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Os Mistérios da Inflação Henry Maksoud

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Prévia do material em texto

os 
MISTÉRIOS 
DA 
INFLAÇÃO 
Idéias e propostas 
discutidas em VISÃO 
Artigos de Henry Maksoud 
e entrevistas com: 
Francisco Lafaiete Lopes • 
Octavio Gouvêa de Bulhões • André Lara Resende • 
Sérgio Quintela • Marcílio Marques Moreira • 
Paulo Rabello de Castro • Carlos Brandão • 
Edmar Bacha • Carlos Geraldo Langoni • 
Alberto Benegas Lynch • Mário Henrique Simonsen • 
Antônio Dias Leite • João Pedro Gouvêa Vieira 
São Paulo 
Editora Visão Ltda. 
1986 
Este livro ou parte 
dele não pode ser reproduzido 
por qualquer meio sem 
autorização escrita 
do Editor. 
Ficha catalográfica preparada pelo 
Setor de Documentação da Editora Visão: 
Os mistérios da inflação: idéias e propostas discutidas em Visão. 
M 6 7 8 SãO' Paulo, Visão, 1986. 
12lp. 
I. Inflação I. Maksoud, Henry, ed. II. Lopes, Francisco Lafaiete III. 
Bulhões, Oétavio Gouvêa de IV. Resende, André Lara V. Quintela, Sér-
gio VI. Moreira, Marcílio Marques VII. Castro, Paulo Rabello de VIII. 
Brandão, Carlos IX. Bacha, Edmar X. Langoni, Carlos Geraldo XI. 
Lynch, Alberto Berregas XII. Simonsen, Mário Henrique XIII. Leite, 
Antônio Dias XIV. Vieira, João Pedro Gouvêa. 
EDITORA VISÃO L TDA. 
Rua Afonso Celso, 243 
04119- São Paulo - SP 
Brasil 
1986 
Impresso no Brasil 
Printed in Brasil 
CDD-332.41 
SUMÁRIO 
Apresentação 
Abertura 
Os mistérios da inflação 
Entrevistas 
I- Francisco Lafaiete Lopes 
II- Octavio Gouvêa de Bulhões 
III- André Lara Resende 
IV- Sérgio Quintela 
V- Mar cílio· Marques Moreira 
VI- Paulo Rabello de Castro 
VII- Carlos Brandão 
VIII- Edmar Bacha 
IX- Carlos Geraldo Langoni 
X- Alberto Benegas Lynch 
XI- Mário Henrique Simonsen 
XII- Antônio Dias Leite 
XIII- João Pedro Gouvêa Vieira 
Artigos de Henry Maksoud 
O que é a inflação? 
Os mitos e a indigestão inflacionária 
O monetarismo keynesiano-estruturalista 
De quanto dinheiro precisamos? 
O remédio constitucional para as endernias 
econômicas 
7 
19 
21 
25 
27 
36 
40 
44 
49 
55 
63 
69 
75 
79 
84 
89 
94 
101 
103 
107 
111 
115 
119 
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i • i' 
D e tanto ver proliferar interpretações desencontradas sobre o que causa a inflação e como acabar com ela, 
VISÃO lançou-se a campo objetivando esclarecer a ques-
tão. Num trabalho coordenado pelo editor de Economia, 
Antônio Tofaneto, foram ouvidos especialistas de diferen-
tes áreas de atividade, segundo um ternário básico, em en-
trevistas individuais, em que cada qual teve oportunidade 
de analisar a fundo a inflação e sugerir a maneira que julga 
ser a mais eficiente de acabar com ela. 
Participaram do debate o professor Francisco Lafaiete 
Lopes (edição de 17-7-85), Octavio Gouvêa de Bulhões (31-
7-85), André Lara Resende (7-8-85), Sérgio Quintela (14-8-
85), Marcílio Marques Moreira (21-8-85), Paulo Rabello de 
Castro (4-9-85), Carlos Brandão (11-9-85), Edmar Bacha 
(18-9-85), Carlos Geraldo Langoni (25-9-85), Alberto Be-
negas Lynch (2-10-85), Mário Henrique Simonsen (9-10-
85), Antônio Dias Leite (16-10-85) e João Pedro Gouvêa 
Vieira (23-1 0-85). 
Embora cada um dos entrevistados tenha identificado 
diferentes focos de pressão inflacionária, envolvendo a po-
lítica econômica, a política monetária, o endividamento in-
terno e externo, VISÃO entende que a verdadeira causa da 
inflação precisa ser explicitada com todas as letras: ela de-
corre da emissão de dinheiro e títulos, efetuada para finan-
ciar de forma inflacionária o déficit público, e que faz com 
que os meios de pagamento cresçam mais do que o produto 
nacional. Ou seja, o Governo "fabrica" dinheiro sem las-
tro para tapar o buraco que surge por gastar acima de sua 
receita, em vez de cortar despesas. 
E a partir dessa emissão inflacionária, a verdadeira cau-
9 
sa da inflação, segue-se uma série de artifícios econômicos 
que mascaram a causa e foram abordados pelos entrevista-
dos, quais sejam: a indexação (que acaba determinando 
um valor nominal e outro real para a moeda); o controle de 
preços (que comprime as margens de lucro dos setores atin-
gidos e distorce os sinais de oferta e demanda do mercado); 
o uso indevido do compulsório dos bancos (distorcendo o 
mecanismo de regulação de liquidez que deveria ser objeti-
vo do instrumento de open market); o endividamento ex-
terno excessivo (cujo custo descapitaliza o país); o endivi-
damel).to interno também excessivo (sugando recursos do 
mercado, pressionando a taxa de juros e gerando aplica-
ções especulativas em lugar das produtivas); o aumento da 
tributação (sugando mais recursos produtivos do 
mercado); políticas de achatamento de salários e controle 
de ganhos; programas subsidiados de crédito, etc. Resulta-
do: quanto mais artifícios, mais distorções que causam ou-
tras distorções em detrimento do livre mercado. 
Mas o pior efeito da inflação que o Governo gera, con-
forme tem sido denunciado por VISÃO, é a reação equivo-
cada que se estabeleceu em todos os segmentos da econo-
mia, envolvendo trabalhadores de todos os níveis e empre-
sários: em vez de exigir que o Governo acabe com a infla-
ção (equilibre receita e despesa, parando de emitir), todos 
buscam mecanismos de defesa mais eficientes para prote-
ger -se da inflação. V ale dizer, procuram conviver com a in-
flação, tentando encurtar a velocidade de reajuste de pre-
ços e salários, fazendo aplicações especulativas, etc. Dois 
absurdos ilustram isso: 
1 ?) A elevação dos índices de preços passou a ser enten-
dida como causa e não como conseqüência da inflação. E 
os reajustes de preços nominais (para manter o preço real 
das mercadorias) passou a ser confundido com as oscila-
ções de preços decorrentes da lei da oferta e procura. 
2?) As pessoas que buscam aplicações indexadas para 
manter o valor real de sua poupança passaram a confundir 
a simples correção monetária do seu capital com ganho 
real, reclamando quando as taxas de correção diminuem 
(quando a inflação é menor), pois confundem ganho nomi-
nal com ganho real, o qual consiste apenas da parcela de 
juros, não da correção monetária. 
Como clarear as mentes e evitar tais confusões? Para is-
10 
so, VISÃO deixa claro que a caUsa da inflação são as emis-
sões de dinheiro e dá, a seguir, um resumo das propostas 
dos entrevistados. 
Francisco Lafaiete Lopes - O professor defende a aplica-
ção do chamado "choque heterodoxo" da inflação, que 
consiste, basicamente, num realinhamento geral dos pre-
ços (para que cheguem a seus níveis reais) e de salários, se-
guido de um congelamento de preços e salários e de uma 
reforma monetária, criando-se uma nova moeda (o cruza-
do) à razão de 1.000 cruzeiros por cruzado. Sua justificati-
va: "Toda inflação crônica é predominantemente inerciai. 
Ao nível de 200117o ela já não responde ao tratamento orto-
doxo (cortes no déficit público e não-emissão de moeda); 
se ele for gradual, ficamos no mesmo patamar até que o 
próximo choque (como o de salários) o empurre para cima; 
se for abrupto, caímos numa profunda recessão e acaba-
mos matando a economia. Se não fizermos nada, caminha-
mos para a hiperinflação. Com a adoção de um plano de 
estabilização, a moeda má é expulsa do mercado e a nova 
moeda nasce forte e confiável". Francisco Lafaiete Lopes 
chegou a apresentar a sua proposta ao presidente Tancredo 
Neves e o plano argentino inspirou-se no choque heterodo-
xo que defende. 
Octavio Gouvêa de Bulhões - O professor defende a ex-
tinção da correção monetária, dos subsídios, e uma políti-
ca "que assegure a supressão de desequilíbrios orçamentá-
rios, garanta a disciplina monetária, favoreça um clima de 
progresso". Embora defenda o "choque ortodoxo", Bu-
lhões recebe como inovadora a proposição de Lopes. 
"Conseguindo o alinhamento dos preços, ou seja, a eficá-
cia da relatividade dos preços, seria obtida aestabilidade 
do nível dos preços e, portanto, se tornaria desnecessária a 
correção monetária. Nessas condições, o déficit público 
deixaria de crescer, pois seu aumento de exercício para 
exercício advém da incorporação da inflação passada na 
estimativa dos dispêndios futuros ... " Bulhões defende 
também a capitalização das empresas, estimulando, por 
exemplo, a subscrição de ações novas com recursos do 
PIS, inclusive das empresas estatais, e cita a Companhia 
Vale do Rio Doce como exemplo a ser seguido. "O realce é 
11 
necessário pelo fato de ser de suma importância diminuir o 
débito das empresas estatais, como meio de reduzir o défi-
cit público." 
André Lara Resende- O professor afirma que "a infla-
ção brasileira pode ser absolutamente eliminada em menos 
de três meses, com medidas coerentes e sérias de redução 
do déficit público e, conseqüentemente, com menos emis-
são sem lastro. Isso se consegue com medidas efetivas e 
não apenas com declarações de intenção. Primeiro, isso 
passaria por redução de gastos públicos e reforma fiscal. 
Depois, viria a reforma monetária, com a introdução da 
moeda indexada, para desindexar a economia e eliminar o 
problema da inércia da inflação". Para Lara Resende, 
controlar o déficit público não tem mistério algum: "Re-
dução de despesa é redução de despesa e pronto. Agora, is-
to tem certos custos políticos. Quer dizer, você precisa re-
duzir gastos de custeio, reduzir pessoal, com efeitos sobre 
o emprego e a produção". E, quanto a desindexar a econo-
mia, Lara Resende propõe a introdução de uma moeda in-
dexada em relação ao cruzeiro, que batizou de "cruzeiro-
ouro", valendo um décimo de ORTN. "O uso da nova 
moeda, quer como instrumento de troca, quer como uni-
dade de conta, seria inteiramente facultativo. É óbvio, po-
rém, que a nova moeda rapidamente expulsaria o cruzeiro 
de circulação e, assim, o sistema brasileiro de indexação 
morreria de morte natural, por falta de referencial." 
Sérgio Quintela - O empresário acredita que a inflação 
pode ser debelada rapidamente. "Mas para isso é preciso 
negociar a dívida externa de forma a viabilizar o desejo do 
país de honrar os compromissos sem exportar capital, con-
ter de fato o déficit público, acabar com os subsídios e ter 
uma economia de mercado eficiente, mais aberta à compe-
tição internacional.'' Quintela diz que precisamos de uma 
folga cambial, no período de reajustamento da economia, 
o que traria dois efeitos principais: "Primeiro, reduziria as 
taxas internas de juro e, conseqüentemente, aliviaria até o 
déficit público; segundo, liberaria mais as importações, o 
que provocaria queda da inflação por meio do maior grau 
de concorrência da indústria, serviços e produtos agríco-
las". E para reduzir o déficit propõe fechar pura e simples-
12 
mente as estatais que não estão desempenhando nenhuma 
função. Também acha fundamental recriar a Federação, 
transferindo aos Estados e municípios a maior parte possí-
vel da arrecadação tributária, acompanhada das necessá-
rias transferências de obrigações. Quanto à carga tributá-
ria, é enfático: "Surpreendo-me quando vejo economistas 
respe~táveis afirmarem que a carga tributária vem caindo; 
só se Isso ocorreu por causa da recessão. Como empresário 
e como cidadão, garanto que pago mais impostos e taxas 
hoje do que pagava há dois ou três anos, seja de ICM, IR, 
ISS, IPTU, Previdência, etc. Não conheço um único im-
posto que tenha sido reduzido". 
Marcílio Marques Moreira - O professor e banqueiro dis-
corda de políticas de "choque". "As experiências históri-
cas e recentes dos países industrializados mostram que, 
quando se combate a inflação de forma decidida e com cre-
dibilidade, ela cai mais depressa do que se imagina.'' Nessa 
linha, propõe uma política monetária neutra ou ligeira-
mente restritiva, a retirada do elemento realimentador da 
indexação, para que a correção monetária "deixe de ser 
unicamente um 'espelho retrovisor' ... O problema é a mo-
netarização dos instrumentos financeiros de curto e curtís-
simo prazo, até do overnight. Ou seja, papéis de médio ou 
longo prazo não deveriam ser usados para operações de 
curto prazo e os de curto prazo não deveriam ser indexa-
dos". No caso das relações com o exterior, Moreira enten-
de que "deveríamos examinar a vinculação do cruzeiro ao 
dólar, tanto do comércio como da dívida. Deveríamos di-
versificar e, desde já, trabalhar com o marco, o iene, o 
franco ... Temos fluxos comerciais que viabilizam isso. No 
caso da dívida externa, o Brasil passaria, por exemplo, a 
dever aos bancos alemães em marco e não em dólar''. 
Paulo Rabello de Castro - O professor diz que o Estado-
empresário é a causa da inflação. "A inflação deriva do 
desperdício no uso dos recursos reais postos à disposição 
da sociedade. O Governo, em vez de ser o organizador, 
coordenador e fiscalizador das ações sociais, passou a ope~ 
rar como empresário, numa subversão constitucional dos 
poderes. Através da inflação, ele subverte o sistema de pre-
ços; através de um monstruoso déficit público, gera uma 
13 
• 
expansão monetária explosiva e desequilibra totalmente a 
economia. E acaba por destruir a moeda ao não fixar recei-
tas e tarifas em cruzeiros reais.'' Rabello de Castro propõe 
que o Governo volte a seu papel, que as empresas estatais 
sejam desvinculadas do sistema de poder; que o Governo 
desoficialize o uso da correção monetária em contrato in-
ferior a um ano, que facilite o uso de papéis prefixados, 
pois, "quando o sistema funciona com taxas pós-fixadas, 
ele fica preguiçoso em descobrir qual a inflação do futuro, 
porque tudo está coberto, qualquer que seja a inflação, 
por causa da correção monetá~ia ... "; prega uma ~ref?rma 
tributária, descentralizando o Sistema e as competencias, o 
imposto progressivo sobre a terra ociosa ("que seria uma 
verdadeira reforma agrária"). Quanto ao controle de pre-
ços, afirma: "Não podemos controlar o rio no estl!ário: re-
presa se faz na fonte. Na formação de preços, os msumos, 
energia, etc. estão nas mãos do Governo e seu ~usto é aso: 
ma da ineficiência". E, quanto ao déficit púbhco, conclm 
Rabello de Castro: "No dia em que o Governo perguntar 
qual o valor econômico e social de cada burocrata e de ca-
da prego usado ... acabou o déficit ... ". 
Carlos Brandão - Um dos responsáveis pela criação do 
open market no Brasil e ex-presidente do Banco Central, o 
professor Carlos Brandão é enfático: "A inflação brasilei-
ra tem origem no descontrole do setor público, que gasta 
mais do que pode porque é ineficiente e irresponsável. O 
déficit do setor público é pago dramaticamente pela socie-
dade com emissões de moeda e títulos". Brandão diz que 
' . 
a emissão normal não inflaciona. "O mal vem da emissão 
de moeda para cobrir o déficit do setor público, porque es-
ta permanece na economia, aumentando os haveres finan-
ceiros do país, fazendo crescer os depósitos à vista~ a pra-
zo e a capacidade de comprar. Isso tudo, sendo maiOr que 
o crescimento do produto, inflaciona." Brandão entende 
que o Governo tem de controlar seu déficit desinchando a 
máquina estatal. "Se for cortada drasticamente a emissão 
inflacionária, é óbvio que as empresas que provocaram a 
pressão, gerando o déficit, ou se ajustariam r~pidament~ 
ou fechariam as portas, tudo de forma automática. Havera 
desemprego e uma série de conseqüências recessivas, mas 
tudo num período curto. Depois a economia fica saudável, 
14 
porque a doença acabou. As taxas de juro descem, acaba a 
confusão da especulação financeira. A economia entrará na 
normalidade, como em qualquer país desenvolvido, com a 
inflação ficando entre 4% e 6% ao ano." Brandão defende 
a redução do compulsório a um nível de 17,507o e insis_te em 
que se pare com a dívida interna, "que_já é de 5~ tnlhões 
de cruzeiros e se não se colocar ordem msso em dms anosse-
rá igual à externa; o setor público vai desorganizar toda a 
economia brasileira, expulsando o setor privado". 
Edmar Bacha - O professor entende que "o grande pro-
blema de pôr em prática um tratamento de choque para 
acabar com a inflação é que a proposta exige um consenso 
político que, aparentemente, ainda nã~ existe no país". 
Bacha afirma que "não podemos abstrau do contexto po-
lítico e social a nossa aprovação ou não de uma proposta 
do tipo 'choque heterodoxo' da inflação, que, para sua im-
plementação e sucesso, exige um grau de aceitação, uma 
concertação (com c) política que está difícil de ser executa-
da neste período prenhe de eleições e de indefinições políti-
co-partidárias que vão até a Constituinte". A. seu ver, o 
grosso do déficit público é nominal "e um Importante 
componente dele é juro real a taxas absurdas de 20% a 
25% da dívida interna, contra 7% da dívi~a extern<l;. Se a 
gente tivesse condições, através de mecamsmos vanados, 
de fazer essa substituição, o Governo diminuiria de 25% 
para 8% o que paga de juro pela dívida interna. _É deixar 
de pagar dois terços de juros na dívida de 330 tnlhões _de 
cruzeiros". Por isso entende que é possível combater a m-
flação por caminhos que passam pela contenção do déficit, 
da dívida interna e dos juros reais e da renegociação exter-
na. "As projeções do 1? PND indicam que, se a emissão 
monetária acompanhar a inflação, se a dívida pública ex-
pandir-se a taxa não maior que o crescimento de 6% do 
PIB e o Governo conter em 3% a taxa de crescimento do 
seu gasto, podemos colocar a casa em ordem. E isso é pos-
sível de ser feito em 1986 e em 1987." 
Carlos Geraldo Langoni - O professor, ex-presidente do 
Banco Central, diz que "temos déficit público crônico e 
com tendência crescente, cada vez mais financiado pela ex-
pansão monetária ... A aceleração monetária sanciona as 
15 
expectativas de mais inflação no futuro ... Um caminho ex-
tremamente eficiente para eliminar ou reduzir substancial-
mente o déficit é o Congresso Nacional proibir a emissão 
indiscriminada de moeda para cobrir o excesso de dispên-
dio do setor público, outorgando autonomia ao Banco 
Central para impor a disciplina monetária". Segundo Lan-
goni, assim acabaria o "automatismo da expansão mone-
tária para cobrir os subsídios explícitos da conta petróleo e 
do trigo, o déficit da Previdência e o serviço da dívida das 
empresas estatais. A partir desse momento (a proibição de 
emissão), esses déficits terão de ser forçosamente elimina-
dos ou então cobertos por fontes conhecidas de recursos 
fiscais". O ex-presidente do Banco Central lembra a estra-
tégia argentina de "eliminar os focos primários de inflação 
e, em seguida, acabar com os mecanismos de realimenta-
ção através de reajustes automáticos de salários e preços. 
Na realidade, o público argentino somente acreditou no 
congelamento de preços e salários porque ele foi acompa-
nhado pela proibição, por lei, de o Banco Central emitir 
moeda para financiar o déficit público ... ". 
Alberto Benegas Lynch- O professor da Universidade de 
Buenos Aires vê com reservas a política monetária posta 
em prática na Argentina. Acha positivo o Governo ter re-
conhecido sua responsabilidade pela inflação, bem como é 
positiva a proibição de o Banco Central emitir para cobrir 
o déficit, só sendo permitidas emissões contra a entrada de 
dólares, esterilizando-se contra a saída de dólares. Mas cri-
tica o congelamento de preços, os novos gravames tributá-
rios impostos e o aumento do endividamento, "o que pos-
terga as emissões adicionais que serão suscitadas no mo-
mento do vencimento dos juros, do resgate dos títulos ou, 
em geral, quando se tiver de fazer frente aos compromis-
sos". Benegas Lynch acha de grande importância assinalar 
que "o objetivo final não deveria consistir em trocar o im-
posto inflacionário pelo imposto propriamente dito, uma 
vez que, nessa situação, o cidadão continuaria sendo um 
escravo do sistema que deve atender aos anseios ilimitados 
do Estado megalómano". A seu ver, a chave da questão, 
neste aspecto, consiste "em reduzir o gasto público, elimi-
nando todas aquelas funções que são incompatíveis com 
um governo republicano". 
16 
Mário Henrique Simonsen - O professor e ex-ministro é 
categórico: "Para zerar a inflação num curto espaço de 
tempo, até o fim de 1986, por exemplo, é preciso: a) sin-
cronizar o combate ao déficit público, de forma a não te1 
de fazer emissão de moeda ou títulos nesse volume atual, 
b) estabelecer a 'ORTnização' pelas médias (referenciar em 
ORTN os preços e salários pela média de um período); c) 
então, sim, fazer uma reforma monetária". Segundo Si-
monsen, isso permitiria ter inflação anual de um dígito. 
Outra decisão que contribuiria para chegar a esse resultado 
é uma menor transferência de recursos para o exterior, o 
que, de acordo com o ex-ministro da Fazenda, exigiria ne-
gociar em fóruns internacionais de modo a fixar um limite 
de 2507o da receita de exportações, contra os atuais 40%. 
"Esse nível de transferências é insustentável a longo prazo; 
reduzir esse percentual até 25% significará estímulo ao de-
senvolvimento econômico interno, o que, por sua vez, vai 
expandir a exportação e, então, possibilitar o pagamento 
da dívida sem estrangulamentos." 
Antônio Dias Leite - O professor está convicto de que 
''temos de abandonar o processo gradualista de controle 
da inflação e partir para um tratamento de choque. A mi-
nha proposta envolve, obviamente, o controle do déficit 
do setor público e das emissões para cobri-lo atacando as 
causas: encargos da dívida interna e externa; redução da 
dívida interna resgatando as ORTNs em circulação via re-
cursos tributários e pela troca de ações de estatais privati-
záveis; corte seletivo nas estatais; fim da indexação de títu-
los de curto prazo, etc.". Dias Leite propõe uma tributa-
ção única, e de uma só vez, sobre o património acima de 
um certo nível de riqueza, principalmente os ativos finan-
ceiros, e, com os recursos, resgatar uma quarta parte da dí-
vida e acabar com sua "rolagem", "que tanto inflado-
na''. A outra parte seria resgatada pela transferência de 
ações aos tomadores de ORTN. "Em resumo: retiro de cir-
culação parte das ORTNs que estão imobilizadas, como as 
dos bancos no Banco Central, as das seguradoras e fundos 
de pensão, etc. e, em troca, entrego o equivalente em ações 
das empresas e transfiro, simultaneamente, o comando das 
empresas para o setor privado." 
17 
João Pedro Gouvêa Vieira- O empresário e membro da 
Comissão da Constituinte é de opinião que, para fazer bai-
xar a inflação, "fundamentalmente temos é que aumentar 
a produção em todos os setores, particularmente na 
agroindústria; desestimular as aplicações especulativas, 
acabando já com o overnight indexado, por exemplo; re-
duzir as práticas que sugam dinheiro do setor privado e im-
pedem o desenvolvimento (caso das emissões de moeda e 
de títulos, o compulsório que tem efeito inflacionário); eli-
minar as práticas distorcivas como o controle de preços 
(sem lucro ninguém produz); e, no caso dos salários, man-
ter o seu poder de compra". Gouvêa Vieira afirma que, se 
não se aumentar a quantidade de mercadoria à disposição 
das pessoas, a euforia do trabalhador que recebe aumento 
de salário desaparece logo, por uma razão muito simples: 
"Aumentou-se a demanda e não a produção, a oferta; lo-
go, as coisas custarão mais". 
As entrevistas são precedidas por um artigo de abertura, "Os 
mistérios da inflação,, de Henry Maksoud, que dá nome à obra 
e no qual o editor do livro denuncia a causa última da inflação: a 
'fabricação de dinheiro, pelo Governo, que detém o monopólio 
de produção dessa mercadoria. Esta causa fundamental da infla-
ção, bem como problemas colaterais, são também analisados em 
outros cinco textos de Maksoud, que se constituem em fechoà 
obra. Do total de seis escritos do editor que o livro contém, os 
quatro m«is recentes, entre os quais se inclui o artigo de abertura, 
estão sendo publicados em livro pela primeira vez, depois de te-
rem aparecido originalmente em números do segundo semestre 
de 1985 do semanário VISÃO. Os dois mais antigos, respectiva-
mente de 1983 e 1984, já fizeram parte do livro "Os poderes do 
Governo,, de 1984, depois de terem sido divulgados inicialmente 
na revista VISÃO. 
18 
ABERTURA 
Os mistérios da inflação 
N estes anos todos tenho escrito bastante sobre quem causa a inflação. Sempre deixo bem claro que a infla-
ção é produzida pelo governo federal e que somente o go-
verno federal pode acabar com ela. E que para acabar com 
ela bastaria haver contenção na 'fabricação de dinheiro' 
pelo governo o qual detém o monopólio de produção dessa 
mercadoria. Parece simples mas não é. A coisa é difícil 
porque a inflação complica tanto a economia que os técni-
cos perplexos só conseguem propor medidas para comba-
ter os efeitos e não a causa do fenômeno. Tudo fica tão 
confuso para o povo que aos governantes eventuais é mais 
fácil dissimular do que enfrentar o explosivo problema. E 
para os políticos abre-se ampla margem de manobra dema-
gógica que favorece a devassidão monetária estimulada pe-
los que crêem no crescente ativismo governamental. Já que 
o fenômeno é assim tão fantástico, vale a pena explorar 
mais um pouco seus misteriosos meandros. 
Num mercado livre (sem inflação, portanto), os preços 
relativos dos bens e serviços sempre mudam em resposta a 
variações da oferta e da demanda. Se os consumidores gas-
tam mais cruzeiros num dado produto, eles têm de gastar 
menos noutros. A redução de demanda a esses outros pro-
dutos faz com que seus preços caiam. Assim, à medida que 
alguns preços sobem, outros devem cair. Os 'preços', con-
vém ressaltar, são relações de câmbio entre o cruzeiro e a 
unidade de cada um dos produtos disponíveis. 
Como se dá então a alta generalizada dos preços? Co-
mo é possível chegar-se a uma situação na qual os preços 
de todos os bens e serviços sobem continuamente como 
agora? A resposta é uma só: há contínuo acréscimo de 
21 
oferta de dinheiro na economia. Quando há mais dinheiro 
procurando a mesma quantidade de bens, cada cruzeiro 
vale menos. Logo, são necessários mais cruzeiros para 
comprar um mesmo par de sapatos ou um quilo de feijão. 
Portanto, num regime em que a massa monetária foi infla-
da, inflacionada, os preços todos sobem, não porque a 
produção é mais escassa do que antes, mas porque há supe-
rabundância de cruzeiros. Não porque a demanda física 
aumentou nem porque os custos reais subiram, mas por-
que há excesso de meios de pagamento na economia. 
A 'oferta de dinheiro' num dado momento pode ser 
avaliada pelo cômputo dos meios de pagamento que comu-
mente inclui a soma do papel-moeda em poder do público 
mais depósitos à vista nos bancos comerciais, no Banco do 
Brasil, nas cayras econômicas, no BNCC e mais os depósi-
tos a prazo. E o que chamam de M2. Uma outra medida 
dos meios de pagamento, talvez mais representativa da 
'quantidade de dinheiro' no Brasil, é a denominada M4 
que inclui, além dos montantes acima, os depósitos d~ 
poupança e os títulos públicos federais (ORTN e L TN) em 
poder do público. Para que se tenha uma idéia do aumento 
espantoso dos meios de pagamento nos últimos tempos 
basta citar que o total do M4 no final de 1979 era de 2.164 
bilhões de cruzeiros e de 372.522 bilhões em junho de 1985. 
Esse aumento de cerca de 17.000% na 'oferta de dinheiro' 
(enquanto o PIB real para 1979/84 aumentou menos de 
80Jo) foi sem dúvida a razão fundamental do aumento de 
mais de 14.000% no índice geral de preços (I GP /DI) ob-
servado nestes mesmos cinco anos e meio. 
E como é que esses cruzeiros a mais entram em nossa 
economia? O novo dinheiro é simplesmente injetado no 
sistema financeiro pelo governo federal, já que o cruzeiro 
não possui nenhum suporte real como o ouro, a prata ou 
qualquer outra coisa que tenha valor real, nada impedindo 
portanto que ele seja 'criado' ilimitadamente. 
P ode-se dizer que o inflamento dos meios de pagamento começa quando o executivo governamental procura 
'consertar' seu orçamento desequilibrado. Como o gover-
no nos tempos atuais se acostumou a operar sempre com 
déficit orçamentário - gasta mais do que o que recebe -
ele tem de cobrir a diferença. Ele resolveria essa questão 
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por métodos não inflacionários se o déficit pudesse ser co-
berto por receitas tributárias adicionais, ou através de em-
préstimos pagáveis inteiramente por poupanças reais. Mas 
as dificuldades para aplicação de qualquer destes métodos 
são tão grandes, devido aos contínuos e pesados déficits, 
que é quase inevitável recorrer à fabricação inflacionária 
de dinheiro. 
É quando se dá o procedimento que os economistas 
chamam curiosamente de 'monetização do débito'. É um 
método sinuoso de produzir inflação. Para 'dar um jeito' 
no continuamente crescente déficit orçamentário o gover-
no arranja dinheiro 'emprestado' através da e~issão de 
Obrigações e Letras do Tesouro. Parte destes títulos é ven-
dida aos bancos e outros tomadores que em pagamento 
transferem recursos próprios para o Tesouro. A outra par-
te fica na carteira de títulos públicos do Banco Central que 
'paga' o Tesouro emitindo moeda e/ou usando recursos 
dos depósitos compulsórios que os bancos são obrigados a 
manter no BC. (Atualmente o total de títulos públicos fe-
derais é de 288 trilhões de cruzeiros, dos quais 60% estão 
no mercado e 40% na carteira do BC.) De outro lado, o 
Banco Central também entra em cena para resgatar e/ ou 
recomprar no mercado (bancos e público) os títulos do Te-
souro. Quando não joga no mercado novos títulos para 
'girar a dívida', o Banco Central ou cria 'reservas' em no-
me dos bancos ou faz outra vez a Casa da Moeda imprimir 
novas notas para entregar aos portadores dos títulos. Além 
dessas emissões, o BC também ordena as emissões para co-
brir as contas trigo, o crédito agrícola e o débito externo 
vencido das estatais. É óbvio que ninguém antes possuía o 
dinheiro que o BC emitiu em todas essas operações. Esse 
dinheiro foi criado de simples penadas como um artifício 
monetário para cobrir o excesso de gastos do governo. 
Num curto período de tempo, portanto, maciças quantida-
des de dinheiro são introduzidas no mercado sem um cor-
respondente aumento da oferta de bens e serviços. É esse 
novo dinheiro 'tirado do ar' que produz a inflação. É sim-
plesmente essa a causa da inflação. 
E mbora bastasse parar com o aumento da quantidade de moeda e crédito para acabar com a inflação, essa 
solução envolve pormenores complexos e aparentemente 
23 
enigmáticos que causam temor aos governantes. Se os go-
vernantes e os políticos se convencessem que a inflação é 
extremamente danosa não só ao público mas a eles tam-
bém, talvez enfrentassem decididamente este problema. É 
preciso, no entanto, afirmar que o mais difícil não é acabar 
com a inflação. O mais difícil, perto do impossível numa 
economia altamente estatizada, é evitar a inflação com um 
contínuo e pesado déficit. Porque qualquer tentativa de 
manter esse déficit por meios não inflacionários, através de 
pagamentos em atraso (calotes), de empréstimos públicos e 
por meio de impostos pesados, certamente resultará em de-
sestímulo à iniciativa empreendedorial, na redução e que-
bra da produção e finalmente na completa destruição de 
toda a capacidade empresarial. O remédio para os gigan-
tescos gastos governamentais não é esse de fazer também 
gigantescos empréstimos públicos e continuar aumentando 
os impostos. É acabar com os enormes gastos improduti-
vos, o que só será possível limitando o campode ação do 
governo e estimulando a empresa privada. 
VISÃO, 13-11-85 
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ENTREVISTAS 
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I -Entrevista com Francisco Lafaiete Lopes 
"Toda inflação crônica é predominantemente inerciai. 
Ao nível de 200o/o ela já não responde ao tratamen-
to ortodoxo (cortes no déficit público e não-emissão de 
moeda); se ele for gradual, ficamos no mesmo patamar até 
que o próximo choque (como o de salários) o empurre para 
cima; se for abrupto, caímos numa profunda recessão e 
matamos a economia. Se não fizermos nada, caminhamos 
para a hiperinflação como a que se verificou na Argentina 
recentemente, de mais de 1.000%, ou na Alemanha de 
1923 (30.000% só no mês de outubro) ou na Áustria de 
1922 (80% só em setembro). Todas elas caíram depois para 
zero, em função dos planos de estabilização adotados. A 
moeda má foi expulsa do mercado e a nova moeda nasceu 
forte e confiável." 
As palavras são do professor Francisco Lafaiete Lopes, 
organizador e coordenador do Curso de Mestrado em Eco-
nomia da PUC-RJ, formado pela UFRJ, com mestrado na 
FGV e doutorado Ph.D. pela Universidade de Harvard 
(EUA). Filho do ex-ministro Lucas Lopes, 39 anos, seu no-
me ganhou destaque por terem suas teorias inspirado os 
economistas argentinos na recente reforma econômica efe-
tuada naquele país e que redundou no fim da inflação, 
criação de uma nova moeda e congelamento de preços e 
salários. 
Como quase todo economista moderno, Francisco La-
faiete Lopes acredita que, num ambiente de inflação crôni-
ca, mais vale um bom plano do que mil forças espontâneas 
de um mercado livre. "Preferimos encarar imediatamente 
o grande desafio que os espisódios da hiperinflação colo-
cam ao modelo da inflação inerciai: o seu fim surpreenden-
temente abrupto (como na Alemanha e na Áustria na déca-
da de 20)." Por isso, o seu trabalho não analisa o desgo-
verno que causa a inflação (inflamento da base monetária) 
para cobrir o déficit, nem discute também origens e causas 
do processo de aceleração vertiginosa da alta de preços 
("embora não pretenda minimizá-los"). 
Nesta entrevista a Antônio Tofaneto, editor de Econo-
mia de VISÃO, Francisco Lafaiete Lopes explica como se 
27 
pode, no Brasil, zerar a inflação e retomar o crescimento 
econômico sem maiores traumas. Uma proposta que ele 
apresentou a Tancredo Neves em novembro de 1984 suge-
rindo sua implementação logo após a posse do no;o Go-
verno, e que foi discutida em reunião do IPEA da qual 
participaram, dentre outros, Francisco Dornelles, Antônio 
Carlos Lemgruber, Luís Paulo Rosemberg, Mário Henri-
que Simonsen. 
A proposta de Francisco L~faiete Lopes, levada a Tan-
credo, consiste em três medidas básicas: uma reforma mo-
netária, um pacto nacional de estabilização e uma política 
nacional de preços,· a saber: 
"l.a) Reforma monetária - O Governo enviará ao 
Congresso projeto de reforma constitucional, estabelecen-
do que a partir de 1? de janeiro de 1986 a moeda de curso 
legal em todo o território nacional passará a ser o cruzado 
(na falta de nome melhor). A conversão de cruzeiros em 
cruzados dar-se-á à razão de 1.000 cruzeiros por cruzado. 
2.a) Pacto nacional de estabilização - O Governo en-
viará ao Congresso projeto de lei propondo as seguintes 
bases para o pacto: 
a) A partir de 1? de janeiro de 1986 serão proibidos con-
tratos de qualquer tipo com cláusulas de indexação que 
contemplem correção monetária de prazo inferior a um 
ano. 
b) As Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional se-
rão substituídas nesta mesma data (1 ?-1-86) por Obriga-
ções do Tesouro Nacional sem correção monetária, deno-
minadas OTNs, com base no valor equivalente em cruza-
dos da ORTN do mês. Os contratos privados de crédito 
com cláusula de correção monetária poderão ser similar-
mente convertidos em contratos sem correção monetária. 
c) A conversão dos salários de cruzeiros para cruzados 
dar -se-á para todos os trabalhadores em 1 ? -1-86 com base: 
1) no poder aquisitivo médio do salário nos seis meses 
compreendidos entre outubro de 1984 e março de 1985, 
atualizado pelo INPC para cruzeiros equivalentes de janei-
ro de 1986; 2) multiplicado por um fator de reposição sala-
rial a ser livremente negociado entre as partes interessadas. 
d) A partir de 1? -1-86 os salários serão livremente nego-
ciados em bases anuais, mantendo-se as atuais datas-base 
de negociação das diversas categorias. 
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e) Os contratos de aluguel em ORTNs serão convertidos 
em contratos em cruzados em 1? -1-86 com base no valor 
real médio da ORTN nos doze meses anteriores a esta data. 
3.a) Política nacional de preços- O Governo anunciará 
sua intenção de definir no prazo máximo de noventa dias 
sua política de preços com os seguintes objetivos: 
a) Reestruturação funcional e administrativa dos órgãos 
existentes de controle de preços, particularmente CIP, 
SEAP e Sunab, com novas definições de seus critérios ope-
racionais. O objetivo imediato deve ser a estabilidade da 
taxa de inflação, impedindo uma aceleração inflacionária 
especulativa na fase anterior à reforma monetária. 
b) Definição dos critérios de conversão em cruzados dos 
preços administrados pelo Governo, a serem aplicados em 
1?-1-86. Em princípio, esses preços deverão ser converti-
dos com base no valor real médio verificado nos seis meses 
compreendidos entre outubro de 1984 e março de 1985. 
c) Definição de critérios para acompanhamento de pre-
ços públicos e privados após a conversão para cruzados em 
1? -1-86. Em princípio, este acompanhamento deverá ba-
sear-se na regra tradicional de aplicação de uma margem 
de lucro sobre os custos. O objetivo é a estabilidade dos 
preços expressos na nova moeda nacional''. 
VISÃO - Nessa sua proposta o senhor acha que os resulta-
dos podem ser colhidos a curto prazo? Pode-se tomar co-
mo exemplo a Argentina mas as peculiaridades brasileiras 
exigiriam uma moldagem diferente ... 
Francisco Lafaiete Lopes- Sim, cada caso é um caso. O 
da Argentina era muito mais sério com inflação de 3007o ao 
mês e estagnação da economia há muitos anos, o que tor-
nou mais fácil fazer o que se pode chamar de "choque he-
terodoxo". Aqui já não se pode fazer como Raúl Alfonsín, 
via decreto-lei; tem de ser por lei votada no Congresso, 
com discussão prévia, etc. 
VISÃO - No seu trabalho que propõe o combate a uma 
inflação inercia/, o senhor parece não considerar o déficit 
público e a conseqüente cobertura via emissão de moeda e 
títulos como causas primárias de inflação. Por quê? 
Lopes - Veja bem, os livros-textos de economia não fo-
ram feitos para discutir inflação de 200%. Foram feitos em 
29 
países sem inflação, ou inflação de 5%. Se tivéssemos uma 
inflação de 5o/o ou 10% ao ano, aí nós iríamos discutir po-
lítica monetária, fiscal, cambial, etc. O que nós temos feito 
aqui na PUC são estudos e experiências que se contrapõem 
à estratégia ortodoxa, a esse pensamento convencional, 
porque a nossa idéia é que uma inflação de 200% é um ani-
mal diferente, um processo com lógica diferente e, por is-
so, tem de ser tratado de forma diferente. 
Quando Ronald Reagan fez um programa ortodoxo e 
conseguiu reduzir uma inflação de cerca de 15% para 4%, 
fez um programa convencional. A Inglaterra também. É o 
que prega o FMI: eliminar o déficit público e a expansão 
monetária. Só que no Brasil esses programas não têm dado 
certo; conseguem-se pequenos ganhos como agora, que es-
tabilizam a inflação no atual patamar, e só. Se formos apli-
car o programa ao extremo, geraríamos uma tremenda re-
cessão, levaríamos as empresas à falência, causaríamos o 
maior desemprego. Ou seja, para acabar com a inflação 
destruiríamos a economia.Isso não é um programa real. 
VISÃO - Mas o senhor concorda ou não que a emissão de 
moeda e o déficit público são causadores da inflação? 
Lopes - Se você me perguntar qual a causa da inflação na 
Itália ou no Canadá, no patamar de uns 15% ao ano, é cla-
ro que é possível atribuí-la a questões fiscais e monetárias. 
Mas estamos falando da inflação brasileira, de 200%, ou 
da Argentina, de 1.000%. Quando o processo inflacioná-
rio adquire este nível, de certo modo a emissão de moeda 
ou não e o déficit público deixam de ser fatores importan-
tes. Se você parar totalmente de emitir conseguirá gerar 
uma enorme recessão com ganhos pequenos sobre a infla-
ção. As estatísticas revelam que a emissão de moeda no 
Brasil tem sido contida em relação ao PIB nos últimos qua-
tro anos e a inflação não caiu. 
VISÃO - Mas, então, controlar o déficit e a moeda não é 
ivzportante? Ou só o é quando se tem níveis normais de 
inflação? 
Lopes- Perfeitamente. Depois que o Brasil virar uma In-
glaterra, não poderá ter uma economia com moeda estável 
se apresentar um déficit enorme. Um déficit pequeno é to-
lerável. A Inglaterra não tem um déficit nulo; ele foi de 
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12% em 1981, de 9% em 1982 e de 5% em 1983 (dados do 
FMI); sua inflação caiu de 12% para 5%. Por que o Cana-
dá com um déficit de 7% do PIB tem uma inflação só de 
10%? E temos a Itália com déficit de 16% e uma inflação 
de 15%. O Brasil tem um déficit de caixa de 100 trilhões 
para um PIB de 1.500 trilhões, o que dá cerca de 7%. O 
programa argentino prevê uma redução do déficit para 
2,5% do PIB já no segundo semestre deste ano; em parte 
como resultado da própria queda da inflação. 
VISÃO - O professor Bulhões propõe acabar com a corre-
ção monetária e com os subsidias ... 
Lopes - De certo modo o que nós estamos propondo é o 
inverso do que o professor Bulhões propõe. Ele quer aca-
bar com a correção monetária e subsídios para acabar com 
a inflação. Nós queremos acabar com a inflação e, com ela 
sendo zero, a correção monetária é zero e os subsídios tam-
bém. Além do que vejo com muito receio as propostas de 
moratória interna de acabar com a correção, o que geraria 
uma grande instabilidade. 
VISÃO - Vamos supor que a inflação caia para zero 
com seu plano. E o déficit residual? Exigirá aumento de 
tributação? 
Lopes - Numa economia em crescimento, um pequeno 
déficit é tolerável. Para eliminá-lo só é possível ou cortan-
do os gastos ou aumentando os impostos. Mas, se é verda-
de que a receita tributária caiu nos últimos anos, isso se de-
ve à recessão e à inflação. Mesmo assim, hoje acredito que 
a receita tributária esteja subestimada e, com o crescimen-
to econômico, haverá um conseqüente aumento da receita. 
De qualquer forma, terá de haver uma decisão política. Na 
Argentina, houve um corte do déficit de uns 10%; exigiu-
se um investimento compulsório e se fará uma reforma 
tributária. 
VISÃO - Por que não adotar uma politica de redução de 
impostos como fez Ronald Reagan nos EUA, estimulando 
a economia e ganhando no atacado? 
Lopes- É possível. Na minha opinião, o que Reagan está 
fazendo é reduzir as taxas marginais de imposto e simplifi-
car a tributação para tentar aumentar a receita tributária. 
31 
Ele também tem o problema do déficit, que é de 60Jo do 
PIB, o que a longo prazo pode pôr em perigo a estabilida-
de do dólar. Acho que em matéria fiscal tem de ser estuda-
do com muito cuidado o conflito entre o objetivo de efi-
ciência (dar o máximo de estímulo à atividade empresarial, 
ao esforço do trabalho) e o objetivo de dar o máximo de 
eqüidade. Trata-se de uma decisão da sociedade. 
VISÃO - Mas, resumindo sua proposta, basta jazer uma 
reforma monetária, criar nova moeda, fixar o câmbio, 
congelar preços e salários, tudo ao mesmo tempo? 
Lopes - Não é só mudar o nome da moeda. Tem de haver 
um compromisso do Governo com a estabilidade, pois o 
congelamento tem de ser temporário; e os preços que fo-
rem congelados têm de ser os preços de mercado, não re-
primidos pelo controle de preços. Se não houver o alinha-
mento dos preços o congelamento será artificial. Uma con-
seqüência importante do alinhamento é que você resolve 
grande parte dos problemas do déficit público. Os argenti-
nos eliminaram o subsídio da carne, tornaram as tarifas de 
preços públicos realistas, o do petróleo, etc. No Brasil se 
eliminariam todos os subsídios - ao trigo, açúcar, álcool. 
VISÃO - No realinhamento dos preços para níveis reais, 
tendo em conta o atual controle de preços, não poderia ha-
ver especulação? 
Lopes- Esse é um problema a ser enfrentado. Os preços 
estratégicos da economia (petróleo, taxa de câmbio, aço, 
energia elétrica, trigo, etc.) teriam de ser acertados. Não 
haveria uma liberação pura e simples, mas vamos ter de sa-
ber qual o preço de um automóvel em cruzados ... 
VISÃO - E, no caso, a indústria queixa-se do controle de 
preços e quer ... 
Lopes - Não há nenhum problema em dar à indústria 
o preço que estão pedindo, se justificável em termos de 
custo, taxa de comercialização, etc. A dificuldade atual é 
que o Governo faz o controle de preços para reduzir a in-
flação, para abrandar a taxa mensal. Se vamos congelar, 
temos de fazê-lo fixando o preço marginal. 
VISÃO - O senhor está propondo uma economia sem 
arti ficia/ismos? 
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Lopes- Exato. Mas é preciso olhar bem o preço margi-
nal. Por exemplo, no caso do petróleo, se você o extrai de 
três lugares, duas fontes baratas e uma cara, mas tem de-
manda para esse petróleo, o preço marginal é o da fonte 
cara. Se os EUA, di'gamos, extraem petróleo, no Texas, na 
Califórnia e no Golfo do México e o custo de exploração 
no Texas é duas vezes o do Golfo do México, o preço mar-
ginal será o do Texas; o que vai ocorrer é que a empresa 
privada que opera no Golfo do México vai ganhar muito 
mais dinheiro e a que opera no Texas vai ganhar menos. 
VISÃO- E o congelamento? 
Lopes - É mais simples administrar o congelamento do 
que fazer o controle de preços. Depois que você congela os • 
preços a níveis reais, eles adquirem valor econômico e vol-
tam a ter a função de sinalizar o mercado. O povo saberá 
que o preço de um maço de cigarros, de uma refeição ou de 
um TV será "x" cruzados e ponto; ele mesmo se mobiliza 
para ver se os preços estão sendo praticados corretamente. 
Haverá variações em função de estoques, margens meno-
res do comércio, etc., mas um preço real. 
VISÃO - Pode haver então fugas de capitais ... 
Lopes- Teria de haver um período de transição em que se 
tomem medidas de salvaguarda, como limitar movimento 
de capital (fuga para o dólar), restrições de crédito, etc. 
Mas isso é temporário. Acho que a experiência argentina 
nos pode ser muito útil. Veja, lá, no caso do dólar, houve 
um aumento muito grande no paralelo que se refletiu até 
no Brasil, mas já no dia 27 de junho o dólar estava cotado 
abaixo da taxa oficial, sendo comprado por 77 centavos de 
austral (80 centavos no oficial). 
VISÃO - Qual a quantidade que se deve emitir da nova 
moeda em relação ao PIB? 
Lopes - Na Argentina, Alfonsín se comprometeu a não 
emitir moeda para cobrir o déficit, mas pode haver emissão 
se houver aumento de reservas, por exemplo. O limite, a 
gente pode aprender com os países desenvolvidos, e tam-
bém muito com a história das hiperinflações como a da 
Alemanha de 1922 e 1923. Quando ocorreu a estabilização 
no final de 1923, em 1924 a inflação foi zero e a quantidade 
33 
de moeda cresceu 1900Jo. Veja que coisa curiosa, acabou a 
inflação e a demanda pela moeda boa aumentou (o que 
ninguém queria era a moeda ruim). Nesse caso, se não 
houvesse emissão haveria uma grande pressão sobre a taxa 
de juro. Aliás, a quantidade correta de moeda, alcançada a 
estabilização, é determinada pela taxa de juros. Ela sinali-
za;é só olhar: se ela subir, falta moeda. 
VISÃO - Mas qual seria a base, admitindo que se preten-
de uma base real, não viciada? 
Lopes- Veja alguns dados de alguns países e a relação en-
tre moeda e PIB: EUA (17%), Alemanha (16%), Inglater-
ra (15%), França (24%). No caso do Brasil, a expansão foi 
• contida nos últimos quatro anos e em 1984 a emissão de 
moeda representava 6% do PIB, uma relação bastante bai-
xa. Até porque com inflação em alta as pessoas não que-
rem reter moeda ruim; logo, seu uso é extremamente pe-
queno comparado com o que ocorre nos demais países de 
moeda estável. Se nós criarmos uma moeda boa, estável, 
possivelmente vamos ter de aumentar a atual relação 
moeda-PIB, pois a confiança na moeda aumenta e as pes-
soas a querem ... 
VISÃO - Mas, no Brasil, os haveres não-monetários, os 
títulos da dívida são quase-moeda. Aliás, constituem um 
artifício à não-emissão de moeda, pois aumentam a veloci-
dade de circulação do dinheiro, o que é até pior. 
Lopes - Concordo. Incluindo-se os ativos financeiros, a 
relação moeda-PIB aumentaria talvez ao nível de outros 
países ... 
VISÃO - Quais as repercussões de sua proposta no siste-
ma financeiro? 
Lopes - É lógico que se eliminando a inflação e a indexa-
ção também acaba aquilo que chamamos tecnicamente de 
"senhoragem" dos bancos - o lucro inflacionário, ou o 
ganho sobre os depósitos não-remunerados ou com remu-
neração inferior, caso das cadernetas de poupança. Isso 
exigirá alguma compensação, como a redução do compul-
sório e mais recursos livres no mercado. Não sei se o com-
pulsório deve baixar para 20% ou a que nível; podemos to-
mar como exemplo os níveis adotados nos países desenvol-
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vidos com economia estabilizada como a que teremos. No 
caso do BNH também terá de ser encontrada uma fórmula 
estabilizadora, e assim por diante. 
VISÃO- E quanto à taxa de juros? 
Lopes- A taxa de juros no Brasil está muito alta. Ela é ir-
real, assim como outras distorções da economia. Mas com 
a estabilidade, e numa economia com preços reais, ela cai-
ria naturalmente a um nível razoável, sem congelamento. 
Até porque aí ela seria um importante indicador econômi-
co de mercado. 
VISÃO - O senhor acha que o Governo da Nova Repúbli-
ca adotaria sua proposta? 
Lopes - Deveria. Não podemos continuar atacando a in-
flação no varejo, sacrificando a todos para mantê-la no 
mesmo patamar e correr riscos de choques que levem à hi-
perinflação. É como descer uma escada de costas. Nesse 
caso é melhor pular! 
VISÃO, 17-7-85 
35 
• 
ll- Entrevista com Octavio Gouvêa de Bulhões 
"A meta é zero de inflação em 1986" foi o título da 
matéria com a qual VISÃO abriu o debate sobre as 
diversas propostas para acabar com a inflação (edição de 
17-7-85, página 52), apresentando o plano do professor 
Francisco Lafaiete Lopes e uma entrevista exclusiva com o 
autor. 
Agora é o professor Octavio Gouvêa de Bulhões que 
contribui para o debate falando daquela proposta e apon-
tando uma opção. 
VISÃO - Como o senhor vê a proposta do professor La-
faiete Lopes? 
Octavio Gouvêa de Bulhões - Devemos receber como ino-
vadora a preocupação daqueles que se manifestam contra 
a prolongada e intensificada prevalência inflacionária em 
nosso país. Afinal, o número de pessoas alheias aos males 
da inflação é significativo em nosso país, inclusive na área 
governamental. 
Segundo o depoimento de Francisco Lafaiete Lopes, ele 
e um grupo de professores sustentam a impossibilidade de 
pretender-se eliminar o déficit público com uma taxa de in-
flação de 200% ao ano. A seu ver, o caminho indicado é o 
da substituição da presente moeda desvalorizada por ou-
tra, nova, de valor estável. A substituição deve st:r feita du-
rante um período de congelamento global da renda, perío-
do de alinhamento dos preços, grande solução para os dé-
ficits públicos. São suprimidos todos os artifícios, destaca-
damente os subsídios. Conseguindo o alinhamento dos 
preços, ou seja, a eficácia da relatividade dos preços, como 
diria mais apropriadamente o professor Dias Leite, seria 
obtida a estabilidade do nível dos preços e, portanto, se 
tornaria desnecessária a correção monetária. Nessas condi-
ções, o déficit público deixaria de crescer, pois seu aumen-
to, de exercício para exercício, advém da incorporação da 
inflação passada na estimativa dos dispêndios futuros. Daí 
a afirmativa de ser impossível eliminar-se o déficit público 
quando a inflação atinge o nível de 200%. 
VISÃO- O senhor concorda com a proposta? 
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Bulhões - Acho que medidas eficazes de combate à infla-
ção se impõem, até para viabilizar a taxa de crescimento de 
50Jo .a 6% defendida pelo presidente José Sarney. Em tese 
apó1o a solução, que é semelhante à dada pela Argentina. 
Até porque defendo a extinção da correção monetária e 
dos subsídios. 
Mas voltemos à substituição da moeda, cujo êxito de-
pende do valor estável da nova moeda, estabilidade ligada 
a um horizonte límpido, isento de nuvens carregadas de dé-
ficit público. É indispensável vigorar uma política que aS·· 
segur~ a .supressão de, ~esequilíbrios orçamentários, garan· 
ta a d1sc1plma monetar1a, favoreça um clima de progresso .. 
VISÃO - Como evitar essas "nuvens, de déficit? 
Bulhões - Na expectativa de contribuir para o preparo e 
~xecução dessa política construtiva é que insisto na capita-
lização das empresas. Dentre as várias sugestões de estímu-
lo à subscrição de ações novas, repito, agora, a que se refe-
re à aplicação da receita do Programa de Integração Social 
(PIS) na compra de ações, em vez de empregá-la em em-
préstimos ou utilizá-la em restituições. A finalidade é con-
seguir um patrimônio crescente para os empregados. 
Sendo a finalidade do PIS suplementar os salários com 
dividendos, nada mais apropriado que utilizar as contribui-
ções na atividade empresarial - reduzindo os débitos ou 
real~zando investimentos - e conceder, em importâncias 
eqmvalentes, ações escriturais aos empregados. As ações es-
criturais, retidas nas empresas, seriam fonte de renda e não 
veículo de disponibilidade de capital. Haveria a preocupa-
ção de diversificar as ações mantidas em patrimônio. A par-
ticipação sendo diluída, ainda que no curso do tempo atin-
gisse soma elevada, dificilmente representaria um nível que 
pudesse interferir na direção das empresas. 
VISÃO - Poderia dar um exemplo e sua relação com o dé-
ficit público? 
Bulhões - É esse tema que desejamos ressaltar no caso, 
por exemplo, da Companhia Vale do Rio Doce. O realce é 
necessário pelo fato de ser de suma importância diminuir o 
débito das empresas estatais como meio de reduzir o déficit 
público. 
No Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Ge-
37 
túlio Vargas, Eden Gonçalves de Oliveira estima que teria 
sido possível reduzir de 27o/o o endividamento das empre-
sas estatais, caso a arrecadação de 1983 e 1984 do PISe do 
Pasep (respectivamente 3.156 bilhões e 1.137 bilhões de 
cruzeiros) tivesse sido aplicada em aumento de capital, em 
substituição ao aumento de empréstimos. A estimativa é 
feita com a correção monetária das arrecadações de 1983 e 
1984, com base em dezembro de 1984, em confronto com o 
saldo dos empréstimos de dezembro de 1984 no valor de 
39.836 bilhões de cruzeiros. 
Voltando à Vale do Rio Doce, a empresa, necessitando 
de recursos financeiros para executar os seus projetos de 
desenvolvimento (e, conseqüentemente, contribuindo para 
o progresso econômico do país), muito judiciosamente ve-
rificou ser imprudente agravar seu débito. Impunha-se o 
aumento do capital. O Governo em estado deficitário não 
estaria em condições de subscrever o acréscimo requerido. 
Então a Vale fez ofertadas ações ao público. Com esse 
procedimento, a CVRD deixou de representar uma fonte 
de endividamento, agravante do déficit público, para 
transformar -se em empresa de indiscutível solidez econô-
mica e financeira, em contraste com as demais empresas do 
Estado, conforme demonstra o quadro abaixo. 
Empresas 
estatais, excluída Vale do a Vale do Rio 
Doce Rio Doce 
(Bilhões de cruzeiros) 
1982 1983 1982 1983 1984 
a) Patrimônio 
líquido (Capital 14.665 43.110 410 1.an 7.495 
e reservas) 
bl Exigível 
(Dívidas e 17.147 57.337 532 2.005 7.348 despesas a 
pagar) 
c) 8-A -2.472 -14.227 -122 -128 + 153 
8/A 1,16 1,33 1,29 1,06 0,98 
Fonte: Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas. 
VISÃO - Mas o Governo ... 
Bulhões - Em vez de o Governo demonstrar satisfação 
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pelo bom resultado obtido, exemplo a ser seguido pelas de-
mais empresas que continuam pesando sobre o déficit pú-
blico, ele se sente amedrontado. Julga o Governo arriscada 
a sua posição de manter 68% das ações ordinárias e 46o/o 
das ações preferenciais. 
Se as ações vendidas ao público estiverem diluídas el\tre 
milhares de acionistas, ainda que as percentagens citadas 
viessem a cair à metade, o Governo estaria tranqüilo em seu 
poder de controle e tranqüilo estaria o país, pois a participa-
ção de grande número de acionistas seria prova de descen-
tralização da riqueza e presença moral para que a empresa 
atuasse em alto nível de eficiência e de lucratividade. 
VISÃO - Faltaria fé no mercado? 
Bulhões - No mundo em que vivemos, onde há limitações 
a serem enfrentadas, lembra Paul Samuelson fazer parte 
da educação das crianças compreenderem, desde cedo, que 
"ambos" é resposta inadmissível ao imperativo de uma es-
colha. A situação em que nos encontramos no Brasil revela 
terem nossas autoridades olvidado por completo a lição da 
necessidade de optar no arrolamento de nossos dispêndios. 
Gastam a esmo e, em meio às dificuldades de obtenção de 
recursos, duvidam daqueles que contribuem para remover 
o obstáculo criado pela falta de capacidade de optar. 
Com tanta falta de lógica no gastar e tão arraigados 
preconceitos no auferir receitas, é duvidosa a expectativa 
de um horizonte límpido, necessário para se ter uma moe-
da de valor estável. 
VISÃO, 31-7-85 
39 
.. 
III- Entrevista com André Lara Resende 
"A inflação brasileira pode ser absolutamente elimina-
da em menos de três meses, com medidas coerentes 
e sérias de redução do déficit público e, conseqüentemente, 
com menos emissão sem lastro. Isso se consegue com medi-
das efetivas e não apenas com declarações de intenção. Pri-
meiro, isso passaria por redução de gastos públicos e refor-
ma fiscal. Depois, viria a reforma monetária, com a intro-
dução da moeda indexada, para desindexar a economia e 
eliminar o problema da inércia da inflação." 
As palavras são do professor André Lara Resende, co-
lega do professor Francisco Lafaiete Lopes, co-autor das 
idéias de reforma monetária e de introdução de uma nova 
moeda, mas que discorda parcialmente da proposta de La-
faiete Lopes publicada por VISÃO (edição de 17-7-85, pá-
gina 52). 
Lara Resende expõe a seguir suas idéias, dando seqüên-
cia ao debate aberto por VISÃO. 
VISÃO - No que o senhor discorda da proposta de La-
faiete Lopes? 
André Lara Resende - A proposta do professor Francisco 
Lafaiete Lopes de estabelecer, em cima da reforma mone-
tária e da nova moeda, um congelamento de salários e pre-
ços é que não me parece uma necessidade. Controlar os 
preços é dispensável, embora possa também constituir-se 
em medida de segurança, para evitar os movimentos espe-
culativos e, assim, aumentar a credibilidade, que será fun-
damental no primeiro momento da nova moeda. 
Minha preocupação com esse controle de salários e pre-
ços é mais um problema de administração. O importante é 
o bom funcionamento do mercado, e, para isto, é preciso 
evitar a intervenção do Estado, que afeta negativamente a 
livre iniciativa. Se esse controle tiver mesmo de ocorrer, 
dentro de um programa de estabilização econômica coe-
rente, deverá ser por tempo claramente limitado. 
VISÃO - O senhor defende uma reforma fiscal. De que 
tipo? 
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Lara Resende - A reforma fiscal que defendo deverá ape-
nas equilibrar a distribuição da carga tributária. Nada de 
aumentar ou criar impostos para setor algum. Falo em 
equilibrar e simplificar. A redução dos gastos públicos de-
verá eliminar a necessidade de aumento dos impostos. A 
carga tributária no Brasil já é alta demais. Apesar disso, es-
tou convencido de que a sociedade brasileira estaria dis-
posta a aceitar até um eventual aumento de tributação, in-
clusive o assalariado, que já é muito taxado, desde que eles 
fossem persuadidos de que "estamos fazendo uma refor-
ma profunda, que vai exigir sacrifício, mas, em compensa-
ção, arrumaremos definitivamente a casa e partiremos pa-
ra uma economia saudável". 
Agora, o que não se pode fazer são medidas casuísticas 
de aumento de impostos, como a tentativa de congelar a 
tabela de cálculo de IR e outras coisas, enquanto o Gover-
no nada faz para reduzir suas despesas. E ... pior: o que se 
vê são os "trens da alegria", a estatização do Sulbrasileiro 
e os escândalos de corrupção ... 
VISÃO - Como controlar o déficit? 
Lara Resende - Não tem mistério algum. Redução de des-
pesa é redução de despesa e pronto. Agora, simplesmente, 
isso tem certos custos políticos. Quer dizer, você precisare-
duzir gastos de custeio, reduzir pessoal, com efeitos sobre 
o emprego e a produção. 
VISÃO- Alega-se que isso seria recessivo ... 
Lara Resende - É um princípio relativamente recessivo, 
mas não geraria desemprego estrutural. A questão é por 
quanto tempo a medida será recessiva. Se você reduz a car-
ga do Estado na economia, você fortalece a livre iniciativa. 
VISÃO- Há resposta do mercado. 
Lara Resende - Exato. As pessoas que forem, por exem-
plo, demitidas do setor público terão emprego no setor pri-
vado, porque com o' controle do déficit do Governo vem a 
redução das taxas de juro e a recuperação do investimento 
privado na economia, o que compensa a queda do gasto 
público. É bom lembrar o inegável dinamismo do setor pri-
vado brasileiro. A demonstração da capacidade de pou-
pança e de exportação da livre iniciativa nos últimos anos é 
impressionante. 
41 
• 
VISÃO - A emissilo sem lastro de moeda e títulos para co-
brir o déficit público nilo é inflacionária, mesmo numa in-
flaçilo alta ou "inerciai"? 
Lara Resende- Nessa economia de inflação inerciai, emi-
tir moeda e títulos, acompanhando a inflação, não é uma 
decisão inflacionária, porque você está apenas mantendo o 
volume real do estoque de moeda constante. Se estivésse-
mos em economia estável, a emissão não poderia ficar aci-
ma da taxa de crescimento real da economia. Quando você 
estabiliza os preços de uma economia com inflação iner-
cial, você pode emitir de acordo com a demanda de moeda, 
mas apenas num primeiro momento. Isso porque, com a 
estabilidade dos preços, a tendência é de a população reter 
dinheiro e isto aumenta a demanda por moeda. Passado o 
impacto da medida que causa o aumento da demanda por 
moeda, então se deve manter a emissão de títulos e dinhei-
ro próxima da taxa de crescimento real da economia. 
VISÃO - O senhor propOe inclusive uma moeda estável, 
indexada. 
Lara Resende - Trata-se de desindexar a economia pela 
introdução de uma moeda indexada em relação ao cruzei-
ro, que batizei como "cruzeiro-ouro", que valeria, diga-
mos, um décimo de ORTN. O uso da nova moeda, quer 
como instrumento de troca, quer como unidade de conta, 
seria inteiramente facultativo. É óbvio, porém, que a nova 
moeda rapidamenteexpulsaria o cruzeiro de circulação e, 
assim, o sistema brasileiro de indexação morreria de morte 
natural, por falta de referencial. 
VISÃO- O déficit público deve ser zero? 
Lara Resende - Concordo com o professor Lafaiete Lo-
pes que você não precisa ter uma economia com déficit pú-
blico zero. Pode-se ter algum déficit, porque todas as eco-
nomias o têm de alguma forma. Agora, é preciso sanear a 
economia brasileira. Pelo menos por um determinado tem-
po, o setor público do nosso país deverá ser superavitário. 
A partir daí, poderá voltar a apresentar ligeiro déficit: 1 oro 
ou 201o do PIB é perfeitamente normal e tolerável. O pró-
prio crescimento do setor privado permitirá esse nível de 
déficit, enquanto a dívida pública aumentaria, mas em 
proporção do Produto Interno Bruto (PIB), ficando, por-
tanto, constante. 
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VISÃO- Isso significa menos governo e mais livre iniciativa? 
Lara Resende- Exato. Com o nível do déficit constante 
em relação ao PIB, o setor público se concentraria nas ati-
vidades que lhe são próprias, as atividades sociais. Menos 
governo na economia permite mais governo no social, con-
forme lembrou o presidente José Sarney. 
VISÃO, 7-8-85 
43 
• 
IV- Entrevista com Sérgio Quintela 
"A credito que a inflação pode ser debelada, em curto 
prazo, rapidamente. Mas para isso é preciso nego-
ciar a dívida externa de forma a viabilizar o desejo do país 
de honrar os compromissos sem exportar capital, conter de 
fato o déficit público, acabar com os subsídios e ter uma 
economia de mercado eficiente." As palavras são do em-
presário Sérgio Quintela, cinqüenta anos, membro do 
Conselho Monetário Nacional, participante da extinta Co-
pag - Comissão para o Plano de Ação do Governo Tan-
credo Neves, presidente da Internacional de Engenharia e 
vice-presidente do Grupo Montreal. 
Nesta entrevista exclusiva, Quintela expõe suas idéias, 
dando seqüência ao debate aberto por VISÃO. 
VISÃO - O que o senhor acha da proposta do professor 
Lafaiete Lopes para zerar a inflação em 1986? 
Sérgio Quintela - A proposta tem aspectos de inovação e 
de omissão. O professor Lopes avança, por exemplo, na 
tese do realinhamento dos preços. Ele quer liberar os pre-
ços para, em seguida, fazer o congelamento. Duvido que 
isso possa ser aplicado no Brasil por algumas razões: 
1) Porque na economia brasileira existe uma presença 
estatal excessiva, com preços monopolizados ou então 
oligopolizados. 
2) Porque temos muitos preços que são difíceis de defi-
nir ou de identificar se expressam ou não a realidade do li-
vre mercado. 
3) Porque temos barreiras de importação; portanto, 
sem a possibilidade de poder colocar tanto os produtores 
como os comerciantes em regime de concorrência. 
Quanto à idéia de se estabelecer o congelamento tempo-
rário em cima das médias dos preços de outubro de 1984 a 
março de 1985, não se pode ignorar que nesse período ha-
via preços e tarifas irreais, porque já estavam comprimidos 
como os salários. 
VISÃO- Como liberalizar e realinhar os preços? 
Quintela- Numa economia mais próxima do livre merca-
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do e mais aberta à competição internacional. Nesse caso, 
já existiria o realinhamento dos preços. Mas aí entra a 
omissão da proposta: não se examinaram os efeitos da dí-
vida externa sobre nossa economia, especificamente sobre 
as taxas de juro, pressionando a poupança interna. Somos 
hoje exportadores de capital, porque transferimos para o 
exterior anualmente entre 40Jo e 5% do PIB. O que torna 
difícil estabilizar a economia sem renegociar a dívida em 
base diferente da que estamos praticando. 
VISÃO - Que. base de renegociação seria essa? 
Quintela - É uma tradição brasileira honrar os compro-
missos e não há por que duvidar da capacidade do país de 
pagar a dívida. Precisamos é de uma folga cambial, no pe-
ríodo de reajustamento da nossa economia. Isso traria dois 
efeitos principais: 1 ?) reduziria as taxas internas de juro e, 
conseqüentemente, aliviaria até o déficit público; 2?) libe-
raria mais as importações, o que provocaria queda da in-
flação por meio do maior grau de concorrência da indús-
tria, serviços e produtos agrícolas. 
VISÃO - Quais os efeitos da dívida sobre o déficit e na 
economia? 
Quintela - São· grandes. Só o juro da dívida representa 
hoje cerca de dois terços do total da despesa financeira do 
Governo Federal. O Fundo Monetário Internacional quer 
que, em vez de um déficit modesto, o Brasil tenha superá-
vit de 4% a 5% do PIB, o que é coerente com sua política 
mas com a qual não precisamos estar de acordo. Se faze-
mos exportação líquida de recursos de 40Jo a 5% do PIB, é 
preciso financiar essa exportação de alguma forma sem 
pressionar de modo exagerado a poupança nacional. Uma 
maneira é gerar poupança interna de 4% a 5%. Os núme-
ros não são casualmente iguais. E a negociação da dívida 
passa por aí. 
VISÃO -Além da dívida externa, o que mais causa o défi-
cit público? 
Quintela - O déficit nosso é quantitativo e qualitativo. 
Não é apenas o fato de o Governo gastar mais do que arre-
cada. É que dispomos de máquina estatal ineficiente, sem-
pre no vermelho, principalmente nas áreas produtivas. São 
45 
• 
• 
déficits crônicos, diferentes dos que ocorrem, por exem-
plo, nos Estados Unidos ou na Inglaterra, em que o Estado 
possa estar momentaneamente gastando mais do que lhe é 
possível em saúde pública ou em armamentos. Nesse caso, 
uma redução dos dispêndios equilibraria o orçamento. 
VISÃO- Como atacar fundo o déficit público? 
Quintela - Isso envolve a gerência das empresas estatais, a 
eliminação da ineficiência de algumas empresas e autar-
quias tipo IBC, IAA, Embratur, etc. Não se trata apenas 
de correção meramente de natureza econômica, mas de 
modificações de natureza gerencial. Algumas empresas de-
veriam ser simplesmente fechadas, porque não estão de-
sempenhando nenhuma função. 
VISÃO- Quais, por exemplo? 
Quintela - Numerosas. A área de bens de capital é um 
exemplo. Não quero dar nomes porque os nomes são sem-
pre combatidos de forma a desviar o assunto para confun-
dir a opinião pública. Temos de aceitar a tese de que o Es-
tado não pode ter envolvimento empresarial porque ele 
não é bom gerente e porque o setor privado em muitos ca-
sos está presente competindo em igualdade de condições 
com empresas internacionais. O déficit público é de natu-
reza estrutural e mistura empresas com falta de caixa mas 
com retorno garantido, como as usinas hidroelétricas, com 
outras operacionalmente deficitárias, e ainda com ativida-
des deficitárias e mal geridas, como o sistema de previdên-
cia social. 
VISÃO - O que representam os subsídios no déficit público? 
Quintela - Têm efeito importante e partilho integralmen-
te da opinião do professor Octavio Gouvêa de Bulhões de 
que a fase atual de controle de preços é o momento ade-
quado para se acabar com os subsídios. 
VISÃO - E o peso das emissões de dinheiro e títulos na 
inflação? 
Quintela - É direto, instantâneo e imediato sobre a eleva-
ção dos preços. Aí é que está o círculo vicioso, que os eco-
nomistas pretendem romper, de realimentação inflacioná-
ria que se denomina ''inflação inerciai''. Há a necessidade 
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de emissão de dinheiro para financiar o aumento dos ati-
vos decorrente da inflação passada. 
VISÃO- E quanto à taxa de juro elevada? O que jazer pa-
ra baixá-la? 
Quintela - As formas de baixar os juros são as que estão 
em debate. De início, reduzir a pressão governamental de-
mandando recursos, aqui entra a política fiscal. Em segui-
da, acabar com a pressão da dívidaexterna sobre a pou-
pança nacional. 
A taxa de juro é formada pelo custo administrativo do 
banco, que remunera o capital próprio, pelos impostos que 
incidem sobre a captação bancária e pelo compulsório. Na 
época da Copag, fizemos uma proposição que abrangia a 
tributação sobre a captação bancária. Era uma forte redu-
ção, que iria diminuir a arrecadação, mas representaria 
uma queda real de juros e o Governo, conseqüentemente, 
pagaria menos para financiar o seu déficit. Quanto à redu-
ção do compulsório, seria positiva porque daria maior li-
berdade ao fluxo financeiro entre as várias instituições de 
crédito. Essa tem sido uma prática do Conselho Monetário 
Nacional, que, por orientação do ministro da Fazenda, 
vem avançando na liberalização do fluxo financeiro, e isso 
é uma das explicações pelas quais a taxa de juro tem caído 
nos últimos meses. 
VISÃO- E quanto à carga tributária e seus efeitos? 
Quintela - Surpreendo-me quando vejo economistas res-
peitáveis afirmarem que a carga tributária vem caindo. Só 
se_isso ocorreu por causa da recessão. Como empresário e 
como cidadão garanto que pago mais imposto e taxas hoje 
do que pagava há dois ou três anos, seja de ICM, IR, ISS, 
IPTU, Previdência, etc. NãG> conheço um único imposto 
que tenha sido reduzido. 
VISÃO - Que sugestão o senhor teria para a reforma tri-
butária em estudo? 
Quintela- É fundamental recriar a Federação. Transferir 
para os Estados e municípios a maior parte possível da ar-
recadação tributária, acompanhada das necessárias trans-
ferências de obrigações. Politicamente, é preciso instru-
mentalizar os Estados e municípios para que reduzam as 
47 
: 
disparidades regionais e pessoais de renda. Numa econo-
mia moderna, como a nossa pretende ser, não se pode ter 
diferenças extremas. Uma reforma tributária deve fazer 
com que os governos Federal e dos Estados se concentrem 
nas funções prioritárias: segurança do país e do cidadão, 
garantia dos direitos essenciais da vida, como educação, 
saúde, etc. 
VISÃO- E a nova moeda, o senhor aprova a idéia? 
Quintela - Dentro de um programa global de estabiliza-
ção da economia, a nova moeda é importante, como o foi 
o cruzeiro novo em 1967. A nova moeda virá mais cedo ou 
mais tarde. Não temos condições de continuar com a moe-
da no nível da atual. Daqui a pouco não se pode mais nem 
fazer a contabilidade das empresas. 
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V-Entrevista com Marcílio Marques Moreira 
"As experiências históricas e recentes dos países indus-
trializados mostram que, quando se combate a in-
flação de forma decidida e com credibilidade, ela cai mais 
depressa do que se imagina. Podemos sair de uma inflação 
de 2000Jo este ano, com avanço substancial daí para a fren-
te (120% em 1986, 60% em 1987), até zerarmos a inflação 
em três ou quatro anos. Isso sem sacrifício de outros obje-
tivos da política econômica que compreendem o cresci-
mento auto-sustentável e acabar com as desigualdades so-
ciais que ensombrecem a consciência nacional." 
As palavras são de Marcílio Marques Moreira, banquei-
ro (conselheiro de Administração do Unibanco) e prcfes-
sor de Economia e Ciência Política. Esta entrevista dá se-
qüência ao debate aberto por VISÃO. 
VISÃO - O senhor concorda com a proposta do professor 
Lafaiete Lopes para zerar a inflação já em 1986? 
Marcílio Marques Moreira- A proposta do professor La-
faiete Lopes tem muitas virtudes. A principal delas é a 
prioridade dada ao combate à inflação. Também é impor-
tante a abordagem da inflação inerciai. Há na inflação 
atual um elemento reprodutor e realimentador da própria 
inflação. Apesar disso, não me afino com a proposta por-
que a considero um tratamento de choque heterodoxo. 
Também não me afino com o tratamento de choque, que 
considero ortodoxo, do professor Octavio Gouvêa de 
Bulhões. 
Muitas causas estão presentes na inflação. Esse momen-
to inerciai, o déficit público, a política monetária, o fato 
psicológico e o fato de não termos tido uma política antiin-
flacionária, nos últimos seis anos. Não houve o propalado 
fracasso do monetarismo no Brasil, simplesmente porque 
não existiu monetarismo algum. A Nova República tem 
credibilidade para atacar o problema e acho que isso deve 
ser feito dentro de uma estratégia econômica e social 
abrangente. 
VISÃO- Essa estratégia compreenderia o quê? 
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Marcílio - Não se desmembraria de maneira alguma da 
redução do déficit público. Compreenderia: 1 ?) uma polí-
tica monetária coerente - neutra ou ligeiramente restriti-
va; 2?) a retirada do elemento realimentador da indexação, 
procurando-se preservar os preços mais em relação ao fu-
turo que ao passado; 3?) conseqüentemente, a redefinição 
da co.rreção monetária, para que deixe de ser unicamente 
um "espelho retrovisor". Como no Pacto de Moncloa, is-
so levaria a uma política mais global de remuneração e va-
lorização dos fatores de produção e a uma arrumação dos 
preços relativos. 
VISÃO - Como ficaria a indexação e a correção monetária? 
Marcílio - Em vez de continuar concentrada nos três meses 
passados, a indexação incluiria de 45 a sessenta dias para a 
frente e o mesmo para trás. Seria uma projeção realista. 
VISÃO - Qual o peso que atribui ao déficit público na in-
flação e quais as formas de cobri-lo? Via emissão de moeda 
e de títulos? 
Marcílio - Não o considero o único fator inflacionário, 
nem acho que eliminá-lo zeraria a inflação. O problema do 
déficit é que é muito elevado (200Jo do PIB) e financiado de 
maneira inflacionária, por causa disso. E é elevado devido 
ao enorme desperdício com o dinheiro público, pela baixa 
produtividade tanto dos investimentos como do gasto cor-
rente do setor público. 
VISÃO- E a influência disso sobre a taxa de juro? 
Marcílio - Diante dessa incapacidade de criar fluxos de 
recursos, quer de impostos e tarifas, quer da venda dos 
produtos e serviços para pagar a dívida e de uma estratégia 
coerente de combate à inflação, os juros sobem. Sobem so-
bretudo pela percepção da sociedade de que o Governo 
não tem capacidade de arcar com sua dívida. Na medida 
~m que essa percepção do mercado muda, os juros baixam. 
E o caso dos EUA, que têm uma dívida interna enorme e 
um déficit também. Mas lá se tem a percepção de que o 
Governo é capaz de gerar fluxos de retorno e que no futuro 
pagará a sua dívida. 
VISÃO - Reduzir a rentabilidade dos títulos públicos di-
minui os juros? 
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Marcílio- Acredito que sim, uma vez que não seja de ma-
neira artificial. Deve estar no conjunto de medidas coeren-
tes e de credibilidade. 
VISÃO - E a redução do recolhimento compulsório sobre 
os depósitos jeitos pelos bancos junto ao Banco Central, 
digamos a uns 20%, baixa os juros? 
Marcílio - Seria importante, porque a transação financei-
ra no Brasil está-se tornando extremamente onerosa, tanto 
sobre a operação como sobre o aplicador; pela exigência 
do compulsório; pela exigência de destinação dos recursos 
captados, etc. Tudo isso pesa muito mais sobre o custo do 
dinheiro do que a taxa de intermediação cobrada pelo sis-
tema financeiro. 
VISÃO - No "open market", a Carta de Recompra não o 
transformou num centro de especulação financeira às custas 
do Banco Central? 
Marcílio - A Carta de Recompra, em si, formaliza uma 
prática de mercado. O que no Brasil realmente preocupa 
não é a indexação dos instrumentos financeiros a médio 
prazo (acima de um ano); aliás, a proposta do professor La-
faiete Lopes dá a entender isso claramente. O problema é a 
monetarização dos instrumentos financeiros de curto e cur-
tíssimo prazo, até do overnight. Ou seja, papéis de médio 
prazo ou longo prazo não deveriam ser utilizados para ope-
rações de curto prazo. E os de curto prazo não deveriam ser

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