença entre uma e outra forma de atuação psicopedagógica. Segundo ela, o trabalho clínico (ou curativo) se dá por meio da re- lação entre um sujeito com sua história pessoal e seu modo de aprender, buscando compreender a mensagem emitida porum outro sujeito, implícita no sintoma do “não-aprender”. Nesta modalidade de trabalho, o profissional deve procurar com- preender o que o sujeito aprende, como aprende e por que aprende, além de per- ceber a dimensão da relação entre ele, o psicopedagogo e o sujeito aprendente, de forma a favorecer o processo de aprendizagem. No trabalho preventivo, as instituições, enquanto espaços físicos e psíquicos da aprendizagem, são objeto de estudo da Psicopedagogia. Nelas são avaliados os processos didático-metodológicos e a dinâmica institucional que interferem no processo de aprendizagem. Cabe recordá-lo de que, como vimos na aula passada, as instituições não são apenas as educacionais, mas todas aquelas em que se pro- cessam as aprendizagens. Segundo nos conta Bossa (op. cit.), a definição do objeto de estudo da Psi- copedagogia bem como os demais aspectos dessa área de estudo passaram por várias fases distintas. Houve época em que o trabalho psicopedagógico tinha como prioridade realizar a reeducação do sujeito e o processo de aprendizagem era avaliado em função das deficiências apresentadas pelo aprendente. A atuação psicopedagógica procurava, então, vencer tais defasagens. Nesta fase, o objeto de Introdução à Psicopedagogia 22 estudo era o indivíduo que não conseguia aprender, concebendo-se a “não-apren- dizagem” como uma falta ou uma falha do sistema cognitivo do indivíduo. Esse enfoque buscava, de acordo com critérios científicos, estabelecer semelhanças no processo de aprendizagem entre grandes grupos de sujeitos, as suas regularidades e o que era esperado para determinada faixa etária, visando reduzir as diferenças e acentuar a uniformidade. Posteriormente, segundo a mesma autora, a Psicopedagogia passou a ocu- par-se da noção de “não-aprendizagem” de uma outra forma: o “não-aprender” passa a ser entendido como um sintoma carregado de significados, e que não se opõe ao aprender. Essa nova fase da Psicopedagogia é fundamentada em con- ceitos oriundos da Psicanálise (Freud) e da Psicologia Genética (Piaget) e leva em conta a singularidade e a diversidade dos indivíduos, buscando o significado particular emprestado às suas características e às suas alterações, baseadas nas circunstâncias da sua própria história e do seu meio sociocultural. Nesta fase do processo evolutivo da Psicopedagogia, esta nova área de estudo procurou estru- turar-se entendendo que o objeto de estudo é sempre o sujeito “aprendendo”, pois não há formas acabadas de aprendizagem. A construção do saber é sempre um processo e, por isso, contínuo. Na fase atual, a Psicopedagogia orienta-se segundo a concepção de que existe um equipamento biológico com características afetivas e intelectuais pró- prias participando ativamente neste processo de aprendizagem e que interferem na forma como se dão as relações do sujeito com o meio, sendo que essas caracte- rísticas influenciam e são influenciadas pelas condições socioculturais do sujeito e do seu meio. Conforme vimos, a atuação psicopedagógica pode se dar segundo uma orientação preventiva e/ou clínica. Entretanto, ela é também teórica na medida da necessidade de se refletir sobre a práxis. Assim, vale repensar um pouco a prática, antes de abordar o teórico. A Psicopedagogia procura utilizar-se do processo de ação–reflexão–ação, no qual cada profissional age na busca de resultados profilá- ticos e/ou terapêuticos e, em seguida, reflete sobre sua ação para novamente voltar à prática. Para Bossa (1994), o trabalho preventivo pode ocorrer em diferentes níveis de prevenção. Segundo esta autora, no primeiro nível o psicopedagogo centra sua atenção nos processos educacionais com o objetivo de identificar as dificuldades institucionais, e atua sobre elas antes que provoquem dano, pois visa diminuir a “freqüência dos problemas de aprendizagem”. Seu trabalho incide nas questões didático-metodológicas, bem como na formação e orientação de professores, além de fazer aconselhamento aos pais. Em um segundo nível, o objetivo é diminuir e tratar os problemas de aprendizagem já instalados. Com esta finalidade, realiza-se uma análise diagnóstica da realidade institucional e elaboram-se planos de inter- venção baseados nos resultados obtidos neste diagnóstico. Dentro deste processo, junto com os professores, procura-se avaliar os currículos e os métodos didático- pedagógicos utilizados, procurando soluções para que não se repitam tais trans- tornos. No terceiro nível, segundo o que nos ensina Bossa (1994), o objetivo é eliminar os transtornos já instalados num procedimento clínico com todas as suas A crescente profissionalização do psicopedagogo 23 implicações. O caráter preventivo permanece aí, uma vez que, ao eliminarmos um transtorno, estamos prevenindo o aparecimento de outros. Para melhor entendimento das atividades apresentadas, vamos agora ver como Kiguel (1987) entende o trabalho psicopedagógico. A função preventiva e a função curativa (terapêutica) Na função preventiva, segundo nos diz Kiguel (1987), cabe ao psicopedago- go atuar, principalmente, em escolas e em cursos de formação de professores, es- clarecendo sobre o processo de desenvolvimento e maturação das áreas ligadas à aprendizagem escolar (perceptiva, motora, de linguagem, cognitiva e emocional), auxiliando na organização de condições de aprendizagem de forma integrada e de acordo com as capacidades dos alunos, atendendo sua diversidade e motivação. Já o trabalho do psicopedagogo em nível curativo, é, segundo esta autora, dirigido às crianças e adolescentes com distúrbios de aprendizagem já instala- dos. Em ambos os casos, para auxiliar no diagnóstico (que é concluído em equi- pe interdisciplinar) o psicopedagogo desenvolve os seguintes procedimentos: anamnese e análise do material escolar desde a pré-escola; contato com a escola (direto ou por meio de questionário); observação do desempenho em situação de aprendizagem; aplicação de testes psicopedagógicos específicos; solicitação de exames complementares (psicológico, neurológico, oftal- mológico, audiométrico ou outros que se fizerem necessários). Integrando os resultados obtidos por meio destes procedimentos, o psicope- dagogo busca levantar hipóteses que expliquem as condições de aprendizagem do paciente identificando áreas de competência e de dificuldades. O entendimento dos fatores etiológicos das dificuldades, bem como a sig- nificação emocional do problema na família e na escola, levam o psicopedagogo, juntamente com os demais profissionais que avaliaram o paciente, a determinar as prioridades de tratamento. É interessante observar que, freqüentemente, uma criança portadora de um distúrbio de aprendizagem tem associado a este também um distúrbio afetivo. O atendimento à área emocional deve ser indicado e pode ocorrer prévia, simultânea ou posteriormente ao tratamento psicopedagógico. A partir das indicações tera- pêuticas, o psicopedagogo apresenta os resultados aos pais e à escola e com eles planeja o atendimento psicopedagógico. Não podemos nos esquecer, no entanto, que o tratamento psicopedagógico propriamente dito está sempre vinculado ao posicionamento teórico que a equipe Introdução à Psicopedagogia 24 interdisciplinar tem no fenômeno da aprendizagem humana, em seus distúrbios e nas causas que os motivaram. O conhecimento da etiologia é fundamental, não apenas para a determinação de prioridades de tratamento e escolha de metodolo- gias específicas, mas, principalmente, para quando se trata de planejar soluções preventivas e/ou curativas de caráter social mais amplo. É importante relembrá-lo, neste momento, que o principal sujeito no proces- so de aprendizagem é o aprendente e, desse modo, é de fundamental importância para o êxito do trabalho psicopedagógico o relacionamento interpessoal entre ele e o psicopedagogo.Como podemos facilmente perceber, a relação existente entre o psicope- dagogo e o aprendente é dinâmica e, por isso, imprevisível. Sendo um encontro de personalidades distintas e com motivações diversas, cada um se aproxima do outro como seres humanos que são, com seus acertos e erros, seus conflitos e emoções, sua particular percepção valorativa das experiências vivenciadas, en- fim, com o próprio EU e suas circunstâncias interagentes. Sempre que duas pessoas se encontram, e mais fortemente em um processo terapêutico, cria-se uma tempestade emocional. Se eles têm um contato suficiente para estarem seguros um do outro, ou mesmo se não estão seguros, um estado emocional se produz pela conjunção destes dois indivíduos, destas duas persona- lidades. Neste processo interativo é importante que o psicopedagogo se veja tam- bém como aprendente. Embora seguro do suporte teórico que orienta sua atuação e do domínio das técnicas que utiliza, é previsível que o encontro com o outro se torne, quase sempre, um fator de angústia que deve, pelo profissional, ser mantido sob controle. Manter-se aberto aos acontecimentos de cada encontro, que nunca se repetem, é um modo de lidar com o “novo”, freqüentemente angustiante. Princípios norteadores da ação do psicopedagogo O psicopedagogo procura, em sua ação, mobilizar o indivíduo, conside- rando que os processos cognitivos como os de atenção, percepção e memória são determinados pelas condições de maturação neuropsíquica orientados pela emoção e pelo afeto, pois os sentimentos de prazer e sucesso são determinantes da aprendizagem. Considera-se estas características como partes integrantes de um processo de desenvolvimento único para cada indivíduo, embora influenciado pelo meio familiar, social e cultural. Concordamos que o psicopedagogo norteia sua atividade profissional se- gundo princípios que emanam do seu próprio processo de aprendizagem, mas, por outro lado, o psicopedagogo acredita que o aspecto importante da atividade peda- gógica é a sua significação simbólica dentro do processo geral de aprendizagem do indivíduo e, tal atividade deve ser capacitante para a estruturação, crescimento e integridade da personalidade do aprendiz. A crescente profissionalização do psicopedagogo 25 Outro princípio básico que deve ser buscado pelo psicopedagogo é o desen- volvimento do processo de auto-aprendizagem, no sentido de que ensinar consiste em facilitar ou buscar desencadear um processo ativo que ocorre no indivíduo que aprende, de acordo com seu ritmo de desenvolvimento. Também consideramos um princípio norteador o fato de que determinadas aprendizagens necessitam de uma ação estimuladora do meio externo e que a pessoa que ensina é um dos elementos mais incentivadores da aprendizagem. O psicopedagogo norteia sua ação consciente de que a aprendizagem é, antes de tudo, uma relação com o mundo externo e que o vínculo que se estabelece com o indivíduo será um fator relevante na sua mobilização para a busca do novo. O psicopedagogo procura, então, mobilizar o seu próprio potencial afetivo para tornar-se um fator incentivador da aprendizagem do indivíduo que, por ve- zes, muito jovem, já experimenta intensos sentimentos de fracasso e desânimo. Diferenciação entre o papel do psicopeda- gogo e de alguns outros profissionais que atuam na área de Educação A aprendizagem é um fenômeno complexo. Seu estudo requer a intervenção de diversos campos do conhecimento. Na verdade, a análise dos fenômenos relati- vos à aprendizagem requer a intervenção de uma equipe multidisciplinar, funcio- nando integradamente. Por outro lado, não se pode esquecer que a condição para uma equipe trabalhar adequadamente é que cada participante tenha seu papel de- finido com o seu modo específico de ver o problema e trazer a sua contribuição. O papel do psicopedagogo apresenta várias interfaces, podendo estar diluí- do, particularmente, entre o papel do orientador educacional, do psicólogo escolar, do fonoaudiólogo ou do supervisor pedagógico. Em relação a cada um destes, os limites de atuação são, por vezes, quase impossíveis de definir objetivamente. A dificuldade parece advir não só do funcionamento a nível técnico, mas tam- bém da natureza do ser humano – não é possível definir os limites da linguagem e do pensamento, dos processos de aprendizagem e das características pessoais. Tudo indica que o mais importante na compreensão do indivíduo é justamente o modo único e peculiar como interagem as diferentes variáveis. O terreno das diferenciações é um terreno escorregadio e cheio de particu- laridades, não só científicas, mas também práticas e até legais. Temos que lembrar que não é só o campo da Psicopedagogia que não está bem-definido. Apesar de estar consideravelmente melhor delimitado, o campo psicológico ainda admite subdivisões e variações. A diversidade funcional pode ocorrer devido às diferen- tes formações dos técnicos – já que se tratam de áreas relativamente novas – e devido às diferenças nos sistemas regionais de ensino. Introdução à Psicopedagogia 26 Por fim, precisamos considerar que a Educação está em contínua mudança, o que altera, constantemente, os papéis e as funções das pessoas envolvidas neste processo. Mas, apesar das dificuldades, tentamos levantar algumas peculiaridades em relação aos papéis destes profissionais. Em relação ao orientador educacional, parece-nos que tem uma atuação mais geral que o psicopedagogo, pois ajuda o indivíduo a encontrar uma melhor compreensão de si mesmo e desenvolver sua capacidade de tomar decisões. Ele trabalha, também, em função da dinâmica inter-relacional da escola ou institui- ção. Em alguns casos, faz aconselhamento vital e encaminha, quando necessário, o indivíduo para o médico, psicólogo, psicopedagogo ou fonoaudiólogo. Em relação ao fonoaudiólogo, encontramos alguma dificuldade para esta- belecer nítidas diferenciações. Sem dúvida, são campos nos quais podem ocorrer muitas interseções. O fonoaudiólogo, ocupando-se com a prevenção e reabilitação de distúrbios na aquisição e desenvolvimento da linguagem, certamente se ocupa com indivíduos que apresentam dificuldades de aprendizagem. O psicopedagogo, ao tratar com as dificuldades de aprendizagem volta-se para os processos perceptivos, cognitivos e conceituais que se evidenciam e são atingidos por intermédio da linguagem. Dá ênfase aos aspectos psicológicos e sociais dos problemas de aprendizagem do indivíduo. Para estabelecer diferenciações entre o psicopedagogo e o psicólogo esco- lar, seria necessário que o papel deste estivesse melhor definido entre o modelo escolar e o modelo clínico. Parece que ainda não há um modelo único que expli- cite a atuação do psicólogo escolar. Dependendo de sua formação e da estrutura educacional em que atua, há prevalência de uma orientação para a organização ou para o indivíduo. De qualquer modo, ele trabalha com os sentimentos indivi- duais ou grupais com vistas à resolução de problemas que se caracterizam mais pelo seu aspecto emocional do que educacional. O psicopedagogo trabalha com os sentimentos, conhecimentos e habilidades individuais ou grupais com vistas à ação pedagógica indicada. Em relação ao psicólogo clínico, as diferenciações parecem ser mais evi- dentes, pois ele dedica-se ao diagnóstico, tratamento e prevenção dos problemas emocionais. Sua preocupação com os problemas de aprendizagem insere-se den- tro de uma problemática emocional, mesmo porque psicoterapia é um processo de aprendizagem ou reaprendizagem. O psicopedagogo atribui um valor especial aos aspectos emocionais, na medida em que considera os mesmos como a fonte energética da aprendizagem, mas seu campo de ação abrange apenas o campo educacional. Quanto ao supervisor pedagógico, a diferença básica parece estar em que, quando este se volta para a orientação em relaçãoaos problemas de aprendiza- gem, tem em vista, preferentemente, os desempenhos previstos na organização curricular tendo sua atuação mais vinculada ao corpo docente do que discente. A crescente profissionalização do psicopedagogo 27 Finalizando Com esta aula, completamos a primeira unidade de nossa disciplina. Espe- ramos que você tenha, agora, uma visão abrangente da história e dos conceitos bá- sicos da Psicopedagogia, particularmente no que tange à necessidade funcional de seu aparecimento como ciência, como ela se insere nas instituições e como vem crescendo a profissionalização destes profissionais da educação. A partir de nossa próxima unidade vamos aprofundar os conceitos até aqui levantados, começando por caracterizar a ação psicopedagógica. 1. Ao término desta aula, escreva um texto que busque caracterizar o objeto de estudo da Psico- pedagogia. Em sua argumentação apresente o modo de atuação deste profissional, estabele- cendo a diferença entre o enfoque preventivo e o terapêutico no processo psicopedagógico. 2. Após ter terminado esta tarefa, procure ler dois textos de colegas seus e discuta com eles as aproximações e as diferenças entre o que vocês escreveram. Introdução à Psicopedagogia 28 Teorizando a ação psicopeda- gógica: limites e possibilidades A tender os alunos em suas singularidades sempre foi um dos objetivos mais ambiciosos da Edu-cação Escolar. A evolução da Educação, desde a época dos preceptores até nossos dias é, entre outros aspectos, a história do aumento e da complexificação das demandas que pressionam o sistema educacional para que este seja capaz de responder à crescente heterogeneidade de seus alunos e alunas. A expansão de matrículas na Educação Fundamental tem sido acompanhada por um incremento na diversidade de crianças que chegam à escola: diversidade de motivações, interesses e capacidades que se modelam, em última análise, em uma exigência de novas competências no professorado. Diante da nova demanda que chega, a resposta à diversidade tem sido considerada por parte de professores e professoras como um problema que ultrapassa suas possibilidades e funções, pois exige a presença de novos profissionais nas escolas. Tal perspectiva vem sendo reforçada pela Educação Inclusiva, já que a escola tem matriculado alunos com sérios problemas de aprendizagem ou com necessidades educacionais especiais em geral. O assessoramento solicitado pelos docentes vem sendo atendido de forma parcial e isolada, dependendo muito mais da iniciativa das secretarias municipais e/ou da boa vontade dos coorde- nadores e orientadores pedagógicos. Ainda não temos uma política pública que legalize a presença da Psicopedagogia nas redes públicas de ensino e a rede particular pode, se esta for a sua escolha, contratar psicopedagogos para sua equipe pedagógica. Embora esse não seja um dos limites teóricos da Psicopedagogia, mostra-se como um grande obstáculo a ser enfrentado pelo novo profissional da Educação. Comecemos pela análise das queixas de professores e pais sobre alunos/filhos em relação à aprendizagem escolar. É comum escutarmos que os alunos “não guardam a matéria”, “não conse- guem fazer contas”, “sempre repetem o mesmo erro”, “depois das férias esquecem tudo” etc. Desse breve repertório de expressões, quero chamar a atenção sobre o que aí emerge de significativo pois, geralmente, remetem à existência de algo que na relação pedagógica se interpõe entre aquilo que se ensina, que se mostra ao aluno, e aquilo o que se obtém como resultado. Essas poucas expressões, geradas por um saber cotidiano, indicam que “isso” que se interpõe entre o ensinado (o que foi mostrado) e o resultado é uma espécie de substância capaz de oferecer resistência à aprendizagem, de fazer com que o aluno repita insistentemente o mesmo erro, de que esqueça ou de que não consiga realizar o que quer. Emergência de algo que em si mesmo conteria a chave que possibilita ou que impossibilita as aprendizagens. Cabe ressaltar que não somente os pais, que consultam psicopedagogos clínicos por seus filhos, aferram-se a essas típicas construções imaginárias; além deles, tanto professores quanto profissionais de Psicopedagogia também as veiculam. A esse respeito, Lajonquière (1992, p. 12) nos alerta: Que essas expressões tenham se tornado clássicas ou, em outras palavras, que circulem com naturalidade, não deve chegar a nos surpreender. De certa forma, não passam de cria- turas muito particulares dessa espécie de substancialismo cotidiano que a tudo domina. Contudo, algo nelas deve, sim, chamar nossa atenção. Referimo-nos ao fato de que em se tratando da maioria de profissionais da nossa área, neles semelhantes apreciações e consi- derações próprias da tradição, em sentido lato, behaviorista-reflexológica. Nos meios profissionais são feitas determinadas afirmações que, por um lado, apontam a existência de uma espécie de intermediação entre o estímulo pedagógico e a resposta do aluno e que, por outro lado, tentam explicar cientifica- mente a aprendizagem usando o clássico modelo da associação exitosa. A tradição do pensamento psicológico contemporâneo, da qual a Psicopeda- gogia retira muito de sua teorização, tem gerado muitas escolas. Entre cada uma delas, algumas vezes, observamos tanto uma complementação recíproca quanto uma imensa discordância sobre certos aspectos, entre eles, por exemplo, a forma de caracterizar o organismo e os chamados fenômenos mentais. Cabe salientar que, além das variantes radicais e metodológicas da análise comportamental, nelas é sempre pressuposto, em primeiro lugar, que deve haver necessariamente uma ligação entre o estímulo ambiental e a resposta dada e, em segundo lugar, que tal associação pode ser controlada cientificamente. É, precisa- mente esse ponto que devemos analisar: a tradição experimentalista em Psicologia está baseada na pressuposição de que ao se desvendar a intrincada trama de as- sociações será possível, intervindo de forma direta sobre os estímulos, controlar o comportamento. Como aprender é um comportamento, podemos por meio dos estímulos, controlar seu êxito. As leis da aprendizagem – do efeito, do exercício, do reforçamento etc. – pressupõem, necessariamente, a existência de uma associação E (Estímulo) – R (Resposta). Assim, a aprendizagem é entendida como a consolidação de deter- minadas respostas exitosas dadas por um organismo, que se caracteriza por sua plasticidade. Tal organismo behaviorista, como é batizado por Lajonquière (1992), está dotado de uma bagagem hereditária mínima de respostas comuns à espécie que funciona como cenário e é em seu interior que as associações bem-sucedidas ocorrem. A partir dos reflexos hereditários, ou incondicionados na terminologia behaviorista, associam-se os aprendidos que variam em complexidade. As asso- ciações aprendidas, resultado de interações com o ambiente, são o centro das preocupações pedagógicas e psicopedagógicas. Suas leis, mais ou menos inde- pendentes desse organismo plástico, podem ser controladas (cientificamente) por pedagogos e psicopedagogos. Portanto, no interior da tradição experimentalista não existe um conceito definido para o que ocorre entre o estímulo (E) e a resposta (R) que possa, em úl- tima instância, ser responsabilizado pelas vicissitudes da aprendizagem. O erro é visto como uma associação malsucedida que tanto pode ser revertida, com maior ou menor dificuldade, por meio de uma nova programação cuidadosa de estímu- los, como podemos evitar o erro ao utilizarmos o exercício e o reforçamento. Para os behavioristas-reflexológicos o conhecimento nada mais é do que um acúmulo de condutas estáveis que resultam do jogo de inter-relações E-R, sobre o Introdução à Psicopedagogia 30 qual podemos intervir diretamente e quantas vezes forem necessárias. Contudo, os supostos erros ou dificuldades
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