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Organização Gerson Luís Trombetta Bruna de Oliveira Bortolini Ana Lucia Kapczynski olhos experiências de ensino Filosofi a nos FILOSOFIA Aldeia Sul Editora Passo Fundo, 2013 Filosofi a nos olhos: experiências de ensino, Gerson Luís Trombetta, Bruna de Oliveira Bortolini e Ana Lucia Kapczynski (Org.) Editoração: Ivaldino Tasca e Marina de Campos Projeto gráfi co e diagramação: Marina de Campos Capa: Marina de Campos a partir de esboço de Douglas Biondo Consultoria geral: Janaína Tasca Mendes aldeia sul Publicado pela Aldeia Sul Editora Passo Fundo - RS (54) 3601.1041 / 9157.6580 / 9969.0921 www.aldeiasul.com.br editora@aldeiasul.com.br Impresso pela Gráfi ca Berthier Avenida Presidente Vargas, 907 - Cep: 99070-000 Vila Rodrigues - Passo Fundo - RS (54) 3313-3255 Sumário Apresentação “Nos olhos”: Método e didática no ensino de filosofia por Gerson Luís Trombetta O cinema vai à escola: o filme como recurso para a investigação filosófica por Angelo Panisson e Bruna de Oliveira Bortolini A ironia como estratégia didática para o ensino de filosofia por Cosmo Rafael Gonzatto, Ivan Rodrigo Neuls, Roberto Quevedo e Gerson Luís Trombetta Filosofando com narrativas por Alexandre Hahn, Vera Lucia Dalbosco e Gerson Luís Trombetta Filosofia, amor e novelas por Ana Lucia Kapczynski, Eliane Aparecida Berra, Margarete Endres Freitas e Gerson Luís Trombetta Filosofando a partir de imagens Douglas Biondo e Sandra Mara da Rosa 4 7 16 30 43 53 83 Apresentação O retorno da fi losofi a como disciplina obrigatória nos currí- culos escolares trouxe como desafi o a necessidade de um novo olhar sobre o seu ensino. Considerando as especifi cidades do conheci- mento fi losófi co ainda não esclarecidas sufi cientemente no contex- to escolar, muitos questionamentos são frequentes entre docentes da educação básica e na universidade, entre eles: o que realmente é preciso ensinar? O que é fundamental aprender? Por que ir à escola estudar se a internet oferece uma infi nidade de informações? Como ensinar num contexto em que a escola não é mais reconhecida como espaço atrativo para a produção do saber? O que ensinar em fi losofi a: sua história ou grandes temas fi losófi cos, especifi camente relaciona- dos à ética? Ensinar fi losofi a pressupõe uma educação moral? Estas são apenas algumas inquietações evidenciadas durante o curso de Licenciatura Plena em Filosofi a da Universidade de Passo Fundo e retomadas pelos bolsistas do Programa Institucional de Bolsa de Ini- ciação à Docência (PIBID) de Filosofi a. Muitas das fragilidades que encontramos hoje estão relacio- nadas à carência conceitual do que realmente signifi ca a fi losofi a e o fazer fi losófi co, assim como a própria concepção de seu ensino e me- todologias. Isso se deve, em parte, ao fato de que muitos professores não são formados em sua área de atuação, difi cultando a elaboração de currículos coerentes. O estudo da história da fi losofi a, atrelado ao livro didático e com aulas expositivas, é outro fator que provoca aver- olhos Experiências de ensino Filosofi a nos 4 são dos estudantes em relação à disciplina. Com base nas pesquisas realizadas e nas experiências com estudantes da educação básica cons- tatou-se que a filosofia pressupõe movimento, ação, investigação. Por isso seu ensino deve ser um processo dinâmico que parta do interesse do público discente e permita vivificar os conceitos, ou seja, trazer os velhos temas filosóficos e ressignificá-los à luz do contexto atual. A democratização dos meios de comunicação garante acesso a uma infinidade de informações às crianças e adolescentes, tornan- do-os cada vez mais exigentes em relação aos processos de ensino e aprendizagem. Tais mudanças ocorridas nos últimos anos geraram situações de crise na educação contemporânea, pois não se sabe com precisão os rumos que a escola tomará daqui por diante. Contudo, a certeza da necessidade de reinventar as relações com o saber aponta algumas diretrizes. Não há mais espaço para o modelo tradicional de educação, baseado na memorização e repetição de teorias abstratas. O professor e a escola há tempos deixaram de ser concebidos como única fonte de informação e conhecimento. Num mundo em rede, conectado, a maior necessidade dos estudantes não é mais ir à escola e absorver conteúdos de forma passiva, mas aprender a pensar o seu entorno. A escola contemporânea deve ser o lugar de produção do conhecimento, de construção de novos valores e metas. Um espaço de criação e de debate, onde o professor seja orientador do processo educacional e não concebido apenas como um arquivo de dados, com a simples tarefa de repassar informações aos alunos. Compe- te ao docente instigar os estudantes sobre diferentes assuntos para que a inquietação se transforme em aprendizado. E apropriar-se do universo cultural dos educandos resulta numa estratégia eficaz para compreender suas formas de pensar e conceber o mundo, a fim de ajudá-los a organizar seus próprios pensamentos. Em meio a estas problematizações, o grupo do PIBID de- dicou-se a pesquisar diferentes subsídios para aproximar o conheci- mento filosófico do cotidiano estudantil, colocando o diálogo como potencial didático para romper com o modelo tradicional de edu- cação. A ideia de trazer o estudante para o centro das discussões, fazendo com que ele percebesse o fazer filosófico como um momen- to importante para criação e produção de novos saberes, motivou a 5 produção deste livro. Os artigos aqui publicados revelam que as aulas podem ser atrativas com a utilização de recursos de fácil acesso para mobilizar o pensamento filosófico, valorizando os conhecimentos prévios do alunado. A novela, o cinema, as imagens, as narrativas e o humor, elementos que dão corpo aos textos, permitem a experiência concreta com as teorias filosóficas, tidas como reduto dos notáveis intelectuais nas academias. Além de sensibilizar para a abordagem de temas filosóficos, estes recursos instigaram os estudantes, permitindo -os vivenciar determinados dilemas ligados à condição humana, de modo a elaborar novos conceitos e formas de pensar que ultrapassam os limites do senso comum. Este trabalho de pesquisa, realizado junto ao PIBID, contri- buiu significativamente no processo de formação do curso de Licen- ciatura em Filosofia, possibilitando vivenciar, na prática, realidades que perpassam a educação brasileira. Outro destaque foi o aprendi- zado de pesquisar em grupo e as parcerias com as escolas, resultando em novas amizades e no desejo de continuar buscando caminhos. As intervenções nas escolas mostraram que é possível qualificar o pro- cesso educacional com iniciativas que parecem simples, como usar as mídias e os bens culturais consumidos diariamente, porque tornam as aulas atraentes e despertam o sentimento de pertença na produção filosófica. As discussões apresentadas nesta obra têm como finalidade partilhar as experiências desenvolvidas durante as pesquisas, sem a pretensão de propor receitas para o ensino de filosofia, mas ideias que podem ser enriquecidas com a sua própria criatividade, caro leitor. 6 ¹Doutor em Filosofi a, professor do Curso de Filosofi a e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo/RS e coordenador do PIBID – Projeto Filosofi a/UPF. “Nos olhos”: Método e didática no ensino de fi losofi a Gerson Luís Trombetta¹ O que o leitor vai encontrar a seguir é uma breve apresenta- ção das ideias que orientaram as experiências de ensino de fi losofi a ligadas ao Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID – Projeto Filosofi a/Universidade de Passo Fundo) e desen- volvidas durante os anos de 2012 e 2013. Com a intenção de apre- sentar os raciocínios comclareza, organizamos o artigo em notas que, apesar de comporem um mosaico de referências gerais, podem ser lidas (e criticadas) de forma independente. Outro ponto que de- vemos alertar ao leitor é que não se deixe enganar pelo título “es- cancaradamente” pretensioso. Não se deve esperar aqui um retrato completo ou inédito sobre as exigências metodológicas e didáticas para o desenvolvimento de atividades de ensino de fi losofi a. Muito mais modesta, a intenção é compilar as ideias que foram “testadas” durante as atividades realizadas e que se mostraram dignas para fo- mentar discussões em círculos mais amplos. O artigo terá seu ob- jetivo realizado se conseguir “temperar” um pouco mais o debate sempre necessário sobre o ensino de fi losofi a no Brasil. olhos Experiências de ensino Filosofi a nos 7 1) A tarefa de conduzir uma aula de filosofia, de modo espe- cial nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, é, antes de tudo, uma escolha entre diversas possibilidades de conteúdo. Escolher “conteúdos” para uma aula de filosofia não é algo simples e automático, que pode ser decidido ao sabor de listas prontas, currícu- los amarelados pelo tempo ou roteiros de exames para vagas no ensino superior. Escolher um conteúdo já é escolher um método. Escolher um conteúdo para uma aula de filosofia é escolher também a maneira como vamos iniciar a aula, imaginar seus passos, estabelecer sequên- cias didáticas, imaginar a participação dos alunos e, principalmente, antever o “ponto final”, avaliando se a proposta chegou a termo. 2) De uma maneira bastante geral, podemos apontar quatro modos (ou modelos) mais ou menos distintos de se projetar uma aula de filosofia. Elencar separadamente quatro modos é uma opção didática. Em boa parte das aulas tais modos acontecem simultanea- mente, o que é bastante “saudável” para o enriquecimento da prática pedagógica. O primeiro modo poderia ser chamado de histórico, e possui como característica central identificar a filosofia com a histó- ria da filosofia, privilegiando a sequência de pensadores e “escolas” que vão da Grécia Antiga até a contemporaneidade. O ponto frágil desse modelo é o risco de eliminar a dimensão propriamente filosó- fica da aula e restringir a filosofia a um conjunto de “dados” estan- ques sem conexão com o universo cultural no qual os alunos estão mergulhados. Obviamente que a história da filosofia disponibiliza um saboroso cardápio para qualquer aula de filosofia; além disso, é a fonte inesgotável onde o professor deve buscar seu “combustível” cotidiano. O inadequado é reduzir a história da filosofia a notícias rápidas sobre autores, contextos e obras, sem explorar a riqueza e a atualidade das teses filosóficas oferecidas pela tradição. 3) Um segundo modo poderia ser denominado de social ou sociológico. Objetivando atribuir um caráter eminentemente “transformador” para a filosofia, considera a sala de aula um espaço para desenvolver o “senso crítico”, privilegiando temas extraídos do contexto político e social atual. A aula de filosofia tende a trilhar o caminho do debate livre e da crítica social direta, elegendo preferen- 8 cialmente temas como ideologia, alienação, massificação, indústria cultural, etc. Apesar dos méritos dessa abordagem, principalmente no que diz respeito aos temas propostos, paira nela o perigoso “fan- tasma” da identificação da filosofia com uma postura política espe- cífica. Esse “fantasma” restringe o discurso, empobrece a argumen- tação, tira de cena conteúdos fundamentais (e universais), o que, paradoxalmente, “fere de morte” o “senso crítico” que legitimava tal maneira de propor a aula de filosofia. 4) Oferecer aos alunos um quadro dos grandes temas da filo- sofia (entendida aqui como uma área do conhecimento específica) é o objetivo do terceiro modo. Vamos chamá-lo aqui de cultura filosó- fica geral, uma vez que nele o professor assume o papel de facilitador no processo de aprimoramento cultural do estudante. A tendência é que a aula seja notadamente expositiva e envolva os grandes temas da tradição filosófica, tais como: teoria do conhecimento, ontologia, es- tética, ética e filosofia política. O pressuposto é que os conteúdos já estão “prontos”, disponíveis e organizados (em manuais), bastando aos alunos aplicar esforço para entendê-los. É indiscutível a impor- tância dessa visão geral da cultura filosófica e indiscutível o quanto tem se tornado irresistível, principalmente nos contextos onde os currículos do ensino médio privilegiam a preparação para o ensino superior. As teorias mais influentes da ética, os assuntos hegemôni- cos da teoria do conhecimento ocidental (racionalismo, empirismo, ceticismo, idealismo transcendental e pragmatismo), etc., ganham posição de destaque nas “listas de conteúdo” dos currículos escolares e dos vestibulares de algumas instituições. Apesar de todos os méri- tos e da óbvia necessidade de aulas serem organizadas pensando nele, o que preocupa é sua tendência de não deixar que a sala de aula se transforme em um espaço para “experiências filosóficas”. 5) O quarto modelo será denominado aqui de reflexivo e foi o que serviu de inspiração para as atividades de ensino realizadas no Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Docência (PIBID – Projeto Filosofia/Universidade de Passo Fundo) em 2012 e 2013. A palavra “reflexão” é de uso comum no debate filosófico e costuma ser definida de diferentes formas. No método adotado procurou-se 9 dar um sentido preciso para tal termo: uma operação da consciên- cia que visa construir uma referência (conceitual) que ainda não se possui no início do processo. Tal processo produtivo (e criativo) é o que permite avançar no esclarecimento de um problema filosófico e se constitui no centro da “experiência filosófica” propriamente dita. Não faz parte da natureza desse breve artigo reconstruir as teorias filosóficas que amparam essa ideia de “reflexão”. Basta apenas regis- trar que é na “Crítica da Faculdade do Juízo” de Kant que buscamos inspiração, de modo especial na estrutura do ajuizamento de gosto sobre o belo onde o autor do juízo precisa criar a própria referência para julgar. No exercício do gosto (ajuizamento) isso se mostra ne- cessário, pois a beleza não é algo empiricamente constatável, caracte- rística que permitiria resolver a questão no campo do conhecimento. Se a beleza fosse uma característica objetiva poderíamos vê-la como um dado, como algo que a lente de um microscópio acusaria. Entre- tanto, não é assim que as coisas se passam. O belo é algo que brota de um “trabalho” de julgar, de um jogo cujo resultado, como em todo jogo, é imprevisível. É como um juiz de direito que precisa delibe- rar sobre um caso complexo ainda não claramente previsto em lei e sobre o qual não existe jurisprudência. Para Kant essa é a “árdua” e ao mesmo tempo prazerosa experiência vivida pela consciência no julgamento do belo. Por certo precisamos clarear mais esse modelo geral e detalhar como a reflexão ou processo reflexivo foi adotado como método para as aulas de filosofia². 6) Método e didática designam aspectos diferentes da prá- tica pedagógica. Em termos simples, método (conforme a perspec- tiva que adotamos) é a consciência clara do “ponto de partida” e do “ponto de chegada”. Ou seja, no ensino de filosofia, possuir um método significa ter clareza sobre como o processo vai ter início (se vai ser um texto da tradição, um tema social atual, uma inquietação existencial, etc.) e qual é o resultado que se espera ao final (se o aluno “absorveu” determinado conteúdo, se houve posicionamento ²Mais elementos sobre a pertinência da aplicação das teses kantianas sobre o ajui- zamento do gosto para um método de ensino de filosofia podem ser encontra- dos no artigo “O papel da operação reflexiva no ensino e no exercícioda filosofia: contribuições para uma idéia de filosofia no ensino médio”, referenciado ao final. 10 e defesa de um argumento, se o aluno vivenciou o problema filosó- fico, etc.). Didática, por sua vez (e ainda em termos exageradamente simples), diz respeito às “táticas” e recursos a serem utilizados para realizar as expectativas oriundas do método. Para entender melhor a relação entre método e didática pensemos em uma viagem en- tre Porto Alegre e Buenos Aires. O método definiria nosso ponto de partida (Porto Alegre) e nosso ponto de chegada (Buenos Ai- res). Registremos que a escolha do ponto de partida da viagem já é também, numa analogia com o ensino de filosofia, a escolha de um determinado conteúdo. Se o ponto de partida é um texto clássico, uma decisão quanto ao conteúdo já foi tomada. A didática, por sua vez, é a maneira como a viagem será realizada. Podemos realizar o deslocamento de avião, trem, carro, ônibus, balão, navio, helicóp- tero, bicicleta ou a pé. Dependendo da ousadia, de quanto tempo disponibilizamos para a viagem e de quais (e quantas) “emoções” nos dispomos a viver, podemos trilhar caminhos alternativos e usar táti- cas mais arriscadas. A didática é um terreno fértil para a criatividade, pois sua tarefa fundamental é manter a “mobilização” da vontade para que os “viajantes” cheguem ao destino. A didática não tem um fim em si. Por mais atraentes que sejam as aventuras prometidas pela didática adotada, a viagem só ganha sentido quando chegarmos a Buenos Aires. Ou seja, é o método que vai determinar o sucesso da didática. Voltando ao território do ensino de filosofia, imaginemos uma aula repleta de recursos criativos, incluindo maravilhas da tec- nologia, redes sem fio, aplicativos, telas interativas, som, imagem e estímulos de todas as espécies. De nada adiantaria essa “riqueza” toda se o método não está absolutamente claro. Por outro lado, sem uma didática capaz de manter a consciência mobilizada, o método fica seriamente comprometido e a aula corre o risco de se perder na frieza de rituais burocráticos. 7) No método reflexivo o ponto de partida é o universo cul- tural do aluno. Os conceitos, as ideias, as argumentações filosóficas estão profundamente conectadas com a vida, com as referências cul- turais em que estamos mergulhados. Não é preciso visitar tratados sofisticados para encontrar uma questão filosófica; não é preciso sair da “vida” para experimentar uma inquietação de natureza filosófica. 11 Isso vale para a filosofia como vale para a matemática, para a física, para a química, etc. Não precisamos de um laboratório sofisticadís- simo para “experimentar” um problema de física. Uma boa “olhada ao redor” já nos dá informações de sobra para compô-lo. Modelar uma pergunta filosófica depende da maneira como “olhamos” para o “universo cultural”; depende do que carregamos “nos olhos”; de- pende dos ajustes de foco, das alterações de ângulo e das relações que somos capazes de encontrar. O primeiro desafio, portanto, é entender os elementos gerais do universo cultural do aluno. É uma tarefa complexa que envolve prestar atenção desde as especificidades da faixa etária até o tipo de bem cultural que os alunos consomem. Duas coisas precisam ser destacadas aqui: em primeiro lugar o “uni- verso cultural” é dinâmico, o que exige atenção constante de parte do professor. Em segundo lugar, o “universo cultural” dos alunos tende a ser diferente daquele compartilhado pelo professor. Isso re- dobra a responsabilidade do professor em manter as “antenas” muito ligadas e, principalmente, cultivar um espírito democrático que seja capaz de compreender muito mais do que julgar. 8) A complexidade e a riqueza do universo cultural dos alu- nos deve se constituir na fonte dos problemas, das inquietações filo- sóficas a serem exploradas em sala de aula. Um problema filosófico é muito mais “mobilizador” quando já, de alguma forma, foi “experi- mentado” pelo aluno. Ao professor cabe, neste caso, conduzir o pro- cesso de transformação das “experiências vividas ou pensadas” em um problema filosófico. Vejamos um exemplo: um dos temas predi- letos para o debate com alunos adolescentes é a “liberdade”. O tema é, obviamente, abstrato e em torno dele orbitam concepções vagas e contraditórias. Uma das definições mais comuns é que “liberdade” tem a ver com “fazer o que se deseja”. Essa definição tem uma carga existencial muito forte e está ligada diretamente às experiências vivi- das pelos adolescentes nas relações com a família, com a escola e com a sociedade em geral. Descartá-la, simplesmente, por estar assentada em pressupostos contraditórios seria um gesto antipedagógico. Seria equivalente a “jogar fora o bebê com a água do banho”, desperdiçan- do a oportunidade de transformar a experiência vivida e seus compo- nentes existenciais em motivação para o processo de esclarecimento 12 conceitual. A tarefa do professor passa a ser aqui, ao mesmo tempo, delicada e incisiva. É preciso receber as concepções dos alunos e, ao mesmo tempo, “desconstruí-las”, explicitando suas incongruências internas. O mecanismo para a realização da tarefa é a pergunta filo- sófica. No caso em questão, a pergunta poderia ser: “podemos ser li- vres fazendo o que não queremos?”. Pensemos na situação de alguém que deixa de fazer uma coisa que muito quer – passar um dia na praia – e decide investir esse tempo para estudar. Sua opção foi livre? 9) O universo cultural do aluno é também um terreno fértil para modelar estratégias didáticas. Poderosa e imprescindível aliada no processo de problematização, uma boa estratégia didática depen- de muito da criatividade e da ousadia do professor. Bens culturais como cinema, música, literatura, seriados, desenhos animados, po- esias, obras visuais, contos, etc., podem ser utilizados para abrir no- vos pontos de vista, novas relações e novas perguntas sobre o tema enfocado. É importante que a estratégia didática não apareça como um “agente estranho” ou como algo de “outro mundo”, completa- mente afastada do universo cultural do aluno. Claro que deve haver um compromisso – mesmo nas aulas de filosofia – de se apresentar ao aluno toda a riqueza possível oferecida pela arte e pelas novas ferramentas de comunicação. Entretanto, considerando o papel da didática, não se pode simplesmente desprezar os bens culturais con- sumidos pelos alunos; a familiaridade faz com que funcionem muito bem como “fatores de mobilização”. Uma das experiências realizadas com o método reflexivo no PIBID (Filosofia/UPF) teve como centro da estratégia um trecho de novela (televisiva). A intenção era mobili- zar as consciências para abordar filosoficamente o “amor”. O fato de a novela ser um produto altamente consumido foi fundamental para a experiência ser bem sucedida³, contrariando expectativas “pessi- mistas” que consideravam tal bem cultural como mera narrativa ma- niqueísta eivada de interesses comerciais. ³Uma análise mais detalhada sobre a hipótese da novela televisiva servir como re- curso didático para aulas de filosofia encontra-se no artigo “Filosofia, amor e nove- las”, que compõe o presente livro. 13 10) A capacidade de “ver” problemas filosóficos, de manter a filosofia “nos olhos”, exige que o professor se “nutra” incessante- mente no manancial oferecido pela tradição filosófica. Sem visitação constante a esse fundamental repertório de problemas e respostas, a capacidade de problematizar vai minguando, o momento importan- tíssimo de se compor perguntas filosóficas em uma aula é abreviado e a tentação de ser substituído por concepções sustentadas pelo “argu- mento da autoridade” fica difícil de vencer. Dito de outra maneira: “ver” e elaborar perguntas filosóficas sobre a linguagem, por exem- plo, é uma prática quase automática para aquele que visita debates centrais dafilosofia da linguagem, lendo autores como Wittgenstein, Russel ou Austin. Além disso, os textos filosóficos são reveladores de possibilidades metodológicas. O conteúdo do texto é um “dado” que expõe também uma dinâmica específica de pensar e de produzir uma conclusão; a “forma” dessa dinâmica pode ser “pensada” pelo aprendiz. “Filosofar”, portanto, é algo que se aprende e se ensina junto com o conteúdo filosófico. 11) Os textos filosóficos, mesmo os mais complexos, podem (e devem) aparecer no contexto da aula. É importante que os alunos visualizem “formas” diferentes de responder as perguntas que eles mesmos ajudaram a elaborar. A tradição deve ser interpretada como uma aliada, uma parceira no processo, o que dá ao texto um sabor muito mais atraente. Considerando isso, é recomendável que o texto “se encaixe” na aula quando as perguntas filosóficas estiverem bem claras. O “volume” da voz do filósofo (recolhida no texto) não pode “abafar” a consciência participativa do aluno, mas deve impulsioná-la a um patamar de pensamento mais complexo, onde a argumentação exige mais consistência. 12) O último momento do método reflexivo é a sistematiza- ção. A sistematização escrita4 cumpre o papel de “teste de qualidade” do processo desenvolvido, registrando desde a problematização ini- cial, as hipóteses construídas, até as questões que ficaram abertas. A inviabilidade de testar empiricamente, em “condições laboratoriais”, 4A elaboração de pequenos ensaios nos parece a maneira mais adequada de se es- truturar a sistematização. 14 os conteúdos filosóficos produzidos durante a aula, não significa um descomprometimento com a verdade ou uma autorização ao “debate pelo debate”. Pelo contrário, é exatamente por “respeito à verdade” que a sistematização se justifica. O rigor argumentativo e a lógica própria da escrita, balizas da sistematização, conferem a densidade que o conteúdo filosófico produzido em aula precisa para “impor- se” como verdadeiro. O momento da sistematização é o momento da conquista daquilo que a consciência ainda não tinha disponível no início, onde estava mergulhada no “vivido não problematizado”. Este é exatamente o ponto de chegada do método reflexivo. Siste- matizar, porém, não significa “fechar a questão”; significa, sim, um convite para futuras investigações, um convite para mais leituras e debates, um convite para ver as questões do cotidiano com “outros olhos”, enfim, um convite para as próximas aulas de filosofia. Referências KANT, Immanuel. Crítica da faculdade do juízo. Trad. Valério Rohden e Antônio Marques. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. TROMBETTA, Gerson Luís. O papel da operação reflexiva no ensino e no exercício da filosofia: contribuições para uma ideia de filosofia no ensino médio. In: FÁVERO, Altair; RAUBER, Jaime J.; KOHAN, Walter O. Um olhar sobre o ensino de filosofia. Ijuí: Unijuí, 2002. p. 235- 247. 15 O cinema vai à escola: O fi lme como recurso para a investigação fi losófi ca Angelo Panisson¹ Bruna de Oliveira Bortolini² Não importa uma formação voltada para a erudição, que acumula e empilha dados, mas uma formação que tenha como alvo a cultura, e que nos facilite o acesso ao que a humanidade construiu de melhor, ao mesmo tempo que nos impulsione a continuar criando, produzin- do cultura (MOSÉ, 2011, p. 167). O universo escolar encontra-se inserido e constituído por ambientes e pessoas cada vez mais conectadas às novas tecnologias, aos novos meios de comunicação e à produção de conhecimento. O saber, há um bom tempo, deixou de ser produzido apenas de modo tradicional, em centros institucionalizados, por meio de memoriza- ção e exercícios repetitivos. Mais do que nunca vivemos num mundo em que a democratização do conhecimento e da informação é laten- te, acontece em tempo real através de diferentes suportes, acordos e trocas que, inevitavelmente, conduzem à necessidade de novas ma- neiras de se fazer e pensar a educação. ¹Bolsista do PIBID – Projeto Filosofi a/UPF. ²Bolsista do PIBID – Projeto Filosofi a/UPF. olhos Experiências de ensino Filosofi a nos 16 Educar e aprender hoje devem ser entendidos como sinô- nimos de criar, produzir novos conceitos, valores e metas. Não há mais espaço para a reprodução de conhecimentos, não há mais cami- nhos prontos a serem seguidos. Mas de que forma é possível pensar a educação para além do modo tradicional? Como estimular o pen- samento a respeito das experiências cotidianas? Como incentivar os estudantes a lerem o mundo a partir de diferentes perspectivas? Uma das possibilidades para que a escola torne-se um am- biente vivo de construção de saberes mais próximo de questões que movem a vida das pessoas, que estimule os indivíduos a interpreta- rem o mundo e a agirem de forma transformadora na sociedade, é o uso dos bens culturais em sala de aula. Os bens culturais devem ser entendidos aqui não somente como um conjunto de elementos que atribuem identidade à cultura de um povo, de uma região ou local. Mas tudo aquilo que, independentemente do modo e do lugar onde é produzido, serve para consumo e usufruto de conhecimentos a partir de distintas formas de expressão. O cinema, por exemplo, um bem cultural de grande abran- gência dentro da sociedade, ao se tornar um aliado no processo de ensino e aprendizagem, revela-se como ponto de partida para a pre- paração de indivíduos mais aptos a compreenderem e se relaciona- rem com as novas formas de mensagens que lhes são disponibili- zadas, percebendo assim a sétima arte não somente como meio de entretenimento, mas como fonte inspiradora de debates. Para tanto, o objetivo deste estudo é analisar e debater em que sentido o cinema contribui para a aprendizagem dos estudantes, em específico nas aulas de filosofia. Pois parte do princípio de que o cinema, assim como as várias formas de expressão artística existentes, é espaço de elaboração de afetos e interfere diretamente no estado mental dos indivíduos, estimulando tanto sua sensibilidade quanto o domínio teórico da razão. O cinema apresenta em sua estrutura ideias que não são somente expressas ou construídas por meio da linguagem verbal. Ele trabalha com uma série de elementos e re- ferências que o possibilitam ser palco para abordagem de grandes questões e dilemas da vida humana, favorecendo, no âmbito educa- cional, uma melhor apropriação de conteúdos filosóficos por parte dos estudantes. Contudo é preciso que tal prática, ao ser realizada, 17 esteja acompanhada de um bom esclarecimento metodológico que possibilite tanto ao professor quanto aos educandos compreender o trabalho a ser desenvolvido, tendo em vista o ponto de partida e o ponto de chegada. Para maior entendimento deste estudo, o trabalho está orga- nizado em duas partes. A primeira parte destaca a abordagem teórica das possíveis relações entre os temas estudados, cinema e filosofia, com base na ideia do cinema como criador e problematizador de conceitos filosóficos. Para tanto, serão utilizados os conceitos de Lo- gopatia e Filmosofia presentes nas obras “O Cinema Pensa” (2006) de Julio Cabrera, “Filmosophy” (2006) de Daniel Frampton e, re- centemente, uma interpretação de tais estudos no texto “Filosofil- mes e Filmosofias” (2012), do Prof. Dr. Gerson Luís Trombetta. Na segunda parte, o foco será em torno da análise e discus- são de alguns filmes que possam favorecer o diálogo entre filosofia e cinema dentro de sala de aula, na tentativa de esclarecer e exemplifi- car os levantamentos téoricos abordados no primeiro capítulo. Tam- bém trata de alguns aspectos da dimensão metodológica do uso do cinema na escola, buscando enfatizar seu potencial educativo, com base no método da Comunidade de Investigação do filósofo Matthew Lipman. 1. A filosofia em cena: Considerações iniciais arespeito do uso do cinema em sala de aula Há algum tempo o cinema apresenta-se como um dos diver- sos recursos artísticos que podem ser utilizados para experientação filosófica, isto porque a filosofia não precisa, necessariamente, es- tar baseada e ser discutida apenas logicamente para ser entendida. Ela pode ser pensada a partir de compreensões racionais e afetivas ao mesmo tempo, desde que estas sejam capazes de impactar signi- ficativamente seus espectadores. Porém, não de forma desmedida, em que exista uma explosão de emoções das quais não seja possível retirar nenhum aprendizado, a não ser a experiência traumática da situação. Impactar de maneira que os sujeitos possam aprender cog- nitivamente sobre determinada questão ou sentimento humano que pelo filme é retratado, entendendo que tal sentimento envolvido não 18 diz respeito apenas ao personagem que o vivencia, mas que pode ser experimentado por todos os indivíduos. Como declara Cabrera: Por meio dessa apresentação sensível e impactante, são alcança- das certas realidades que podem ser defendidas com pretensões de verdade universal, sem se tratar, portanto, de meras “impressões” psicológicas, mas de experiências fundamentais ligadas à condição humana, isto é, relacionadas a toda a humanidade e que possuem, portanto, um sentido cognitivo (2006, p. 20). Tais experiências fundamentais ligadas à condição humana mostram-se como versões de mundo, capazes de nos fazer enxer- gar determinados problemas e colocá-los em debate. O cinema atua como um todo simbólico estruturado gerador de versões redescriti- vas, que permitem ao homem estabelecer relações mais esclarecidas com o meio que o cerca e com suas próprias inquietações. Questões filosóficas estão presentes em quase tudo o que po- demos experimentar em nossas vidas, contudo, reconhecê-las não é um trabalho fácil, pois exige preparo. Você seria capaz de encontrar problemas filosóficos assistindo aos filmes da Disney, por exemplo? Será que a animação de Peter Pan poderia ser pensada de forma dife- rente da habitual, quer dizer, para além das concepções estéticas ou como um meio de diversão? Suponhamos que sim, mas como? A atenção e o cuidado que se requer na hora de confrontar filosoficamente o filme é única, por mais simples que seja o objeto de observação, visto que o cinema costuma se utilizar de outras for- mas de expressão artística como é o caso da fotografia, da música e da literatura. O olhar destinado a este suporte artístico necessita de preparo teórico, sensibilidade e aprimoramento da percepção. Trabalhar com o cinema nas aulas de filosofia pressupõe, en- tre outras coisas, apreender tais habilidades, ou seja, ser capaz de reconhecer no filme elementos que vão além do entendimento dis- ponível pelo senso comum. Porém, para que tal atividade se reali- ze com eficiência, torna-se necessário que o professor esteja apto a orientar os alunos no processo de experimentação da obra, tendo como princípio fundamental a clareza do trabalho que deseja rea- lizar. Questões-guias podem ser elaboradas pelo próprio professor visando facilitar o processo como, por exemplo: o que se pretende 19 alcançar juntamente com a turma, quando há a proposta de experi- mentação de um determinado filme? Quais conceitos podem ser tra- balhados? O filme é próprio para exemplificá-los? A obra é adequada à idade e aos interesses dos estudantes? O que deve ser observado? É necessário assistir ao filme por completo para compreensão das ideias a serem discutidas em aula? Entre outras. Dialogar filosoficamente com o filme requer que ele seja re- conhecido não somente pela história que narra, mas também por sua capacidade de trabalhar conceitos através de imagens em movimen- to. Conceitos geralmente são construídos dentro de um sistema ver- bal lógico, mas isso não os impede de serem articulados a outras for- mas de expressão linguística, como é o caso das imagens. Sabemos, por exemplo, que o conceito de Verdade presente no pensamento do filósofo René Descartes parte de um raciocínio puramente lógi- co e analítico, descrito em sua obra “Discurso do Método” (1637). Ao mesmo tempo o filme “Matrix” (1999), dos irmãos Wachowski, aborda tal conceito sem precisar utilizar-se de uma linguagem verbal extremamente metódica e complexa. Ele mostra o conceito através de imagens em movimento (com o apoio de todos os outros recursos envolvidos em sua criação), provocando no espectador inquietações semelhantes àquelas que ele experimentaria lendo a obra do filósofo. Contudo, no segundo caso, disporia-se de um recurso inexistente ao primeiro, o elemento pático (Páthos)³ em comunhão com a razão. Este elemento sensível (Páthos), segundo Cabrera (2006), permitiria ao cinema explorar questões que a linguagem verbal e filosófica, por sua rigidez formal, teria dificuldades de abordar, atraindo o especta- dor reflexivamente. Filmes que trabalham com questões filosóficas bem elabo- radas provavelmente não sejam compreendidos de imediato, o que também ocorre quando se inicia a leitura de textos filosóficos. Ques- tões filosóficas geralmente não se revelam nas primeiras perguntas. Por este motivo, a intervenção do professor na “leitura” do filme é fundamental para a compreensão da obra por parte dos estudantes. ³Páthos, palavra grega que remete a toda experiência humana ligada à arte, capaz de evocar sentimentos como paixão, compaixão, arrebatamento ou simpatia do espectador em relação à obra. 20 Ao utilizar o filme para ilustrar ou investigar uma questão determinada, não se pode ser iludido com a ideia de que apenas um fragmento seu, abordado isoladamente, possa expressar de for- ma plena a proposta conceitual. Para que a compreensão de fato exista, os conceitos devem ser trabalhados a partir de uma sequência lógica ou de uma prévia narrativa e orientação, por parte do pro- fessor, sobre o contexto em que se desenvolve a trama e o que deve ser observado pelos estudantes a respeito. Justificar as razões de tal experimento e a importância de sua problematização são formas de esclarecer melhor a proposta e contornar possíveis resistências, por parte dos educandos, em relação à atividade. Para Cabrera (2006), ao trabalhar conceitos expostos pelo filme deve-se submeter o espec- tador a um determinado tempo cinematográfico para que ele com- preenda as ideias que ali são desenvolvidas. É fundamental, por parte de quem o assiste, saber de que forma o conceito foi construído, como certo personagem foi parar em determinada situação, quais os motivos que o levaram a comportar-se de maneira específica e assim por diante. Dependendo da complexidade dos conteúdos e da lin- guagem empregada, é importante que o filme possa também ser exi- bido mais de uma vez, visando facilitar o entendimento de alguns as- pectos que, na primeira exibição, possam ter passado despercebidos. 1.2 O cinema como criador e problematizador de conceitos filosóficos O cinema, além de proporcionar aos sujeitos, por vezes dis- tantes da Filosofia em função da resistência ao texto escrito, um con- tato mais próximo a ela e de ilustrar ideias filosóficas, pode ser visto também como criador de grandes questões filosóficas. Alguns filóso- fos contemporâneos e seguidores das ideias de Deleuze a respeito do cinema-pensamento (1985), como Daniel Frampton (2006), acre- ditam no filme como o próprio fazer filosófico. Mas de que maneira isto seria possível? Como o cinema poderia contribuir para a filosofia sem limitar-se apenas a ilustrar conceitos? Segundo Frampton, o ci- nema é em si pensamento e sob esta perspectiva seria capaz de não apenas estimular reflexão, mas filosofar cinematicamente. Um filme filosofaria com imagens, assim como o filósofo faz filosofia com pa- 21 lavras. Esta questão é acompanhada de várias outras questões pro- blematizadorascomo, por exemplo, se é possível a filosofia ir além da liguagem verbal e como os argumentos seriam expostos no caso de uma Filosofia Cinemática. Ou ainda, de que forma saber quais filmes podem ser considerados propriamente cinema-filosofia? Poderia-se responder a estas questões, não de forma tão complexa como propõe Frampton, mas talvez pensando no cinema como impulsionador de indícios ou sintomas de ideias filosóficas. Como afirma Trombetta, “marcas filosóficas apresentadas pelos fil- mes, como algo a espera de um discurso complementar” (2012, p. 169). Ao encararmos a questão desta forma verificaríamos que, jus- tamente pelo fato de o filme necessitar de um discurso complemen- tar, é que fazer filosofia com cinema não seria algo desinteressado e limitado à compreensão da história narrada. A atenção dedicada ao que é exibido na tela teria de ser redobrada, exigindo deslocamentos constantes da percepção em busca de elementos que possam servir à elaboração filosófica. Nesse sentido, compete ao professor, como principal orientador das discussões realizadas em sala de aula, criar condições propícias para que o educando consiga estabelecer as co- nexões necessárias à formação do discurso. Ao fomentar a discussão de temas ligados à filosofia por meio de um sistema simbólico que inclui a participação ativa do especta- dor, o cinema revela o seu potencial didático. Na medida em que confere este espaço de liberdade aos sujeitos, permitindo elaborações posteriores em relação aos conteúdos que aborda, torna possível o filosofar em sala de aula. O estudante deixa sua posição passiva de absorção de conteúdos e passa a elaborar, inventar novos conceitos, sendo capaz de relacioná-los. Ao ser colocado no centro da discus- são e convidado a produzir o seu próprio conhecimento no diálogo com o filme, ele consegue alcançar a autopercepção em seu proces- so de aprendizagem tornando-se, consequentemente, mais crítico, criativo e curioso em relação aos resultados alcançados. Encarar o recurso cinematográfico como potência criativa para o pensamen- to investigativo é provocar uma ruptura nas formas tradicionais de ensino e promover a autonomia intelectual dos educandos. Assim, a discussão gerada em torno do filme não se limitaria apenas a uma tradução do que foi apresentado, pelo contrário, ousaria na criação 22 conjunta de novos saberes, a partir das questões deixadas pela obra. Experimentar o cinema nas aulas de filosofia, portanto, não deve limitar-se somente à instrumentalização do filme em benefício de um determinado conceito, nem fazer de seus conteúdos uma li- ção de moral. Deve-se reconhecer que ele é capaz de expor algumas ideias de forma própria, utilizando-se da sensibilidade dos recursos estéticos presentes em sua estrutra, para propor questões que quan- do bem trabalhadas podem contribuir significativamente para novos entendimentos. Pois, ao estar, na maior parte das vezes, comprome- tido com grandes dilemas da vida humana, como liberdade, amor, ódio, morte, encontra-se intimamente relacionado a construções fi- losóficas, que por ele são expostas de forma dinâmica e acessível. Nesta perspectiva, efetivar o diálogo entre cinema e filosofia dentro do ambiente escolar – através de suportes cinematográficos de interesse e compatibilidade ao nível de desenvolvimento e com- preensão dos educandos – contribui tanto ao crescimento intelectual e pessoal dos estudantes quanto para a formação de indivíduos mais sensíveis, reflexivos e perceptivos aos problemas da vida em seu con- junto com o todo. 2. A comunidade de investigação como espaço para criação de novos saberes Para que o cinema seja reconhecido como um recurso signi- ficativo ao processo educacional, a escolha do filme ou dos trechos utilizados, bem como sua contextualização e problematização, não deve possuir teor gratuito ou leviano. Trabalhar a possibilidade do cinema como criador e pro- blematizador de questões filosóficas em sala de aula requer, entre outras coisas, evitar entrincheiramentos em pré-conceitos, dogmas ou situações particulares inapropriadas à discussão em grupo que, por vezes, conduzem a abordagens retóricas. Quer dizer, posicio- namentos ou posturas que impossibilitam a abstração de conceitos, a criação de hipóteses ou a imaginação de situações-problema. Por este motivo, toda emoção ou situação apresentada pela película deve ser decantada visando evitar que o diálogo permaneça o tempo todo em torno de concepções demasiadamente pessoais. Mas de que ma- 23 neira proceder para que o ambiente necessário à criação e o debate de ideias exista, evitando cair em tais entrincheiramentos? Como proporcionar um ambiente democrático, de posturas imparciais e ponderadas capazes de envolverem-se numa investigação sem pren- derem-se excessivamente a pormenores? Uma estratégia para tentar solucionar estas questões seria en- volver os estudantes em uma comunidade de investigação4. Tal ideia pressupõe que exista a possibilidade dos sujeitos envolvidos exporem suas percepções de mundo particulares, porém de forma que as indi- vidualidades de cada um, quando unidas, possam produzir um pen- samento coletivo sobre questões humanas universais. Por exemplo, se em um debate um estudante levanta uma questão sobre a temática do “ódio”, partindo de suas experiências próprias, é importante que a investigação não permaneça somente em torno dos motivos que o levaram a experimentar tal sentimento. A problematização deve ser expandida para um nível além do reino dos sentimentos, das opiniões ou dos pré-conceitos, quer dizer, um nível em que o individual pos- sa ser colocado em favor de um social. Nesta perspectiva, possíveis abordagens limitadoras do tema como a moral da história contada pelo aluno, ou uma explicação precária sobre o que é o “ódio”, dão lugar a perguntas como “o que nos faz odiar?”, “a origem do ódio sou eu ou o objeto/ser odiado?”, “apenas coisas ruins nos causam ódio?” “pode existir amor sem existir ódio?”, “o ódio possui alguma relação com o medo?” e ainda “é possível não sentirmos ódio?”. Mostrando que o tema de investigação não parte de uma verdade absoluta que deve ser apreendida por todos, mas que pode ser uma fonte de discu- são que, apesar de compartilhar concepções, sentimentos e crenças, não elimina o caráter problemático das mesmas. 4Comunidade de Investigação é um método criado pelo filósofo americano Matthew Lipman (1922 – 2010) que consiste em entender a educação como um espaço de in- vestigação ou “exploração autocorretiva de questões consideradas, ao mesmo tempo, importantes e problemáticas” (1990, p. 37). O trabalho desenvolvido não se baseia em verdades absolutas, mas prima pelo enfrentamento de problemas, onde a conclusão não é o mais importante, mas as descobertas feitas ao longo do processo de investigação. O método fundamenta-se na possibilidade do diálogo investigativo, ou seja, ato contínuo de pensar sobre o seu próprio pensamento, ao mesmo tempo em que se pensa sobre o pensamento do outro. Fator que exige um grande número de habilidades cognitivas, metodologias rigorosas, acordos e regras. 24 Nortear-se pela possibilidade de universalização de um con- ceito, sem usar a película como mero instrumento ilustrativo, exige do espectador buscar o mais profundo problema, do qual todos os demais derivam, entendendo-o também como fonte de filosofia. É o reconhecimento do problema universal que abrirá espaço para a participação dos estudantes de forma mais crítica e espontânea. Tomando novamente “Matrix” como exemplo e o aplicando a esta discussão, observa-se que, em sua narrativa, diversas temáticas capazes de criar um sentimento de identidade nos indivíduos são trabalhadas. Há a questão da possibilidade de vida após a morte e também o romance entre os personagens Neo e Trinity. Em ambas ascircunstâncias, corremos o risco de utilizarmos a obra como mero aparato ilustrador de uma ideia. Porém, quando se trata de uma ex- perimentação filosófica, algumas questões são mais pungentes do que outras. Ao analisar o conjunto de todas as situações construídas em torno do personagem Neo, nota-se que um dos problemas filo- sóficos de maior profundidade abordados na obra é o do Destino. Contudo, cabe ressaltar aqui que os problemas a serem in- vestigados não podem surgir do nada. Mesmo que na narrativa eles tenham uma razão de ser, a proposta de trabalhá-los em aula deve partir de uma prévia crença que se apresenta como problema para o grupo. Quer dizer, para que exista realmente a construção de novos saberes e para que o filme venha a somar neste processo, é importan- te que ele possua alguma conexão com as aulas que precederam a sua exibição ou pelo menos com as aulas que se originarão após a sua exi- bição. Ele deve apresentar-se como uma constante nas discussões em grupo, uma referência que pode ser consultada em outras ocasiões. Por exemplo, o filme “A Experiência” (2001) de Oliver Hirs- chbiegel, aborda questões que podem ser trabalhadas em uma série de aulas sequenciais. Temas como insubordinação e abuso de autori- dade, presentes em sua narrativa, poderiam desencadear um proces- so de investigação a respeito do conceito de Política. Não faltariam referências históricas para enriquecer tal debate e gerar abordagens subsequentes, pois muitos são os casos a respeito de como sociedades oprimidas tendem a se fortalecer enquanto grupo e de que forma o poder nas mãos de pessoas despreparadas pode ser nocivo para as organizações sociais. Deste modo, do ponto de vista da filosofia, o 25 cinema constitui-se como um recurso importante ao conhecimento dos alunos e para seu esclarecimento de mundo, na medida em que é capaz de estabelecer conexões com o exterior, oferecendo indicativos para problematização. 2.1 Desconstruir para construir: O filme em camadas e sua importância para a elaboração filosófica A composição fílmica é algo que vai além de fotografias se- quenciais. Em um mesmo processo de criação cinematográfica dia- logam entre si, luz, som, imagem, texto, espaço e tempo. Camadas que dão ao filme formato onírico e ao mesmo tempo real, propor- cionando aos indivíduos experimentarem um mundo fictício por um certo período de tempo. Quando homogeneizadas, tais camadas levam o espectador a “participar” deste mundo repleto de sensações, mergulhando nele o mais fundo possível, despreocupado com sua integridade física por estar confortável na posição de espectador. Se o corpo do espectador está a salvo, não se pode dizer o mesmo de sua mente. É exclusivamente ela que é bombardeada e desnorteada com as informações tão distantes do “mundo real particular”. Esta predisposição do espectador em relação aos recursos utilizados pelo cinema para capturar a mente em seus labirintos é fundamental para que uma nova experiência aconteça. Entregar-se a tal experimentação, permitindo-se transportar para uma outra di- mensão, desvinculada dos afazeres e preocupações cotidianas, contri- bui para uma melhor assimilação e percepção das marcas filosóficas deixadas pelo filme. Abrir-se a esta possibilidade facilita o processo de toda e qualquer investigação e o recurso cinematográfico passa a ser entendido como fonte de conhecimento. Estar atento às peculiaridades do filme oferece maior clareza na hora de identificar seu núcleo filosófico. O que a película expressa de universal não é dito somente por meio da fala dos personagens ou de suas ações, mas pode ser o conjunto de todas as suas camadas. Um quebra-cabeça que só faz sentido quando montado. Ao levá-lo para a sala de aula é preciso respeitá-lo como referência para o aprendizado. Do mesmo modo que as obras clássicas, o filme só será significativo 26 se o seu interlocutor estiver disposto a dialogar com suas potenciali- dades. No filme “Antes de Partir” (2008), de Rob Reiner, é possível perceber a harmonia entre as camadas que o compõem. A trilha so- nora, a fotografia, a expressão no rosto dos personagens, o conjunto de falas, são elementos capazes de envolver e arrebatar o espectador diretamente, tornando-se relevante aos seus sentimentos. Ao tratar o problema da morte, talvez da perspectiva mais eficiente para abor- dá-lo, ou seja, a conquista dos sonhos em vida, oferece a percepção de detalhes específicos de um tema intrínseco à condição humana, mas que talvez poucos pensem a respeito: “a vida terá valido a pena na hora da morte?”. “Antes de Partir” conta a história de dois enfer- mos, com poucos meses de vida pela frente, que se conhecem em um quarto de hospital e resolvem realizar, enquanto há tempo, as vonta- des que gostariam de ter satisfeito na juventude. Ao mostrá-los via- jando para diversos lugares e arriscando a própria vida em aventuras (o que seria quase uma contradição do termo “aproveitar a vida”), o filme abre a possibilidade de discutir o conceito de morte com diver- sas idades sem esbarrar em crenças e preconceitos. E, ao apresentar este problema tão angustiante de forma suave e cômica, é capaz de amenizar o medo, oferecendo maior segurança aos envolvidos para discutir a temática. Torna-se evidente que quando bem escolhido, não só pelo tema, mas por todo o leque de possibilidades que oferece, o cinema é uma ótima porta de entrada para as aulas de filosofia. Seja atraindo a atenção dos estudantes por meio do enredo, trilha sonora, fotografia ou gênero, os filmes têm a capacidade de transportar seus especta- dores para uma dimensão de experimentação que não buscamos ou encontramos no dia a dia, mas que somos impelidos inevitavelmente ao assisti-los. Fator importante, pois o filme não deve ser concebido como um organismo afastado das intervenções do espectador, onde não há nenhuma espécie de envolvimento. Ele necessita do olhar investigativo de quem o contempla. Um olhar capaz de trazer à tona seus conteúdos filosóficos. Ele precisa ser parafraseado, reinventado, verbalizado. Existe, portanto, o que podemos chamar de progressão do entendimento quando somos absorvidos pela película e conse- guimos problematizá-la. É na Comunidade de Investigação que o ato 27 de interpretação e desconstrução ocorre para o surgimento de uma nova compreensão. Nela os conteúdos conhecidos são postos à prova e reconhecidos, ou não, pelos demais, criando um entendimento de ordem superior, não acabado, mas refinado, como afirma Lipman: Os resultados obtidos [no processo de investigação] são sempre provisórios e falíveis, de modo que o que produzimos hoje pode se tornar objeto de investigação e questionamento amanhã, uma vez que a autocorreção é um dos pilares de sustentação do pensamen- to de ordem superior (apud LIPMAN, 2007, p. 30). A discussão gerada não busca simplesmente solucionar pro- blemas, mas aguçar os argumentos usados em suas possíveis reso- luções, o que inevitavelmente conduz a novas perguntas e maiores aprofundamentos em relação aos temas estudados. Nessa perspec- tiva, é possível dizer que os desafios da escola contemporânea nos exigem competências diferentes daquelas que serviam antigamente. Aprender de forma passiva, sem a presença do pensamento crítico e da experimentação, não contribui à formação humana, somente ao isolamento de cada indivíduo. Aproximar o cinema da sala de aula é estimular o pensamento conexo, ou seja, a capacidade dos estu- dantes de assimilar ideias, mas também, a partir de suas impressões de mundo, criar novas interpretações e valores para aquilo que é experimentado cinematicamente. Ao assumir uma postura investi- gativa em relação às potencialidades filosóficas expressas no filme, o educando apropria-se das situações-problema e passa a produzir seus próprios julgamentos.Ele deixa de acumular dados e começa a pensar sobre as informações que recebe. Pensar é uma atividade que necessita de exercício constante e a sala de aula deve ser um espaço onde esta iniciativa seja valorizada. Referências A EXPERIÊNCIA. Direção: Oliver Hirschbiegel. Alemanha: 2001. 1 DVD. ANTES DE PARTIR. Direção: Rob Reiner. Estados Unidos: Warner Bros, 2008. 1DVD. 28 CABRERA, Julio. O cinema pensa: uma introdução à filosofia através dos filmes. Rio de Janeiro: Rocco, 2006. DELEUZE, Gilles. Cinema1: a imagem-movimento. São Paulo: Brasi- liense, 1985. DESCARTES, René. Discurso do método: regras para a direção do espí- rito. São Paulo: Martin Claret, 2003. FÁVERO, Alcemira Maria [et al]. A prática dialógica na comunidade de investigação: possibilidades de uma educação para o pensar. In: Diálogo & Investigação: perspectivas de uma educação para o pensar. Passo Fundo: Méritos, 2007, p. 7-42. FRAMPTON, Daniel. Filmosophy. London: Wallflower Press, 2006. LIPMAN, Matthew. A comunidade de investigação e o raciocínio críti- co. São Paulo: Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, 1995. MATRIX. Direção: Andy Wachowski, Lana Wachowski. Estados Unidos: Warner Bros, 1999. 1DVD. MOSÉ, Viviane. O homem que sabe: do homo sapiens à crise da razão. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2011. TROMBETTA, Gerson Luís (Org.). Lugares Possíveis: metamorfoses da arte no tempo e no espaço. Passo Fundo: Méritos, 2012. 29 A ironia como estratégia didática para o ensino de fi losofi a Cosmo Rafael Gonzatto¹ Ivan Rodrigo Neuls² Roberto Quevedo³ Gerson Luís Trombetta4 Inúmeras pesquisas relacionadas à temática da educação já foram realizadas, sejam elas na escola pública ou particular, tanto nos anos iniciais quanto no ensino médio. O que a maioria delas possui em comum é o objetivo de buscar compreender como nasce o interesse dos estudantes durante o processo de aprendizagem. Essas pesquisas aconteceram devido ao fato de a maioria dos estudantes não demonstrar interesse e motivação em participar efetivamente do processo educativo. Dessa maneira, à medida que se deseja compreender a im- portância da disciplina de fi losofi a na escola, torna-se imprescindí- vel reconhecer quais são as metodologias de ensino que devem ser usadas para o melhor entendimento do estudante no processo de ¹Bolsista do PIBID – Projeto Filosofi a/UPF. ²Bolsista do PIBID – Projeto Filosofi a/UPF. ³Bolsista do PIBID – Projeto Filosofi a/UPF. 4Doutor em Filosofi a, professor do Curso de Filosofi a e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade de Passo Fundo/RS e coordenador do PIBID – Projeto Filosofi a/UPF. olhos Experiências de ensino Filosofi a nos 30 aprendizagem. O presente texto tem como principal objetivo refletir acerca de metodologias de ensino de filosofia, visando contribuir na escolha de didáticas que instiguem o interesse dos estudantes diante dos conteúdos filosóficos. Este texto é fruto das experiências realizadas junto ao projeto PIBID Capes (Programa Institucional de Bolsa de Iniciação à Do- cência). As observações realizadas in loco possibilitaram compreender que a desmotivação dos estudantes pela escola e/ou conteúdo pode estar relacionada a uma gama de fatores, os quais seria impossível lis- tar aqui pela insuficiência de dados mais detalhados. No entanto, o estudo concentrou-se naqueles que foram observados durante o pe- ríodo de realização dessa pesquisa, incluído a significativa mudança na sociedade causada pelo avanço tecnológico (que inevitavelmente interfere no comportamento humano, principalmente dos jovens), o distanciamento de ideias e concepções de mundo entre professores e estudantes, a metodologia que rege as atividades em sala de aula, normalmente expositiva e tradicional, e os conteúdos desatualizados ou afastados da realidade dos estudantes. Considerando os desafios para a prática docente observados nas escolas, o presente estudo objetiva apontar alternativas didáticas para o ensino de filosofia por meio de uma sensibilização introdutó- ria sobre a temática Filosofia e humor Irônico e a utilização de uma metodologia dialógica que motive os estudantes. À primeira vista, essa combinação pode parecer estranha. Porém, à medida que se re- flete sobre as atuais concepções de filosofia e se busca fundamenta- ção em sua história, é possível perceber o quanto a ironia se constitui num ótimo instrumento para o ensino. Partindo desse pressuposto, foram levantadas algumas questões para direcionar a intervenção nas escolas como: em que sentido a arte de fazer rir poderá se fundir com a filosofia, uma vez que o conhecimento filosófico traz consigo um legado de sérias discussões teóricas, desavenças conceituais e diálo- gos de extrema profundidade? É possível conciliar humor e filosofia? Se a sala de aula é um espaço que reúne estudantes e professor e se estabelece um vínculo de amizade entre os pares, por que não fazer dessa oportunidade um momento descontraído para aprender? De onde vem a ideia de que é necessário os estudantes ficarem quietos e imóveis para aprender? Por que a sala de aula tem essa característica 31 de ser um ambiente triste e desmotivador? Com a finalidade de responder às perguntas apresentadas aci- ma, propomos uma experiência filosófica utilizando a ironia como método. E por último, mostrar de que maneira o tema, ao ser analisa- do e flexionado diante da prática desenvolvida em sala de aula, pode ajudar a contribuir para o ensino de filosofia. Será possível pegar uma carona com o velho e infinitamente citado Sócrates para uma viagem nos braços da ironia? Se sim, pede-se então licença ao lega- do filosófico para explorar essa qualidade do ilustre pensador grego. 1. Conceito de ironia A palavra ironia nem sempre é facilmente conceituada. A dificuldade encontrada no entendimento do conceito de ironia pode estar relacionada à ampla carga semântica intrínseca à própria ironia. A palavra ironia carrega diversas possibilidades de interpretação, de incertezas significativas e ambíguas. Ela pode ser confundida com dissimulação, hipocrisia, fingimento, mentira, dentre outras. No dicionário Houaiss ironia significa “uma figura por meio da qual se diz o contrário do que se quer dar a entender”. Sugere que pode ser utilizada “literariamente para criar ou ressaltar certos efei- tos humorísticos”. A ironia revela-se como uma maneira inteligente, se não rumar ao sarcasmo, de trabalhar contrastes. Ao interrogar o interlocutor de forma irônica a respeito de determinada questão, é possível fazer com que ele perceba as fragilidades de seu argumento, desconstrua e reconstrua algumas “verdades”, crie e explore novos conhecimentos. Filosoficamente falando, a ironia remete a Sócrates que, nos diálogos platônicos, constantemente utilizava este recurso simulan- do estar num patamar de aprendiz. Ao utilizar tal estratégia para interrogar seu interlocutor, acabava fazendo-o embrenhar-se em contradições e dar um passo além das verdades preconcebidas. Con- tradições que evidenciavam o caráter errôneo de muitas verdades determinadas sem uma reflexão mais aprofundada. O verbo que originou a palavra ironia significa perguntar. É possível descrever ironia como simulação, como capacidade sutil de dizer uma coisa pensando em outra. Desta forma, a ironia é uma 32 atitude mental de um indivíduo perspicaz e ágil de raciocínio. É a ação inteligente de dizer uma coisa com o fim de fazer entender ou- tra coisa que é geralmente o seu contrário. 2. A ironia na filosofia Na concepção de Kierkegaard, parece que a ironia configura- se no mal-entendido, na dualidade entre o fenômeno e o conceito. Nos diálogos socráticos ela se manifesta na pergunta sem resposta que causa a perplexidade. A ironia pode ser vista como a determi- naçãoda subjetividade. É possível arriscar dizer que em Sócrates a realidade tida como verdadeira parece ser cada vez mais irreal e irô- nica. O filósofo grego tornou-se estrangeiro para si mesmo. Para ele a realidade dada não era tão facilmente decifrada como seus interlo- cutores pensavam que fosse. A ironia socrática colocava em dúvida desde a mais simples até a mais complexa realidade. Em Sócrates, a ironia pode ser reconhecida por possuir mais malícia do que ignorância ou humildade. Visto que seria uma fal- sa ignorância perguntar-se sobre aquilo que de antemão já se tem conhecimento. A ironia socrática pretendia uma relação de supe- rioridade perante o interlocutor. O método de interrogação usado pelo filósofo ateniense tinha como objetivo principal evidenciar as contradições existentes em determinados discursos, certos descom- passos entre a situação simulada e os atos que podem ser vistos no dia a dia. Sócrates, através do seu método, levava o interlocutor a entrar em contradição, fazendo com que ele começasse a duvidar do seu próprio conhecimento, percebendo e reconhecendo que não sabia tão bem aquilo que julgava saber. Ao libertar indivíduos de seus preconceitos, colocava-o em condições de uma análise mais sé- ria sobre o assunto em questão, adotando como ponto inicial de sua investigação filosófica a frase “só sei que nada sei”. Não se está, neste texto, exaltando a ironia no sentido de- preciativo. Por mais que os exemplos utilizados da ironia socrática possam expressar uma falsa humildade, tal postura não tem como objetivo ridicularizar o outro. Busca-se, acima de tudo, purificar as verdades e construir conhecimento. No teatro, principalmente no teatro humorista como stand-up comedy, que está em alta atualmen- 33 te, a ironia é a base dos textos utilizados por estes artistas, recurso que ao mesmo tempo pode proporcionar um alto grau de descontra- ção, prender a atenção, despertar interesse e tecer duras e verdadeiras críticas no sentido de fomentar a reflexão. O método socrático de filosofar aponta diretrizes para a apli- cação de atividades alternativas enquanto proposta de aulas de filoso- fia motivadoras. Fazer humor, trabalhar com a ironia não é fazer algo de qualquer maneira, nem minimizar a seriedade do que se está fa- zendo. Pelo contrário, para conseguir ironizar a própria ação é neces- sário estar munido de clareza na finalidade deste recurso, optar por uma metodologia bem elaborada e ter objetivos bem determinados. O filósofo cumpre com sua função de educador quando auxilia o cego que pensa que tudo sabe e vê a discernir a natureza de cada imagem e de que objeto ela é imagem. Se aquele que se eleva às alturas, a ponto de sua inteligência se tornar hegemônica em re- lação à sua opinião, tende a desistir das coisas humanas, uma vez que sua alma aspira a instalar-se em tais alturas, Sócrates o recorda de sua tarefa de ajudar os “cegos” a se desvencilhar dos grilhões que os aprisionam à sedução das imagens deformadas e geradas na esfera de domínio dos sentidos (ZUIN, 2013, p. 9). Sócrates defendia a ideia de que seria preciso conhecer para po- der falar. Em sua época a democracia grega pressupunha uma “igual- dade” entre os cidadãos, capacitando-os a exprimir suas opiniões e interesses em assembleias na construção da comunidade. No entanto, a postura socrática foi julgada como escandalosa ao criar um método semelhante a uma figura de linguagem. De forma irônica Sócrates indagava sobre os assuntos em discussão a fim de delimitar e esclare- cer conceitos, colocando em “xeque” a relação irônica entre interiori- dade e exterioridade, pensamento e palavra, proposição e significado. A postura irônica de Sócrates estava mergulhada em uma atuação docente informal. Não era remunerada, nem oficializada. Ele acreditava na missão de parteiro da verdade. A prática da maiêu- tica, voltada para o conhecimento de si, propiciava aos seus interlo- cutores a realização do trabalho de parto da verdade, conduzindo-os na busca do significado das palavras de seus próprios discursos. A missão socrática seria a de dar à luz ou despertar consciências. Mis- são que este trabalho propõe através das intervenções em sala de 34 aula lançando mão do mesmo recurso utilizado pelo filósofo grego. A ironia aqui tem como principal objetivo purificar as ideias que permeiam o discurso carente de reflexão. Para Sócrates o discurso não era objetivamente representado pela ideia. O dito correspon- dia a significados diferentes ou opostos, passíveis de múltiplas inter- pretações, porque “[...] o exterior não estava absolutamente numa unidade harmônica com o interior, mas antes era o contrário disto” (KIERKEGAARD, 1991, p. 25). O método socrático vislumbrava ampliar o pensamento, desfazendo ilusões. É justamente a realização da maiêutica, cuja nuance é imanente- mente irônica, que permite a reflexão de que o fenômeno não é a essência. Através das relações dialógicas entre o mestre e o discípu- lo, observa-se a manutenção da tensão entre a palavra e a intenção velada, a qual, ao mesmo tempo em que se torna manifesta através da dedução, suscita novas formas de interpretação. Não é obra do acaso que a ironia anseia pela liberdade subjetiva, ou seja, aquela liberdade que anuncia a possibilidade da construção de novos iní- cios. E se tal raciocínio for aplicado com maior ênfase na interpre- tação das questões pedagógicas, nota-se que estes novos inícios são incentivados pelo educador que faz uso da dimensão emancipató- ria da ironia quando não apresenta um raciocínio conclusivo ao aluno, mas sim o estimula para que reflita a respeito da temática discutida e expresse suas próprias deduções (ZUIN, 2013, p. 4-5). Sócrates não buscava produzir um conhecimento, mas dar à luz as ideias provindas dos seus interlocutores. A exemplo das partei- ras gregas, dentre elas sua mãe, o filósofo dava à luz o conhecimento a partir do que já estava no interior de cada pessoa. Sócrates se julga- va como alguém que não tinha saber algum, apenas sabia perguntar mostrando as contradições de cada argumento, levando os indiví- duos a produzirem um juízo segundo uma reflexão que superasse a tradição, os costumes e as opiniões alheias. A ironia socrática revela seu potencial formativo quando demole as certezas sobre determinados conceitos, na medida em que as essências de tais conceitos não se restringem ao modo como eles aparecem. As aparências, que são equivocadamente consideradas como os pontos finais das definições conceituais são, na verdade, os pontos de partida dos jogos que se estabelecem entre significan- tes e significados (ZUIN, 2013, p. 2). 35 Por meio do comportamento irônico, configurado pela sub- jetividade dialética, Sócrates fingia ser ignorante, fingia nada saber no intuito de ensinar os outros e questionar a ordem existente. Ele também sofreu crítica à sua postura, por vezes interpretada como sarcástica ou de falsa humildade. “Daí nós vemos que tanto pode ser irônico fingir saber quando se sabe que não sabe, como fingir não saber quando se sabe que se sabe” (KIERKEGAARD, 1991, p. 218). A ironia e a maiêutica constituíam as principais formas de atuação do método dialético de Sócrates. Assim desfazia equívocos propor- cionando a criação de juízos mais fundamentados na razão. Dessa forma, a ironia manifesta-se no momento em que a palavra, com- preendida como fenômeno, se mostra em oposição ao pensamento, compreendido como essência. No jogo irônico, o sujeito é negativa- mente livre, pois o enunciado não corresponde ao seu pensamento, sendo, ao contrário, distorcido do sentido imediatamente pretendi- do. “É nessa perspectiva de análise que a ironia socrática [...] pode suscitar os novos princípios, que se desvelam no jogo da alteridade entre significantes e significados das palavras” (ZUIN, p. 7). A de- finiçãomais apropriada de ironia, segundo Kierkegaard, é a “figura do discurso retórico, cuja característica está em se dizer o contrário do que se pensa” (1991, p. 215). Contudo, o conceito de ironia não se apresenta de forma sistematizada, devido à inconsistência da lin- guagem e à ressignificação do próprio conceito ao longo da história. O pensamento irônico, a exemplo da arte, da música e da poesia, diz mais do que o pensamento objetivo é capaz de explicitar. A ironia atesta a própria incapacidade da linguagem em representar experiências centradas na realidade dada. Por trás do papel, da lin- guagem objetiva, nem sempre existe o mundo real, mas a imensidão que se dá além da escritura, além do livro. A ironia pode sobrepor-se a si mesma quando o sujeito pressupõe ter sido compreendido por- que é difícil comprovar a existência de uma relação idêntica entre a sua palavra e o seu pensamento. A ironia é superada quando a coisa dita representa, identica- mente, o pensamento. O discurso comum difere do discurso irôni- co. Busca-se a relação de verdade entre a palavra e o pensamento, a identificação entre a essência e o fenômeno. O sujeito que se subme- te ao jogo irônico se depara com a descoberta de que a realidade não 36 tem sentido único ou não é imediatamente legível. A metodologia socrática esbanjava na utilização de recursos analógicos para fazer, muitas vezes de forma irônica, com que seus interlocutores constru- íssem novas respostas para questões que julgavam respondidas com segurança. Construir conhecimento utilizando a metodologia inter- rogativa é um desafio digno de sábios tanto quanto é a capacidade de manusear a arte da ironia para fazer com que os interlocutores consigam ver mais de um lado da mesma questão. Essa parece ser uma das grandes pistas que a ironia propicia: fazer perceber que uma mesma afirmação pode ter várias formas de confirmá-la, bem como de negá-la. Possibilita dizer algo e, ao mesmo tempo, desdizê-lo. Essa arte implica inteligência e, ao mesmo tem- po, desperta inteligência. E o melhor é perceber que a metodologia interrogativa da ironia propicia a chance de aprender com humor. A ironia é uma arte sedutora que comporta algo enigmático. Por outro lado, a ironia pode assumir certo aspecto de nobreza ao se permitir uma compreensão indiretamente e com dificuldade. No entanto, mesmo quando rebaixada à categoria de discurso simples, a ironia “[...] viaja na carruagem de um incógnito e desta posição elevada olha com desdém para o discurso de um pedestre comum” (KIERKEGAARD, 1991, p. 216). O irônico passa a se identificar com a suposta desordem que ele quer combater, ou desfruta da relação de oposição, mas sempre consciente de que sua aparência é o contrário do seu pensamento. A ironia do jogo discursivo consiste em parecer aprisionado na própria ideia que mantém o outro preso. Kierkegaard afirma: E quanto mais o irônico tiver sucesso com a fraude, quanto me- lhor aceitação sua moeda falsa tiver, tanto maior será sua alegria. Mas ele saboreia esta alegria sozinho e tem todo o cuidado para que ninguém perceba sua impostura (1991, p. 217). Mostrar-se como figura de oposição é também característica da ironia. É comum o irônico aparentar-se simplório demais; jogar falso, rebaixando-se para exaltar a suposta sabedoria do outro, ser o verdadeiro ingênuo e, ao mesmo tempo, mostrar-se tão interessado em aprender que o outro sente alegria em deixá-lo “dar uma olhada 37 nos seus vastos terrenos, diante de um entusiasmo sentimental e lân- guido” (KIERKEGAARD, 1991, p. 218). A ironia paira num constante movimento de duplicidade: o irônico, parecendo ser simplório, ser honesto e ser sincero, capta o entusiasmo sublime do outro. Por isso, quanto menos irônico se apa- renta ser, mais a ironia é elevada, pois o irônico, escondido em sua interioridade, incógnito, mantém-se ainda mais livre para encenar. Mesmo que sempre permaneça consciente e distante do próprio jogo da encenação, a ironia implica em ser outro em determinada circuns- tância, uma ação que deve ser acompanhada de habilidosa poética artística. A ironia é gozo subjetivo, prazer desfrutado na medida em que o sujeito se liberta da realidade ao qual está vinculado porque o irônico se isenta de qualquer intenção imediata, de qualquer fim em si mesmo. Ao conseguir impor veracidade à sua dissimulação, atua na realidade encenada por ele e sente-se livre. Essa liberdade é concedida por força da ironia. Contudo é impossível detectar, na postura irônica, os limites do certo, do ver- dadeiro, do absoluto e do definitivo porque o irônico não pode ga- rantir nada, a não ser, paradoxalmente, a sua própria postura irônica. Tal postura se dá pelo convencimento, pela comoção, pela percepção e pelo jogo cujo resultado é o efeito causado no outro. A postura irônica consegue censurar por meio de um elogio irônico ou elogiar através de uma censura irônica. O comportamento irônico pode ser identificado com o comportamento hipócrita, uma vez que a inte- rioridade do irônico se apresenta em oposição à sua exterioridade. Para Kierkegaard, o hipócrita está imbuído de sentimento de maldade, embora se esforce por parecer bom. Ao irônico só interessa parecer diferentemente do que é de fato. Esconde sua brincadeira na seriedade ou sua seriedade na brincadeira, postura que pode ser confundida com escárnio. A ironia situa-se, somente, no campo me- tafísico, porque determinações morais como bondade ou maldade são a rigor “demasiado concretas para a ironia” (KIERKEGAARD, 1991, p. 223). Pode custar tempo para o irônico vestir a roupagem correta, adequada à personagem que ele mesmo inventou de ser. “O irônico entende do assunto e possui um lote considerável de másca- ras e fantasias à sua livre escolha” (KIERKEGAARD, 1991, p. 244). 38 3. A ironia e o ensino da filosofia hoje Com base nas investigações acerca da ironia socrática, é possível abordar alguns aspectos que foram sendo apresentados nas atividades docentes desenvolvidas com o uso da ironia nos debates filosóficos. Em primeiro lugar, trazer o aspecto da amizade. Não é possível contar com um bom resultado das discussões sem um bom relacionamento entre os próprios estudantes e destes com o profes- sor. Notou-se que a amizade que caracterizava o método socrático de filosofar torna-se indispensável na atuação eficiente porque permite que todos possam se expor, pois os interlocutores sabem que no am- biente formado entre eles não haverá consequências temíveis. O jogo irônico-dialético socrático, enquanto produção do conhe- cimento humano não pode se ‘crisalizar’, ou seja, se encapsular a ponto de se dirimir as cargas afetivas que lhe são imanentes. Quando isto acontece, então predomina a carga afetiva sarcástica que dilacera os argumentos alheios por meio da soberba intelectu- al daquele que não admite se equivocar no domínio dos conceitos discutidos (ZUIN, 2013, p. 15). O maior temor que se pode apresentar ao ato filosófico for- mado entre os estudantes é uma sutil consciência da própria igno- rância. Para isso é preciso que não se tomem iniciativas destrutivas que venham a desestimular a coragem que cada um alimenta em relação à própria exposição ao diálogo. Outro aspecto que se torna vital ao processo é a disposição ao debate. “Com efeito, muitas pes- soas, meu caro amigo, antes deste dia, com frequência têm assumido uma tal disposição de espírito em relação a mim, que estão prontas realmente para morder-me se delas retiro alguma noção tola” (PLA- TÃO, p. 56). Nessa passagem do diálogo com Teeteto, Sócrates dei- xa claro que o filosofar nem sempre é agradável, pois tira o indivíduo de sua estabilidade. Para amenizar as possíveis aversões o assunto a ser tratado deve ser de interesse dos envolvidos. A sensibilidade aos anseios dos estudantes está no horizonte vislumbrado
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