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Câncer e psicossomática

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MONOGRAFIA - PSICOSSOMÁTICA 
IBEHE – Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos 
FACIS – Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo 
Curso de Especialização em Psicossomática 
 
 
 
 
 
 
 
CÂNCER E 
PSICOSSOMÁTICA 
 
Seminário apresentado no 
Curso de Especialização em Psicossomática – Turma 182 
Orientado pelo Prof. Anderson Zenidarci 
 
 
Ângela Carero 
Margarete Rocha 
Maria de Lourdes Barbosa de Arruda 
Maria Emilia Cardoso Gadelha 
 
 
 
SÃO PAULO 
Dezembro 2001 
ÍNDICE 
 
1 Introdução 3 
2 Histórico 4 
3 Considerações básicas 6 
3.1 ANATOMOFISIOLOGIA 6 
3.2 PSICONEUROENDROCRINOIMUNOLOGIA 10 
3.3 ETIOLOGIA 19 
3.3.1 Herança genética 20 
3.3.2 Fatores ambientais 21 
3.3.3 Fatores psíquicos e sociais 22 
3.4 EPIDEMIOLOGIA 30 
4 Diagnóstico psicossomático 32 
4.1 BASES PSICOLÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CÂNCER 32 
4.2 TIPOS E CORRELAÇÕES SIMBÓLICAS 37 
4.2.1 Câncer em Geral (carcinoma) 37 
4.2.2 Câncer de Pele 39 
4.2.3 Câncer de Pulmão 41 
4.2.4 Câncer de Mama 43 
4.2.5 Câncer do Colo do Útero 45 
4.2.6 Câncer de Próstata 46 
4.2.7 Câncer do Estômago 48 
4.2.8 Câncer Coloretal 50 
4.2.9 Leucemia Aguda 52 
5 Aspectos psicossociais 55 
5.1 IMPACTO DO DIAGNÓSTICO 55 
5.2 REAÇÃO VIVENCIAL AO CÂNCER E FASES DE ADAPTAÇÃO 58 
5.3 FAMÍLIA 61 
5.4 SEXO 64 
5.5 ESPIRITUALIDADE 68 
6 Abordagens terapêuticas 70 
6.1 PARTICULARIDADES DO CÂNCER INFANTIL 72 
6.2 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA CIRURGIA 74 
6.3 PSICOTERAPIA 77 
6.4 PSICOSSOMÁTICA APLICADA AO CÂNCER 82 
6.5 ANSIEDADE 88 
6.6 DEPRESSÃO 94 
6.6.1 Depressão no adulto com câncer 94 
6.6.2 Depressão na criança com câncer 95 
6.7 DOR 100 
6.8 FASES FINAIS DE DOENÇAS GRAVES 101 
7 Cura 103 
8 Conclusão 104 
9 Bibliografia 105 
10 Anexo 108 
 
 
 
3
1 Introdução 
 
A cada dia tornam-se mais freqüentes os diagnósticos de câncer. Nos países 
desenvolvidos estas doenças, também chamadas de neoplasias malignas, já 
representam a segunda maior causa determinante dos óbitos, ficando atrás 
apenas das doenças cardiovasculares. Não se trata de uma epidemia. Ocorre 
que o melhor controle sobre as demais doenças vem permitindo uma vida mais 
longa, o que abre espaço para o desenvolvimento do câncer. Temos hoje mais 
de oitocentas doenças agrupadas sob o nome de câncer. Todas resultando do 
crescimento autônomo e desordenado de uma pequena parte do organismo. 
Entretanto, na prática médica, cada uma delas é abordada de forma 
diferenciada e tratada de acordo com seu órgão de origem e extensão no 
organismo. 
 
Por trás do diagnóstico “câncer” oculta-se um grande padrão que pode se 
expressar em uma grande variedade de sintomas. Cada um deles afeta toda a 
existência da pessoa, não importando em qual órgão tenha se originado. Neste 
ponto, o acontecimento do câncer é demasiado complexo para estar 
relacionado apenas com o órgão afetado. Sua tendência de propagar-se por 
todo o corpo mostra que se trata de toda a pessoa. O câncer, sob a forma de 
fantasma que assombra nossa época, toca não apenas aqueles que são 
diretamente afetados, mas toda a sociedade, que o transformou em tabu como 
nenhuma outra afecção. Mais da metade dos afetados pelo câncer morrem, e 
a taxa em números absolutos de mortes por câncer continua subindo, apesar 
dos avanços conseguidos pela Medicina. No entanto, graças ao 
aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico e tratamento, o câncer já não 
apresenta necessariamente uma sentença de morte. Flagrados em estágio 
inicial, sessenta por cento dos casos tem cura. 
 
A Medicina organicista ensina a “ler” a enfermidade, do ponto de vista do 
médico e do laboratório. A Medicina Psicossomática, no caso a Psiconcologia, 
pretende “ler”, escutar e compreender a enfermidade, o câncer, a partir do 
paciente. Um exame físico e centenas de determinações bioquímicas e 
radiológicas podem demonstrar que um homem está “normal”. Uma única 
entrevista psicossomática adequada pode nos mostrar que esse mesmo 
homem está gravemente enfermo, caminhando para desenvolver um câncer. 
Uma outra prova de quanto o câncer tomou-se uma destacada ameaça à 
saúde de nossa época é o fato de ser ele, dentre todas as doenças, a que nos 
infunde maior terror. A descrição da doença já traz o selo de nossa avaliação: 
maligno. 0 infarto do coração, que ceifa mais vidas e confronta as pessoas com 
a mais pavorosa dor que se conhece, não desperta semelhante horror. 0 
câncer necessariamente nos confronta com um tema que está mergulhado 
ainda mais profundamente na sombra que a dor e que a própria morte. Além 
disso, nenhum outra doença toma tão clara a relação entre corpo, alma, mente 
e sociedade como o câncer. Quer partamos do nível celular, da estrutura da 
personalidade ou da situação social, é possível encontramos padrões 
semelhantes que são os próprios padrões primordiais, sugestivos da 
possibilidade de ocorrência da doença. 
 
 
4
2 Histórico 
 
Não há certamente nenhum exagero em afirmar que há muito o homem tenta 
estabelecer as causas das doenças. A rigor, desde a antigüidade remota, 
oriental e ocidental, muitos escritos tentam estabelecer as causas do câncer e, 
nessa busca, muitos autores observaram que há uma relação entre estados 
emocionais e predisposição para doenças orgânicas. 
 
Assim, encontramos nos escritos de Hipócrates a afirmação de que o estado 
de saúde era evidência de que o indivíduo tinha atingido um estado de 
harmonia entre suas instâncias internas, bem como destas com o meio 
ambiente. Desse ponto de vista, manter-se saudável é uma questão de 
reconhecer esse equilíbrio e respeitá-lo através de viver segundo as leis da 
natureza. Hipócrates afirmava também que o que quer que aconteça na mente 
afeta o corpo e foi o primeiro a empregar o termo “câncer” na Grécia Antiga, no 
século V a.C. Observando-se que algumas feridas pareciam penetrar 
profundamente na pele, comparou-se este comportamento ao de um 
caranguejo (karkinos em grego, câncer em latim) agarrado à superfície. No 
entanto, não se pode explicar a origem do nome "câncer" de maneira 
inequívoca. Mas até mesmo a derivação apresentada pela Medicina, a de uma 
forma de câncer da mama cujas células devoram o tecido compondo a forma 
de uma pinça, mesmo isso aponta para uma direção semelhante. Quem quer 
que tenha cunhado esse nome, encontrou a essência da imagem da doença. 
 
Galeno, no segundo século da era cristã, observava que mulheres deprimidas 
tinham mais tendência ao câncer do que aquelas de natureza mais animada e 
bem dispostas. No entanto, essas observações da Medicina seriam eclipsadas 
pelo grande desenvolvimento tecnológico surgido a partir do modelo cartesiano 
de pensamento. 
 
Nessa busca tecnicista do diagnóstico, passou-se a perscrutar mais os órgãos 
e a se dar menos atenção ao paciente e à sua história. Aqui, história entendida 
não aquela do ponto de vista médico clássico, ou seja, do ponto de vista de 
coleta de dados anamnésicos ligados à queixa clínica e à evolução da doença, 
mas à história de vida do paciente, com todos os eventos importantes que 
possam caracterizar episódios traumáticos, além de sua maneira peculiar de 
lidar com os eventos de sua existência. Os doentes, antes dos progressos do 
século XX, eram provavelmente mais ouvidos por seus médicos e, talvez, com 
mais atenção e cuidado. Esses médicos assinalavam freqüentemente fatores 
emocionais ligados a perdas importantes ou estados de desesperança que 
ocorriam antes do aparecimento do câncer. 
 
Já no fim do século XIX, em que era clara a influência cartesiana na Medicina, 
Freud, em seus Estudos sobre a Histeria, propôs um retorno a uma visão mais 
integrada do ser. Freud demonstrou que as paralisias histéricas eram 
destituídas de um substrato neurológico, não restando dúvidas de que seus 
trabalhos apontavam na direção de uma visão mais integrada dohomem, 
 
 
5
mostrando que acontecimentos da esfera psíquica causavam conseqüências 
orgânicas. 
 
Ao longo do século XX, a Medicina foi convergindo seu foco para a doença e 
para o órgão doente em sua profunda intimidade, mas isso levou a descobertas 
que obrigaram a uma revisão conceitual no que diz respeito a admitir a 
influência de aspectos emocionais na manutenção do binômio saúde/doença. 
 
Até a descoberta dos hunza, não se conhecia nenhuma cultura que tivesse 
sido inteiramente poupada do câncer. Admite-se que somente este pequeno 
povo montanhês do Himalaia, até o contato com a civilização moderna, em 
meados deste século, jamais soube o que era o câncer. Os traços desse 
sintoma encontram-se hoje por toda parte, podendo ser detectados até no 
passado graças aos modernos procedimentos de pesquisa. A presença de 
tumores foi comprovada até mesmo em múmias incas com 500 anos de idade. 
Apesar dessa disseminação universal, o câncer tornou-se uma marca distintiva 
das nações industrializadas modernas. Ele não ganhou terreno de maneira tão 
fulminante em nenhum outro lugar. 0 argumento de que ele somente é mais 
freqüente nas nações industrializadas devido ao fato de que as pessoas que 
nelas vivem atingem uma idade mais avançada é correto no que se refere a 
algumas culturas, mas não se sustenta por princípio, podendo ser rebatido em 
vários pontos. Por um lado, há tipos de câncer que atingem o ápice nos anos 
de juventude, por outro, a própria Medicina tradicional demonstra que 
determinados tipos de câncer, como o câncer dos pulmões, estão relacionados 
de maneira inequívoca com hábitos e venenos de nossa civilização. Mas, 
sobretudo, havia culturas antigas que possibilitavam uma longa expectativa de 
vida com um baixo risco de câncer. Na cultura chinesa de orientação taoísta, o 
câncer era extremamente raro, embora a expectativa média de vida das 
pessoas fosse a mesma da China atual. Viver cem anos era considerado 
normal. 
 
Sabe-se que antes de serem colonizados, os indígenas que habitavam 
originalmente a América viviam mais que nas épocas “civilizadas” posteriores. 
Eles praticamente não conheciam o câncer antes, mas a partir de então, 
passaram a pagar também esse tributo. 
 
Não bastasse haver mais de oitocentos tipos de neoplasias, tumores idênticos 
podem responder de formas diferentes ao mesmo procedimento. Apesar de 
reconhecidas há tanto tempo, foi somente com a descoberta do microscópio 
que o estudo das doenças malignas pôde evoluir. A partir da identificação da 
célula como a unidade funcional dos organismos evoluídos, foi possível 
compreender um pouco melhor o desenvolvimento das doenças malignas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
6
3 Considerações básicas 
 
3.1 Anatomofisiologia 
 
A célula é a menor porção do nosso organismo capaz de criar sua própria 
energia, crescer e se multiplicar. São estruturas que medem milésimos de 
milímetros. Todos os órgãos do corpo são formados por células e cada uma 
delas apresenta características adequadas à função que desempenha. Por 
exemplo, as células musculares são alongadas, agrupam-se em feixes e têm a 
capacidade de se encurtar. Estas particularidades permitem que o músculo se 
contraia quando estimulado, criando movimento. Já as células da pele são 
achatadas e dispostas em diversas camadas. Produzem grande quantidade de 
proteínas que formam um revestimento impermeável, constituindo-se numa 
importante barreira à entrada de substâncias químicas ou invasão por agentes 
infecciosos. 
 
De fato, em cada órgão do corpo, vamos encontrar células que se 
diferenciaram para o melhor desempenho de suas tarefas. É somente através 
da multiplicação celular que o organismo pode crescer e reparar-se. Neste 
processo uma célula origina duas outras exatamente iguais, que passam a 
ocupar o seu lugar. Orientadas pelas necessidades do organismo, células 
jovens estão constantemente se dividindo para substituir suas estruturas 
obsoletas e permitir seu crescimento. No indivíduo adulto, esta multiplicação 
ocorre, exclusivamente, para substituição de células mortas e reparação de 
estruturas, sendo todo o processo rigorosamente controlado. 
 
As células que constituem os animais são formadas por três partes: a 
membrana celular, que é a parte mais externa da célula; o citoplasma, que 
constitui o corpo da célula; e o núcleo, que contem os cromossomas, que por 
sua vez são compostos de genes. Os genes são arquivos que guardam e 
fornecem instruções para a organização das estruturas, formas e atividades 
das células no organismo. Toda a informação genética encontra-se inscrita nos 
genes, numa "memória química" - o ácido desoxirribonucleico (DNA). Cada 
pedaço de DNA com uma informação completa é chamado de gene, enquanto 
o conjunto de todo este material recebe o nome de genoma. O crescimento, a 
multiplicação e a diferenciação de todas as células são determinados por estes 
comandos genéticos. No interior de cada célula encontram-se dados 
suficientes para reproduzir toda a estrutura do organismo. As moléculas do 
ácido desoxirribonucleico (DNA), que formam os cromossomos, arquivam estas 
informações, estabelecendo a forma e a função de cada elemento do nosso 
corpo. É através do DNA que os cromossomas passam as informações para o 
funcionamento das células. Apesar da multiplicidade de formas e localização 
dentro do corpo, todas as células de um organismo apresentam o mesmo 
material genético. 
 
Podendo ser definido como uma verdadeira planta do organismo, que 
estabelece cada detalhe de sua arquitetura, o genoma é uma "herança eterna", 
recebida dos pais e transmitida aos filhos. No momento da concepção, 
 
 
7
espermatozóide e óvulo fundem-se, cada um deles contribuindo com a metade 
do material genético do futuro embrião. Durante o crescimento do organismo, a 
cada divisão celular, o genoma é integralmente transmitido para todas as 
células-filhas. 
 
As moléculas de DNA dos genes, responsáveis pelo plano de formação e 
funcionamento de todas as células do nosso organismo, estão sujeitas a 
modificações. É o que chamamos mutação genética. No que se refere à 
gênese do câncer no nível celular, atualmente os pesquisadores são 
praticamente unânimes em reconhecer que as mutações ocupam o primeiro 
plano. A palavra vem do latim e significa modificação. Caso uma célula seja 
estimulada durante tempo suficiente, pode sofrer modificações drásticas que 
têm origem no nível do material genético. Os estímulos que preparam esse 
caminho podem ser os mais variados - mecânicos, químicos, físicos ou 
biológicos-, interferindo em sua estrutura, alterando a informação básica da 
célula. As mutações, na maioria das vezes não trazem repercussões à forma 
ou função das células. Entretanto, quando ocorrem em "genes chaves", 
responsáveis pelo controle do crescimento, multiplicação ou diferenciação das 
células, mesmo pequenas modificações podem determinar profundas 
transformações no seu comportamento. 
 
As células cujo material genético foi alterado passam a receber instruções 
erradas para as suas atividades. As alterações podem ocorrer em genes 
especiais, denominados protoncogenes, que a princípio são inativos em células 
normais. Quando ativados, os protoncogenes transformam-se em oncogenes, 
responsáveis pela malignização (cancerização) das células normais. Essas 
células diferentes são denominadas cancerosas ou neoplásicas. 
 
Os incríveis avanços da Biologia Molecular permitiram compreender o câncer a 
partir das alterações no material genético de suas células. Os efeitos 
cumulativos de diferentes agentes são os responsáveis pelo início, promoção, 
progressão e inibição do tumor. A carcinogênese é determinada pela exposição 
a esses agentes, em uma dada freqüência e período de tempo, e pela 
interação entre eles. Devem ser consideradas, também, as características 
individuais, que facilitam oudificultam a instalação do dano celular. O período 
de latência varia com a intensidade do estímulo carcinogênico, com a presença 
ou ausência dos agentes oncoiniciadores, oncopromotores e 
oncoaceleradores, e com o tipo e localização primária do câncer. Portanto, a 
presença dos agentes cancerígenos, por si só, não pode ser responsabilizada 
pelo desenvolvimento dos tumores. Há, porém, casos em que isto acontece. O 
carcinoma de bexiga, por exemplo, se desenvolve em 100% dos destiladores 
de benzidina que se expõem a esta substância de forma intensa e contínua, e 
o câncer de pulmão, que é conseqüência do tabagismo crônico, ocorre entre 
fumantes em mais de 90% dos casos. 
 
O agente oncoiniciador é o capaz de provocar diretamente o dano genético das 
células, iniciando o processo de carcinogênese, também chamado agente 
iniciador. Como exemplo de agente oncoiniciador temos o benzopireno, um dos 
componentes da fumaça do cigarro e alguns vírus oncogênicos, dentre outros. 
 
 
8
 
O agente oncopromotor é o que atua sobre as células iniciadas (danificadas 
geneticamente), transformando-as em malignas. 
 
O agente oncoacelerador desencadeia multiplicação descontrolada e 
irreversível das células alteradas, que passam a se comportar de forma 
anormal. Atua no estágio final do processo. 
 
Diante desta perda de controle intrínseco da multiplicação celular, só resta ao 
organismo tentar identificar e destruir estas células anormais através do seu 
sistema imunológico. Se este sistema mostrar-se ineficaz, a doença passa a ter 
condições de evoluir. 
 
As mutações vão se acumulando no genoma da célula, determinando novas 
alterações no seu comportamento. Em um organismo sadio as células 
mutantes são eliminadas pelo sistema imunológico. Mutações em 
determinados genes alteram os comandos de divisão, diferenciação e morte 
celular, permitindo sua multiplicação desenfreada. Com seus mecanismos de 
controle da divisão inoperantes, a célula conquista plena autonomia, podendo 
crescer e se multiplicar independentemente das necessidades do organismo. 
Através de sucessivas divisões, a célula, agora chamada de maligna, acaba 
formando um agrupamento de células praticamente idênticas, que se tornam 
invulneráveis às defesas orgânicas, reproduzindo-se de forma descontrolada. 
Isto é o câncer: um grupo de células que, ao sofrerem modificações 
caprichosas no seu material genético, passam a apresentar crescimento e 
multiplicação desordenados. Estas células deixam de responder aos 
mecanismos de controle do organismo, duplicando-se continuamente para criar 
os tumores malignos. As células malignas multiplicam-se de maneira 
descontrolada, mais rapidamente do que as células normais do tecido à sua 
volta, invadindo-o. Geralmente têm capacidade para formar novos vasos 
sangüíneos, que as nutrirão e manterão as atividades de crescimento 
descontrolado. 
 
Geralmente um longo tempo transcorre desde a formação do da primeira célula 
maligna até o diagnóstico do câncer. Na maioria das vezes, este tempo é 
medido em anos ou mesmo décadas, mas ele pode variar de acordo com 
velocidade em que a célula tumoral se multiplica. Desta forma, enquanto um 
câncer de pulmão tem origem no crescimento de células malignas formadas 
em décadas anteriores ao seu diagnóstico, uma leucemia desenvolve-se em 
meses. A rapidez do desenvolvimento depende do tipo de tumor, mas por outro 
lado flutua também em tumores do mesmo tipo, dependendo da situação geral. 
Muitas vezes, um tumor já existe há anos no momento em que é descoberto, 
tendo um peso de cerca de um grama e consistindo de milhões de células. 
Deste ponto de vista, ninguém pode saber com certeza se tem câncer ou não. 
Nós provavelmente estamos sempre tendo câncer, só que o sistema 
imunológico continua competente e elimina as células cancerosas. Isto também 
pode ser uma razão para o terror inaudito que o tema câncer infunde. 
 
 
 
 
9
Este longo período geralmente necessário para o desenvolvimento do câncer 
cria dificuldades para a determinação de suas causas. Os elementos 
responsáveis pela formação de uma doença maligna precisam ser pesquisados 
no passado do paciente. Eventos recentes, como acidentes e infecções, 
costumam apenas chamar a atenção do paciente e de seu médico para a 
doença já instalada, não interferindo de forma significativa com o seu curso. O 
fator tempo é também importante no desfecho do tratamento. Os melhores 
resultados costumam ser obtidos nos casos diagnosticados precocemente, o 
que justifica os esforços empreendidos para surpreender o câncer nos seus 
estágios iniciais. Esta também é uma boa razão para não se retardar o início do 
tratamento, quando já se tem o diagnóstico nas mãos. 
 
O câncer estabelecido cresce em progressão geométrica, alimentado por 
nutrientes e oxigênio transportados pelos vasos sangüíneos vizinhos. Um 
tumor sólido só pode ser detectado depois de trinta duplicações, quando já 
conta com bilhões de células e apresenta um diâmetro de seis a doze 
milímetros. As células cancerosas avançam em direção a outros tecidos do 
organismo. Distante das fontes originais de nutrição, elas obrigam o corpo a 
criar vasos sangüíneos para alimentá-las. Algumas células malignas adquirem 
a capacidade de se desprender do tumor e de migrar. Invadem inicialmente os 
tecidos vizinhos, podendo chegar ao interior de um vaso sangüíneo ou linfático 
e, através desses, disseminar-se, chegando a órgãos distantes do local onde o 
tumor se iniciou. Com grande quantidade de vasos, fígado, pulmões, ossos e 
cérebro são as partes do corpo mais atingidas pela disseminação cancerosa. 
Formam-se, então, novos tumores. São as metástases, um importante 
obstáculo ao controle do câncer. Dependendo do tipo da célula do tumor, 
alguns dão metástases mais rápido e mais precocemente, outros o fazem bem 
lentamente ou até não o fazem. Não há, entretanto, possibilidade de 
transmissão entre pessoas, mesmo nos contatos mais íntimos. Qualquer célula 
maligna que penetrasse em outro corpo seria rapidamente destruída pelo 
sistema imunológico deste organismo. 
 
O “Tempo de Duplicação” de cada célula (TD) deve ser considerado mais 
importante do que o “Tempo Tumoral” (TT), porque é o que possibilita a maior 
incidência de metastatização quando essas células passam a ser circulantes e 
também porque é nesta fase que os quimioterápicos atuam prevalentemente. 
 
O ciclo proliferativo (CP) de uma população celular é representado por quatro 
fases: 
Fase G1: pós-mitótica ou de pré-síntese de DNA 
Fase S: na qual ocorre a síntese de DNA com duração variável de seis a 
oito horas 
Fase G2: pré-mitótica, com duração aproximada de uma hora e ocorrendo 
uma nova síntese de proteínas, as de função específica, e para o “fuso” 
da mitose, preparando, dessa forma, a célula para a fase seguinte (M). 
Fase M: fase da mitose, com suas subfases: prófase, metáfase, anáfase e 
telófase, que também apresentam a duração aproximada de uma hora. 
 
 
 
10
É muito importante a noção bem demonstrada de que a duração do ciclo 
celular, ou mais propriamente o ciclo proliferativo, está na dependência da fase 
G1: quando as células se acham em rápida proliferação, a fase G1 é curta e, ao 
contrário, quando a atividade proliferativa é baixa, a fase G1 é longa. 
 
A população celular neoplásica, diferente da normal em suas atividades 
funcionais antibiológicas, apresenta as fases do ciclo celular consideradas em 
tempo bastante variado. Entretanto, de maneira geral, já se conhece o Tempo 
de Duplicação (TD) ou Tempo Celular (TC) de algumas neoplasias malignas. 
Considerada a população celular neoplásica e o Tempo de Duplicação (TD) 
próprio de cada tipo celular, compreende-se o grande valor do Potencial 
Evolutivo Tumoral (PET) na agressividade cancerosa e, principalmente, na 
responsividade à quimioterapia antineoplásica e à radioterapia.Outro aspecto que merece ser lembrado é que as células cancerosas são, 
geralmente, menos especializadas nas suas funções do que as suas 
correspondentes normais. Conforme as células cancerosas vão substituindo as 
normais, os tecidos invadidos vão perdendo suas funções. Por exemplo, a 
invasão dos pulmões gera alterações respiratórias, a invasão do cérebro pode 
gerar dores de cabeça, convulsões, alterações da consciência, etc. 
 
3.2 Psiconeuroendrocrinoimunologia 
 
Seguindo a tendência cartesiana, o desenvolvimento das pesquisas levou ao 
delineamento de uma nova especialidade: a imunologia. Foram observados 
novos fenômenos, e os pesquisadores perceberam que havia uma interação 
entre o sistema nervoso e o sistema imunológico. A imunologia passou a ser a 
neuroimunologia. O aprofundamento dos estudos indicou urna participação de 
fenômenos psíquicos na função imunológica. Estabeleceu-se, então, nova 
ampliação, e a neuroimunologia passou a ser a psiconeuroimunologia. Dessa 
forma, através do notável avanço tecnológico e embasado pelo conhecimento 
científico atual, houve um reencontro com o pensamento médico que, desde a 
antigüidade, foi defendido por inúmeros autores e que propunha uma visão 
abrangente do homem; que este fosse visto não sob a dicotomia mente e 
corpo, mas corno um todo mente-corpo (Carvalho, 1994). A inclusão do 
sistema endócrino fez surgir a psiconeuroendocrinoimunologia. 
 
Psiconeuroendocrinoimunologia é uma nova abordagem clínica e global do ser 
humano que relaciona as alterações físicas e imunológicas vinculadas às 
emoções. Se entendemos bem a questão da influência das emoções sobre a 
imunidade, o entendimento das correlações fica mais fácil. Principalmente 
tendo-se em mente que a imunidade é a pedra angular no desenvolvimento de 
qualquer tipo de câncer. 
 
A questão do adoecer físico entendido como uma quebra da harmonia entre as 
múltiplas instâncias do ser continuava a preocupar muitos pesquisadores. 
Walter Cannon, trabalhando nas décadas de 1930 e 1940, tentou descobrir que 
elementos mantinham a harmonia do organismo. Ao sistema de equilíbrio do 
corpo, Cannon chamou de homeostase. Cannon,afirmava que homeostase era 
 
 
11
algo mais do que o sistema nervoso e que as reações bioquímicas 
funcionavam em harmonia. Esse autor afirmava que experiências normais da 
vida, como a puberdade, a adolescência, trabalhos árduos, fadiga, a monotonia 
do cotidiano podem causar impressões físicas no corpo. Ele afirmava que na 
realidade, toda gama de doenças humanas pode ser estudada deste ponto de 
vista. 
 
O conceito original de estresse foi apresentado em 1936 pelo pesquisador 
Hans Selye, a partir de experimentos em que animais de laboratório eram 
submetidos a situações agressivas e hostis diversas (estímulos estressores), 
das quais não podiam se defender. Nessas situações, seus organismos 
respondiam sempre de forma regular e específica, apresentando diversas 
alterações orgânicas, como o esgotamento de algumas glândulas e 
importantes alterações da homeostase. Eram alterações severas quando 
analisadas em profundidade, embora nem sempre a aparência dos animais 
denunciasse os graves danos havidos. Esse importante achado de Selye abriu 
caminho para muitos estudos que permitiram um conhecimento mais 
aprofundado dos mecanismos de adoecimento orgânico a partir de situações 
psíquicas. 
 
Um dos elementos que participam de forma importante da homeostase é o 
sistema imunológico. Cabem aqui algumas considerações a respeito do 
funcionamento desse sistema pela importância que hoje se sabe que ele tem 
na manutenção da saúde ou no surgimento de muitas doenças, dentre elas o 
câncer. 
 
Uma das características do sistema imunológico é o de poder identificar que 
proteínas pertencem ao organismo e quais as que são elementos estranhos a 
ele e que precisam, portanto, serem eliminadas. O sistema imunológico é 
dotado de uma memória bioquímica que o habilita a distinguir algo em torno de 
10 milhões de microorganismos estranhos ao corpo. Embora experiências in 
vitro demonstrem que elementos do sistema imunológico funcionam 
autonomamente, uma vez no organismo, mantém uma estreita relação com 
outros sistemas, podendo ter seu funcionamento influenciado por alterações 
emocionais. Os estudos a respeito do sistema imunológico avançaram de 
forma significativa. Em meados de nosso século, por exemplo, Eldman e Portes 
descobriram a estrutura molecular de um anticorpo e por isso receberam o 
Prêmio Nobel. O conhecimento do sistema imunológico tem sido um importante 
elemento na compreensão da homeostase. 
 
Imunologicamente, no sangue, as células (linfócitos T) chamadas de "natural 
killers", têm a função de vigiar a existência de qualquer célula anômala e 
proporcionar sua pronta destruição. Essa tarefa que os linfócitos executam do 
nascimento até a morte é chamada de vigilância imunológica. Se, em qualquer 
momento de nossa existência, essas células procederem alguma falsa leitura, 
podem ocorrer diversas doenças. Quando reconhecem como anômalas células 
normais do organismo e, devido a esse falso reconhecimento, procederem sua 
destruição, estaremos diante das doenças chamadas auto-imunes. Se, pelo 
contrário, elas não "perceberem" a existência de células realmente anômalas, 
 
 
12
poderão negligenciar sua tarefa de vigilância imunológica. Nesse caso quem 
aparece é o câncer. Assim sendo, muito embora os cânceres sejam vários, 
alguns bem localizados em determinados órgãos ou regiões, a doença em si é 
global e corporal. Sendo então o câncer uma doença integral da pessoa, ele 
deve ser o reflexo de suas relações, sejam relações com o mundo objectual 
(ambiente), sejam suas relações consigo própria. Muitos autores concordam 
em afirmar que os pacientes de câncer costumam ter em comum o fato de 
terem perdido alguma parte de suas relações antes de apresentarem a 
neoplasia. Desemprego prolongado, depressão e luto são os estressores 
críticos mais estudados. Todos parecem produzir um rebaixamento da resposta 
linfocitária, com casos de imunossupressão prolongada (O’Leary, 1990). 
 
No final dos anos 30, Franz Alexander, em Chicago, Estados Unidos, afirmava 
que muitos distúrbios crônicos não são causados por fatores externos, 
químicos, mecânicos ou microbiológicos, mas por estresse funcional que atua 
durante a vida cotidiana do organismo em sua luta pela existência. Alexander 
criou uma nova disciplina, a Medicina Psicossomática, que assumia a antiga 
crença de que a mente tem um importante papel na manutenção da saúde 
física. Segundo Alexander, a Medicina Psicossomática partiu de algumas 
descobertas como as de Cannon: muitas das funções orgânicas eram 
controladas pelo sistema nervoso central (SNC) e que este recebe a influência 
de uma instância central reguladora que, conforme Locke (1986) é chamada de 
personalidade. 
 
Pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, sobretudo a partir da última década, 
têm sugerido uma inter-relação entre o SNC e o sistema imunológico, havendo 
uma intercomunicação entre estes dois sistemas em ambos os sentidos, ou 
seja, do SNC para o sistema imunológico e do sistema imunológico para o 
SNC, participando desse processo também aspectos psicológicos. Vários 
trabalhos apontam em direção à possibilidade de que interações 
psiconeuroimunológicas podem ser um dos mecanismos biológicos que 
sustentam as correlações entre aspectos psicológicos e o câncer. 
 
Segundo Bovbjerg (1991), o SNC pode usar como caminhos para regular a 
atividade do sistema imunológico, dentre outros, a inervação autonômica do 
órgãos linfóides, além das clássicas respostas neuroendócrinas. Tem sido 
demonstrado que os linfócitos contêm receptores para uma grande variedade 
de neurotransmissores, neuropeptídeos e hormônios. Foram descobertas 
também funções imunomoduladoras de muitos hormônios e neuropeptídeos, 
como é ocaso dos opiáceos endógenos. 
 
Há evidências de que há vias aferentes entre o sistema imunológico e o SNC. 
Em animais, o estímulo do sistema imunológico por injeções de antígenos 
causa alterações em níveis de neurotransmissores em regiões localizadas do 
cérebro. Postula-se que isso ocorre porque os leucócitos produzem vários 
hormônios peptídicos, dentre eles o ACTH e encefalinas, que antes se 
acreditava ser incumbência exclusiva do sistema neuroendócrino. Especula-se 
que urna das funções do sistema imunológico seria, então, a de um órgão 
sensorial que informaria o SNC da presença de elementos estranhos ao 
 
 
13
organismo, como vírus e bactérias. Pensa-se que a regulação dos sistemas 
fisiológicos é feita através de três estratégias de controle automático: feedback, 
feedforward e controle adaptativo. 
 
Um exemplo de feedback nos é fornecido por Basedovsky (1991) e 
colaboradores, que mostraram que a estimulação de monócitos induz a 
secreção de interleucina 1, o que resulta no aumento dos níveis de ACTH, que, 
por sua vez, aumenta o nível de corticosteróides e que, agora faz com que se 
reduzam os níveis de interleucina 1. 
 
Exemplos de feedforward têm sido obtidos através de estudos clássicos de 
condicionamento em animais. Obtiveram-se aumentos condicionados ou 
diminuição condicionada de uma grande variedade de respostas imunológicas 
através de estímulos ambientais. 
 
As evidências trazidas pelos sistemas de feedback e feedforward nos levam a 
pensar que o SNC regula a atividade do sistema imunológico. Se assim é, não 
há como não pensar na possibilidade de que fatores psicológicos podem 
exercer efeitos sobre os processos de controle e, então, alterar o sistema 
imunológico. De fato, pesquisadores que têm se debruçado sobre esse assunto 
mostram claras evidências de que estados psicológicos como depressão e 
ansiedade podem alterar o funcionamento do sistema imunológico. 
 
De um modo geral, há muito tempo os clínicos estão cientes sobre a influência 
do trajeto neuro-endócrino e da ação do hipotálamo na resposta imunológica 
do organismo, bem como, e por causa disso, na origem e no curso do câncer. 
É no denominado Sistema Límbico que tem início nossa função avaliadora da 
situação, dos fatos e eventos de vida. Esse modo de avaliação sempre leva em 
consideração vários elementos, tais como, a personalidade prévia, a 
experiência vivida, as circunstâncias atuais e as normas culturais. Acontecem 
também a partir do Sistema Límbico as diversas interações entre os sistemas 
nervoso, endócrino e imunológico, fazendo interagir as percepções 
córticocerebrais com o hipotálamo. 
 
O estresse, seja ele de natureza física, psicológica ou social, é um termo que 
compreende um conjunto de reações fisiológicas, as quais, sendo exageradas 
em intensidade e duração, acabam por causar desequilíbrio no organismo, 
freqüentemente com efeitos danosos. As primeiras constatações laboratoriais 
do estresse emocional foram relatadas em 1943, quando então se comprovou 
um aumento da excreção urinária dos hormônios da glândula supra-renal em 
pilotos e instrutores aeronáuticos em vôos simulados e, alguns anos antes 
essas alterações já haviam sido suspeitadas em competidores de natação 
momentos antes das provas. 
 
Como mencionado anteriormente, o conceito original de estresse foi 
apresentado por Hans Selye, que descreveu toda ocorrência do estresse sob o 
nome de Síndrome Geral de Adaptação, com três fases sucessivas: alarme, 
resistência e esgotamento. Após a fase de esgotamento, observava o 
surgimento de algumas doenças, tais como a úlcera péptica, a hipertensão 
 
 
14
arterial, artrites e lesões miocárdicas. Como dissemos inúmeras vezes, mais 
importantes que os estímulos objetivamente tidos como estressores, são os 
estímulos estressores avaliados e julgados como tais pelas diferentes pessoas. 
Existe uma sensibilidade (afetiva) pessoal e particular em cada um de nós, 
constituindo um conjunto de mecanismos dos quais o organismo lança mão em 
reação aos agentes particularmente tidos como estressores, caracterizando a 
forma como cada pessoa avalia e lida com estas situações. Essa sensibilidade 
pessoal à realidade explica por que avaliamos desta ou daquela forma as 
situações tidas como desafiadoras, enfrentando-as ou não, e reagindo a elas 
de maneiras particulares e muito pessoais, "permitindo" assim que elas 
exerçam maior ou menor repercussão sobre o organismo. Parece que o 
sistema imunológico reage diferentemente que do exposto a um estressor 
agudo ou crônico.Enquanto frente a uma situação de estresse agudo o 
organismo reage ativando o funcionamento do sistema imunológico, visam 
proteger-se contra uma invasão, durante o estresse crônico a reação parece 
ser diferente. Vernon Riley mostrou que o estresse ambiental pode diminuir o 
período necessário para o desenvolvimento de tumores mamários em ratos. 
John Mason demonstrou que o estresse produz uma ampla variedade de 
mudanças hormonais em macacos, e que determinados tipos de estresse 
produzem mudanças hormonais específicas. 
 
Relativos a estresse agudo (aquele associado a um único evento), estudos 
muito interessantes têm sido feitos com estudantes universitários em época de 
exames. Kiecolt-Glaser et al. (1984, 1986) realizaram uma série de 
experimentos para investigar uma variedade de mudanças imunológicas 
resultantes do estresse de exames escolares. Os resultados revelam 
significativas alterações no sistema imunológico dos estudantes. Entretanto, as 
mudanças não foram necessariamente seguidas de doenças. O que mostra 
que é possível haver grandes alterações dos parâmetros imunológicos sem o 
surgimento de uma doença. 
 
A resposta imune ao estresse se dá através de uma ação conjunta entre o 
sistema nervoso, sistema endócrino e sistema imunológico. Por excesso de 
intensidade ou duração do estresse pode surgir alguma doença atrelada a 
qualquer desses sistemas. 
 
Entre 1970 e 1990 foram muito expressivos os experimentos de laboratório que 
tentavam comprovar a relação entre Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema 
Imunológico. Nessas duas décadas chegou-se a constatar o despovoamento 
celular do timo em ratos, através da indução de lesões no hipotálamo. Também 
se demonstrou que lesões destrutivas no hipotálamo dorsal levavam à 
supressão da resposta de anticorpos. Isso tudo sugeria que o hipotálamo seria 
uma espécie de base de integração entre os sistemas nervoso e imunológico 
na resposta ao estresse. 
 
A partir de 1990 constata-se também que alterações ocorridas na hipófise 
também poderiam determinar modificações imunológicas, visto que a 
extirpação dessa glândula ou mesmo seu bloqueio farmacológico impedia a 
resposta imunológico no animal de laboratório. 
 
 
15
 
O hipotálamo, contíguo com a hipófise, secreta substâncias conhecidas por 
neuro-hormônios, como é o caso, entre outros, da dopamina, da norepinefrina 
e do Fator Liberador da Corticotrofina (CRF), e é o sítio cerebral responsável 
pela constelação de respostas orgânicas aos agentes estressores. Uma das 
principais ações da hipófise durante o estresse se faz sentir nas glândulas 
supra-renais. O hipotálamo, produzindo o Fator Liberador da Corticotrofina, 
estimula a hipófise para aumentar a produção do ACTH, o qual, por sua vez, 
promove o aumento na liberação dos hormônios da glândula supra-renal, que 
são os corticosteróides e as catecolaminas. Esses últimos são de fundamental 
importância na resposta fisiológica ao estresse. O aumento na produção destes 
hormônios pelas glândulas supra-renais é o principal indicador biológico da 
resposta ao estresse. A fisiopatologia sabe que os níveis aumentados de 
corticosteróides influenciam o sistema imunológico inibindo a resposta 
inflamatória, afetando essencialmente a função dos linfócitos T. 
Temporariamente esta inibição da resposta imunológicaparece ser benéfica, 
tendo em vista diminuir a intensidade das reações inflamatórias aos agentes de 
estresse. 
 
Uma alteração precoce que se observa durante o estresse é o aumento nos 
níveis dos hormônios corticoesteróides (cortisona) secretados pelas glândulas 
supra-renais. Parece que estes níveis acham-se em proporção inversa à 
eficácia dos mecanismos de adaptação, ou seja, nos casos com mecanismos 
adaptativos adequados os níveis não são muito elevados mas, no caso de 
pessoas deprimidas, portanto, com severas dificuldades adaptativas, esses 
níveis são maiores. A glândula supra-renal parece ter um desempenho mais ou 
menos seletivo no estresse. Em estados de agressão, enquanto a córtex 
secreta cortisona, a medula da glândula também participa, liberando 
norepinefrina (noradrenalina). Nas situações estressoras de tensão e 
ansiedade a liberação medular privilegia a epinefrina (adrenalina). Mello Filho 
reviu experimento de 1976, onde pôde constatar em macacos submetidos a 
estresse um aumento dos níveis de 17-hidroxicorticoesteróides, catecolaminas 
(epinefrina e norepinefrina), hormônio estimulador da tireóide (TSH) e hormônio 
do crescimento (GH), enquanto se observava um decréscimo dos hormônios 
sexuais, invertendo-se essa situação à medida que o animal se recuperava. As 
catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) afetam as reações imunológicas, 
seja por reação fisiológica, como por exemplo a contração do baço, seja por 
estímulo celular através de receptores específicos (adrenérgicos) na membrana 
celular. O certo é que o aumento das catecolaminas inibe as respostas de 
anticorpos. 
 
As catecolaminas também podem ter sua liberação condicionada a fatores 
neuro-psicológicos. Num estudo clássico, desenvolvia-se experimentalmente a 
supressão da função imunológica pelo uso de imunossupressor 
(ciclofosfamida), associado a uma bebida contendo substância de gosto muito 
particular e forte (sacarina). Essa supressão podia repetir-se quando era 
administrada apenas a bebida com sacarina, caracterizando, portanto uma 
supressão imunológica através de condicionamento biológico, já que a sacarina 
não é imunossupressora. Portanto, como vimos até agora, as células do 
 
 
16
sistema imunológico encontram-se sob uma complexa rede de influência dos 
sistemas nervoso e endócrino. Seus mediadores (neurotransmissores e 
hormônios diversos) atuam sinergicamente com outros produtos linfocitários, 
de macrófagos e moléculas de produtos inflamatórios na regulação de suas 
ações. Experiências dessa natureza sugerem grande variedade de hipóteses 
sobre a influência das emoções na imunidade. Além dos corticosteróides 
(cortisona) e catecolaminas (adrenalina) das glândulas supra-renais, outros 
hormônios participam da revolução orgânica do estresse. O ACTH, a 
vasopressina, a prolactina (PRL), o hormônio do crescimento (GH), o hormônio 
estimulador da tireóide (TSH), que são hipofisários, também atuam sobre o 
sistema imunológico através de receptores específicos nas células linfóides. 
Mas para compreender melhor os mecanismos hormonais do estresse, é 
importante saber que esses hormônios são também produzidos, em pequenas 
quantidades, por linfócitos. 
 
Outras substâncias produzidas por linfócitos e que participam ativamente das 
reações de estresse são as linfocinas e monocinas. Estas substâncias são 
secretadas por células linfóides e macrófagos, e são dotadas da capacidade de 
amplificar a inflamação produzida pelas reações imunológicas. Algumas destas 
linfocinas e monocinas podem influenciar glândulas na liberação de alguns 
hormônios, como é o caso da Interleucina 1, que volta a estimular a hipófise na 
liberação de ACTH. Diversos outros produtos inflamatórios, tais como 
prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanes, produzidos nas mais variadas 
células, linfóides ou não, desempenham alguma influência sobre o sistema 
imunológico. Eles atuam sobre os linfócitos T e macrófagos, estimulando-os ou 
inibindo-os na reação ao estresse. 
 
Além desses hormônios e neuro-hormônios produzidos pelas glândulas supra-
renais, linfócitos e hipotálamo, acredita-se, atualmente, no importante papel 
dos neuropeptídeos na regulação, transmissão e execução das ações do 
sistema nervoso. São proteínas liberadas a partir de terminações nervosas em 
diversos órgãos, incluindo o hipotálamo, e também por células linfóides. 
Alguns destes peptídeos, como a betaendorfina, a encefalinametionina, a 
Substância P, o Peptídeo Intestinal Vasoativo (VIP) e a Somatomedina, 
dependendo de determinadas condições, parecem inibir ou estimular células 
linfóides diversas, participantes do processo de resposta ao estresse. 
 
A par das atribuições dos hormônios, neuro-hormônios e neuropeptídeos no 
desenvolvimento das reações de adaptação do estresse, ressalta-se a capital 
importância do Sistema Nervoso Autônomo (Simpático e Parassimpático) sobre 
o sistema imunológico. Um dos indicadores dessa atuação é a contração da 
cápsula do baço (Sistema Simpático) durante o estresse. Observou-se também 
um aumento de liberação do ACTH pela hipófise, como resultado da ação de 
hormônios tímicos (timosina, timopoietina, timopentina). Em timos de ratos 
detecta-se a presença de Fator Liberador de Corticotrofina, que é um fator que 
age sobre a hipófise estimulando-a para a secreção de ACTH. Este ACTH, por 
sua vez, é essencial na resposta ao estresse por atuar sobre as glândulas 
supra-renais. 
 
 
 
17
Será a crença no remédio tão importante quanto o próprio remédio? Será que 
isso ajuda a explicar o efeito dos placebos e da Medicina alternativa? Seriam, 
essas hipóteses, capazes de estabelecer relações entre os estados de ânimo 
positivos e o aumento da sobrevida de pacientes portadores de AIDS, ou de 
câncer? O sistema imunológico, portanto, parece explicar as interações entre 
os fenômenos psicossociais aos quais as pessoas estão submetidas e 
importantíssimas áreas de patologia humana como, por exemplo, as doenças 
de auto-imunes (auto-agressão), infecciosas, neoplásicas e são centenas de 
experimentos que atestam a expressiva influência das emoções no Sistema 
Imunológico. Estão citados na Tabela seguinte apenas poucos trabalhos 
experimentais sobre imunidade e transtorno emocional, alguns referidos por 
Mello Filho e outros mais recentes. 
 
AUTOR ANO EXPERIMENTO 
Meyer e 
Haggerty 
1956 16 famílias acompanhadas por um período de 12 meses. 
Cerca de um quarto de todas infecções de orofaringe por 
estreptococos seguiram-se a crises familiares. 
Kasl 1979 Observou que cadetes militares em épocas de grande 
pressão eram mais propensos a contrair mononucleose 
infecciosa do que outros cadetes pertencentes a grupo 
controle. 
Baker e 
Brewerton 
1981 Estudaram 22 pacientes portadores de artrite reumatóide e 
os compararam com grupos controle. Puderam observar que 
o início da doença seguiu-se a eventos traumáticos na vida 
destes pacientes em nível estatístico significativo, quando 
comparados ao grupo controle. 
Schleifer 1983 15 homens que recentemente perderam suas mulheres por 
câncer de mama tinham respostas diminuídas de Linfócitos 
T no início do trabalho, com aparente recuperação na 
medida que o acompanhamento prosseguia e o luto 
passava. 
Kronfol 1983 Utilizou a fitohemaglutinina, a concavalina A e o mitógeno 
vegetal PW, que induzem ativação de linfócitos, para 
estudar competência imunológico em indivíduos deprimidos, 
encontrando alterações. 
Linn 1984 Encontrou função imunológica reduzida em pessoas 
enlutadas e com graus importantes de depressão avaliados 
por uma escala. 
Marasanov 1999 Um relacionamento entre falha imunológica e distúrbios
emocionais (ansiedade, fobia e depressão) foram 
identificados em pacientes com câncer de pulmão. 
Mori, Kaname e 
Sumida 
1999 O cortisol do plasma aumentou durante estimulação de 
estresse em gatos, sugerindoque o estresse hipotalâmico 
induzido é um modelo útil para estudos imunológicos. 
 
 
Os padrões psico-neuro-endócrinos fisiológicos são diferentes conforme a 
etapa evolutiva do organismo humano, são denominados conforme a 
predominância das funções endócrinas, e têm a sua influência diferencial nas 
 
 
18
atitudes psico-neurológicas fisiológicas. Assim é que durante a adrenarca (sete 
ou oito anos de idade) ainda não houve a predominância da participação da 
hipófise ou da glândula tireóide, das glândulas supra-renais ou das glândulas 
sexuais (é claro que sempre está existindo a secreção de seus hormônios, 
porém, não em predominância ou participação bastante influente). Do sete aos 
onze ou doze anos vai se processando a alteração do padrão psico-neuro-
endócrino até que nessa idade (onze ou doze anos no Brasil) instalam-se as 
alterações puberais. Já começaram desde os doze anos, e continuam em 
evolução, as manifestações características da feminilidade e da masculinidade. 
Daqui por diante mantém-se os padrões da idade adulta para ambos os sexos 
com suas características próprias e, por assim dizer, comparativamente aos 
primeiros padrões. Com a predominância funcional genito-adrenal até a 
menopausa e a andropausa, que constituem os últimos padrões, os quais em 
decréscimo funcional, caracterizam o declínio da vida física e psico-neurológica 
da velhice. 
 
Propositadamente foram relatados esses conceitos gerais para compreender 
que o desequilíbrio da homeostase hormonal de qualquer desses padrões 
constitui um outro importante fator trófico do tumor. Os tumores hormônio-
dependentes são bastante comprovados (carcinoma de mama, carcinoma de 
próstata e carcinoma de endométrio), porém, pode se generalizar, de maneira 
indireta, a hormônio-dependência no conceito da homeostase endócrina 
variável com as fases evolutivas psico-neuro-endócrinas, na instalação de 
qualquer tipo de estresse. Em relação às questões hormonais nos tumores 
hormônio-sensíveis, estas não seriam fatores causadores da neoplasia, porém, 
mantenedores e condicionando a piora da evolução daquela neoplasia 
hormônio-dependente. Corresponde às reações do tecido conjuntivo em torno 
das células do tecido canceroso formando verdadeira fibrose, que de certa 
forma “separa” as células cancerosas das fontes nutridoras que são os vasos 
sangüíneos principalmente. É como se interpreta a ação dos hormônios nos 
tumores diretamente hormônio-sensíveis. Os estrógenos no câncer da próstata 
“afogariam” as células tanto na próstata quanto nas metástases, pela 
proliferação fibrosa do tecido intersticial, aumentando a porcentagem de células 
necrosadas em relação às células em “proliferação”, diminuindo, portanto, o 
Tempo Tumoral (TT). No câncer de mama e do endométrio teriam ação 
semelhante os respectivos hormônios antagonistas. É importante acentuar esta 
oportunidade que os hormônios utilizados em terapêutica oncológica também o 
são pela função “antagonista” no “push-pull” endócrino, considerado os 
hormônios-dependentes como mantenedores da neoplasia considerada. 
 
Sabe-se que durante o estresse (infecção, inflamação, traumatismo, cirurgia, 
crise emocional, etc) ocorrem sempre as alterações hormonais mencionadas, 
principalmente do triângulo hipófise-supra-renais-gônadas, com uma evolução 
natural de aproximadamente de oito a quatorze dias, existindo a inibição ou a 
predominância deste ou daquele hormônio com as conseqüentes e diretas 
alterações metabólicas e hidroeletrolíticas. Nestas condições de estresse 
ocorre sempre a diminuição da resistência, ou seja, alteram-se a imunopoiese 
humoral e celular, a própria fagocitose sofre alterações, modifica-se o 
metabolismo celular geral, a princípio no sentido da predominância 
 
 
19
catabolizante, para só depois de oito a quatorze dias, retornar ao metabolismo 
normal. Por todos estes motivos a agressão tumoral poderá ser agravada, às 
vezes mesmo de maneira mortal. São conhecidos e difundidos os 
acontecimentos clínicos de maneira irrefutável: leucemias agudas em 
remissão, linfomas em remissão, e que pelo estresse de uma virose (sarampo, 
varicela, parotidite epidêmica) entram em “explosão”, em recidiva tão grave que 
leva à morte em dias ou semanas, sem a menor responsividade terapêutica 
que antes tinha se demonstrado eficiente. Há experiência no sentido também 
do estresse emocional: um jovem leucêmico em plena remissão de mais de 
ano, inadvertidamente soube qual era sua doença e, em menos de uma 
semana, a morte ocorria pelo grande traumatismo emocional que sofrera e, 
sem a menor responsividade terapêutica, mantendo-se em “depressão reativa” 
intensa até a morte. É também fato reconhecido que o canceroso que vai se 
submeter a um ato cirúrgico precisa ser preparado psíquica e metabolicamente 
(não estar desidratado, com distúrbios eletrolíticos, com hipossorroalbuminemia 
abaixo de 2,5%, não estar grandemente anêmico, etc) porque o estresse 
cirúrgico poderá “explodir” as metástases já existentes e encurtar 
significativamente a sobrevida do paciente, tudo porque houve a influência 
endócrina do estresse cirúrgico e emocional na imunopoiese antitumoral. 
 
Com esses exemplos da experiência clínica e baseados em princípios 
científicos bem demonstrados, está expresso o outro fator trófico do tumor, o 
equilíbrio psico-neuro-imuno -endócrino e a influência desfavorável da sua 
alteração do trofismo da neoplasia maligna. 
 
3.3 Etiologia 
 
Poucas doenças demonstram ser tão dependentes de uma causa multifatorial 
como o câncer. Inúmeros fatores participam do desenvolvimento destas 
doenças, na maior parte das vezes identificados no meio ambiente. Esses 
fatores, como acontece em tantas outras situações patológicas, representam 
influências constitucionais e ambientais, simultaneamente. 
 
Todo câncer surge pela combinação de fatores ambientais com predisposições 
genéticas. Trata-se de uma doença geneticamente determinada e 
constitucionalmente programada. Estímulos externos, químicos, físicos ou 
biológicos, ou chamados agentes cancerígenos, ao determinar modificações do 
material genético de uma célula, tornam-se responsáveis pela sua 
malignização. 
 
Um grande passo foi dado com a descoberta dos fatores de risco do câncer: 
alimentação (35%), cigarro (30%), sol (10%), hereditariedade (10%), viroses 
(7%), exposição a produtos químicos (4%), álcool (3%) e exposição à radiação 
(1%). 
 
No entanto, o câncer necessita sempre, para seu desenvolvimento, de alguma 
falha do sistema imunológico do organismo em algum momento. A 
sensibilidade pessoal aos agentes cancerígenos surge como um fator adicional 
 
 
20
na formação do câncer. Também depende da influência do estilo de vida, como 
por exemplo, fatores alimentares. É susceptível à influência de fenômenos de 
estresse e a fatores psicológicos vários, quer em sua origem, quer em sua 
evolução. Devido ao longo tempo necessário para o desenvolvimento de uma 
doença maligna, suas causas só podem ser encontradas no passado de cada 
paciente. 
 
3.3.1 Herança genética 
 
A neoplasia maligna depende da relação tumor-hospedeiro na sua instalação, 
no crescimento local e na disseminação. Durante muito tempo prevaleceu o 
conceito de que o câncer apresentava um desenvolvimento exclusivamente 
autônomo. Porém, os conhecimentos empíricos da evolução variada de um 
mesmo tipo de tumor desde alguns meses até muitos anos, a cura terapêutica 
de muitas variedades de tumor, a incurabilidade de outros, a cura espontânea 
bem comprovada, já induziam à inconsistência do conceito da autonomia do 
câncer. 
 
Os processos da citologia e da imunologia, considerando a célula neoplásica 
maligna com capacidade antigênica e a formação dos respectivos anticorpos, a 
imunoterapia já agora com resultados satisfatórios, demonstraram o conceito, 
hoje vigente, da evolução do câncerconforme a relação tumor/hospedeiro. 
 
O câncer seria, à semelhança das infecções, uma agressão ao organismo 
normal e este, em contrapartida, teria e tem vários elementos para se defender 
e/ou refutar essa agressão. 
 
A constituição, como fator genético, já era reconhecida empiricamente desde 
há muitos anos pela experiência clínica e, atualmente, está bem definida como 
sendo uma condição de maior facilidade ou susceptibilidade de origem 
genética que determinadas populações celulares normais apresentam-se no 
sentido de se habilitarem à mutagenicidade dos seus DNA e/ou dos RNA, por 
intermédio ou não das enzimas liberadas pelos lisossomos e transformando a 
célula normal em célula neoplásica. 
 
Os exemplos da clínica são numerosos: membros de uma mesma família 
apresentando o mesmo tipo de carcinoma e no mesmo órgão; a observação de 
um mesmo paciente com um, dois, três e até quatro tipos de neoplasias 
malignas, geralmente de ocorrência sucessiva depois da cura ou não dos 
anteriormente existentes. Quem tem uma vivência clínica de câncer, verifica 
que estas condições de multiplicidade de neoplasias em um mesmo indivíduo 
não são raras. 
 
Todas as nossas características físicas são determinadas pelas informações 
genéticas, armazenadas em moléculas de DNA, que herdamos de nossos pais. 
Detalhes como altura, cor dos olhos, aptidões artísticas, matemáticas e 
esportivas, resistência às infecções, tendência à obesidade e às doenças 
cardiovasculares são determinados por esta herança, em grau variado. A 
 
 
21
programação codificada dentro dos genes vai sendo cumprida de acordo com 
as condições que o organismo encontra no meio ambiente. Isto é, se há 
alimento disponível, o organismo pode crescer; havendo treinamento físico, um 
atleta pode se desenvolver; com os estímulos adequados, um artista pode 
criar. Para as doenças, isto também é verdade. 
 
Toda doença surge da interação do organismo com o meio ambiente. Uma 
doença infecciosa não se desenvolve sem o agente invasor, mas sua evolução 
varia muito de acordo com a reação do organismo. Com o câncer não é 
diferente. Cada pessoa apresenta uma sensibilidade própria aos diversos 
agentes causadores do câncer, definida pelo seu patrimônio genético. 
Enquanto que em certos indivíduos quantidades mínimas de uma substância 
química promovem o desenvolvimento de um determinado tumor maligno, para 
outros isto só ocorre com doses muito elevadas. Estas características, 
geneticamente determinadas, são comuns aos indivíduos de uma mesma 
família. Assim, da mesma forma que o membro de uma família de obesos com 
doenças cardíacas tem maiores chances de apresentar um infarto do miocárdio 
(principalmente se também for gordo), uma mulher, com mãe, tias e irmãs 
portadoras do câncer de mama, é forte candidata a apresentar esta mesma 
doença. 
 
Algumas vezes, a participação das características é tão marcante no 
desenvolvimento de uma doença que passamos a chamá-la hereditária. Nesta 
situação a enfermidade se manifesta quase que independentemente das 
condições ambientais. No entanto, só muito raramente, o câncer se apresenta 
com um componente hereditário realmente importante, com algumas poucas 
famílias carregando genes que predispõem ao desenvolvimento de tumores 
malignos. A condição genética bem definida está expressa, em pesquisa 
recente, na anomalia cromossômica da leucemia crônica granulocítica 
(cromossomo Ph-I, de Filadélfia), no retinoblastoma como um gene dominante 
de penetrância reduzida e no feocromocitoma como um gene autossômico 
dominante. É interessante referir a maioria incidência do câncer gástrico 
relacionado com o grupo sangüíneo A. 
 
Do ponto de vista prático, as doenças malignas devem ser entendidas como 
resultantes da exposição do organismo a agentes cancerígenos que criam 
condições para o desenvolvimento do câncer. A sensibilidade individual 
determina o maior ou menor risco da pessoa ser afetada. 
 
É claro que a existência de casos familiares deve ser sempre pesquisada 
quando se estabelece um programa individual de prevenção e diagnóstico 
precoce. Entretanto, os aspectos hereditários do câncer não devem ser motivo 
de preocupação imediata no momento em que se enfrenta o diagnóstico de 
câncer em algum parente próximo. 
 
3.3.2 Fatores ambientais 
 
Agente carcinogênico ou cancerígeno é todo o causador de modificações no 
DNA de uma célula capaz de levá-la a uma proliferação desordenada, dando 
 
 
22
origem ao câncer. São agentes cancerígenos: produtos químicos, radiações e 
microorganismos. 
 
Um exemplo de agente carcinogênico do tipo radiação é a luz solar, que com 
seus raios ultravioleta é responsável pela grande maioria dos cânceres de pele. 
A diminuição da camada de ozônio poderá colaborar para o aumento da 
incidência deste tipo de tumor. 
 
Agentes cancerígenos químicos são encontrados no fumo, que representa o 
maior risco conhecido ao desenvolvimento de doenças malignas no ser 
humano. Acredita-se que um terço dos tumores malignos seja causado pelo 
hábito de fumar, reconhecendo-se, hoje, mais de quatro mil substâncias 
carcinogênicas na fumaça do cigarro. Outras substâncias químicas têm sido 
responsabilizadas pelo desenvolvimento de doenças malignas, boa parte delas 
após exposições prolongadas no ambiente de trabalho. Asbesto, na indústria 
naval e de construção civil, aminas aromáticas, presente na manufatura de 
tinturas, benzeno, da indústria química, são alguns destes agentes 
carcinogênicos. 
 
Alguns microrganismos, como o Papiloma Vírus (causador da verruga genital, 
doença sexualmente transmissível) e o vírus Epstein-Baar (agente responsável 
pela mononucleose infecciosa), têm a capacidade de promover alterações no 
DNA das células que infectam, favorecendo sua malignização. 0 vírus da AIDS 
(HIV) causa um comprometimento do sistema imunológico que pode favorecer 
o crescimento de doenças malignas dentro do organismo por ele infectado. 
Embora este vírus não cause diretamente o câncer, cria condições ideais para 
seu desenvolvimento dentro de um organismo debilitado. 
 
Estima-se que até 70% dos casos de câncer podem ser evitados simplesmente 
impedindo-se a exposição aos fatores de risco ambientais. A eliminação do 
hábito de fumar, modificações na dieta com um maior consumo de frutas, 
verduras, legumes e cereais, prevenção das doenças sexualmente 
transmissíveis e do controle na exposição a agentes químicos, radiações 
ionizantes e raios ultravioleta são medidas práticas que contribuem para a 
redução máxima do risco de se desenvolver um câncer. 
 
3.3.3 Fatores psíquicos e sociais 
 
É cada vez maior o número de pesquisadores que reconhecem o papel dos 
fenômenos psíquicos e psicossociais no desenvolvimento do câncer. Fatores 
sócio-culturais possivelmente associados ao desenvolvimento do câncer já 
foram investigados há décadas, mediante extensos questionários e avaliações 
minuciosas. Diferenças de classes sociais, de atividades ocupacionais, de 
elementos ambientais e do estilo de vida, foram associadas aos variáveis 
riscos para o câncer. Essas pesquisas têm apontado cada vez mais para os 
componentes emocionais e comportamentais associados ao desenvolvimento 
de doenças malignas (Cox T, Mackay C, 1982). 
 
 
 
23
Parece que há uma concordância de que outros fatores como alimentação, 
fumo, stress, genética, agentes químicos poluentes, maus hábitos, etc. compõe 
o perfil do paciente oncológico. Os fatores determinantes não estão isolados e 
o conjunto com alguns dos itens é suficiente em alguns casos para o 
surgimento da doença; em contrapartida muitas vezes, mesmo com vários 
indícios para o aparecimento do câncer, pode-se observar que o mesmo não 
se manifesta. As exigências sociais e psicológicas parecem cada vez mais 
associadas ao desenvolvimento do câncer. 
 
Sabe-se hoje, portanto, que a Medicina nãomais descobre causas únicas para 
as patologias, como se pensou no final do século passado e até meados deste 
século. Tem sido descobertas apenas condições necessárias, mas não 
suficientes para que a enfermidade adquira seu aspecto e localização que 
podem então caracterizá-la naquele momento. 
 
Há muito tempo vem-se estudando elementos emocionais que acompanham 
e/ou antecedem o aparecimento das neoplasias. Já são centenas as pesquisas 
que investigam, nos últimos anos, a relação entre estresse, depressão e função 
imunológica. 
 
Galeno, médico grego do século II, atribuía o surgimento do câncer a uma 
propensão à melancolia. 
 
Sir. James Paget, há mais de um século definiu o câncer: "São tão freqüentes 
os casos em que a ansiedade profunda, a esperança adiada e o 
desapontamento, são rapidamente seguidos pelo crescimento e aumento do 
tumor, que não podemos duvidar que a depressão mental seja um poderoso 
complemento para as outras influências que favorecem o desenvolvimento da 
formação cancerosa." 
 
No início do século XX, surgiram alguns trabalhos de orientação psicodinâmica, 
como o de Elida Evans, que em 1926, em seu livro A psychological study of 
cancer (apud Simonton, 1987), relatou, a partir do acompanhamento de cem 
pacientes de câncer, ter percebido que muitos destes haviam, pouco antes do 
aparecimento da doença, perdido um ente querido ou uma função social. 
Evans concluía que tais pessoas haviam investido muito de sua identidade em 
um objeto ou papel individual ao invés de desenvolver sua própria identidade. 
Quando perdiam esse objeto ou função, tais pacientes entravam em contato 
com eles mesmos, sem terem recursos internos para isso. 
 
A partir de 1950 começaram a surgir muitos trabalhos de orientação 
psicanalítica estudando a estrutura de personalidade dos pacientes com 
câncer. Esses estudos identificaram fatores psicossociais de risco para o 
surgimento do câncer, dentre os quais o estresse, traços de personalidade e 
hábitos pessoais. Esse assunto tem despertado o interesse de muitos 
pesquisadores mesmo em áreas estranhas ao referencial psicanalítico. À 
medida que se sofisticaram as técnicas de pesquisa, os estudos passaram a 
incluir fatores de risco e prevenção; a evolução da doença e tratamentos; os 
estudos dos doentes que sobreviveram muito tempo e o luto. 
 
 
24
 
No que diz respeito ao câncer, os estudos em animais têm se mostrado 
contraditórios. Há, no entanto, um dado que parece se confirmar. Estresse em 
animais provavelmente influem no crescimento de tumores, mas não no 
surgimento do câncer. Com relação às pesquisas feitas com animais, 
interessantes estudos realizados em ratos revelaram que os sujeitos do 
experimento que podiam controlar os choques elétricos aos quais eram 
submetidos não desenvolveram os tumores que lhes tinham sido inoculados. 
Aqueles animais que, em função de dispositivos da experiência, não podiam 
controlar os choques, entravam em estado de desespero seguido de 
prostração, tendo aumentado o crescimento dos tumores. Esse experimento 
deu origem ao “modelo do desamparo”. Transposto para a espécie humana, o 
desamparo é considerado por alguns autores como um dos elementos que 
pode influenciar o desenvolvimento do câncer. A habilidade do indivíduo em 
lidar com o estresse parece ser de importância nesse modelo. Assim, os 
aspectos subjetivos de um determinado agente estressor para um determinado 
indivíduo passam a ser mais importantes do que os aspectos objetivos do 
estresse. 
 
Postula-se atualmente a adoção de um modelo biopsicossocial atrelado ao 
desenvolvimento do câncer. Dentro desse raciocínio, evidencia-se um dos 
fatores psicossociais mais importante: a expressão emocional da pessoa. Esse 
perfil emocional pode estar diretamente envolvido no início e na progressão do 
câncer (Gross J, 1989). Em razão da grande importância do câncer e do 
sofrimento dele decorrente, provavelmente este tem sido o campo da psico-
imunologia que mais se desenvolveu nos últimos anos. Já foram publicados 
trabalhos onde se estabelecem relações entre sentimentos de perda, vergonha, 
desesperança ao surgimento de linfomas, leucemia e outros tipos de câncer. 
Sentimentos tais como a perda de uma relação significativa, a incapacidade de 
expressar sentimentos hostis, uma importante tensão em relação a uma figura 
parental, sentimentos de desamparo e de desesperança freqüentemente se 
associam ao surgimento do câncer. 
 
Temoshok (citado por Cox T e Mackay C) sugere que dois grupos principais de 
fatores possam estar relacionados a um risco aumentado do câncer: 
primeiramente, a perda de uma relação importante (freqüentemente pai, mãe, 
filho ou cônjuge) e, em segundo, uma grande inabilidade em expressar 
sentimentos (hostis, irritáveis, etc) ou uma liberação inadequada da emoção. 
Entre esses sentimentos de perda de relações, o luto parece desempenhar 
papel preponderante. 
 
Os diversos mecanismos psicofisiológicos que relacionam as emoções com o 
início do câncer adquirem força quando se considera o papel do sistema 
nervoso central na regulação do sistema imunológico. Tem-se verificado que a 
função imunológica do organismo, mais precisamente a resposta imunológica à 
estimulação linfocitária, era suprimida em viúvos nos primeiros meses que se 
seguiam à morte da esposa. Uma supressão menos pronunciada era também 
observada do quarto ao décimo quarto mês de luto. 
 
 
 
25
Os fatores psicossociais de risco ao desenvolvimento do câncer, segundo 
alguns autores, distinguem-se em indiretos e diretos: os fatores indiretos são 
definidos como as atitudes psicossociais da pessoa que conduzem à 
probabilidade de câncer aumentada, dependendo, pois, dos traços de sua 
personalidade e da maneira de reagir à vida, relativamente independente dos 
estressores do cotidiano. Já os fatores diretos seriam os estressores 
psicossociais propriamente ditos, que induzem as reações psicológicas que 
podem conduzir aos transtornos físicos-imunológicos do organismo. Portanto, 
um dos fatores diz respeito mais às características pessoais e o outro às 
exigências ambientais (Hürny C, 1984). Esses fatores poderiam chamar-se 
subjetivos e objetivos, ou ainda, psíquicos e sociais, respectivamente. 
 
Esse tipo de raciocínio sugere que, embora uma perda pessoal significativa 
(morte do cônjuge, p. ex.) possa ser considerada mórbida bastante para o 
desenvolvimento do câncer, esse evento sozinho poderá não ser suficiente. Há 
pois, necessidade de um tipo pessoal e próprio de reação psicológica à perda 
para, aí sim, aumentar-se o risco do câncer. Assim sendo, as evidências 
convergem para fatores que parecem predispor algumas pessoas, mais que 
outras, a desenvolver o câncer ou fazê-lo progredir mais rapidamente através 
de seus estágios de desenvolvimento. Estes fatores incluiriam: 
a. determinados traços da personalidade ou estilos de lidar com a 
realidade, definidos como Personalidade Tipo C 
b. dificuldades da pessoa expressar suas emoções com clareza e 
sinceridade e 
c. uma atitude ou tendência exagerada para solicitude e 
compreensibilidade dos outros (Temoshok L, 1987). 
 
Segundo Lawrence LeShan, o paciente portador de câncer possui três 
elementos principais: 
a. infância ou adolescência marcada por sentimentos de isolamento, 
b. existe um período de vida onde o indivíduo desfrutou a sensação de ser 
aceito pelos outros (pelo menos em um determinado papel), onde tenha 
encontrado um sentido para a vida, 
c. existe a perda deste relacionamento central; onde após alguns meses 
surgem os primeiros sintomas da doença. 
 
Além deste três elementos, LeShan descreve o paciente de câncer com uma 
visão de vida triste onde o futuro é pré-determinado por uma "condenação", 
onde nada há a fazer contra o destino. As exigências feitas a si mesmo são 
praticamente impossíveis de se realizarem e possuimaior quantidade de 
emoções do que é capaz de expressar, não podendo assim realizar suas 
necessidades emocionais. 
 
Como mencionado, certas características da personalidade do paciente e o seu 
próprio estado emocional são freqüentemente apontados como possíveis 
causas para o desenvolvimento do seu câncer. As pesquisas sobre o estresse 
como um fator importante, entre outros, na origem e na evolução clínica da 
doença maligna têm mostrado elementos interessantes. Assim como 
cardiologistas mais observadores e sensíveis detectaram a Personalidade tipo 
 
 
26
A, associada à causa e/ou agravamento das coronariopatias, também os 
oncologistas, com as mesmas qualidades holísticas de seus colegas da 
cardiologia, conceituaram e delinearam uma Personalidade Tipo C, onde o 
risco maior seria para o câncer. 
 
Temoshok et al. (1985) conceitualizaram as variáveis “expressivo versus 
repressivo” em termos de um padrão de comportamenta do tipo C. Na 
Personalidade tipo C haveriam traços proeminentes de negação das 
experiências mais traumáticas, supressão das emoções e tendência à raiva. 
Outras características deste padrão seria a amabilidade excessiva (e às vezes 
contrariada), não reconhecimento dos conflitos, aspiração social exagerada, 
comportamento forçosamente harmonioso, paciência desmedida (às vezes 
dissimulada), racionalidade contundente e um rígido controle da expressão 
emocional. Temoshok e Dreher (1992) definiram o tipo C como um paciente 
cooperativo, não-assertivo, que suprime as emoções negativas, 
particularmente raiva e que se submete facilmente à autoridade externa. Como 
vemos, o padrão de comportamento do tipo C contrasta com o do tipo A. Os 
autores investigaram extensamente a relação entre o tipo C e a espessura e 
profundidade do tumor melanoma. Encontraram significativa correlação entre 
as medidas do tumor e o tipo C, particularmente em pacientes com menos de 
55 anos. 
 
Temoshok (1985) também descobriu que pacientes com melanoma, que se 
classificavam corno sofrendo grande estresse psicossocial, tinham urna 
progressão mais rápida da doença. 
 
George Solomon e Lydia Temoshok definiram o que chamam de tipo de 
personalidade "com tendência à supressão imunológica" em pacientes 
aidéticos, que têm muito em comum com o modo de enfrentar a vida do "Tipo 
C" que a Dra.Temoshok observou em seu trabalho com os pacientes de 
câncer. "Obediência, conformismo, abnegação, repressão da hostilidade ou da 
raiva e falta de expressão de emoções" parecem estar relacionados a um 
prognóstico desfavorável nos pacientes de câncer e, possivelmente, também à 
suscetibilidade a essa doença. 
 
A não-expressividade de uma emoção negativa, forte, vinda de um luto, perda 
amorosa ou situação traumática, é um fator que predispõe a uma alteração do 
funcionamento do sistema imunológico, tornando o organismo mais vulnerável 
à formação de tumores malignos. O estresse em si mesmo, seja qual for sua 
natureza, é um agravante quando não houver a possibilidade de expressar a 
emoção a ele associada. 
 
Os pesquisadores consideram, para a Personalidade Tipo C, que o uso 
excessivo da negação e da repressão (mecanismos de defesa), bem como a 
dissimulação dos sentimentos são importantes fatores ligados ao 
desenvolvimento tumoral. Para essa forma e estilo de reagir à vida, os 
estressores psicossociais estariam associados à diminuição da 
imunocompetência orgânica e, conseqüente a essa alteração, ao 
desenvolvimento do câncer. Também o risco de metástases de um câncer já 
 
 
27
tratado estaria significativamente influenciado pela reação da Personalidade 
Tipo C com o tipo e a duração dos estressores psicossociais (Baltrusch HJ, 
Stangel W, Titze I, 1991). Nessas pesquisas, as pessoas com evolução mais 
favorável eram aquelas com espírito mais combativo, com maior potencial para 
a agressividade cotidiana e com poucas tendências a suprimir a manifestação 
das emoções. Atualmente os pesquisadores recomendam a aplicação de 
inventário padrão universal (teste, entrevista) para avaliar o presumível 
comportamento característico da vulnerabilidade ao câncer (Personalidade 
Tipo C). Alguns modelos desse inventário já são oferecidos para a investigação 
(Greer S e Watson M, 1985). 
 
Uma das principais investigações em relação aos fatores psicossociais de risco 
na mortalidade por câncer foi realizado por Grossarth et al (1985). Ele procurou 
corroborar um estudo anterior de Kissen (1963), o qual trabalhou por muitos 
anos com câncer de pulmão e publicou vários trabalhos baseado nos casos 
que atendeu e na aplicação de testes psicológicos (Maudsley, Personality 
Inventory). Esse autor postulou que os pacientes com câncer de pulmão 
apresentavam uma típica tendência a suprimir suas emoções e seus conflitos. 
Por causa disto eles teriam uma saída muito dificultada para a descarga 
emocional. Grossarth estudou 1353 habitantes de Crvenka, incluindo 619 
mortos entre 1966 e 1976. Todas mortes por câncer de pulmão ocorreram em 
pessoas com elevada racionalidade e elevada dificuldade para exteriorizar as 
emoções, incluindo a supressão da agressividade. Na tentativa de analisar as 
características de personalidade nos portadores de câncer, os autores 
observaram que a desesperança era um sentimento tão presente nesses 
pacientes como era a raiva em relação às doenças do coração. Conclui sua 
pesquisa atestando que as variáveis psicossociais eram importantes o 
suficiente para modificar, decisivamente, os efeitos de outros fatores de risco 
físicos, como por exemplo, o hábito de fumar na mortalidade por câncer. 
 
Inúmeras sugestões na literatura insinuam que a expressão da raiva ou, mais 
precisamente, o grau de expressividade emocional do paciente tem influência 
sobre o surgimento e a progressão do câncer. Relatos de casos descritivos 
aparecem já nos anos 50, observando-se uma sobrevivência menor em 
pacientes deprimidos, resignados, quando comparados a paciente mais 
capazes de expressar emoções negativas, como a raiva. 
 
Greer e Morris (1975) descobriram que as mulheres que na biópsia de mama 
apresentavam tumores malignos tinham maior dificuldade de expressar raiva 
do que as portadoras de tumor benigno. Derogatis et al. (1979) relataram que 
os pacientes com câncer considerados pelo corpo hospitalar como menos 
cooperativos viviam significativamente mais tempo. Estes dados colaboram 
com outra pesquisa de Greer et al. (1979) em que as pacientes (câncer de 
mama) com “espírito de luta” viviam mais tempo do que aquelas que 
demonstravam falta de esperança e desamparo. Resultados semelhantes 
encontraram Hislop et al. (1987) e Ooldstein e Antoni (1989), também com 
pacientes com câncer de mama. 
 
 
 
28
Pennebaker et al. (1989) realizaram uma série de estudos demonstrando que, 
quando indivíduos reprimem ativamente sua expressão emocional, há um 
aumento da excitação em certos canais autônomos, como na condução elétrica 
da pele (Buck, 1984). Os autores observaram que, se um processo inibitório for 
mantido durante longo período, ele serve como um estressor cumulativo de 
longo termo, aumentando a probabilidade de adoecer. Uma forma 
particularmente insidiosa ocorre quando os indivíduos experimentam um 
evento traumático e são incapazes de compartilhá-lo com outros. Por exemplo, 
pesquisas mostram que os indivíduos que sofreram experiências sexuais 
infantis traumáticas têm maior probabilidade de ter problemas de saúde 
posteriormente, se eles não discutirem as experiências com outros 
(Pennebaker e Susman, 1988). Também aqueles cujas esposas se suicidaram 
ou morreram em acidentes são mais saudáveis um ano após a morte delas, se 
compartilharam com freqüência esse acontecimento (Pennebaker e O’Heeron, 
1984). Em dois outros estudos (Pennebaker et al, 1988), estudantes 
universitários classificados como “muito reveladores” mostraram urna queda no 
nível

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