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MONOGRAFIA - PSICOSSOMÁTICA IBEHE – Instituto Brasileiro de Estudos Homeopáticos FACIS – Faculdade de Ciências da Saúde de São Paulo Curso de Especialização em Psicossomática CÂNCER E PSICOSSOMÁTICA Seminário apresentado no Curso de Especialização em Psicossomática – Turma 182 Orientado pelo Prof. Anderson Zenidarci Ângela Carero Margarete Rocha Maria de Lourdes Barbosa de Arruda Maria Emilia Cardoso Gadelha SÃO PAULO Dezembro 2001 ÍNDICE 1 Introdução 3 2 Histórico 4 3 Considerações básicas 6 3.1 ANATOMOFISIOLOGIA 6 3.2 PSICONEUROENDROCRINOIMUNOLOGIA 10 3.3 ETIOLOGIA 19 3.3.1 Herança genética 20 3.3.2 Fatores ambientais 21 3.3.3 Fatores psíquicos e sociais 22 3.4 EPIDEMIOLOGIA 30 4 Diagnóstico psicossomático 32 4.1 BASES PSICOLÓGICAS PARA O DESENVOLVIMENTO DO CÂNCER 32 4.2 TIPOS E CORRELAÇÕES SIMBÓLICAS 37 4.2.1 Câncer em Geral (carcinoma) 37 4.2.2 Câncer de Pele 39 4.2.3 Câncer de Pulmão 41 4.2.4 Câncer de Mama 43 4.2.5 Câncer do Colo do Útero 45 4.2.6 Câncer de Próstata 46 4.2.7 Câncer do Estômago 48 4.2.8 Câncer Coloretal 50 4.2.9 Leucemia Aguda 52 5 Aspectos psicossociais 55 5.1 IMPACTO DO DIAGNÓSTICO 55 5.2 REAÇÃO VIVENCIAL AO CÂNCER E FASES DE ADAPTAÇÃO 58 5.3 FAMÍLIA 61 5.4 SEXO 64 5.5 ESPIRITUALIDADE 68 6 Abordagens terapêuticas 70 6.1 PARTICULARIDADES DO CÂNCER INFANTIL 72 6.2 ASPECTOS PSICOLÓGICOS DA CIRURGIA 74 6.3 PSICOTERAPIA 77 6.4 PSICOSSOMÁTICA APLICADA AO CÂNCER 82 6.5 ANSIEDADE 88 6.6 DEPRESSÃO 94 6.6.1 Depressão no adulto com câncer 94 6.6.2 Depressão na criança com câncer 95 6.7 DOR 100 6.8 FASES FINAIS DE DOENÇAS GRAVES 101 7 Cura 103 8 Conclusão 104 9 Bibliografia 105 10 Anexo 108 3 1 Introdução A cada dia tornam-se mais freqüentes os diagnósticos de câncer. Nos países desenvolvidos estas doenças, também chamadas de neoplasias malignas, já representam a segunda maior causa determinante dos óbitos, ficando atrás apenas das doenças cardiovasculares. Não se trata de uma epidemia. Ocorre que o melhor controle sobre as demais doenças vem permitindo uma vida mais longa, o que abre espaço para o desenvolvimento do câncer. Temos hoje mais de oitocentas doenças agrupadas sob o nome de câncer. Todas resultando do crescimento autônomo e desordenado de uma pequena parte do organismo. Entretanto, na prática médica, cada uma delas é abordada de forma diferenciada e tratada de acordo com seu órgão de origem e extensão no organismo. Por trás do diagnóstico “câncer” oculta-se um grande padrão que pode se expressar em uma grande variedade de sintomas. Cada um deles afeta toda a existência da pessoa, não importando em qual órgão tenha se originado. Neste ponto, o acontecimento do câncer é demasiado complexo para estar relacionado apenas com o órgão afetado. Sua tendência de propagar-se por todo o corpo mostra que se trata de toda a pessoa. O câncer, sob a forma de fantasma que assombra nossa época, toca não apenas aqueles que são diretamente afetados, mas toda a sociedade, que o transformou em tabu como nenhuma outra afecção. Mais da metade dos afetados pelo câncer morrem, e a taxa em números absolutos de mortes por câncer continua subindo, apesar dos avanços conseguidos pela Medicina. No entanto, graças ao aperfeiçoamento dos métodos de diagnóstico e tratamento, o câncer já não apresenta necessariamente uma sentença de morte. Flagrados em estágio inicial, sessenta por cento dos casos tem cura. A Medicina organicista ensina a “ler” a enfermidade, do ponto de vista do médico e do laboratório. A Medicina Psicossomática, no caso a Psiconcologia, pretende “ler”, escutar e compreender a enfermidade, o câncer, a partir do paciente. Um exame físico e centenas de determinações bioquímicas e radiológicas podem demonstrar que um homem está “normal”. Uma única entrevista psicossomática adequada pode nos mostrar que esse mesmo homem está gravemente enfermo, caminhando para desenvolver um câncer. Uma outra prova de quanto o câncer tomou-se uma destacada ameaça à saúde de nossa época é o fato de ser ele, dentre todas as doenças, a que nos infunde maior terror. A descrição da doença já traz o selo de nossa avaliação: maligno. 0 infarto do coração, que ceifa mais vidas e confronta as pessoas com a mais pavorosa dor que se conhece, não desperta semelhante horror. 0 câncer necessariamente nos confronta com um tema que está mergulhado ainda mais profundamente na sombra que a dor e que a própria morte. Além disso, nenhum outra doença toma tão clara a relação entre corpo, alma, mente e sociedade como o câncer. Quer partamos do nível celular, da estrutura da personalidade ou da situação social, é possível encontramos padrões semelhantes que são os próprios padrões primordiais, sugestivos da possibilidade de ocorrência da doença. 4 2 Histórico Não há certamente nenhum exagero em afirmar que há muito o homem tenta estabelecer as causas das doenças. A rigor, desde a antigüidade remota, oriental e ocidental, muitos escritos tentam estabelecer as causas do câncer e, nessa busca, muitos autores observaram que há uma relação entre estados emocionais e predisposição para doenças orgânicas. Assim, encontramos nos escritos de Hipócrates a afirmação de que o estado de saúde era evidência de que o indivíduo tinha atingido um estado de harmonia entre suas instâncias internas, bem como destas com o meio ambiente. Desse ponto de vista, manter-se saudável é uma questão de reconhecer esse equilíbrio e respeitá-lo através de viver segundo as leis da natureza. Hipócrates afirmava também que o que quer que aconteça na mente afeta o corpo e foi o primeiro a empregar o termo “câncer” na Grécia Antiga, no século V a.C. Observando-se que algumas feridas pareciam penetrar profundamente na pele, comparou-se este comportamento ao de um caranguejo (karkinos em grego, câncer em latim) agarrado à superfície. No entanto, não se pode explicar a origem do nome "câncer" de maneira inequívoca. Mas até mesmo a derivação apresentada pela Medicina, a de uma forma de câncer da mama cujas células devoram o tecido compondo a forma de uma pinça, mesmo isso aponta para uma direção semelhante. Quem quer que tenha cunhado esse nome, encontrou a essência da imagem da doença. Galeno, no segundo século da era cristã, observava que mulheres deprimidas tinham mais tendência ao câncer do que aquelas de natureza mais animada e bem dispostas. No entanto, essas observações da Medicina seriam eclipsadas pelo grande desenvolvimento tecnológico surgido a partir do modelo cartesiano de pensamento. Nessa busca tecnicista do diagnóstico, passou-se a perscrutar mais os órgãos e a se dar menos atenção ao paciente e à sua história. Aqui, história entendida não aquela do ponto de vista médico clássico, ou seja, do ponto de vista de coleta de dados anamnésicos ligados à queixa clínica e à evolução da doença, mas à história de vida do paciente, com todos os eventos importantes que possam caracterizar episódios traumáticos, além de sua maneira peculiar de lidar com os eventos de sua existência. Os doentes, antes dos progressos do século XX, eram provavelmente mais ouvidos por seus médicos e, talvez, com mais atenção e cuidado. Esses médicos assinalavam freqüentemente fatores emocionais ligados a perdas importantes ou estados de desesperança que ocorriam antes do aparecimento do câncer. Já no fim do século XIX, em que era clara a influência cartesiana na Medicina, Freud, em seus Estudos sobre a Histeria, propôs um retorno a uma visão mais integrada do ser. Freud demonstrou que as paralisias histéricas eram destituídas de um substrato neurológico, não restando dúvidas de que seus trabalhos apontavam na direção de uma visão mais integrada dohomem, 5 mostrando que acontecimentos da esfera psíquica causavam conseqüências orgânicas. Ao longo do século XX, a Medicina foi convergindo seu foco para a doença e para o órgão doente em sua profunda intimidade, mas isso levou a descobertas que obrigaram a uma revisão conceitual no que diz respeito a admitir a influência de aspectos emocionais na manutenção do binômio saúde/doença. Até a descoberta dos hunza, não se conhecia nenhuma cultura que tivesse sido inteiramente poupada do câncer. Admite-se que somente este pequeno povo montanhês do Himalaia, até o contato com a civilização moderna, em meados deste século, jamais soube o que era o câncer. Os traços desse sintoma encontram-se hoje por toda parte, podendo ser detectados até no passado graças aos modernos procedimentos de pesquisa. A presença de tumores foi comprovada até mesmo em múmias incas com 500 anos de idade. Apesar dessa disseminação universal, o câncer tornou-se uma marca distintiva das nações industrializadas modernas. Ele não ganhou terreno de maneira tão fulminante em nenhum outro lugar. 0 argumento de que ele somente é mais freqüente nas nações industrializadas devido ao fato de que as pessoas que nelas vivem atingem uma idade mais avançada é correto no que se refere a algumas culturas, mas não se sustenta por princípio, podendo ser rebatido em vários pontos. Por um lado, há tipos de câncer que atingem o ápice nos anos de juventude, por outro, a própria Medicina tradicional demonstra que determinados tipos de câncer, como o câncer dos pulmões, estão relacionados de maneira inequívoca com hábitos e venenos de nossa civilização. Mas, sobretudo, havia culturas antigas que possibilitavam uma longa expectativa de vida com um baixo risco de câncer. Na cultura chinesa de orientação taoísta, o câncer era extremamente raro, embora a expectativa média de vida das pessoas fosse a mesma da China atual. Viver cem anos era considerado normal. Sabe-se que antes de serem colonizados, os indígenas que habitavam originalmente a América viviam mais que nas épocas “civilizadas” posteriores. Eles praticamente não conheciam o câncer antes, mas a partir de então, passaram a pagar também esse tributo. Não bastasse haver mais de oitocentos tipos de neoplasias, tumores idênticos podem responder de formas diferentes ao mesmo procedimento. Apesar de reconhecidas há tanto tempo, foi somente com a descoberta do microscópio que o estudo das doenças malignas pôde evoluir. A partir da identificação da célula como a unidade funcional dos organismos evoluídos, foi possível compreender um pouco melhor o desenvolvimento das doenças malignas. 6 3 Considerações básicas 3.1 Anatomofisiologia A célula é a menor porção do nosso organismo capaz de criar sua própria energia, crescer e se multiplicar. São estruturas que medem milésimos de milímetros. Todos os órgãos do corpo são formados por células e cada uma delas apresenta características adequadas à função que desempenha. Por exemplo, as células musculares são alongadas, agrupam-se em feixes e têm a capacidade de se encurtar. Estas particularidades permitem que o músculo se contraia quando estimulado, criando movimento. Já as células da pele são achatadas e dispostas em diversas camadas. Produzem grande quantidade de proteínas que formam um revestimento impermeável, constituindo-se numa importante barreira à entrada de substâncias químicas ou invasão por agentes infecciosos. De fato, em cada órgão do corpo, vamos encontrar células que se diferenciaram para o melhor desempenho de suas tarefas. É somente através da multiplicação celular que o organismo pode crescer e reparar-se. Neste processo uma célula origina duas outras exatamente iguais, que passam a ocupar o seu lugar. Orientadas pelas necessidades do organismo, células jovens estão constantemente se dividindo para substituir suas estruturas obsoletas e permitir seu crescimento. No indivíduo adulto, esta multiplicação ocorre, exclusivamente, para substituição de células mortas e reparação de estruturas, sendo todo o processo rigorosamente controlado. As células que constituem os animais são formadas por três partes: a membrana celular, que é a parte mais externa da célula; o citoplasma, que constitui o corpo da célula; e o núcleo, que contem os cromossomas, que por sua vez são compostos de genes. Os genes são arquivos que guardam e fornecem instruções para a organização das estruturas, formas e atividades das células no organismo. Toda a informação genética encontra-se inscrita nos genes, numa "memória química" - o ácido desoxirribonucleico (DNA). Cada pedaço de DNA com uma informação completa é chamado de gene, enquanto o conjunto de todo este material recebe o nome de genoma. O crescimento, a multiplicação e a diferenciação de todas as células são determinados por estes comandos genéticos. No interior de cada célula encontram-se dados suficientes para reproduzir toda a estrutura do organismo. As moléculas do ácido desoxirribonucleico (DNA), que formam os cromossomos, arquivam estas informações, estabelecendo a forma e a função de cada elemento do nosso corpo. É através do DNA que os cromossomas passam as informações para o funcionamento das células. Apesar da multiplicidade de formas e localização dentro do corpo, todas as células de um organismo apresentam o mesmo material genético. Podendo ser definido como uma verdadeira planta do organismo, que estabelece cada detalhe de sua arquitetura, o genoma é uma "herança eterna", recebida dos pais e transmitida aos filhos. No momento da concepção, 7 espermatozóide e óvulo fundem-se, cada um deles contribuindo com a metade do material genético do futuro embrião. Durante o crescimento do organismo, a cada divisão celular, o genoma é integralmente transmitido para todas as células-filhas. As moléculas de DNA dos genes, responsáveis pelo plano de formação e funcionamento de todas as células do nosso organismo, estão sujeitas a modificações. É o que chamamos mutação genética. No que se refere à gênese do câncer no nível celular, atualmente os pesquisadores são praticamente unânimes em reconhecer que as mutações ocupam o primeiro plano. A palavra vem do latim e significa modificação. Caso uma célula seja estimulada durante tempo suficiente, pode sofrer modificações drásticas que têm origem no nível do material genético. Os estímulos que preparam esse caminho podem ser os mais variados - mecânicos, químicos, físicos ou biológicos-, interferindo em sua estrutura, alterando a informação básica da célula. As mutações, na maioria das vezes não trazem repercussões à forma ou função das células. Entretanto, quando ocorrem em "genes chaves", responsáveis pelo controle do crescimento, multiplicação ou diferenciação das células, mesmo pequenas modificações podem determinar profundas transformações no seu comportamento. As células cujo material genético foi alterado passam a receber instruções erradas para as suas atividades. As alterações podem ocorrer em genes especiais, denominados protoncogenes, que a princípio são inativos em células normais. Quando ativados, os protoncogenes transformam-se em oncogenes, responsáveis pela malignização (cancerização) das células normais. Essas células diferentes são denominadas cancerosas ou neoplásicas. Os incríveis avanços da Biologia Molecular permitiram compreender o câncer a partir das alterações no material genético de suas células. Os efeitos cumulativos de diferentes agentes são os responsáveis pelo início, promoção, progressão e inibição do tumor. A carcinogênese é determinada pela exposição a esses agentes, em uma dada freqüência e período de tempo, e pela interação entre eles. Devem ser consideradas, também, as características individuais, que facilitam oudificultam a instalação do dano celular. O período de latência varia com a intensidade do estímulo carcinogênico, com a presença ou ausência dos agentes oncoiniciadores, oncopromotores e oncoaceleradores, e com o tipo e localização primária do câncer. Portanto, a presença dos agentes cancerígenos, por si só, não pode ser responsabilizada pelo desenvolvimento dos tumores. Há, porém, casos em que isto acontece. O carcinoma de bexiga, por exemplo, se desenvolve em 100% dos destiladores de benzidina que se expõem a esta substância de forma intensa e contínua, e o câncer de pulmão, que é conseqüência do tabagismo crônico, ocorre entre fumantes em mais de 90% dos casos. O agente oncoiniciador é o capaz de provocar diretamente o dano genético das células, iniciando o processo de carcinogênese, também chamado agente iniciador. Como exemplo de agente oncoiniciador temos o benzopireno, um dos componentes da fumaça do cigarro e alguns vírus oncogênicos, dentre outros. 8 O agente oncopromotor é o que atua sobre as células iniciadas (danificadas geneticamente), transformando-as em malignas. O agente oncoacelerador desencadeia multiplicação descontrolada e irreversível das células alteradas, que passam a se comportar de forma anormal. Atua no estágio final do processo. Diante desta perda de controle intrínseco da multiplicação celular, só resta ao organismo tentar identificar e destruir estas células anormais através do seu sistema imunológico. Se este sistema mostrar-se ineficaz, a doença passa a ter condições de evoluir. As mutações vão se acumulando no genoma da célula, determinando novas alterações no seu comportamento. Em um organismo sadio as células mutantes são eliminadas pelo sistema imunológico. Mutações em determinados genes alteram os comandos de divisão, diferenciação e morte celular, permitindo sua multiplicação desenfreada. Com seus mecanismos de controle da divisão inoperantes, a célula conquista plena autonomia, podendo crescer e se multiplicar independentemente das necessidades do organismo. Através de sucessivas divisões, a célula, agora chamada de maligna, acaba formando um agrupamento de células praticamente idênticas, que se tornam invulneráveis às defesas orgânicas, reproduzindo-se de forma descontrolada. Isto é o câncer: um grupo de células que, ao sofrerem modificações caprichosas no seu material genético, passam a apresentar crescimento e multiplicação desordenados. Estas células deixam de responder aos mecanismos de controle do organismo, duplicando-se continuamente para criar os tumores malignos. As células malignas multiplicam-se de maneira descontrolada, mais rapidamente do que as células normais do tecido à sua volta, invadindo-o. Geralmente têm capacidade para formar novos vasos sangüíneos, que as nutrirão e manterão as atividades de crescimento descontrolado. Geralmente um longo tempo transcorre desde a formação do da primeira célula maligna até o diagnóstico do câncer. Na maioria das vezes, este tempo é medido em anos ou mesmo décadas, mas ele pode variar de acordo com velocidade em que a célula tumoral se multiplica. Desta forma, enquanto um câncer de pulmão tem origem no crescimento de células malignas formadas em décadas anteriores ao seu diagnóstico, uma leucemia desenvolve-se em meses. A rapidez do desenvolvimento depende do tipo de tumor, mas por outro lado flutua também em tumores do mesmo tipo, dependendo da situação geral. Muitas vezes, um tumor já existe há anos no momento em que é descoberto, tendo um peso de cerca de um grama e consistindo de milhões de células. Deste ponto de vista, ninguém pode saber com certeza se tem câncer ou não. Nós provavelmente estamos sempre tendo câncer, só que o sistema imunológico continua competente e elimina as células cancerosas. Isto também pode ser uma razão para o terror inaudito que o tema câncer infunde. 9 Este longo período geralmente necessário para o desenvolvimento do câncer cria dificuldades para a determinação de suas causas. Os elementos responsáveis pela formação de uma doença maligna precisam ser pesquisados no passado do paciente. Eventos recentes, como acidentes e infecções, costumam apenas chamar a atenção do paciente e de seu médico para a doença já instalada, não interferindo de forma significativa com o seu curso. O fator tempo é também importante no desfecho do tratamento. Os melhores resultados costumam ser obtidos nos casos diagnosticados precocemente, o que justifica os esforços empreendidos para surpreender o câncer nos seus estágios iniciais. Esta também é uma boa razão para não se retardar o início do tratamento, quando já se tem o diagnóstico nas mãos. O câncer estabelecido cresce em progressão geométrica, alimentado por nutrientes e oxigênio transportados pelos vasos sangüíneos vizinhos. Um tumor sólido só pode ser detectado depois de trinta duplicações, quando já conta com bilhões de células e apresenta um diâmetro de seis a doze milímetros. As células cancerosas avançam em direção a outros tecidos do organismo. Distante das fontes originais de nutrição, elas obrigam o corpo a criar vasos sangüíneos para alimentá-las. Algumas células malignas adquirem a capacidade de se desprender do tumor e de migrar. Invadem inicialmente os tecidos vizinhos, podendo chegar ao interior de um vaso sangüíneo ou linfático e, através desses, disseminar-se, chegando a órgãos distantes do local onde o tumor se iniciou. Com grande quantidade de vasos, fígado, pulmões, ossos e cérebro são as partes do corpo mais atingidas pela disseminação cancerosa. Formam-se, então, novos tumores. São as metástases, um importante obstáculo ao controle do câncer. Dependendo do tipo da célula do tumor, alguns dão metástases mais rápido e mais precocemente, outros o fazem bem lentamente ou até não o fazem. Não há, entretanto, possibilidade de transmissão entre pessoas, mesmo nos contatos mais íntimos. Qualquer célula maligna que penetrasse em outro corpo seria rapidamente destruída pelo sistema imunológico deste organismo. O “Tempo de Duplicação” de cada célula (TD) deve ser considerado mais importante do que o “Tempo Tumoral” (TT), porque é o que possibilita a maior incidência de metastatização quando essas células passam a ser circulantes e também porque é nesta fase que os quimioterápicos atuam prevalentemente. O ciclo proliferativo (CP) de uma população celular é representado por quatro fases: Fase G1: pós-mitótica ou de pré-síntese de DNA Fase S: na qual ocorre a síntese de DNA com duração variável de seis a oito horas Fase G2: pré-mitótica, com duração aproximada de uma hora e ocorrendo uma nova síntese de proteínas, as de função específica, e para o “fuso” da mitose, preparando, dessa forma, a célula para a fase seguinte (M). Fase M: fase da mitose, com suas subfases: prófase, metáfase, anáfase e telófase, que também apresentam a duração aproximada de uma hora. 10 É muito importante a noção bem demonstrada de que a duração do ciclo celular, ou mais propriamente o ciclo proliferativo, está na dependência da fase G1: quando as células se acham em rápida proliferação, a fase G1 é curta e, ao contrário, quando a atividade proliferativa é baixa, a fase G1 é longa. A população celular neoplásica, diferente da normal em suas atividades funcionais antibiológicas, apresenta as fases do ciclo celular consideradas em tempo bastante variado. Entretanto, de maneira geral, já se conhece o Tempo de Duplicação (TD) ou Tempo Celular (TC) de algumas neoplasias malignas. Considerada a população celular neoplásica e o Tempo de Duplicação (TD) próprio de cada tipo celular, compreende-se o grande valor do Potencial Evolutivo Tumoral (PET) na agressividade cancerosa e, principalmente, na responsividade à quimioterapia antineoplásica e à radioterapia.Outro aspecto que merece ser lembrado é que as células cancerosas são, geralmente, menos especializadas nas suas funções do que as suas correspondentes normais. Conforme as células cancerosas vão substituindo as normais, os tecidos invadidos vão perdendo suas funções. Por exemplo, a invasão dos pulmões gera alterações respiratórias, a invasão do cérebro pode gerar dores de cabeça, convulsões, alterações da consciência, etc. 3.2 Psiconeuroendrocrinoimunologia Seguindo a tendência cartesiana, o desenvolvimento das pesquisas levou ao delineamento de uma nova especialidade: a imunologia. Foram observados novos fenômenos, e os pesquisadores perceberam que havia uma interação entre o sistema nervoso e o sistema imunológico. A imunologia passou a ser a neuroimunologia. O aprofundamento dos estudos indicou urna participação de fenômenos psíquicos na função imunológica. Estabeleceu-se, então, nova ampliação, e a neuroimunologia passou a ser a psiconeuroimunologia. Dessa forma, através do notável avanço tecnológico e embasado pelo conhecimento científico atual, houve um reencontro com o pensamento médico que, desde a antigüidade, foi defendido por inúmeros autores e que propunha uma visão abrangente do homem; que este fosse visto não sob a dicotomia mente e corpo, mas corno um todo mente-corpo (Carvalho, 1994). A inclusão do sistema endócrino fez surgir a psiconeuroendocrinoimunologia. Psiconeuroendocrinoimunologia é uma nova abordagem clínica e global do ser humano que relaciona as alterações físicas e imunológicas vinculadas às emoções. Se entendemos bem a questão da influência das emoções sobre a imunidade, o entendimento das correlações fica mais fácil. Principalmente tendo-se em mente que a imunidade é a pedra angular no desenvolvimento de qualquer tipo de câncer. A questão do adoecer físico entendido como uma quebra da harmonia entre as múltiplas instâncias do ser continuava a preocupar muitos pesquisadores. Walter Cannon, trabalhando nas décadas de 1930 e 1940, tentou descobrir que elementos mantinham a harmonia do organismo. Ao sistema de equilíbrio do corpo, Cannon chamou de homeostase. Cannon,afirmava que homeostase era 11 algo mais do que o sistema nervoso e que as reações bioquímicas funcionavam em harmonia. Esse autor afirmava que experiências normais da vida, como a puberdade, a adolescência, trabalhos árduos, fadiga, a monotonia do cotidiano podem causar impressões físicas no corpo. Ele afirmava que na realidade, toda gama de doenças humanas pode ser estudada deste ponto de vista. O conceito original de estresse foi apresentado em 1936 pelo pesquisador Hans Selye, a partir de experimentos em que animais de laboratório eram submetidos a situações agressivas e hostis diversas (estímulos estressores), das quais não podiam se defender. Nessas situações, seus organismos respondiam sempre de forma regular e específica, apresentando diversas alterações orgânicas, como o esgotamento de algumas glândulas e importantes alterações da homeostase. Eram alterações severas quando analisadas em profundidade, embora nem sempre a aparência dos animais denunciasse os graves danos havidos. Esse importante achado de Selye abriu caminho para muitos estudos que permitiram um conhecimento mais aprofundado dos mecanismos de adoecimento orgânico a partir de situações psíquicas. Um dos elementos que participam de forma importante da homeostase é o sistema imunológico. Cabem aqui algumas considerações a respeito do funcionamento desse sistema pela importância que hoje se sabe que ele tem na manutenção da saúde ou no surgimento de muitas doenças, dentre elas o câncer. Uma das características do sistema imunológico é o de poder identificar que proteínas pertencem ao organismo e quais as que são elementos estranhos a ele e que precisam, portanto, serem eliminadas. O sistema imunológico é dotado de uma memória bioquímica que o habilita a distinguir algo em torno de 10 milhões de microorganismos estranhos ao corpo. Embora experiências in vitro demonstrem que elementos do sistema imunológico funcionam autonomamente, uma vez no organismo, mantém uma estreita relação com outros sistemas, podendo ter seu funcionamento influenciado por alterações emocionais. Os estudos a respeito do sistema imunológico avançaram de forma significativa. Em meados de nosso século, por exemplo, Eldman e Portes descobriram a estrutura molecular de um anticorpo e por isso receberam o Prêmio Nobel. O conhecimento do sistema imunológico tem sido um importante elemento na compreensão da homeostase. Imunologicamente, no sangue, as células (linfócitos T) chamadas de "natural killers", têm a função de vigiar a existência de qualquer célula anômala e proporcionar sua pronta destruição. Essa tarefa que os linfócitos executam do nascimento até a morte é chamada de vigilância imunológica. Se, em qualquer momento de nossa existência, essas células procederem alguma falsa leitura, podem ocorrer diversas doenças. Quando reconhecem como anômalas células normais do organismo e, devido a esse falso reconhecimento, procederem sua destruição, estaremos diante das doenças chamadas auto-imunes. Se, pelo contrário, elas não "perceberem" a existência de células realmente anômalas, 12 poderão negligenciar sua tarefa de vigilância imunológica. Nesse caso quem aparece é o câncer. Assim sendo, muito embora os cânceres sejam vários, alguns bem localizados em determinados órgãos ou regiões, a doença em si é global e corporal. Sendo então o câncer uma doença integral da pessoa, ele deve ser o reflexo de suas relações, sejam relações com o mundo objectual (ambiente), sejam suas relações consigo própria. Muitos autores concordam em afirmar que os pacientes de câncer costumam ter em comum o fato de terem perdido alguma parte de suas relações antes de apresentarem a neoplasia. Desemprego prolongado, depressão e luto são os estressores críticos mais estudados. Todos parecem produzir um rebaixamento da resposta linfocitária, com casos de imunossupressão prolongada (O’Leary, 1990). No final dos anos 30, Franz Alexander, em Chicago, Estados Unidos, afirmava que muitos distúrbios crônicos não são causados por fatores externos, químicos, mecânicos ou microbiológicos, mas por estresse funcional que atua durante a vida cotidiana do organismo em sua luta pela existência. Alexander criou uma nova disciplina, a Medicina Psicossomática, que assumia a antiga crença de que a mente tem um importante papel na manutenção da saúde física. Segundo Alexander, a Medicina Psicossomática partiu de algumas descobertas como as de Cannon: muitas das funções orgânicas eram controladas pelo sistema nervoso central (SNC) e que este recebe a influência de uma instância central reguladora que, conforme Locke (1986) é chamada de personalidade. Pesquisas que vêm sendo desenvolvidas, sobretudo a partir da última década, têm sugerido uma inter-relação entre o SNC e o sistema imunológico, havendo uma intercomunicação entre estes dois sistemas em ambos os sentidos, ou seja, do SNC para o sistema imunológico e do sistema imunológico para o SNC, participando desse processo também aspectos psicológicos. Vários trabalhos apontam em direção à possibilidade de que interações psiconeuroimunológicas podem ser um dos mecanismos biológicos que sustentam as correlações entre aspectos psicológicos e o câncer. Segundo Bovbjerg (1991), o SNC pode usar como caminhos para regular a atividade do sistema imunológico, dentre outros, a inervação autonômica do órgãos linfóides, além das clássicas respostas neuroendócrinas. Tem sido demonstrado que os linfócitos contêm receptores para uma grande variedade de neurotransmissores, neuropeptídeos e hormônios. Foram descobertas também funções imunomoduladoras de muitos hormônios e neuropeptídeos, como é ocaso dos opiáceos endógenos. Há evidências de que há vias aferentes entre o sistema imunológico e o SNC. Em animais, o estímulo do sistema imunológico por injeções de antígenos causa alterações em níveis de neurotransmissores em regiões localizadas do cérebro. Postula-se que isso ocorre porque os leucócitos produzem vários hormônios peptídicos, dentre eles o ACTH e encefalinas, que antes se acreditava ser incumbência exclusiva do sistema neuroendócrino. Especula-se que urna das funções do sistema imunológico seria, então, a de um órgão sensorial que informaria o SNC da presença de elementos estranhos ao 13 organismo, como vírus e bactérias. Pensa-se que a regulação dos sistemas fisiológicos é feita através de três estratégias de controle automático: feedback, feedforward e controle adaptativo. Um exemplo de feedback nos é fornecido por Basedovsky (1991) e colaboradores, que mostraram que a estimulação de monócitos induz a secreção de interleucina 1, o que resulta no aumento dos níveis de ACTH, que, por sua vez, aumenta o nível de corticosteróides e que, agora faz com que se reduzam os níveis de interleucina 1. Exemplos de feedforward têm sido obtidos através de estudos clássicos de condicionamento em animais. Obtiveram-se aumentos condicionados ou diminuição condicionada de uma grande variedade de respostas imunológicas através de estímulos ambientais. As evidências trazidas pelos sistemas de feedback e feedforward nos levam a pensar que o SNC regula a atividade do sistema imunológico. Se assim é, não há como não pensar na possibilidade de que fatores psicológicos podem exercer efeitos sobre os processos de controle e, então, alterar o sistema imunológico. De fato, pesquisadores que têm se debruçado sobre esse assunto mostram claras evidências de que estados psicológicos como depressão e ansiedade podem alterar o funcionamento do sistema imunológico. De um modo geral, há muito tempo os clínicos estão cientes sobre a influência do trajeto neuro-endócrino e da ação do hipotálamo na resposta imunológica do organismo, bem como, e por causa disso, na origem e no curso do câncer. É no denominado Sistema Límbico que tem início nossa função avaliadora da situação, dos fatos e eventos de vida. Esse modo de avaliação sempre leva em consideração vários elementos, tais como, a personalidade prévia, a experiência vivida, as circunstâncias atuais e as normas culturais. Acontecem também a partir do Sistema Límbico as diversas interações entre os sistemas nervoso, endócrino e imunológico, fazendo interagir as percepções córticocerebrais com o hipotálamo. O estresse, seja ele de natureza física, psicológica ou social, é um termo que compreende um conjunto de reações fisiológicas, as quais, sendo exageradas em intensidade e duração, acabam por causar desequilíbrio no organismo, freqüentemente com efeitos danosos. As primeiras constatações laboratoriais do estresse emocional foram relatadas em 1943, quando então se comprovou um aumento da excreção urinária dos hormônios da glândula supra-renal em pilotos e instrutores aeronáuticos em vôos simulados e, alguns anos antes essas alterações já haviam sido suspeitadas em competidores de natação momentos antes das provas. Como mencionado anteriormente, o conceito original de estresse foi apresentado por Hans Selye, que descreveu toda ocorrência do estresse sob o nome de Síndrome Geral de Adaptação, com três fases sucessivas: alarme, resistência e esgotamento. Após a fase de esgotamento, observava o surgimento de algumas doenças, tais como a úlcera péptica, a hipertensão 14 arterial, artrites e lesões miocárdicas. Como dissemos inúmeras vezes, mais importantes que os estímulos objetivamente tidos como estressores, são os estímulos estressores avaliados e julgados como tais pelas diferentes pessoas. Existe uma sensibilidade (afetiva) pessoal e particular em cada um de nós, constituindo um conjunto de mecanismos dos quais o organismo lança mão em reação aos agentes particularmente tidos como estressores, caracterizando a forma como cada pessoa avalia e lida com estas situações. Essa sensibilidade pessoal à realidade explica por que avaliamos desta ou daquela forma as situações tidas como desafiadoras, enfrentando-as ou não, e reagindo a elas de maneiras particulares e muito pessoais, "permitindo" assim que elas exerçam maior ou menor repercussão sobre o organismo. Parece que o sistema imunológico reage diferentemente que do exposto a um estressor agudo ou crônico.Enquanto frente a uma situação de estresse agudo o organismo reage ativando o funcionamento do sistema imunológico, visam proteger-se contra uma invasão, durante o estresse crônico a reação parece ser diferente. Vernon Riley mostrou que o estresse ambiental pode diminuir o período necessário para o desenvolvimento de tumores mamários em ratos. John Mason demonstrou que o estresse produz uma ampla variedade de mudanças hormonais em macacos, e que determinados tipos de estresse produzem mudanças hormonais específicas. Relativos a estresse agudo (aquele associado a um único evento), estudos muito interessantes têm sido feitos com estudantes universitários em época de exames. Kiecolt-Glaser et al. (1984, 1986) realizaram uma série de experimentos para investigar uma variedade de mudanças imunológicas resultantes do estresse de exames escolares. Os resultados revelam significativas alterações no sistema imunológico dos estudantes. Entretanto, as mudanças não foram necessariamente seguidas de doenças. O que mostra que é possível haver grandes alterações dos parâmetros imunológicos sem o surgimento de uma doença. A resposta imune ao estresse se dá através de uma ação conjunta entre o sistema nervoso, sistema endócrino e sistema imunológico. Por excesso de intensidade ou duração do estresse pode surgir alguma doença atrelada a qualquer desses sistemas. Entre 1970 e 1990 foram muito expressivos os experimentos de laboratório que tentavam comprovar a relação entre Sistema Nervoso Central (SNC) e Sistema Imunológico. Nessas duas décadas chegou-se a constatar o despovoamento celular do timo em ratos, através da indução de lesões no hipotálamo. Também se demonstrou que lesões destrutivas no hipotálamo dorsal levavam à supressão da resposta de anticorpos. Isso tudo sugeria que o hipotálamo seria uma espécie de base de integração entre os sistemas nervoso e imunológico na resposta ao estresse. A partir de 1990 constata-se também que alterações ocorridas na hipófise também poderiam determinar modificações imunológicas, visto que a extirpação dessa glândula ou mesmo seu bloqueio farmacológico impedia a resposta imunológico no animal de laboratório. 15 O hipotálamo, contíguo com a hipófise, secreta substâncias conhecidas por neuro-hormônios, como é o caso, entre outros, da dopamina, da norepinefrina e do Fator Liberador da Corticotrofina (CRF), e é o sítio cerebral responsável pela constelação de respostas orgânicas aos agentes estressores. Uma das principais ações da hipófise durante o estresse se faz sentir nas glândulas supra-renais. O hipotálamo, produzindo o Fator Liberador da Corticotrofina, estimula a hipófise para aumentar a produção do ACTH, o qual, por sua vez, promove o aumento na liberação dos hormônios da glândula supra-renal, que são os corticosteróides e as catecolaminas. Esses últimos são de fundamental importância na resposta fisiológica ao estresse. O aumento na produção destes hormônios pelas glândulas supra-renais é o principal indicador biológico da resposta ao estresse. A fisiopatologia sabe que os níveis aumentados de corticosteróides influenciam o sistema imunológico inibindo a resposta inflamatória, afetando essencialmente a função dos linfócitos T. Temporariamente esta inibição da resposta imunológicaparece ser benéfica, tendo em vista diminuir a intensidade das reações inflamatórias aos agentes de estresse. Uma alteração precoce que se observa durante o estresse é o aumento nos níveis dos hormônios corticoesteróides (cortisona) secretados pelas glândulas supra-renais. Parece que estes níveis acham-se em proporção inversa à eficácia dos mecanismos de adaptação, ou seja, nos casos com mecanismos adaptativos adequados os níveis não são muito elevados mas, no caso de pessoas deprimidas, portanto, com severas dificuldades adaptativas, esses níveis são maiores. A glândula supra-renal parece ter um desempenho mais ou menos seletivo no estresse. Em estados de agressão, enquanto a córtex secreta cortisona, a medula da glândula também participa, liberando norepinefrina (noradrenalina). Nas situações estressoras de tensão e ansiedade a liberação medular privilegia a epinefrina (adrenalina). Mello Filho reviu experimento de 1976, onde pôde constatar em macacos submetidos a estresse um aumento dos níveis de 17-hidroxicorticoesteróides, catecolaminas (epinefrina e norepinefrina), hormônio estimulador da tireóide (TSH) e hormônio do crescimento (GH), enquanto se observava um decréscimo dos hormônios sexuais, invertendo-se essa situação à medida que o animal se recuperava. As catecolaminas (adrenalina e noradrenalina) afetam as reações imunológicas, seja por reação fisiológica, como por exemplo a contração do baço, seja por estímulo celular através de receptores específicos (adrenérgicos) na membrana celular. O certo é que o aumento das catecolaminas inibe as respostas de anticorpos. As catecolaminas também podem ter sua liberação condicionada a fatores neuro-psicológicos. Num estudo clássico, desenvolvia-se experimentalmente a supressão da função imunológica pelo uso de imunossupressor (ciclofosfamida), associado a uma bebida contendo substância de gosto muito particular e forte (sacarina). Essa supressão podia repetir-se quando era administrada apenas a bebida com sacarina, caracterizando, portanto uma supressão imunológica através de condicionamento biológico, já que a sacarina não é imunossupressora. Portanto, como vimos até agora, as células do 16 sistema imunológico encontram-se sob uma complexa rede de influência dos sistemas nervoso e endócrino. Seus mediadores (neurotransmissores e hormônios diversos) atuam sinergicamente com outros produtos linfocitários, de macrófagos e moléculas de produtos inflamatórios na regulação de suas ações. Experiências dessa natureza sugerem grande variedade de hipóteses sobre a influência das emoções na imunidade. Além dos corticosteróides (cortisona) e catecolaminas (adrenalina) das glândulas supra-renais, outros hormônios participam da revolução orgânica do estresse. O ACTH, a vasopressina, a prolactina (PRL), o hormônio do crescimento (GH), o hormônio estimulador da tireóide (TSH), que são hipofisários, também atuam sobre o sistema imunológico através de receptores específicos nas células linfóides. Mas para compreender melhor os mecanismos hormonais do estresse, é importante saber que esses hormônios são também produzidos, em pequenas quantidades, por linfócitos. Outras substâncias produzidas por linfócitos e que participam ativamente das reações de estresse são as linfocinas e monocinas. Estas substâncias são secretadas por células linfóides e macrófagos, e são dotadas da capacidade de amplificar a inflamação produzida pelas reações imunológicas. Algumas destas linfocinas e monocinas podem influenciar glândulas na liberação de alguns hormônios, como é o caso da Interleucina 1, que volta a estimular a hipófise na liberação de ACTH. Diversos outros produtos inflamatórios, tais como prostaglandinas, leucotrienos e tromboxanes, produzidos nas mais variadas células, linfóides ou não, desempenham alguma influência sobre o sistema imunológico. Eles atuam sobre os linfócitos T e macrófagos, estimulando-os ou inibindo-os na reação ao estresse. Além desses hormônios e neuro-hormônios produzidos pelas glândulas supra- renais, linfócitos e hipotálamo, acredita-se, atualmente, no importante papel dos neuropeptídeos na regulação, transmissão e execução das ações do sistema nervoso. São proteínas liberadas a partir de terminações nervosas em diversos órgãos, incluindo o hipotálamo, e também por células linfóides. Alguns destes peptídeos, como a betaendorfina, a encefalinametionina, a Substância P, o Peptídeo Intestinal Vasoativo (VIP) e a Somatomedina, dependendo de determinadas condições, parecem inibir ou estimular células linfóides diversas, participantes do processo de resposta ao estresse. A par das atribuições dos hormônios, neuro-hormônios e neuropeptídeos no desenvolvimento das reações de adaptação do estresse, ressalta-se a capital importância do Sistema Nervoso Autônomo (Simpático e Parassimpático) sobre o sistema imunológico. Um dos indicadores dessa atuação é a contração da cápsula do baço (Sistema Simpático) durante o estresse. Observou-se também um aumento de liberação do ACTH pela hipófise, como resultado da ação de hormônios tímicos (timosina, timopoietina, timopentina). Em timos de ratos detecta-se a presença de Fator Liberador de Corticotrofina, que é um fator que age sobre a hipófise estimulando-a para a secreção de ACTH. Este ACTH, por sua vez, é essencial na resposta ao estresse por atuar sobre as glândulas supra-renais. 17 Será a crença no remédio tão importante quanto o próprio remédio? Será que isso ajuda a explicar o efeito dos placebos e da Medicina alternativa? Seriam, essas hipóteses, capazes de estabelecer relações entre os estados de ânimo positivos e o aumento da sobrevida de pacientes portadores de AIDS, ou de câncer? O sistema imunológico, portanto, parece explicar as interações entre os fenômenos psicossociais aos quais as pessoas estão submetidas e importantíssimas áreas de patologia humana como, por exemplo, as doenças de auto-imunes (auto-agressão), infecciosas, neoplásicas e são centenas de experimentos que atestam a expressiva influência das emoções no Sistema Imunológico. Estão citados na Tabela seguinte apenas poucos trabalhos experimentais sobre imunidade e transtorno emocional, alguns referidos por Mello Filho e outros mais recentes. AUTOR ANO EXPERIMENTO Meyer e Haggerty 1956 16 famílias acompanhadas por um período de 12 meses. Cerca de um quarto de todas infecções de orofaringe por estreptococos seguiram-se a crises familiares. Kasl 1979 Observou que cadetes militares em épocas de grande pressão eram mais propensos a contrair mononucleose infecciosa do que outros cadetes pertencentes a grupo controle. Baker e Brewerton 1981 Estudaram 22 pacientes portadores de artrite reumatóide e os compararam com grupos controle. Puderam observar que o início da doença seguiu-se a eventos traumáticos na vida destes pacientes em nível estatístico significativo, quando comparados ao grupo controle. Schleifer 1983 15 homens que recentemente perderam suas mulheres por câncer de mama tinham respostas diminuídas de Linfócitos T no início do trabalho, com aparente recuperação na medida que o acompanhamento prosseguia e o luto passava. Kronfol 1983 Utilizou a fitohemaglutinina, a concavalina A e o mitógeno vegetal PW, que induzem ativação de linfócitos, para estudar competência imunológico em indivíduos deprimidos, encontrando alterações. Linn 1984 Encontrou função imunológica reduzida em pessoas enlutadas e com graus importantes de depressão avaliados por uma escala. Marasanov 1999 Um relacionamento entre falha imunológica e distúrbios emocionais (ansiedade, fobia e depressão) foram identificados em pacientes com câncer de pulmão. Mori, Kaname e Sumida 1999 O cortisol do plasma aumentou durante estimulação de estresse em gatos, sugerindoque o estresse hipotalâmico induzido é um modelo útil para estudos imunológicos. Os padrões psico-neuro-endócrinos fisiológicos são diferentes conforme a etapa evolutiva do organismo humano, são denominados conforme a predominância das funções endócrinas, e têm a sua influência diferencial nas 18 atitudes psico-neurológicas fisiológicas. Assim é que durante a adrenarca (sete ou oito anos de idade) ainda não houve a predominância da participação da hipófise ou da glândula tireóide, das glândulas supra-renais ou das glândulas sexuais (é claro que sempre está existindo a secreção de seus hormônios, porém, não em predominância ou participação bastante influente). Do sete aos onze ou doze anos vai se processando a alteração do padrão psico-neuro- endócrino até que nessa idade (onze ou doze anos no Brasil) instalam-se as alterações puberais. Já começaram desde os doze anos, e continuam em evolução, as manifestações características da feminilidade e da masculinidade. Daqui por diante mantém-se os padrões da idade adulta para ambos os sexos com suas características próprias e, por assim dizer, comparativamente aos primeiros padrões. Com a predominância funcional genito-adrenal até a menopausa e a andropausa, que constituem os últimos padrões, os quais em decréscimo funcional, caracterizam o declínio da vida física e psico-neurológica da velhice. Propositadamente foram relatados esses conceitos gerais para compreender que o desequilíbrio da homeostase hormonal de qualquer desses padrões constitui um outro importante fator trófico do tumor. Os tumores hormônio- dependentes são bastante comprovados (carcinoma de mama, carcinoma de próstata e carcinoma de endométrio), porém, pode se generalizar, de maneira indireta, a hormônio-dependência no conceito da homeostase endócrina variável com as fases evolutivas psico-neuro-endócrinas, na instalação de qualquer tipo de estresse. Em relação às questões hormonais nos tumores hormônio-sensíveis, estas não seriam fatores causadores da neoplasia, porém, mantenedores e condicionando a piora da evolução daquela neoplasia hormônio-dependente. Corresponde às reações do tecido conjuntivo em torno das células do tecido canceroso formando verdadeira fibrose, que de certa forma “separa” as células cancerosas das fontes nutridoras que são os vasos sangüíneos principalmente. É como se interpreta a ação dos hormônios nos tumores diretamente hormônio-sensíveis. Os estrógenos no câncer da próstata “afogariam” as células tanto na próstata quanto nas metástases, pela proliferação fibrosa do tecido intersticial, aumentando a porcentagem de células necrosadas em relação às células em “proliferação”, diminuindo, portanto, o Tempo Tumoral (TT). No câncer de mama e do endométrio teriam ação semelhante os respectivos hormônios antagonistas. É importante acentuar esta oportunidade que os hormônios utilizados em terapêutica oncológica também o são pela função “antagonista” no “push-pull” endócrino, considerado os hormônios-dependentes como mantenedores da neoplasia considerada. Sabe-se que durante o estresse (infecção, inflamação, traumatismo, cirurgia, crise emocional, etc) ocorrem sempre as alterações hormonais mencionadas, principalmente do triângulo hipófise-supra-renais-gônadas, com uma evolução natural de aproximadamente de oito a quatorze dias, existindo a inibição ou a predominância deste ou daquele hormônio com as conseqüentes e diretas alterações metabólicas e hidroeletrolíticas. Nestas condições de estresse ocorre sempre a diminuição da resistência, ou seja, alteram-se a imunopoiese humoral e celular, a própria fagocitose sofre alterações, modifica-se o metabolismo celular geral, a princípio no sentido da predominância 19 catabolizante, para só depois de oito a quatorze dias, retornar ao metabolismo normal. Por todos estes motivos a agressão tumoral poderá ser agravada, às vezes mesmo de maneira mortal. São conhecidos e difundidos os acontecimentos clínicos de maneira irrefutável: leucemias agudas em remissão, linfomas em remissão, e que pelo estresse de uma virose (sarampo, varicela, parotidite epidêmica) entram em “explosão”, em recidiva tão grave que leva à morte em dias ou semanas, sem a menor responsividade terapêutica que antes tinha se demonstrado eficiente. Há experiência no sentido também do estresse emocional: um jovem leucêmico em plena remissão de mais de ano, inadvertidamente soube qual era sua doença e, em menos de uma semana, a morte ocorria pelo grande traumatismo emocional que sofrera e, sem a menor responsividade terapêutica, mantendo-se em “depressão reativa” intensa até a morte. É também fato reconhecido que o canceroso que vai se submeter a um ato cirúrgico precisa ser preparado psíquica e metabolicamente (não estar desidratado, com distúrbios eletrolíticos, com hipossorroalbuminemia abaixo de 2,5%, não estar grandemente anêmico, etc) porque o estresse cirúrgico poderá “explodir” as metástases já existentes e encurtar significativamente a sobrevida do paciente, tudo porque houve a influência endócrina do estresse cirúrgico e emocional na imunopoiese antitumoral. Com esses exemplos da experiência clínica e baseados em princípios científicos bem demonstrados, está expresso o outro fator trófico do tumor, o equilíbrio psico-neuro-imuno -endócrino e a influência desfavorável da sua alteração do trofismo da neoplasia maligna. 3.3 Etiologia Poucas doenças demonstram ser tão dependentes de uma causa multifatorial como o câncer. Inúmeros fatores participam do desenvolvimento destas doenças, na maior parte das vezes identificados no meio ambiente. Esses fatores, como acontece em tantas outras situações patológicas, representam influências constitucionais e ambientais, simultaneamente. Todo câncer surge pela combinação de fatores ambientais com predisposições genéticas. Trata-se de uma doença geneticamente determinada e constitucionalmente programada. Estímulos externos, químicos, físicos ou biológicos, ou chamados agentes cancerígenos, ao determinar modificações do material genético de uma célula, tornam-se responsáveis pela sua malignização. Um grande passo foi dado com a descoberta dos fatores de risco do câncer: alimentação (35%), cigarro (30%), sol (10%), hereditariedade (10%), viroses (7%), exposição a produtos químicos (4%), álcool (3%) e exposição à radiação (1%). No entanto, o câncer necessita sempre, para seu desenvolvimento, de alguma falha do sistema imunológico do organismo em algum momento. A sensibilidade pessoal aos agentes cancerígenos surge como um fator adicional 20 na formação do câncer. Também depende da influência do estilo de vida, como por exemplo, fatores alimentares. É susceptível à influência de fenômenos de estresse e a fatores psicológicos vários, quer em sua origem, quer em sua evolução. Devido ao longo tempo necessário para o desenvolvimento de uma doença maligna, suas causas só podem ser encontradas no passado de cada paciente. 3.3.1 Herança genética A neoplasia maligna depende da relação tumor-hospedeiro na sua instalação, no crescimento local e na disseminação. Durante muito tempo prevaleceu o conceito de que o câncer apresentava um desenvolvimento exclusivamente autônomo. Porém, os conhecimentos empíricos da evolução variada de um mesmo tipo de tumor desde alguns meses até muitos anos, a cura terapêutica de muitas variedades de tumor, a incurabilidade de outros, a cura espontânea bem comprovada, já induziam à inconsistência do conceito da autonomia do câncer. Os processos da citologia e da imunologia, considerando a célula neoplásica maligna com capacidade antigênica e a formação dos respectivos anticorpos, a imunoterapia já agora com resultados satisfatórios, demonstraram o conceito, hoje vigente, da evolução do câncerconforme a relação tumor/hospedeiro. O câncer seria, à semelhança das infecções, uma agressão ao organismo normal e este, em contrapartida, teria e tem vários elementos para se defender e/ou refutar essa agressão. A constituição, como fator genético, já era reconhecida empiricamente desde há muitos anos pela experiência clínica e, atualmente, está bem definida como sendo uma condição de maior facilidade ou susceptibilidade de origem genética que determinadas populações celulares normais apresentam-se no sentido de se habilitarem à mutagenicidade dos seus DNA e/ou dos RNA, por intermédio ou não das enzimas liberadas pelos lisossomos e transformando a célula normal em célula neoplásica. Os exemplos da clínica são numerosos: membros de uma mesma família apresentando o mesmo tipo de carcinoma e no mesmo órgão; a observação de um mesmo paciente com um, dois, três e até quatro tipos de neoplasias malignas, geralmente de ocorrência sucessiva depois da cura ou não dos anteriormente existentes. Quem tem uma vivência clínica de câncer, verifica que estas condições de multiplicidade de neoplasias em um mesmo indivíduo não são raras. Todas as nossas características físicas são determinadas pelas informações genéticas, armazenadas em moléculas de DNA, que herdamos de nossos pais. Detalhes como altura, cor dos olhos, aptidões artísticas, matemáticas e esportivas, resistência às infecções, tendência à obesidade e às doenças cardiovasculares são determinados por esta herança, em grau variado. A 21 programação codificada dentro dos genes vai sendo cumprida de acordo com as condições que o organismo encontra no meio ambiente. Isto é, se há alimento disponível, o organismo pode crescer; havendo treinamento físico, um atleta pode se desenvolver; com os estímulos adequados, um artista pode criar. Para as doenças, isto também é verdade. Toda doença surge da interação do organismo com o meio ambiente. Uma doença infecciosa não se desenvolve sem o agente invasor, mas sua evolução varia muito de acordo com a reação do organismo. Com o câncer não é diferente. Cada pessoa apresenta uma sensibilidade própria aos diversos agentes causadores do câncer, definida pelo seu patrimônio genético. Enquanto que em certos indivíduos quantidades mínimas de uma substância química promovem o desenvolvimento de um determinado tumor maligno, para outros isto só ocorre com doses muito elevadas. Estas características, geneticamente determinadas, são comuns aos indivíduos de uma mesma família. Assim, da mesma forma que o membro de uma família de obesos com doenças cardíacas tem maiores chances de apresentar um infarto do miocárdio (principalmente se também for gordo), uma mulher, com mãe, tias e irmãs portadoras do câncer de mama, é forte candidata a apresentar esta mesma doença. Algumas vezes, a participação das características é tão marcante no desenvolvimento de uma doença que passamos a chamá-la hereditária. Nesta situação a enfermidade se manifesta quase que independentemente das condições ambientais. No entanto, só muito raramente, o câncer se apresenta com um componente hereditário realmente importante, com algumas poucas famílias carregando genes que predispõem ao desenvolvimento de tumores malignos. A condição genética bem definida está expressa, em pesquisa recente, na anomalia cromossômica da leucemia crônica granulocítica (cromossomo Ph-I, de Filadélfia), no retinoblastoma como um gene dominante de penetrância reduzida e no feocromocitoma como um gene autossômico dominante. É interessante referir a maioria incidência do câncer gástrico relacionado com o grupo sangüíneo A. Do ponto de vista prático, as doenças malignas devem ser entendidas como resultantes da exposição do organismo a agentes cancerígenos que criam condições para o desenvolvimento do câncer. A sensibilidade individual determina o maior ou menor risco da pessoa ser afetada. É claro que a existência de casos familiares deve ser sempre pesquisada quando se estabelece um programa individual de prevenção e diagnóstico precoce. Entretanto, os aspectos hereditários do câncer não devem ser motivo de preocupação imediata no momento em que se enfrenta o diagnóstico de câncer em algum parente próximo. 3.3.2 Fatores ambientais Agente carcinogênico ou cancerígeno é todo o causador de modificações no DNA de uma célula capaz de levá-la a uma proliferação desordenada, dando 22 origem ao câncer. São agentes cancerígenos: produtos químicos, radiações e microorganismos. Um exemplo de agente carcinogênico do tipo radiação é a luz solar, que com seus raios ultravioleta é responsável pela grande maioria dos cânceres de pele. A diminuição da camada de ozônio poderá colaborar para o aumento da incidência deste tipo de tumor. Agentes cancerígenos químicos são encontrados no fumo, que representa o maior risco conhecido ao desenvolvimento de doenças malignas no ser humano. Acredita-se que um terço dos tumores malignos seja causado pelo hábito de fumar, reconhecendo-se, hoje, mais de quatro mil substâncias carcinogênicas na fumaça do cigarro. Outras substâncias químicas têm sido responsabilizadas pelo desenvolvimento de doenças malignas, boa parte delas após exposições prolongadas no ambiente de trabalho. Asbesto, na indústria naval e de construção civil, aminas aromáticas, presente na manufatura de tinturas, benzeno, da indústria química, são alguns destes agentes carcinogênicos. Alguns microrganismos, como o Papiloma Vírus (causador da verruga genital, doença sexualmente transmissível) e o vírus Epstein-Baar (agente responsável pela mononucleose infecciosa), têm a capacidade de promover alterações no DNA das células que infectam, favorecendo sua malignização. 0 vírus da AIDS (HIV) causa um comprometimento do sistema imunológico que pode favorecer o crescimento de doenças malignas dentro do organismo por ele infectado. Embora este vírus não cause diretamente o câncer, cria condições ideais para seu desenvolvimento dentro de um organismo debilitado. Estima-se que até 70% dos casos de câncer podem ser evitados simplesmente impedindo-se a exposição aos fatores de risco ambientais. A eliminação do hábito de fumar, modificações na dieta com um maior consumo de frutas, verduras, legumes e cereais, prevenção das doenças sexualmente transmissíveis e do controle na exposição a agentes químicos, radiações ionizantes e raios ultravioleta são medidas práticas que contribuem para a redução máxima do risco de se desenvolver um câncer. 3.3.3 Fatores psíquicos e sociais É cada vez maior o número de pesquisadores que reconhecem o papel dos fenômenos psíquicos e psicossociais no desenvolvimento do câncer. Fatores sócio-culturais possivelmente associados ao desenvolvimento do câncer já foram investigados há décadas, mediante extensos questionários e avaliações minuciosas. Diferenças de classes sociais, de atividades ocupacionais, de elementos ambientais e do estilo de vida, foram associadas aos variáveis riscos para o câncer. Essas pesquisas têm apontado cada vez mais para os componentes emocionais e comportamentais associados ao desenvolvimento de doenças malignas (Cox T, Mackay C, 1982). 23 Parece que há uma concordância de que outros fatores como alimentação, fumo, stress, genética, agentes químicos poluentes, maus hábitos, etc. compõe o perfil do paciente oncológico. Os fatores determinantes não estão isolados e o conjunto com alguns dos itens é suficiente em alguns casos para o surgimento da doença; em contrapartida muitas vezes, mesmo com vários indícios para o aparecimento do câncer, pode-se observar que o mesmo não se manifesta. As exigências sociais e psicológicas parecem cada vez mais associadas ao desenvolvimento do câncer. Sabe-se hoje, portanto, que a Medicina nãomais descobre causas únicas para as patologias, como se pensou no final do século passado e até meados deste século. Tem sido descobertas apenas condições necessárias, mas não suficientes para que a enfermidade adquira seu aspecto e localização que podem então caracterizá-la naquele momento. Há muito tempo vem-se estudando elementos emocionais que acompanham e/ou antecedem o aparecimento das neoplasias. Já são centenas as pesquisas que investigam, nos últimos anos, a relação entre estresse, depressão e função imunológica. Galeno, médico grego do século II, atribuía o surgimento do câncer a uma propensão à melancolia. Sir. James Paget, há mais de um século definiu o câncer: "São tão freqüentes os casos em que a ansiedade profunda, a esperança adiada e o desapontamento, são rapidamente seguidos pelo crescimento e aumento do tumor, que não podemos duvidar que a depressão mental seja um poderoso complemento para as outras influências que favorecem o desenvolvimento da formação cancerosa." No início do século XX, surgiram alguns trabalhos de orientação psicodinâmica, como o de Elida Evans, que em 1926, em seu livro A psychological study of cancer (apud Simonton, 1987), relatou, a partir do acompanhamento de cem pacientes de câncer, ter percebido que muitos destes haviam, pouco antes do aparecimento da doença, perdido um ente querido ou uma função social. Evans concluía que tais pessoas haviam investido muito de sua identidade em um objeto ou papel individual ao invés de desenvolver sua própria identidade. Quando perdiam esse objeto ou função, tais pacientes entravam em contato com eles mesmos, sem terem recursos internos para isso. A partir de 1950 começaram a surgir muitos trabalhos de orientação psicanalítica estudando a estrutura de personalidade dos pacientes com câncer. Esses estudos identificaram fatores psicossociais de risco para o surgimento do câncer, dentre os quais o estresse, traços de personalidade e hábitos pessoais. Esse assunto tem despertado o interesse de muitos pesquisadores mesmo em áreas estranhas ao referencial psicanalítico. À medida que se sofisticaram as técnicas de pesquisa, os estudos passaram a incluir fatores de risco e prevenção; a evolução da doença e tratamentos; os estudos dos doentes que sobreviveram muito tempo e o luto. 24 No que diz respeito ao câncer, os estudos em animais têm se mostrado contraditórios. Há, no entanto, um dado que parece se confirmar. Estresse em animais provavelmente influem no crescimento de tumores, mas não no surgimento do câncer. Com relação às pesquisas feitas com animais, interessantes estudos realizados em ratos revelaram que os sujeitos do experimento que podiam controlar os choques elétricos aos quais eram submetidos não desenvolveram os tumores que lhes tinham sido inoculados. Aqueles animais que, em função de dispositivos da experiência, não podiam controlar os choques, entravam em estado de desespero seguido de prostração, tendo aumentado o crescimento dos tumores. Esse experimento deu origem ao “modelo do desamparo”. Transposto para a espécie humana, o desamparo é considerado por alguns autores como um dos elementos que pode influenciar o desenvolvimento do câncer. A habilidade do indivíduo em lidar com o estresse parece ser de importância nesse modelo. Assim, os aspectos subjetivos de um determinado agente estressor para um determinado indivíduo passam a ser mais importantes do que os aspectos objetivos do estresse. Postula-se atualmente a adoção de um modelo biopsicossocial atrelado ao desenvolvimento do câncer. Dentro desse raciocínio, evidencia-se um dos fatores psicossociais mais importante: a expressão emocional da pessoa. Esse perfil emocional pode estar diretamente envolvido no início e na progressão do câncer (Gross J, 1989). Em razão da grande importância do câncer e do sofrimento dele decorrente, provavelmente este tem sido o campo da psico- imunologia que mais se desenvolveu nos últimos anos. Já foram publicados trabalhos onde se estabelecem relações entre sentimentos de perda, vergonha, desesperança ao surgimento de linfomas, leucemia e outros tipos de câncer. Sentimentos tais como a perda de uma relação significativa, a incapacidade de expressar sentimentos hostis, uma importante tensão em relação a uma figura parental, sentimentos de desamparo e de desesperança freqüentemente se associam ao surgimento do câncer. Temoshok (citado por Cox T e Mackay C) sugere que dois grupos principais de fatores possam estar relacionados a um risco aumentado do câncer: primeiramente, a perda de uma relação importante (freqüentemente pai, mãe, filho ou cônjuge) e, em segundo, uma grande inabilidade em expressar sentimentos (hostis, irritáveis, etc) ou uma liberação inadequada da emoção. Entre esses sentimentos de perda de relações, o luto parece desempenhar papel preponderante. Os diversos mecanismos psicofisiológicos que relacionam as emoções com o início do câncer adquirem força quando se considera o papel do sistema nervoso central na regulação do sistema imunológico. Tem-se verificado que a função imunológica do organismo, mais precisamente a resposta imunológica à estimulação linfocitária, era suprimida em viúvos nos primeiros meses que se seguiam à morte da esposa. Uma supressão menos pronunciada era também observada do quarto ao décimo quarto mês de luto. 25 Os fatores psicossociais de risco ao desenvolvimento do câncer, segundo alguns autores, distinguem-se em indiretos e diretos: os fatores indiretos são definidos como as atitudes psicossociais da pessoa que conduzem à probabilidade de câncer aumentada, dependendo, pois, dos traços de sua personalidade e da maneira de reagir à vida, relativamente independente dos estressores do cotidiano. Já os fatores diretos seriam os estressores psicossociais propriamente ditos, que induzem as reações psicológicas que podem conduzir aos transtornos físicos-imunológicos do organismo. Portanto, um dos fatores diz respeito mais às características pessoais e o outro às exigências ambientais (Hürny C, 1984). Esses fatores poderiam chamar-se subjetivos e objetivos, ou ainda, psíquicos e sociais, respectivamente. Esse tipo de raciocínio sugere que, embora uma perda pessoal significativa (morte do cônjuge, p. ex.) possa ser considerada mórbida bastante para o desenvolvimento do câncer, esse evento sozinho poderá não ser suficiente. Há pois, necessidade de um tipo pessoal e próprio de reação psicológica à perda para, aí sim, aumentar-se o risco do câncer. Assim sendo, as evidências convergem para fatores que parecem predispor algumas pessoas, mais que outras, a desenvolver o câncer ou fazê-lo progredir mais rapidamente através de seus estágios de desenvolvimento. Estes fatores incluiriam: a. determinados traços da personalidade ou estilos de lidar com a realidade, definidos como Personalidade Tipo C b. dificuldades da pessoa expressar suas emoções com clareza e sinceridade e c. uma atitude ou tendência exagerada para solicitude e compreensibilidade dos outros (Temoshok L, 1987). Segundo Lawrence LeShan, o paciente portador de câncer possui três elementos principais: a. infância ou adolescência marcada por sentimentos de isolamento, b. existe um período de vida onde o indivíduo desfrutou a sensação de ser aceito pelos outros (pelo menos em um determinado papel), onde tenha encontrado um sentido para a vida, c. existe a perda deste relacionamento central; onde após alguns meses surgem os primeiros sintomas da doença. Além deste três elementos, LeShan descreve o paciente de câncer com uma visão de vida triste onde o futuro é pré-determinado por uma "condenação", onde nada há a fazer contra o destino. As exigências feitas a si mesmo são praticamente impossíveis de se realizarem e possuimaior quantidade de emoções do que é capaz de expressar, não podendo assim realizar suas necessidades emocionais. Como mencionado, certas características da personalidade do paciente e o seu próprio estado emocional são freqüentemente apontados como possíveis causas para o desenvolvimento do seu câncer. As pesquisas sobre o estresse como um fator importante, entre outros, na origem e na evolução clínica da doença maligna têm mostrado elementos interessantes. Assim como cardiologistas mais observadores e sensíveis detectaram a Personalidade tipo 26 A, associada à causa e/ou agravamento das coronariopatias, também os oncologistas, com as mesmas qualidades holísticas de seus colegas da cardiologia, conceituaram e delinearam uma Personalidade Tipo C, onde o risco maior seria para o câncer. Temoshok et al. (1985) conceitualizaram as variáveis “expressivo versus repressivo” em termos de um padrão de comportamenta do tipo C. Na Personalidade tipo C haveriam traços proeminentes de negação das experiências mais traumáticas, supressão das emoções e tendência à raiva. Outras características deste padrão seria a amabilidade excessiva (e às vezes contrariada), não reconhecimento dos conflitos, aspiração social exagerada, comportamento forçosamente harmonioso, paciência desmedida (às vezes dissimulada), racionalidade contundente e um rígido controle da expressão emocional. Temoshok e Dreher (1992) definiram o tipo C como um paciente cooperativo, não-assertivo, que suprime as emoções negativas, particularmente raiva e que se submete facilmente à autoridade externa. Como vemos, o padrão de comportamento do tipo C contrasta com o do tipo A. Os autores investigaram extensamente a relação entre o tipo C e a espessura e profundidade do tumor melanoma. Encontraram significativa correlação entre as medidas do tumor e o tipo C, particularmente em pacientes com menos de 55 anos. Temoshok (1985) também descobriu que pacientes com melanoma, que se classificavam corno sofrendo grande estresse psicossocial, tinham urna progressão mais rápida da doença. George Solomon e Lydia Temoshok definiram o que chamam de tipo de personalidade "com tendência à supressão imunológica" em pacientes aidéticos, que têm muito em comum com o modo de enfrentar a vida do "Tipo C" que a Dra.Temoshok observou em seu trabalho com os pacientes de câncer. "Obediência, conformismo, abnegação, repressão da hostilidade ou da raiva e falta de expressão de emoções" parecem estar relacionados a um prognóstico desfavorável nos pacientes de câncer e, possivelmente, também à suscetibilidade a essa doença. A não-expressividade de uma emoção negativa, forte, vinda de um luto, perda amorosa ou situação traumática, é um fator que predispõe a uma alteração do funcionamento do sistema imunológico, tornando o organismo mais vulnerável à formação de tumores malignos. O estresse em si mesmo, seja qual for sua natureza, é um agravante quando não houver a possibilidade de expressar a emoção a ele associada. Os pesquisadores consideram, para a Personalidade Tipo C, que o uso excessivo da negação e da repressão (mecanismos de defesa), bem como a dissimulação dos sentimentos são importantes fatores ligados ao desenvolvimento tumoral. Para essa forma e estilo de reagir à vida, os estressores psicossociais estariam associados à diminuição da imunocompetência orgânica e, conseqüente a essa alteração, ao desenvolvimento do câncer. Também o risco de metástases de um câncer já 27 tratado estaria significativamente influenciado pela reação da Personalidade Tipo C com o tipo e a duração dos estressores psicossociais (Baltrusch HJ, Stangel W, Titze I, 1991). Nessas pesquisas, as pessoas com evolução mais favorável eram aquelas com espírito mais combativo, com maior potencial para a agressividade cotidiana e com poucas tendências a suprimir a manifestação das emoções. Atualmente os pesquisadores recomendam a aplicação de inventário padrão universal (teste, entrevista) para avaliar o presumível comportamento característico da vulnerabilidade ao câncer (Personalidade Tipo C). Alguns modelos desse inventário já são oferecidos para a investigação (Greer S e Watson M, 1985). Uma das principais investigações em relação aos fatores psicossociais de risco na mortalidade por câncer foi realizado por Grossarth et al (1985). Ele procurou corroborar um estudo anterior de Kissen (1963), o qual trabalhou por muitos anos com câncer de pulmão e publicou vários trabalhos baseado nos casos que atendeu e na aplicação de testes psicológicos (Maudsley, Personality Inventory). Esse autor postulou que os pacientes com câncer de pulmão apresentavam uma típica tendência a suprimir suas emoções e seus conflitos. Por causa disto eles teriam uma saída muito dificultada para a descarga emocional. Grossarth estudou 1353 habitantes de Crvenka, incluindo 619 mortos entre 1966 e 1976. Todas mortes por câncer de pulmão ocorreram em pessoas com elevada racionalidade e elevada dificuldade para exteriorizar as emoções, incluindo a supressão da agressividade. Na tentativa de analisar as características de personalidade nos portadores de câncer, os autores observaram que a desesperança era um sentimento tão presente nesses pacientes como era a raiva em relação às doenças do coração. Conclui sua pesquisa atestando que as variáveis psicossociais eram importantes o suficiente para modificar, decisivamente, os efeitos de outros fatores de risco físicos, como por exemplo, o hábito de fumar na mortalidade por câncer. Inúmeras sugestões na literatura insinuam que a expressão da raiva ou, mais precisamente, o grau de expressividade emocional do paciente tem influência sobre o surgimento e a progressão do câncer. Relatos de casos descritivos aparecem já nos anos 50, observando-se uma sobrevivência menor em pacientes deprimidos, resignados, quando comparados a paciente mais capazes de expressar emoções negativas, como a raiva. Greer e Morris (1975) descobriram que as mulheres que na biópsia de mama apresentavam tumores malignos tinham maior dificuldade de expressar raiva do que as portadoras de tumor benigno. Derogatis et al. (1979) relataram que os pacientes com câncer considerados pelo corpo hospitalar como menos cooperativos viviam significativamente mais tempo. Estes dados colaboram com outra pesquisa de Greer et al. (1979) em que as pacientes (câncer de mama) com “espírito de luta” viviam mais tempo do que aquelas que demonstravam falta de esperança e desamparo. Resultados semelhantes encontraram Hislop et al. (1987) e Ooldstein e Antoni (1989), também com pacientes com câncer de mama. 28 Pennebaker et al. (1989) realizaram uma série de estudos demonstrando que, quando indivíduos reprimem ativamente sua expressão emocional, há um aumento da excitação em certos canais autônomos, como na condução elétrica da pele (Buck, 1984). Os autores observaram que, se um processo inibitório for mantido durante longo período, ele serve como um estressor cumulativo de longo termo, aumentando a probabilidade de adoecer. Uma forma particularmente insidiosa ocorre quando os indivíduos experimentam um evento traumático e são incapazes de compartilhá-lo com outros. Por exemplo, pesquisas mostram que os indivíduos que sofreram experiências sexuais infantis traumáticas têm maior probabilidade de ter problemas de saúde posteriormente, se eles não discutirem as experiências com outros (Pennebaker e Susman, 1988). Também aqueles cujas esposas se suicidaram ou morreram em acidentes são mais saudáveis um ano após a morte delas, se compartilharam com freqüência esse acontecimento (Pennebaker e O’Heeron, 1984). Em dois outros estudos (Pennebaker et al, 1988), estudantes universitários classificados como “muito reveladores” mostraram urna queda no nível
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