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1 Dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio Direito Penal IV – Prof. Rafael Faria 1) Introdução: a) Localização topográfica: Os crimes contra a inviolabilidade do domicílio se encontram no Título I da Parte Especial do Código Penal (crimes contra a pessoa). Mais especificamente, estão localizados no Capítulo VI do referido Título (dos crimes contra a liberdade individual). Possuem Seção específica dentro do mencionado Capítulo (Seção II – dos crimes contra a inviolabilidade do domicílio). Na referida seção é previsto apenas um crime, a saber, o de violação de domicílio, que veremos a seguir. b) Fundamento constitucional do direito à inviolabilidade do domicílio O fundamento constitucional da inviolabilidade do domicílio, que autoriza o legislador a protegê-lo do ponto de vista penal, se encontra no art. 5º, XI, da CF, o qual prescreve que: “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Superada esta breve introdução, passamos a analisar os crimes de violação do domicílio propriamente dito 2) Violação de domicílio 2 a) Previsão legal: “SEÇÃO II DOS CRIMES CONTRA A INVIOLABILIDADE DO DOMICÍLIO Violação de domicílio Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. § 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência. § 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder. § 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência; II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser. § 4º - A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade. § 5º - Não se compreendem na expressão "casa": I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.” b) Análise do dispositivo O caput do art. 150 do CP trabalha com os núcleos “entrar” e “permanecer” como hipóteses nas quais poderá ser considerado violado o domicílio. Entrar significa 3 invadir, ultrapassar os limites da casa ou de suas dependências – revela um comportamento positivo; de outro lado, permanecer deve ser entendido no sentido de não querer sair por parte daquele estava dentro licitamente – é comportamento negativo. Para configuração da violação, o sujeito passivo deve entrar ou permanecer, de forma clandestina (dissimulando-se para que ninguém perceba), astuciosamente (lançando mão de ardil para iludir a vigilância - exemplo: disfarça-se de funcionário da zoonoses) ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito (ingresso forçado ou ostensivo). A expressão “quem de direito” se refere, a princípio ao morador, seja a que título for (proprietário, locatário, arrendatário, possuidor legítimo, usufrutuário, hóspede, sublocador, etc). Estabelece o §4º do dispositivo em análise o conceito de casa para fins de tipificação do crime de violação de domicílio, a saber: “ § 4º - A expressão "casa" compreende: I - qualquer compartimento habitado; II - aposento ocupado de habitação coletiva; III - compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade.” A expressão “qualquer compartimento habitado” é extremamente abrangente, podendo abarcar barco, trailer, motor-home, cabine de um trem velho, vagão de metrô abandonado, abrigo embaixo da ponte, quarto de pensão, pensionato, etc. Por sua vez, a expressão “aposento ocupado de habitação coletiva” se refere a locais como pensionatos, motéis, hotéis, etc, o qual já estaria abrangida na hipótese antecedente. Já em relação a “compartimento não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade”, pode-se exemplificar o escritório do advogado, do consultório médico, do gabinete do dentista, etc. 4 O dispositivo em tela, além de autorizar a incidência do crime em relação a “casa”, também o faz em relação as suas “dependências”, as quais são lugares acessórios ou complementares da moradia ou habitação, como o jardim, quintal, garagem, pátio, etc. Por fim, o §5º estabelece: § 5º - Não se compreendem na expressão "casa": I - hospedaria, estalagem ou qualquer outra habitação coletiva, enquanto aberta, salvo a restrição do n.º II do parágrafo anterior; II - taverna, casa de jogo e outras do mesmo gênero.” c) Classificação: Trata-se de crime comum quanto ao sujeito ativo, bem como quanto ao sujeito passivo; doloso; de mera conduta; de forma livre; comissivo (na modalidade entrar) e omissivo (na modalidade permanecer); instantâneo ou permanente; monossubjetivo; monossubsistente ou plurissubsistente; de dano; de ação múltipla ou de conteúdo variado. d) Bem juridicamente protegido ou objeto jurídico: O bem juridicamente protegido é a tranquilidade doméstica. e) Objeto material: O objeto material da conduta é a casa ou suas dependências. f) Sujeito ativo e sujeito passivo: O sujeito ativo pode ser qualquer pessoa física, inclusive o proprietário do imóvel (exemplo: proprietário que entra no imóvel sem o consentimento do 5 locatário). O sujeito passivo é identificado pela expressão “de quem de direito”, ou seja, o morador. g) Consumação e tentativa: Tratando-se de crime de mera conduta, tem-se que o crime em tela se consuma quando há o efetivo ingresso do agente na casa da vítima ou em suas dependências, ou no momento em que se recusa a sair, quando nela havia ingressado. É possível a tentativa, quando se tratar de modalidade plurissubsistente. É o exemplo daquele surpreendido tentando pular o muro da residência da vítima, antes de conseguir seu intento. h) Elemento subjetivo: O dolo é o elemento subjetivo do crime em tela, tanto o direto quanto o eventual. Nucci, entretanto, entende não ser cabível o dolo eventual. Não se admite modalidade culposa, por ausência de previsão legal. i) Modalidades comissiva e omissiva: O crime em análise pode se dar de forma comissiva (entrar) ou omissiva (permanecer). j) Modalidade qualificada: Estabelece o §1º do dispositivo em análise: “§ 1º - Se o crime é cometido durante a noite, ou em lugar ermo, ou com o emprego de violência ou de arma, ou por duas ou mais pessoas: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, além da pena correspondente à violência.” 6 Para que esteja presente a qualificadora do crime cometido durante a noite, este deverá ser praticado após o pôr do sol até a aurora. Lugar ermo deve ser entendido como aquele normalmente privado desocorro. O emprego de violência, por sua vez, deve se dar contra a pessoa (vis corporalis), não sendo qualificado o crime quando a violência é dirigida à destruição da coisa, conforme ensina Greco, nem quando há ameaça. Entretanto, a doutrina majoritária entende que a violência dirigida à coisa também qualifica o crime. Por sua vez, o emprego de arma, própria ou imprópria, deve ser no sentido de intimidar a vítima. Em relação à qualificadora do concurso de pessoas, para que se qualifique o delito, os invasores devem estar unidos para esse propósito, ou seja, ligadas pelo vínculo psicológico característico do concurso de pessoas. k) Causa de aumento de pena Estabelece o §2º: “ § 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder.” O conceito de funcionário público, para fins penais, deve ser encontrado no art. 327, CP (“Considera-se funcionário público, para os efeitos penais, quem, embora transitoriamente ou sem remuneração, exerce cargo, emprego ou função pública.”) Ressalte-se, entretanto, que, conforme Greco, após o advento da Lei nº 4898/65 (abuso de autoridade), posterior ao Código Penal, e que passou a prever, em seu art. 3º, que constitui abuso de autoridade qualquer atentado à inviolabilidade do domicílio, tem- se que a conduta do funcionário público que viola o domicílio no exercício de suas funções se constitui crime de abuso de autoridade, especial em relação ao previsto no CP. 7 l) Exclusão do crime O §3º do art. 150 estabelece: “§ 3º - Não constitui crime a entrada ou permanência em casa alheia ou em suas dependências: I - durante o dia, com observância das formalidades legais, para efetuar prisão ou outra diligência; II - a qualquer hora do dia ou da noite, quando algum crime está sendo ali praticado ou na iminência de o ser.” Ainda, a Constituição Federal, em seu art. 5º, XI ampliou as hipóteses de exclusão do crime, como se vê: “XI - a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial; “ Em resumo, não haverá o crime de violação de domicílio, nas seguintes situações: Situação Previsão legal É crime de violação? Cumprimento de mandado de prisão e/ou de busca e apreensão. Art. 150, §3º, I, CP. Se for durante o dia, não é crime de violação de domicílio. Crime está ali sendo praticado. Art. 150, §3º, II, CP. A qualquer hora do dia ou da noite, não é crime de violação de domicílio, por se tratar de situação de flagrante. Crime na iminência de ser praticado. Art. 150, §3º, II, CP. É crime de violação de domicílio, não tendo sido o dispositivo recepcionado pela Constituição, haja vista que o crime na 8 iminência de ser praticado, ainda não está ocorrendo, afastando a situação de flagrante. Com consentimento do morador. Art. 150, “caput”, CP e art. 5º, XI, CF A qualquer hora do dia ou da noite, não é crime de violação de domicílio. Flagrante delito, desastre ou para prestar socorro. Art. 5º, XI, CF. A qualquer hora do dia ou da noite, não é crime de violação de domicílio. Por determinação judicial. Art. 5º, XI, CF. Se for durante o dia, não é crime de violação de domicílio. m) Pena, ação penal, competência para julgamento e suspensão condicional do processo: Como vimos, a pena cominada para o crime de violação de domicílio, em sua modalidade simples, é de detenção de 1 (um) mês a 3 (três) meses ou multa. Na modalidade qualificada, a pena é de detenção de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, além da pena correspondente à violência. Seu julgamento é de competência do Juizado Especial Criminal, desde que o crime não seja cometido por funcionário público, sendo aplicáveis os institutos da transação penal e suspensão condicional do processo. Ademais, trata-se de crime cuja ação penal é de iniciativa pública incondicionada. GABARITO DO SLIDE: CERTO 9 FONTES: Rogério Greco – Curso de Direito Penal – Parte Especial – volume 2 e Código Penal Comentado. Cezar Roberto Bittencourt – Tratado de Direito Penal – Parte Especial – volume 2.
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