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1 O DIREITO SUBJETIVO DOS CONTRATADOS PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DE QUE OS PAGAMENTOS SEJAM REALIZADOS EM OBSERVÂNCIA À ORDEM CRONOLÓ GICA DE SUAS EXIGIBILIDADES. Joel de Menezes Niebuhr* 1. O inadimplemento da Administração Pública é causa decisiva para a ineficiência em seus contratos. Como sabido, a Administração realiza os pagamentos só depois de os contratados terem executado, no todo ou em parte, o objeto do contrato, isto é, só depois de terem cumprido suas obrigações (confira-se o § 3º do artigo 5º e a alínea “a” do inciso XIV do artigo 40, ambos da Lei nº 8.666/93). Todavia, muitos administradores, em vez de realizarem os pagamentos no prazo devido, costumam demorar meses ou anos para saldarem os seus débitos, em virtude do que os contratados amargam prejuízos de monta, quando não são levados à própria bancarrota. É bastante freqüente a Administração Pública não pagar ou pagar com atraso. Diante disso, aqueles que poderiam oferecer-lhe boas propostas, vislumbrando a inadimplência, optam por não concorrer ao certame ou, agindo em sentido contrário, formulam proposta de preço que contenha compensações por eventuais prejuízos, isto é, proposta de preço que ultrapassa muito o praticado no mercado. Esse modo de agir já foi incorporado na prática dos licitantes e de expressiva parcela da Administração, alimentando ciclo vicioso que provoca largas perdas para os cofres públicos. * Doutor em Direito Administrativo pela PUC/SP. Mestre em Direito pela UFSC. Autor dos livros “Princípio da Isonomia na Licitação Pública” (Florianópolis: Obra Jurídica, 2000); "O Novo Regime Constitucional da Medida Provisória" (São Paulo: Dialética, 2001); “Dispensa e Inexigibilidade de Licitação Pública” (São Paul: Dialética, 2003) e “Pregão Presencial e Eletrônico” (Curitiba: Zênite, 2004), além de diversos artigos e ensaios publicados em revistas especializadas. Professor Convidado de Direito Administrativo da Escola da Magistratura do Tribunal de Justiça de Santa Catarina e da Escola do Ministério Público de Santa Catarina. Advogado. 2 2. É de toda a evidência que a Administração paga mais caro porque ela paga em atraso. Então, para inverter esse processo, é preciso que ela tome ciência de que é ela mesma a principal culpada por esse estado de coisas. A Administração sofre em razão de estridente falta de credibilidade, tudo em vista de práxis irresponsável, ao sabor de ingerências políticas estranhas ao interesse público. É essencial, para toda atividade administrativa, em especial no tocante à licitação pública e ao contrato administrativo, que o Poder Público recupere sua credibilidade. Sem a confiança de terceiros, será muito difícil que a Administração passe a celebrar contratos efetivamente vantajosos ou, quiçá, com preços compatíveis com os do mercado. 3. Aqueles que contratam com a Administração precisam encontrar nela razões de credibilidade e concretas expectativas de que o avençado será cumprido. Para tanto, é fundamental que haja instrumentos jurídicos que confiram segurança aos contratados, prestantes a garantir o direito deles ao adimplemento por parte da Administração. 4. Poder-se-ia argüir, inicialmente, que aos contratados prejudicados pelo inadimplemento da Administração é facultado proporem ações de cobrança e de execução, conforme o caso, a fim de receberem o que lhes é devido. Sem embargo, tais ações já não são instrumentos eficazes de garantia dos direitos dos contratados, haja vista, sobretudo, a morosidade do Poder Judiciário. Além disso, é provável que os contratados, depois de pelejarem por décadas, venham a enfrentar novo inadimplemento do Poder Público, desta feita em relação aos precatórios, que também, pura e simplesmente, não são pagos, como malgrado vem ocorrendo há anos, rasgando-se os vestígios de um Estado de Direito. Dentro desse quadro kafkiano, as ações de cobrança e de execução, em vez de instrumentos adequados a garantir os direitos do contratado, entremostram-se como instrumentos prestantes a legitimar e a perpetuar o inadimplemento da Administração. 5. Essa situação força muitos contratados, ainda que a contragosto, a oferecerem propinas às autoridades responsáveis pelos pagamentos, criando espécie de padrão de 3 comportamento, de certa forma já arraigado em boa parte da Administração. Ainda que ilegítima e imoral, a propina é, assaz das vezes, o único instrumento de que dispõem os contratados para receberem o que lhes é devido, mitigando os prejuízos que lhes foram impingidos. 6. Portanto, para evitar a corrupção e a ineficiência administrativa, é de fundamental importância que os contratados disponham de instrumentos jurídicos hábeis a garantir efetivamente o adimplemento da Administração Pública. A falta de tais instrumentos ou o pouco uso de que se tem feito dos instrumentos atualmente existentes incute na Administração Pública sensação de onipotência: ela pagará os contratados quando quiser e se quiser. Ela acredita que não há nada que possa obrigá-la a realizar os pagamentos. Sem embargo, volta-se a insistir que, depois dos contratados, a grande prejudicada com tal estado de coisas é a própria Administração. 7. Dentro desse contexto, convém destacar norma jurídica encartada no caput do artigo 5º da Lei nº 8.666/93, cujo teor prescreve que os pagamentos devem ser realizados na ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, o que pode ser extremamente útil aos contratados, lhes serve de instrumento para compelirem, mesmo que de maneira oblíqua, a Administração a honrar os seus compromissos contratuais. Por oportuno, transcreve-se o inteiro teor do seu enunciado: “Todos os valores, preços e custos utilizados nas licitações terão como expressão monetária a moeda corrente nacional, ressalvado o disposto no art. 42 desta Lei, devendo cada unidade da Administração, no pagamento das obrigações relativas ao fornecimento de bens, locações, realização de obras e prestação de serviços, obedecer, para cada fonte diferenciada de recursos, a estrita ordem cronológica das datas de suas exigibilidades, salvo quando presentes relevantes razões de interesse público e mediante prévia justificativa da autoridade competente, devidamente publicada.” (grifo acrescido) 4 8. O caput do artigo 5º é claríssimo ao proibir que a Administração realize pagamentos em dissonância à ordem cronológica de suas exigibilidades. Trata-se de medida fundamental, das inovações mais elogiadas da Lei nº 8.666/93, que, infelizmente, vem sendo abertamente desrespeitada por muitas entidades administrativas, que, com bastante freqüência, pagam seus fornecedores quando bem entendem, sem quaisquer escusas, em desalinho ao princípio da isonomia. 9. Nessa linha, se a Administração deve pagar os contratados de acordo com a ordem cronológica da exigibilidade dos créditos deles, por dedução lógica, noutro lado, os contratados dispõem do direito de que os pagamentos assim sejam feitos. Ora, reconhecer que os contratados dispõem do direito de que os pagamentos sejam feitos em observância à ordem cronológica de suas exigibilidades significa dizer que eles têm o poder de exigir que os pagamentos sejam realizados em tal ordem, que os seus créditos não sejam preteridos por outros cujas datas de exigibilidade sejam posteriores aos deles. Trocando-se em miúdos, os contratados têm direito subjetivo a que os pagamentos levados a cabo pela Administração respeitem a ordem cronológica de suas exigibilidades. Vale dizer que eles têm o poder de exigir que a ordem cronológica de exigibilidadedos créditos seja respeitada. 10. A propósito, o caput do artigo 4º da Lei nº 8.666/93 reconhece os direitos subjetivos dos terceiros em relação à Administração: “Todos quantos participem de licitação promovida pelos órgãos ou entidades a que se refere o art. 1º têm direito público subjetivo à fiel observância do pertinente procedimento estabelecido nesta lei, podendo qualquer cidadão acompanhar o seu desenvolvimento, desde que não interfira de modo a perturbar ou impedir a realização dos trabalhos.” (grifo acrescido) 5 11. Com efeito, os contratados gozam de direito público subjetivo à fiel observância dos procedimentos previstos na Lei nº 8.666/93, entre os quais o procedimento estampado no caput do artigo 5º, que prescreve à Administração o dever de realizar os pagamentos na ordem cronológica de suas exigibilidades. Não há dúvida, por expressa disposição legal, que aos contratados pela Administração assiste o direito de exigirem perante o Judiciário que os seus créditos não sejam preteridos. 12. Noutras palavras, em razão da dicção unívoca do caput do artigo 5º da Lei nº 8.666/93, ao contratado que cumpriu suas obrigações contratuais perante a Administração cabe direito subjetivo a que nenhum outro contratado, cujo crédito se tornou exigível depois do dele, receba o pagamento antes que o crédito dele tenha sido quitado. Pode-se falar que, nestes casos, o contratado goza de espécie de direito de preferência em relação aos contratados cujos créditos se tornaram exigíveis depois do dele. 13. Aliás, os contratados dispõem de várias medidas processuais para fazerem valer tal direito subjetivo de preferência. Entre elas, é viável impetrar mandado de segurança preventivo ou, mesmo, propor ação cominatória, com pedido de tutela antecipada, para o efeito de impedir que a Administração Pública realize pagamentos fora da ordem cronológica de suas exigibilidades. 14. Essa é a posição defendida pela mais abalizada doutrina nacional. Entre outros autores, CARLOS PINTO COELHO MOTTA observa o seguinte: “Concordo plenamente com o autor citado quando afirma que qualquer procedimento administrativo que objetive burlar, protelar, diferir ou escamotear a aplicação do art. 5º da Lei nº 8.666/93 constitui válido motivo para que o interessado recorra ao Judiciário, para fazer valer o seu direito à ordem cronológica de pagamentos, assegurada pelos princípios constitucionais da igualdade e da imparcialidade (arts. 5º, II, e 37 da Constituição Federal e Emenda Constitucional 30/00).” (grifo acrescido. MOTTA, Carlos Pinto Coelho. Eficácia nas Licitações e Contratos. 9. ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2002. p. 128) 6 Seguindo a mesma exegese, LAÍS DE ALMEIDA MOURÃO salienta: “Com efeito, a questão que se coloca – e que o art. 5º da Lei nº 8.666/93 visa assegurar – é a de ter o contratante um direito público subjetivo de não ser imotivadamente preterido pelo seu contratante, o Poder Público, no momento de receber aquilo a que faz jus em razão de um determinado contrato. Tal direito do contratante decorre, à evidência, dos princípios constitucionais insertos no caput do art. 37 da Constituição Federal, em especial o da impessoalidade e o da moralidade, que, precipuamente, respaldam o direito dos contratantes particulares, impondo ao agente público o dever de não favorecer quem quer que seja na efetivação dos pagamentos.” (grifo acrescido. Boletim de Licitações e Contratos. São Paulo: Editora Nova Dimensão Jurídica, Outubro de 2001, p. 614) 15. O Judiciário vem se manifestando timidamente sobre o assunto, mesmo porque não é usual que se lhe apresente demanda desse naipe. Conquanto não se afiram decisões de maneira copiosa, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE MINAS GERAIS já reconheceu o direito subjetivo público dos contratados a que os pagamentos sejam realizados na ordem cronológica das exigibilidades de seus créditos. Confira-se a ementa do acórdão: “Serviços prestados por firma particular a Município, sob contrato de empreitada. Nota de empenho de despesa extraída tendo em vista medição de serviços. Obrigação do pagamento: art. 58 da Lei nº 4.320/64. Transferência do crédito para a quitação no exercício fiscal seguinte, consignado em ‘restos a pagar’. Obediência à ordem cronológica de apresentação das datas de suas exigibilidades. Arts. 5º e 92 da Lei de Licitações nº 8.666/93. O não pagamento implica em lesão a direito líquido e certo do credor, garantido por mandado de segurança: art. 5º, inc. LXIX, da CF/88.” (grifo acrescido. Ap.Cv. nº 000.140.585-1/00, 1º CCv do TJ de MG, Rel. Des. Orlando de Carvalho. Julgamento em 10.08.99) Do voto do DESEMBARGADOR ORLANDO CARVALHO extrai-se passagem esclarecedora: 7 “Não paira, pois, dúvida de ser a nota de empenho questionada título de crédito líquido e certo e sobre ele é garantido o direito ao recebimento, observada, na execução do orçamento público, a ordem cronológica de exigibilidade no procedimento de quitação dos débitos, respeitada a preferência da impetrante, nas garantias dos arts. 5º, 92 e 121 da Lei nº 8.666/93, já mencionados. Desacatados tais direitos ao recebimento na ordem cronológica, ocorre a objetada lesão a direito líquido e certo a amparar a concessão do mandamus, nos termos do art. 5º, LXIX, da CF/88. Atente-se a que o direito reconhecido vige no exercício de 1999.” (grifo acrescido) 16. Perceba-se que o Judiciário, ao deferir medidas fundadas no caput do artigo 5º da Lei nº 8.666, está apenas condenando a Administração à obrigação de não fazer, a se abster de fazer pagamentos fora da ordem cronológica de suas exigibilidades. Tais decisões não obrigam ao pagamento e, por via de conseqüência, por meio delas não se frustra a peculiar sistemática de execução contra a Fazenda Pública, sustentada sob o regime dos precatórios, prescrito no artigo 100 da Constituição Federal. De todo modo, tais medidas judiciais acabam, de maneira indireta, ainda que não visem a cobrança ou execução, por inibir o inadimplemento da Administração. Ocorre que, se o crédito de certo contratado for o primeiro da fila e se ele obtiver decisão que impeça a Administração de quebrar a ordem cronológica, ela inevitavelmente, se não conseguir reverter a situação, acabará pagando o que lhe é devido. Isso porque, em caso contrário, ela não poderá pagar nenhum outro contratado, colocando, daí, deliberadamente, em perigo a continuidade de suas atividades e dos serviços públicos acaso prestados por ela. Portanto, sob esse enfoque, o reconhecimento de que os contratados têm direito subjetivo a que os pagamentos sejam realizados na ordem cronológica de suas exigibilidades revela-se como valioso instrumento para garantir o adimplemento da Administração, conferindo certa margem de segurança jurídica, benéfica a todas as partes envolvidas na relação contratual e, especialmente, ao interesse público. 17. Agregue-se que os pedidos formulados por contratados de que se proíba à Administração realizar pagamentos fora da ordem cronológica de exigibilidade de seus créditos não causam qualquer sorte de prejuízo ao interesse público. Se houver prejuízo, ele será causado pela inadimplência da Administração, não pelos direitos dos contratados. A desídia da 8 Administração, o pouco caso dela com o Estado de Direito e a arbitrariedade de muitos gestores públicos é que poderão causar prejuízo. 18. Cumpre ressalvar que, de conformidade com a parte final do caput do artigo 5º da Lei nº 8.666/93, somente seria permitido à Administração quebrar a ordem cronológica para os pagamentos sepresentes relevantes razões de interesse público, devidamente justificadas e publicadas. CARLOS ARI SUNDFELD, em comentários às situações que ensejam a possibilidade de quebra da ordem cronológica, adverte: “As situações são excepcionalíssimas e devem ser interpretadas restritivamente, podendo ser mencionadas: a necessidade de purgar a mora em ação de despejo por falta de pagamento, para evitar o despejo; ou de impedir paralisação da execução de contrato em conseqüência de atraso no pagamento (v. art. 78 – XV), quando ela possa causar prejuízos irreparáveis. Por razões lógicas, a publicação, que serve ao controle da legitimidade do ato, deve preceder o pagamento, pois, do contrário, será inócua, pela impossibilidade de fazer retornar aos cofres públicos a quantia paga sem que houvesse razão bastante para desobedecer à ordem cronológica.” (SUNDFELD, Carlos Ari. Licitação e Contrato Administrativo. 2. ed. São Paulo: Malheiros, 1995. p. 235) De nada serviria o comando estatuído no caput do artigo 5º da Lei nº 8.666/93 se a Administração pudesse subverter a ordem cronológica dos pagamentos sob quaisquer alegações, impertinentes ou irrelevantes. A quebra da ordem cronológica é medida extremamente excepcional, em razão do que deve ser fitada de modo restritivo, para albergar situações fáticas realmente anômalas, inevitáveis, alheias à vontade dos agentes administrativos, potencialmente causadoras de relevantes prejuízos ao interesse público. Seguindo essa exegese, a quebra da ordem cronológica deve ser a única medida capaz de evitar a lesão ao interesse público. Se outras medidas puderem ser adotadas para evitar tal lesão, a quebra da ordem cronológica já não se justificará. 19. Em vista disso, a defesa da Administração em ações que visem a obrigá-la a não fazer pagamentos fora da ordem cronológica de exigibilidade dos créditos é bastante limitada. Vislumbram-se somente duas linhas de defesa. Por ordem: 9 A primeira consiste em comprovar que os pagamentos não foram realizados na ordem cronológica de exigibilidade dos créditos em decorrência de razão de interesse público, devidamente justificado, tudo acompanhado da devida publicação, consoante prevê a parte final do caput do artigo 5º da Lei nº 8.666/93. Por óbvio, a publicação deve ser anterior à data do pagamento que quebrou ou quebra a ordem cronológica de exigibilidade dos créditos. A segunda linha de defesa consubstancia-se na alegação de que o crédito pleiteado pelo contratado-autor não é exigível. Ou seja, que ele não adimpliu a sua obrigação, em virtude do que não poderia exigir que a Administração tivesse adimplido a sua, com base na exceção do contrato não cumprido. No entanto, pondera-se que, se o objeto do contrato foi recebido pela Administração, então, nos termos dos incisos do artigo 73 da Lei nº 8.666/93, não cabe a ela apoiar-se em tal alegação, que, de pronto, se desenhará temerária. Ora, se a Administração recebeu os objetos contratados e não providenciou a devolução imediata deles ou a notificação dos contratados para retirarem suas mercadorias ou desfazerem os serviços por eles prestados, é porque os mesmos cumpriram com as suas obrigações e, por via de conseqüência, o crédito deles é, a rigor, exigível. 20. Acrescenta-se que o direito subjetivo dos contratados de que os pagamentos sejam feitos na ordem cronológica de suas exigibilidades perdura para além do exercício orçamentário. Isto é, o direito subjetivo perdura, ainda que eventualmente o crédito de dado contratado não tenha sido quitado até o final do exercício correspondente, tendo sido inscrito em restos a pagar. Essa é a ponderação de MARÇAL JUSTEN FILHO, expressa nos seguintes termos: “Pode afirmar-se que a ordem cronológica de preferências não é secionada pela superveniência do término do exercício orçamentário. Não se extingue o direito de preferência do particular apenas porque exaurido o exercício orçamentário. Os pagamentos devidos pela Administração terão de respeitar a ordem de preferências e somente se pode iniciar o pagamento de dívidas vinculadas ao novo orçamento após satisfeitas todas aquelas contraídas no orçamento anterior.” (JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 10. ed. São Paulo: Dialética, 2004. p. 94) 10 Dessa sorte, os contratados pela Administração que enfrentam há anos o inadimplemento dela podem se valer do direito subjetivo outorgado a eles através do caput do artigo 5º da Lei nº 8.666/93, para o efeito de exigir os seus direitos de preferência, a partir de então, mesmo que a ordem cronológica já tenha sido quebrada. O advento de novo exercício orçamentário não justifica, nem remotamente, a desobediência à ordem cronológica. 21. Ademais, mesmo que alguns pagamentos já tenham sido realizados fora da ordem cronológica de suas exigibilidades, os contratados cujos créditos foram preteridos podem ainda fazer valer os seus direitos de preferência. O fato de a Administração ter desrespeitado a ordem cronológica por uma, duas, três ou quantas vezes for, não a autoriza a desrespeitá-la sempre, não confere legitimidade ao abuso. 22. Por derradeiro, cabe registrar que o legislador, enfatizando a importância da norma enunciada no caput do artigo 5º da Lei nº 8.666/93, tipificou, no artigo 92 da mesma Lei, a conduta por ela proibida, imputando aos infratores penalidade gravíssima. Leia-se o dispositivo: “Admitir, possibilitar ou dar causa a qualquer modificação ou vantagem, inclusive prorrogação contratual, em favor do adjudicatário, durante a execução dos contratos celebrados com o Poder Público, sem autorização em lei, no ato convocatório da licitação ou nos respectivos instrumentos contratuais, ou, ainda, pagar fatura com preterição da ordem cronológica de sua exigibilidade, observado o disposto no art. 121 desta Lei: Pena - detenção, de dois a quatro anos, e multa.” (grifo acrescido) 23. O direito subjetivo dos contratados de que os pagamentos sejam realizados de acordo com a ordem cronológica de suas exigibilidades é um dos poucos instrumentos disponíveis para que eles possam se opor com eficácia à contumaz inadimplência da Administração Pública. Falta apenas aos contratados utilizarem tal direito, reclamando-o ao Poder Judiciário, até mesmo para que se crie jurisprudência sobre o assunto, o que o tornará ainda mais efetivo. O direito existe, falta usá-lo. Florianópolis, 20 de maio de 2004.
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