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A Integridade da Pregação John Knox

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A INTEGRIDADE DA PREGAÇÃO 
JOHN KNOX 
 
Professor no Seminário Teológico Unido de Nova York 
Traduzido por FLÁVIA BRAZIL ESTEVES 
ASTE - SÃO PAULO 
 
Título do original THE INTEGRITY OF PREACHING 
Abingdon Press, New York, 1.a edição, 1957 
 
Edição em língua portuguesa, com colaboração do Fundo de Educação Teológica, pela Associação de 
Seminários Teológicos Evangélicos 
São Paulo 1964 
 
Associação de Seminários Teológicos Evangélicos 
CONSELHO DELIBERATIVO: 
Júlio A. Ferreira - Presidente 
Joaquim Beato, Thurmon Bryant, Roberto Grant, Wilson Guedelha, V. James Mannoia, David Mein, 
Harding Meyer, A. Benjamin Oliver, Paulo Pierson, Isnard Rocha, Arnaldo Schmidt 
Aharon Sapsezian - Secretário geral 
 
Edições da A. S. T. E. 
 
À VENDA 
 
VOCABULÁRIO BÍBLICO, de J.-J. von Allmen 
O PROTESTANTISMO BRASILEIRO, de É. Léonard 
O CATOLICISMO ROMANO - um simpósio protestante 
O PENSAMENTO DA REFORMA, de H. StrohI 
PEDRO - DISCÍPULO, APÓSTOLO E MÁRTIR, de O. Cullmann 
 
NO PRELO 
A PESSOA DE CRISTO, de G. C. Berkouwer 
PSICOLOGIA DA RELIGIÃO, de P. Johnson 
DEUS ESTAVA EM CRISTO, de D. M. Baillie 
O ENSINO DE JESUS, de T. W. Manson 
 
EM PREPARAÇÃO 
A IGREJA NO NOVO TESTAMENTO, de G. Kittel 
JESUS DE NAZARÉ, de G. Bornkamm 
TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO, de G. von Rad 
TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO, de A. Richardson 
EPISTOLA AOS ROMANOS, de F.J. Leenhardt 
O PREPARO DE SERMÕES, de A. W. Blackwood 
A FÉ CRISTÃ, de G. Aulén 
A RELEVÂNCIA DOS PROFETAS, de R. B. Y. Scott 
FÉ BÍBLICA E ÉTICA SOCIAL, de E. C. Gardner 
DOCUMENTOS DA IGREJA CRISTÃ, de H. Bettenson 
 
 
 
I N D I C E 
 
Introdução 
I - Quando é Bíblica a Pregação 
II - A Relevância da Pregação Bíblica 
III - Teólogos e Pregadores 
IV - Pregação é Ensino 
V - Pregação é Pessoal 
VI - Pregação é Culto 
VII - Pregação é Sacramento 
Notas 
 
I N T R O D U Ç Ã O 
 
 Dentre todos os muitos pregadores do evangelho, fiéis e capazes, e que, despretenciosamente 
de modo geral, f oram meus pro fessores de homilética, aquele que de modo imensurável significou 
mais para mim do que qualquer um outro foi o meu próprio pai, Absalom Knox, falecido há mais de 
trinta anos. Embora os seus dias tivessem sido passados em lugares obscuros, era ele um grande 
pregador (no único sentido em que esse termo jamais deveria ser empregado) e ter-se-ia tornado 
maior ainda se a morte não o tivesse derrubado quando ainda em meia idade. Não teve ele a 
vantagem de um curso colegial completo, muito menos o de um treino em seminário, porém foi uma 
das pessoas mais inteligentes, sensíveis e humanas que jamais conheci e, portanto, uma das mais 
cultas. Era muitíssimo bom e reconhecido como tal por todos quantos o conheciam mas, de igual 
modo, era uma pessoa ativa e enérgica, possuindo talentos de eloqüência autêntica - algo muito 
raro. 
 Contudo, ao pensar nele como um pregador, não são esses os talentos que vêm à mente em 
primeiro lugar e sim a seriedade com que ele pregava e a honestidade absoluta com que fazia isso, o 
trabalho cuidadoso e longo que dedicava a fim de preparar-se para esse mister (todos nós sabíamos 
que diariamente, durante as primeiras horas, não podíamos "incomodar o papai"), a qualidade bíblica 
da pregação, sua solidez e integridade, a maneira pela qual a mesma respondia à vida da igreja, o 
modo pelo qual falava ao coração. Mais do que qualquer outra coisa, foi a memória de sua pregação 
que sugeriu a palavra "integridade" para o título dessas minhas reflexões com respeito ao pregador e 
seu trabalho. 
 Ao escrever o Capítulo II, extraí-o livremente de um de meus ensaios - "Autenticidade e 
Relevância" - publicado há vários anos no The Union Seminary Review. 
 Sou agradecido ao Deão James Cannon da Divinity School of Duke University e seus colegas 
pelo convite que me fizeram para dar preleções lá, em junho de 1956, e pelas muitas gentilezas que 
me demonstraram durante êsse período de preleções. Desejo agradecer também a meu prezado 
amigo Paul Scherer por ter lido o meu manuscrito e ter-me feito muitas críticas construtivas. 
 
 JOHN KNOX 
 
CAPÍTULO I 
 
QUANDO É BÍBLICA A PREGAÇÃO? 
 
 Em nossos dias estamos testemunhando uma nova insistência sobre o fato de que a pregação 
deve ser bíblica. Nada é mais característico das discussões contemporâneas quanto à pregação do 
que essa ênfase. A mensagem do pregador precisa provir não de acontecimentos correntes, ou 
literatura em voga, ou de tendências prevalecentes de um tipo ou de outro, não de filósofos, 
políticos, poetas e nem mesmo, em último recurso, da própria experiência ou reflexão do pregador, 
mas sim das Escrituras . Naturalmente não há nada de realmente novo com relação a isso . O fato de 
que é mister repetir tal coisa - e com nova ênfase - significa tão somente que a pregação tem se 
desviado nesse ponto de sua própria tradição . Aquilo que estamos asseverando energicamente, 
outras épocas tomaram como certo. A pregação nos primeiros séculos e a pregação em todos os 
períodos mais vitais e fecundos da história da Igreja tem sido bíblica. 
 Mas quando é bíblica a pregação? Pregadores usam a Bíblia - e têm sempre usado - em uma 
grande variedade de modos. Nem toda a pregação que toma forma de exposição bíblica pode ser 
chamada bíblica em qualquer sentido apreciativo ou realmente autêntico. Na verdade, como bem o 
sabemos, a exposição bíblica em si mesma pode ser muito infrutífera e enfadonha - e portanto 
(atrever-nos-íamos a dizer?) muito não-bíblica. Em um dos livros de William Law, místico inglês do 
século XVIII, há uma história encantadora de um presente delicado - um comentário bíblico - feito 
por uma mulher a um velho pastor chamado John e sua esposa Betty. O pastor descreve o que 
sucedeu: 
 "Senhora, a esposa do Juiz de nossa cidade, ouvindo falar de como Betty e eu amamos as 
Escrituras, trouxe-nos certo dia um enorme livro explicativo sobre o Novo Testamento e nos disse 
que ficaríamos entendendo muito melhor as Escrituras lendo naquele livro do que só no Novo 
Testamento... No outro Dia do Senhor, quando, de acordo com o que era hábito, dois ou três 
vizinhos vieram para se sentar conosco lá pela noitinha, "Betty", disse eu, "traga o grande livro da 
Senhora e leia o quinto capítulo de São Mateus." Quando ela terminou, pedi-lhe que lesse o capítulo 
quinze da Primeira Carta aos Coríntios. Na manhã seguinte disse eu a Betty: "Carregue de volta à 
minha senhora esse enorme livro explicativo a diga-lhe que as palavras de Cristo a seus Apóstolos 
são melhores por si mesmas e tal como êles as deixaram. " E, enquanto eu me dirigia às minhas 
ovelhas, pensava comigo mesmo : - Esse grande livro explicativo parece ter feito tanto bem a êsse 
livrinho do Novo Testamento ao ser acrescentado e misturado ao mesmo, tal como um galão de água 
faria para um copinho de vinho verdadeiro ao ser acrescentado ou misturado ao primeiro. Na 
verdade o vinho todo estaria lá, porém o seu gosto delicado e o espírito cordial que tinha quando 
bebido por si estaria todo perdido e submerso na frieza e insipidez da água." (Devo a meu amigo, o 
Rev. George F. Woods, do Downing College, Cambridge, o ter chamado minha atenção para essa 
passagem. É encontrada em, Works - Londres, Impresso por J. Richardson, 1762, e provavelmente 
reeditado por G. Moreton, 1893, VII, 186.) 
 Provavelmente os pregadores terão um prazer todo especial nesta história e é bem natural 
que o tenham, pois que talvez tivessem sofrido mais do que outros por causa dos comentaristas sem 
inspiração e sem esclarecimento. Entretanto, lembremo-nos de que o pregador é também um 
expositor e que um sermão pode esconder ou deturpar um texto bíblico de maneira tão certa e 
completa como qualquer comentário. Não é somente dos "enormes livros explicativos" dos sábios 
acêrca dos quais por vêzes pode ser dito que têm sucesso únicamente em entorpecer "o bom gosto"do original, diluindo o "seu espírito cordial"; muitas e muitas vêzes os longos discursos expositivos 
dos pregadores têm o mesmo efeito. Em outras palavras, o uso da Bíblia - e até mesmo o seu uso 
em larga escala - não é suficiente para garantir a pregação bíblica eficiente ou mesmo autêntica. 
Tudo depende de como nós a usamos. 
 Dedicaremos vários dêstes capítulos para uma discussão dêsse "como"; primeiramente, 
porém, talvez algo mais devesse ser dito a respeito do "porquê", pois que são os elementos no uso 
da Bíblia para a pregação que determinam em grande parte como devem ser julgados os nossos 
próprios modos de utilizá-la. A meu ver, êsses elementos podem ser indicados sumariamente do 
seguinte modo: Usamos a Bíblia na pregação porque é literatura de alta qualidade, porque é nossa 
literatura e porque é, em sentido muito verdadeiro e distinto, a literatura divina. Essas razões 
encontram-se em ordem ascendente de importância, mas cada uma delas merece alguma atenção. 
 Com toda a certeza, uma das razões pelas quais é apropriado usar a Bíblia na pregação e 
porque efetivamente nós a utilizamos, é em vista da mesma ser literatura religiosa de alta qualidade. 
Talvez não precisemos usar o primeiro adjetivo, desde que em determinado sentido toda a grande 
literatura pode ser considerada "religiosa". Inúmeras tentativas têm sido feitas - e por pessoas muito 
mais competentes do que eu - para definir "grande" literatura e para dizer justamente o que é um 
grande livro. É oportuno afirmar que nenhuma dessas tentativas tiveram perfeito sucesso. O critério 
de grande arte não pode ser formulado de maneira precisa e exaustiva. Distinguimos o grande livro 
da maneira pela qual conhecemos a grande música - pelo modo com que reagimos 
permanentemente ao primeiro, por tudo quanto faz e continua a fazer em nós - e a única 
comparação objetiva sobre a nossa impressão dêle é a reação de outros. A literatura mundial de 
grande porte é composta de livros sobre os quais muitos homens a mulheres, em muitas gerações, 
têm dito para si mesmos : "Este é um grande livro!" Certamente podemos afirmar com segurança 
que êsses livros tratarão sempre, não de meras concepções abstratas nem tampouco de fantasias, 
mas da experiência humana em sua verdade concreta e existencial. Procurarão descobrir tudo 
quanto há de profundo no homem, as fontes de sua grandeza e de sua derrota trágica. Colocá-lo-ão 
em um lugar espaçoso, concedendo algum senso de significado último e do mistério de sua vida. E 
farão tudo isso por meio de linguagem simples, clara e comovente. Contudo, por mais que tentemos 
formular nossa definição de grande literatura, não há dúvida que a Bíblia como um todo, bem como 
muitas de suas partes tomadas em separado, podem ser perfeitamente enquadradas como tal. Não é 
grande literatura apenas, mas em alguns aspectos é incomparàvelmente grande. É o relato mais 
realístico, profundo e comovente do homem que o próprio homem jamais produziu. A pregação, no 
entanto, é também profunda e radicalmente relacionada com o homem, sua necessidade e sua 
redenção, sendo que sua eficiência e genuinidade dependem da compreensão profunda, certa a 
verdadeira do pregador relativamente à situação humana. A Bíblia provê recursos magníficos para 
essa compreensão. Por esta razão, se não por outra, o pregador utiliza êsse livro. 
 Entretanto, uma razão ainda mais potente para o uso da Bíblia na pregação é a de ser a 
mesma nossa literatura. Quero dizer com isso, naturalmente, que é a literatura da Igreja. Os livros 
do Antigo Testamento (ou pelo menos os da Lei e os Profetas) podiam ser encontrados por séculos e 
séculos e em uso familiar entre os judeus, antes que êsses mesmos livros fôssem adotados pela 
comunidade cristã. Desde tempos primordiais tais escritos foram associados com a vida da Igreja e 
essa associação foi feita do modo mais significante e íntimo. Jesus conhecia tais livros e citou-os, 
assim como Paulo. As próprias cartas e outros documentos especificamente cristãos, de modo 
especial os Evangelhos que descreveram a carreira de Jesus e registraram suas palavras, logo 
conseguiram o mesmo status elevado, desfrutando dêsse mesmo uso familiar. Por vinte séculos, a 
Igreja - verdadeiramente tôda a Cristandade - está sendo nutrida com êsses escritos antigos. 
Imagens e também concepções bíblicas têm penetrado na urdidura e na composição da cultura 
ocidental; a linguagem da Bíblia não sòmente foi o ingrediente básico na linguagem da liturgia e 
devoção da Igreja, mas também afetou profundamente tanto nossa literatura em geral assim como 
nossa linguagem comum. Com toda a probabilidade, os hinos ensinados por nossas mães eram bons, 
porém não é só a sua excelência intrínseca que os torna preciosos para nós. Amamo-los muito 
menos por seu conteúdo e por si mesmos do que por causa de nossas mães e, sem dúvida alguma, 
nossas avós que também gostavam dêsses hinos. De igual modo, a Bíblia conseguiu obter significado 
e valor mais elevados pelo uso que a Igreja faz da mesma. Passagens como o salmo vinte e três, os 
primeiros versículos do capítulo cinco de Romanos, ou algumas afirmações de Jesus nos Evangelhos, 
têm hoje um valor que não poderiam ter tido quando primeiramente expressados ou escritos. Por 
vêzes uma frase bíblica familiar pode evocar todo um mundo de significados passados e, por vêzes, 
meio esquecidos. Na verdade, alguns dêsses significados mais profundos mal podem ser evocados de 
qualquer outro modo. Contudo, justamente êsses significados - concretos e existenciais - a pregação 
procura comunicar. Não é de se espantar, pois, que a Bíblia seja usada! Como se poderia fazer de 
outra forma? 
 Mas a terceira razão é realmente a decisiva: é a literatura de Deus. É, conforme afirmamos, "a 
Palavra de Deus. " Se não pudesse ser chamada Palavra de Deus, não só seria altamento dubitativo 
que fôsse utilizada para a pregação, mas também que fôsse empregada com tanta familiaridade - ou 
até mesmo que existisse algo como a pregação. Se, na história que teve início com Abraão e 
culminou com Cristo e na vida comunal que pertenceu a essa história ou à qual essa história 
pertenceu (pode-se olhar de dois modos para essa interrelação) , os homens não tivessem 
encontrado ali a própria presença e a ação poderosa de Deus, não haveria nem Igreja, nem Bíblia, 
nem tampouco pregação. A Bíblia é denominada a Palavra de Deus não porque ela seja composta de 
palavras de Deus, ou contenha essas palavras (como se Deus se expressasse por palavras) , mas 
porque transmite a nós a presença e a ação poderosa de Deus. Pois bem, a pregação cristã procura 
transmitir essa mesma presença e essa mesma ação poderosa. Tal como a Bíblia em si mesma, a 
pregação se preocupa com o evento de Cristo, procurando comunicar sua realidade e sua relevância, 
interpretar o seu significado para os homens de cada geração e para o homem em todas as 
gerações. A Bíblia, portanto, não é apenas útil na pregação; é absolutamente indispensável. É mais 
do que um recurso supremamente útil; pertence essencialmente à própria fonte da pregação. Não é 
somente ver 
dadeiro que a pregação devesse ser bíblica; a pregação autêntica tem de ser assim! 
 Perguntamos novamente, porém: que é pregação bíblica? Agora já o suficiente foi dito para 
indicar que não se pode definir a pregação bíblica em têrmos de qualquer conexão mecânica - 
externa ou meramente formal - conexão esta feita entre a Bíblia e o sermão. Não se pode dizer, por 
exemplo, que a pregação bíblica seja a simples pregação de um texto bíblico. Lembro-me de ter 
ouvido, quando me encontrava no seminário, acêrca da distinção entre sermões tópicos e textuais. 
Talvez esta possa ser uma distinção útil para determinados propósitos, porém de nada servirá com 
relação a todos os sermões textuais como sendo bíblicos e todos os sermões tópicos como não-
bíblicos. Todos nós sabemos ser possível tomar de um textobíblico e proceder à pregação de um 
sermão bem não-bíblico. Poder-seá fazer isso de várias maneiras. Uma delas é citar algumas poucas 
palavras da Escritura como uma espécie de frontispício ornamental para um discurso que, na 
realidade, nada deve a qualquer uma dessas palavras ou qualquer outra parte da Escritura. Recordo-
me, por exemplo, de ter ouvido há vários anos - e confesso, com vergonha, que eu próprio uma vez 
preguei - um sermão dêsse tipo (que foi pregado primeiramente, tanto quanto saibamos, por Charles 
Reynolds Broom) sôbre a pergunta feita certa vez a Jacó por Faraó, "Quantos são os dias dos anos 
de tua vida?" (Gn 47.8) - sermão êste em tôrno das "dimensões da vida." Nesse caso e em inúmeros 
outros semelhantes, é puramente acidental qualquer conexão entre o sermão e qualquer outra coisa 
sôbre a qual a Bíblia esteja realmente interessada a dizer. Ou, então, pode-se tomar de um texto a 
depois interpreta-lo mal, como quando alguém emprega "Examinai as Escrituras" - a tradução de Jo 
5.39 - como texto para um sermão relacionado com o dever da leitura da Bíblia. Outra alternativa é 
alguém extrair da Bíblia um texto relativamente não-bíblico - isto é, um ou dois versículos que não 
sejam típicos ou representativos - tratando depois dos mesmos, talvez de modo íntimo e fiel, mas 
sem referência alguma ao que a Bíblia, como um tôdo, está afirmando. Em uma só palavra, a 
pregação de um texto - ou até mesmo o que denominamos pregação expositiva - como tal não é 
pregação bíblica. 
 A pregação bíblica tampouco pode ser definida como pregação quando tem a Bíblia como seu 
assunto ou quando se baseia na Bíblia em grande parte de sua matéria. Carl S. Patton em seu livro 
The Use o f the Bible in Preaching, parece admitir o fato de que a pregação bíblica significa pregar 
acêrca da Bíblia. Êle descreve, por exemplo: 
 "Não sustenho que tôda a pregação devesse ser bíblica. Longe disso. A religião está em 
formação durante todo tempo. Acontecimentos correntes na vida política, econômica e Internacional 
apelam fortemente por um comentário e por uma intepretação Cristã pelo profeta Cristão. Tanto o 
pensamento científico contemporâneo como o filosófico movimentam-se frequentemente, 
apresentando novos significados sôbre as crenças e práticas religiosas. É inútil pretender que as 
únicas coisas sôbre as quais precisamos falar do púlpito devam ser encontradas na Bíblia." (Esta 
citação e as seguintes são de The Use of the Bible in Preaching, Copyright 1936 por Harper & 
Brothers e usadas com a permissão dos mesmos. Reconhecemos que as citações não representam 
devidamente todo o livro, o qual tem muitos méritos.) 
 A idéia parece ser a de que a pregação pode ser bíblica e ocupar-se da Bíblia, ou então ser 
relevante e tratar do que na realidade está acontecendo no mundo porém não ambas as coisas. 
(Com relação a essa idéia errônea algo mais será dito no próximo capítulo). 
 A história de Patton acêrca de como êle foi iniciado na pregação "bíblica" é tão viva e divertida 
como devem ter sido os seus sermões: 
 "Em certa ocasião, entretanto, talvez há quinze ou vinte anos, experimentei fazer um sermão 
bíblico. Suponho que assim fiz porque ninguém havia sido morto durante aquela semana, a respeito 
do qual coubesse uma pregação, e nada sucedera no Japão ou na Itália, ou tampouco na Liga das 
Nações que requeresse uma elucidação de minha parte - e eu precisava urgentemente de um tópico. 
Estivera lendo a velha história da Torre de Babel. Foi assim que num rasgo de coragem - ou, quem 
sabe, de desespêro - disse comigo mesmo : "Vou fazer um sermão extraído disso. " Senti-me um 
tanto apologético a êsse respeito. Por que arrastar a minha gente moderna e atualizada para aquêle 
passado tão longínquo e para aquela tôrre inacabada? Entretanto, não consegui pensar em outra 
coisa naquela semana e assim teve que ser aquilo mesmo. Para meu espanto, os comentários em 
tôrno daquele sermão quase me levaram a supor que o pessoal da minha congregação havia passado 
noites inteiras em claro pensando naquela velha história." 
 Patton mal faz alusão ao conteúdo dêsse primeiro sermão "bíblico. " Êle é mais explícito em 
sua descrição da segunda tentativa que êle fez. 
 "Fiz outra tentativa. Tomei o trecho menos indicado de material homilético que pode ser 
encontrado em todo o Antigo Testamento - o quinto capítulo de Gênesis. Tentei fazer isso de modo 
um tanto realista. Indaguei por que aquêles anciãos puderam viver tanto tempo e o que estava 
errado com a medicina e a higiene atuais em vista de não podermos competir com os primeiros. 
Perguntei como é que se divertiam depois de atingirem a idade de quinhentos ou seiscentos anos. 
Levantei a questão sôbre se êles chegavam a ficar doentes e, se ficassem, será que teriam artrite 
(suponho que teria sido reumatismo ao tempo dêles) por uns dez ou quinze anos como todo o 
mundo tem hoje em dia, ou então no decurso de uns duzentos anos. Inquiri se as mulheres 
chegavam a viver tanto como os homens, e qual a idade em que qualquer um dêles seria 
considerado realmente adulto e pronto para ser independente de seus pais ou mães. Expliquei, então 
- e com toda a franqueza - que espécie de história era aquela, de acôrdo com o meu pensamento: 
não uma história verídica, mas um lindo trecho folclórico no qual os hebreus de um período posterior 
haviam descrito uma idade de ouro, tempos atrás, quando o homem era ainda um menino aos 
cinqüenta anos, tornava-se jovem aproximadamente aos seiscentos ou setecentos anos e começava 
a sentir que a velhice se aproximava por volta da casa dos novecentos anos. Isso parecia ser uma 
novidade para aquela gente. E mostraram-se mesmo muito interessados naquilo tudo. De fato, êsse 
mesmo sermão chegou a ser requisitado e impresso no periódico de uma de nossas escolas 
teológicas." (Chicago, Willet CLark and Company, 1936. Os vários trechos citados foram usados com 
a permissão de Harper & Brothers, atuais editores.) 
 É oportuno dizer que Patton acrescenta: "Se tais pregações só fôssem interessantes, não nos 
levariam muito longe. Contudo, êsse tipo de pregação é informativo - educativo - de duas maneiras. 
" Ao lê-lo, porém, constata-se que tanto uma como outra dessas "maneiras" tem muito a ver com o 
fato de que as pessoas começavam a ter idéias mais inteligentes a respeito da própria Bíblia. 
 Não culparemos Patton pelos defeitos de compreensão que talvez se encontrem nesse seu 
livro cheio de vida. Reconheceremos as passagens citadas como representações satisfatórias do clima 
teológico de certas secções do Protestantismo na geração passada. No entanto, tais trechos também 
servem para nos fazer lembrar que a pregação bíblica não pode ser definida como simples pregação 
que tem a preocupação explícita e grande dos componentes bíblicos - pouco importando quais êsses 
componentes e como são tratados. Na realidade, a diferença entre a pregação bíblica e a não-bíblica 
tem muito pouco a ver com a estrutura do sermão e se sua forma é tópica ou expositiva. A diferença 
é mais profunda do que isso. Se fôr possível - como já temos afirmado - pregar um sermão bem não-
bíblico sôbre um texto bíblico, de igual modo sera possível pregar um sermão bem bíblico sem base 
em texto algum. 
 Como, pois, podemos definir pregação bíblica? Muito do restante dêste livro procurará 
responder a esta questão, de modo que não se fará tentativa aqui a êste respeito. Estabeleçamos de 
modo resumido quatro pontos que não podem ser claramente separados um do outro. Podemos 
afirmar primeiramente que pregação bíblica é a que permanece próxima às idéias bíblicas 
características e essenciais: a transcendência, a santidade, o poder e soberania, o amor de Deus; sua 
exigência de justiça ética; seu julgamento do pecado; a criação do homem, sua condição de pecador; 
sua necessidade de perdão e liberdade; o significado de Cristo como a vinda real de Deus para nossa 
história com oauxílio de que precisamos; a eficácia da reconciliação e da redenção, da vida, do gôzo 
e da paz na nova comunidade do Espírito que Deus criou através de Cristo e para a qual podemos 
entrar mediante a condição única de penitência e fé. E, na pregação bíblica, essas idéias não 
aparecerão simplesmente como tais - não só como largas concepções gerais - mas sim como parte 
integrante no contexto concreto da tradição e da vida eclesiástica. A pregação bíblica não se 
preocupa com abstrações. Já era "existencialista" muito antes que os filósofos começassem a 
empregar êste têrmo. Na verdade, não foi mero acidente que Kierkegaard, o pai do existencialismo 
moderno, tivesse sido um pregador bíblico. 
 Em segundo lugar, pregação bíblica é a que se preocupa essencialmente com o acontecimento 
bíblico principal - o evento de Cristo. O simples tratamento de incidentes na narrativa bíblica ou 
fragmentos de ensino, até mesmo quando feitos de maneira fiel e edificante, não qualificam a 
pregação como sendo bíblica, a não ser que êsses incidentes e ensinos sejam vistos e apresentados 
em sua relação com o ato completo da redenção divina que culminou com a vida a morte de Jesus, a 
Ressurreição, a vinda do Espírito e a criação da Igreja. Sinclair Lewis, em Babitt, apresenta alguns 
comentários satíricos com relação às várias preleções sóbre "filosofia e etnologia oriental", as quais 
estavam sendo dadas por "solteironas sinceras", nas diversas classes de uma escola dominical. As 
discussões de componentes bíblicos serão precisamente essas preleções (quer sejam ou não 
informativas, quer maçantes como as que Lewis tem em mente, ou interessantes e até divertidas 
como as que Patton por vêzes nos dá) ou então serão meras exortações moralistas e provavelmente 
sentimentais, a não ser que sua preocupação primária seja o estabelecimento do significado da nova 
relação de Deus com os homens tal como foi cumprido através do evento e incorporado à Igreja. 
 A própria palavra "pregar" deveria lembrar-nos êsse propósito primário e o caráter da 
pregação. A forma original inglêsa dessa palavra era prechen, uma derivação imediata do francês 
antigo prechier (o prêcher moderno) e finalmente de praedico, forma latina que significa declarar em 
público, proclamar, publicar. Geralmente se supõe que êsse têrmo latino corresponde ao grego 
prophêteuo, profetizar. Entretanto, prophêteuo e prophêteia, tal como aparecem no Nôvo 
Testamento, são transliterados regularmente nas versões latinas, aparecendo como propheto e 
prophetia. Praedico traduz kêrysso e praedicatio, kerygma; e essas palavras, tanto gregas como 
latinas, denotam uma declaração pública, uma proclamação e, na realidade, um anúncio no sentido 
mais simples e geral. O kêryx era um arauto e kerygma as notícias que proclamava. Desde que as 
notícias são boas, o Nôvo Testamento prefere evangelion a kerygma. O pregador é o arauto das boas 
novas. Proclama o ano aceitável do Senhor. Da maneira pela qual essa função está desenvolvida na 
Igreja, pregar é estar convicto, mais do que uma simples proclamação, portanto. Embora o latim 
praedico restitua apenas o têrmo grego único kêrysso, o próprio ato de pregar chegou a incluir 
funções originalmente designadas por outros têrmos, notadamente "profecia" e "ensino. " Mas o 
significado fundamental de "pregação" ainda anuncia algo além daquilo que sucedeu; e o sentido 
mais complicado e inclusivo do têrmo pode ser verdadeiramente compreendido tão sòmente se 
aquêle significado fundamental fôr conservado na mente. Antes de qualquer outra coisa, o pregador 
ainda é o anunciador do Evangelho. Sua mensagem é, pois, determinada primariamente por um 
acontecimento antigo - aquêle que está centralizado na morte a ressurreição de Jesus Cristo. 
Somente uma pregação dêsse tipo é bíblica. 
 Em terceiro lugar, pregação bíblica é a que dá respostas e nutre a vida essencial da Igreja. 
Isso porque o acontecimento que proclama é mais do que uma ocorrência antiga por nós conhecida 
só por meio de relatos documentados da mesma, que por um acaso foram escritos e que 
sobreviveram também por acaso. Êsse acontecimento e seu verdadeiro sentido estão perpetuados na 
nova comunidade do Espírito. Aqui está a realidade da Ressurreição. O pregador não repete 
incessantemente uma crônica antiga; dá o testemunho da qualidade e significado da nova vida 
comunitária em que Deus torna accessível a nós uma nova saúde a salvação. Sua pregação é como 
se fôra uma elipse que se movimenta em tôrno de dois focos, um da antiga ocorrência e outro da 
continua vida nova do Espírito. Desde que só se pode falar verdadeiramente do evento na luz da 
experiência contínua da Igreja e que só se pode, na realidade, interpretar a vida da Igreja à luz do 
acontecimento relembrado, os dois focos tendem a se tornar um único centro. A verdadeira forma da 
pregação, porém, é uma elipse e não um círculo e a tensão entre o acontecimento e o Espírito é tão 
importante como a reciprocidade dos mesmos. Muitas vêzes a pregação fracassa em vista de ambos 
serem identificados de modo por demais fácil, ou então porque um ou outro é simplesmente 
ignorado. O problema básico da pregação é conservar juntos os dois elementos em sua completa 
integridade e fôrça distinta, mas conservá-los juntos. 
 Finalmente, pregação bíblica será aquela em que o acontecimento seja recorrente no sentido 
real da palavra. O Deus que atuou nos acontecimentos através dos quais surgiu a Igreja, age 
novamente na palavra do pregador. A pregação do evangelho é, em si mesma, uma parte do 
Evangelho. O verdadeiro pregador bíblico não discute simplesmente acontecimentos do passado (tal 
como um professor de história), nem tampouco esboça meras lições edificantes de sua vida (como 
um guia moral ou filósofo). O acontecimento passado chega a suceder novamente em suas palavras 
inspiradas. A verdadeira pregação é em si mesma um evento - e um evento de um tipo especial. 
Nesse evento a revelação de Deus em Cristo é, na realidade, recorrente. O acontecimento 
escatológico, que teve início com a vinda de Cristo e terminara com o julgamento final e com o 
cumprimento da história, está sendo realizado recorrentemente ou, se o preferir, de modo continuo, 
nos sacramentos e na pregação da igreja. Se isso não for verdade, pouca importância têm os 
sacramentos ou mesmo a pregação. Na verdade, se tudo isso não fôr verídico, os sacramentos e a 
pregação não existem de maneira alguma em nenhum sentido autêntico. 
 As Escrituras Cristãs chegaram a nós diretamente da vida da Igreja primitiva e nos foram 
transmitidas por meio da vida da Igreja desde então, através de todos os séculos. Seu valor principal 
está no fato de que trazem até nós, em seu caráter concreto, o acontecimento em que a Igreja 
começou e que determinou a natureza inicial e essencial da Igreja. Desta maneira, as Escrituras 
correspondem à vida da comunidade primitiva em resposta a êsse acontecimento como se, ao lê-las, 
sejamos postos em contacto com o evento e capacitados a participar na vida. A verdadeira pregação 
bíblica é aquela que tem êsse mesmo efeito em tôda a qualquer época. 
 
CAPÍTULO II 
 
A RELEVÂNCIA DA PREGAÇÃO BÍBLICA 
 
 Mais para o fim do capítulo anterior apresentei a pregação como tendo, por assim dizer, a 
forma de uma elipse com dois focos - o evento antigo e a vida sempre nova do Espírito. É necessário 
dizer mais a respeito da integridade e distinção de cada uma dessas questões, assim como acêrca da 
reciprocidade essencial das mesmas. 
 Há poucos anos, ao principiar um relato sobre sua experiência religiosa e escrevendo em uma 
de nossas revistas, uma mulher observou que no começo de sua carreira voltara-se contra a Igreja 
porque lhe parecera que a mesma tinha muito pouca relação, quer fosse com o século primeiro ou 
com o século vinte para ter significação. Não me recordo do título de seu artigo ou até mesmo de 
seu próprio nome e não possolembrar-me de nada com respeito ao contexto de sua afirmativa ou 
mesmo o curso geral de seu argumento ou confissão; não me esqueci, porém, da agulhada daquela 
observação aberta, a decisão clara de sua saída da Igreja. Será que alguém pode negar que haja 
verdade em sua acusação? E quem discutirá que, tanto quanto seja verdade, é uma acusação 
absolutamente rejeitável? Com toda a certeza os críticos podem argumentar que temos o direito de 
esperar que a Igreja esteja em contacto com a realidade em qualquer ponto: se não com o nosso 
próprio século, pelo menos então com o primeiro século; se não com o primeiro século, de qualquer 
modo então com o século vinte. Ou, para estabelecer o problema do ponto de vista Cristão, que 
poderíamos nós dizer com respeito à justificação de um Cristianismo - ou de uma pregação Cristã - 
que fôsse tanto não-bíblica como inaplicável? 
 Demos ênfase às comparações na observação que citei, porém não estou certo se a escritora 
gostaria que tivéssemos feito tal coisa. Entretanto, tenho certeza de que o fato de assim fazermos 
esconde uma parte importante de seu significado. Essa leitura sugere que talvez fôsse possível à 
Igreja entrar em contacto com o primeiro ou com o século vinte sem ter relação com ambos, que 
talvez fôsse possível à pregação ser bíblica sem ser relevante, ou ser relevante sem ser bíblica. Isso, 
porém, não é verdade. Nesse caso, pelo menos a relevância e a autenticidade histórica são dois lados 
de uma só moeda. 
 Por exemplo, considere-se o pregador que crê que sua pregação esteja no mais íntimo 
contacto com o primeiro século - ele está convicto de pregar o "verdadeiro Evangelho" - quando, na 
realidade, falta à pregação um toque qualquer com o século vinte. Não está obviamente enganado 
com respeito à sua conexão com o primeiro século? Estar em contacto com o primeiro século não 
significa a pura e simples repetição das palavras do primeiro século ou freqüentes referências 
lisonjeiras ao primeiro século; significa, na verdade, algo mais, tal como compartilhar da experiência 
do primeiro século, conhecendo as fontes de poder que o mesmo conheceu, possuindo uma vida 
comum com essa época. Mas uma Igreja não pode estar em contacto com o primeiro século nesse 
sentido sem que seja uma comunidade viva; e uma comunidade viva, além de estar em relação 
orgânica com a vida do passado, pertence organicamente à vida de seu próprio período. Realmente é 
só num presente vivo que se pode ter qualquer contacto vital com o passado, ou que o passado em 
si pode ser considerado como existente. Estar em contacto com um passado vivo é mais do que 
meramente ter tido um tal passado; é mais do que saber que alguém o teve, ou continuar 
freqüentemente lembrando a si mesmo e a outros que tem êsse passado; na realidade, é ser uma 
continuação viva dele. 
 Entretanto, a mesma coisa pode ser dita da Igreja que não tem conexão real com o primeiro 
século, mas pensa que está em relação das mais frutíferas com o século vinte. Essa Igreja se engana 
ao supor que uma sociedade pode ser uma Igreja de qualquer modo, sem manter um contacto vivo 
com o primeiro século e todos os outros desde então. De outra maneira poderá ser contemporânea, 
porém não é uma Igreja contemporânea. Isso devido à razão pela qual a Igreja tem o seu caráter 
distinto em todo e qualquer século em virtude de sua relação com os acontecimentos que ocorreram 
no primeiro; e somente nesse caráter tem ela qualquer palavra importante para dizer ou qualquer 
serviço realmente adequado para executar. 
 Resumindo, se nós, como pregadores, não estamos falando às necessidades do mundo 
contemporâneo, pode-se claramente supor que não ouvimos realmente o Evangelho da Igreja 
primitiva. Por outro lado, por mais que tenhamos muita preocupação relativamente ao mundo 
contemporâneo, essa ansiedade não é Cristã a não ser que seja originada da convicção de que um 
acontecimento ocorreu no primeiro século à luz do qual somente pode ser compreendido o 
significado da cena contemporânea e no poder do qual somente pode ser concretizada a comunidade 
que procuramos. Só a autêntica pregação bíblica pode ser realmente relevante; só a pregação 
essencialmente relevante pode ser realmente bíblica. 
 O reconhecimento dessa interrelação entre autenticidade histórica e relevância faz com que o 
teólogo e o pregador bíblicos se aproximem muito mais intimamente do que parecia, geralmente 
falando, e seja revelado o campo comum em que ambos permanecem se cada um deles estiver 
desempenhando a sua própria função. A diferença entre ambos não é a que um esteja preocupado 
com a verdade histórica e o outro com o valor contemporâneo. Ambos estarão interessados nessas 
duas coisas, embora uma diferença de ênfase dê a cada um deles um papel distinto. 
 Considere-se primeiramente a introdução estritamente histórica, - isto é, a introdução 
dominada pelo interesse na história por seu próprio fim. Agora, os fatos externos da história podem 
ser estabelecidos ou não, conforme for o caso, sem referência nenhuma à relevância. Mas o 
significado interior da história (e isso nada mais é do que a realidade concreta) só pode ser 
apreendido por alguém que seja sensível ao significado de sua própria época. Há aqui uma relação 
mútua, uma espécie de alternação ou ritmo, o passado lançando luz ao presente e o presente ao 
passado; no entanto, desde o início e em certa medida, devem estar presentes a preocupação pela 
relevância e o interesse pela autenticidade. O estudante de história precisa levar consigo, pelo 
menos, a capacidade para uma compreensão profunda do presente se jamais tiver que alcançar 
qualquer compreensão profunda do passado. O livro de Herbert Butterfield, Christianíty and History, 
(Nova Iorque, Charles Scribner's Sons, 1950.) é um brilhante exemplo dessa verdade. "É quase 
impossível", escreve ele a certa altura, "apreciar de modo apropriado os desenvolvimentos mais 
elevados na reflexão histórica do Antigo Testamento, a não ser que seja em outra época que tenha 
experimentado (ou que tenha enfrentado) um cataclisma colossal, um período como este em que 
vivemos. " E poder-se-ia acrescentar que, quanto mais profundamente determinado historiador sentir 
o impacto e o significado do cataclisma presente, tanto mais profundamente autêntica pode ser a sua 
compreensão do que os profetas procuram afirmar. Estamos testemunhando agora um notável 
despertamento de interesse com relação ao Antigo Testamento. Cometeríamos um erro se 
atribuíssemos isso simplesmente aos Pergaminhos do Mar Morto ou ao fato de que justamente agora 
existem tantos sábios e professores brilhantes nesse campo. O fator primeiro e realmente decisivo é 
a história trágica de nossos próprios dias, a qual tem feito com que o Antigo Testamento se torne de 
novo relevante e tem, portanto, possibilitado primeiramente a nossos professores e depois a nós 
mesmos a que ouçamos com nova compreensão a sua voz autêntica. 
 De igual modo o nosso entendimento do Novo Testamento e dos acontecimentos que o 
criaram depende, para sua profundeza e verdade, muito mais de nossa capacidade de discernimento 
do significado de nossa existência presente do que de qualquer equipamento técnico que porventura 
tenhamos para o estudo de documentos antigos ou qualquer grau de aprendizagem e erudição - 
valiosos e indispensáveis para determinados propósitos importantes, como, sem dúvida alguma, são 
tais qualificações. Cristo precisa viver por nós, precisa entrar em nossa própria existência, precisa 
encontrar-nos onde estamos, se é que vamos chegar a conhecer a maravilha da Encarnação ou o 
poder - e, portanto, a verdade da ressurreição. Milner-White começa uma de suas orações da 
seguinte maneira: "Ó Cristo, cujo nascimento maravilhoso nada significa, a não ser que nasçamos de 
novo, cuja morte e sacrifício são nada, a não ser que morramos para o pecado, cuja ressurreição é 
nula se tu ressurgiressozinho..." (A Cambridge Bede Book , Nova Iorque, Longmans Green & 
Company, 1936, pág. 15.) Seja o que for dito da história em geral, não pode haver conhecimento 
autêntico da história para a qual o Cristão se volte - aquilo que os alemães chamam de 
Heilsgeschichte - sem que haja esse tipo de participação; e uma participação que, preocupada com a 
autenticidade, deixe de lado todas as considerações de relevância, terminando por perder, não 
somente a relevância, mas também a autenticidade. 
 O anverso, contudo, é também verdadeiro. Considere-se o caso do pregador que se aproxima 
da, história bíblica com um interesse primário na relevância. Êsse alguém está em perigo todo 
especial de se tornar desconexo. Isso é verdade porque, em grande parte, a relevância da história 
bíblica jaz no desafio que apresenta, com relação a hipóteses convencionais e modos costumeiros de 
se pensar, enquanto que a atenção para a relevância tende unicamente para a modernização e a 
assimilação. A Bíblia foi feita, para responder somente nossas perguntas - isto é, aquelas que 
fazemos conscientemente - e evita responder as que são suas em primeiro lugar, mas que, 
propriamente falando, tendo sido apresentadas, provam também ser nossas mais profundas 
questões. Os pontos em que a Bíblia é mais relevante com relação ao século vinte são precisamente 
aquêles em que a mensagem Cristã original era a mais relevante para o primeiro século - em sua 
maior parte, no entanto, estes não são pontos de acordo e conformidade, mas sim pontos de 
diferença e confronto. 
 Há uma geração, o modernismo bíblico estava ocupado em reduzir esses pontos de confronto, 
tanto como o fundamentalismo estava ocupado em multiplicá-los - o modernismo negando que a 
Bíblia e a Igreja tivessem qualquer coisa a dizer que ainda não conhecêssemos como sendo verdade, 
e o fundamentalismo afirmando que tudo quanto a Bíblia e a Igreja tinham a dizer era, em sua maior 
parte, o que bem sabíamos não ser verdade. Tanto um como outro tinham falta de relevância - o 
modernismo porque tornou o Cristianismo fácil demais; e o fundamentalismo, não porque fizesse o 
Cristianismo difícil demais, mas porque tornava-o difícil em lugares errados. O modernista teria 
reduzido toda a oposição essencial da Igreja e do mundo ao status de diferenças de cultura 
meramente acidentais entre o primeiro século e o século vinte; o fundamentalista teria elevado todas 
as diferenças acidentais de cultura entre o primeiro século e o século vinte ao status de diferenças 
essenciais e permanentes entre a Igreja e o mundo. 
 A Igreja do primeiro século levanta-se contra o mundo moderno; os acontecimentos do 
primeiro século confrontam e desafiam o século vinte - o termo bíblico severo é "escandalizam". 
Qualquer modernista se acha em perigo de esquecer esse fato. No entanto, os pontos em que eles 
desafiam assim o século vinte são precisa e unicamente aquêles em que também desafiaram ao 
primeiro século; é esse fato que qualquer fundamentalismo ou dogmatismo tende a ignorar. Somente 
através de um esforço fiel e desinteressado para ver o Cristianismo em seu cenário original e de 
ouvir a sua mensagem como os seus primeiros ouvintes a escutaram - só através de um esforço pela 
verdade histórica - é que podem ser discernidos esses pontos de confronto e, portanto, de maior 
relevância. A verdadeira pregação bíblica é a que discerne tais pontos de relevância e, fazendo isso, 
recupera o significado autêntico do texto bíblico. 
 Tanto o teólogo como o pregador bíblicos estão sujeitos a perigos característicos. O perigo do 
sábio é o de uma especialização estreita demais - isto é, uma especialização tão limitada que malogre 
em seu próprio fim. Já ouvimos, provavelmente ad nauseam, que um especialista é alguém que 
"conhece cada vez mais sobre cada vez mais" sobre "cada vez mais coisas. " Isso porque, de verdade 
nesse epigrama como na grande maioria de epigramas; porém, se por "especialista" quisermos 
significar um sábio competente em qualquer campo, precisamos reconhecer que deve saber "cada 
vez mais" sobre "cada vez mais", se na realidade ele tiver que saber "cada vez mais" sobre "cada vez 
menos"; ou, para dizer a mesma coisa de outro modo igualmente verdadeiro, se realmente ele está 
aprendendo "cada vez mais" sobre "cada vez menos coisas", também está aprendendo "cada vez 
menos coisas". Naturalmente, há certa parcela qualquer que seja o problema especial em que se 
tenha empenhado, se tiver algum significado, suas ramificações são literalmente intermináveis e o 
contexto em que pode ser examinado de modo frutífero é literalmente sem limite. Desse modo, o 
sábio bíblico, preocupado com problemas técnicos especiais na pesquisa em que supõe nada ter a 
aprender do estudo da pregação ou teologia contemporânea, para não mencionar a filosofia 
moderna, a literatura ou a política, não só está enganado, mas também está a si mesmo pondo um 
fim à possibilidade da mais elevada aquisição em seu próprio campo. 
 Em conexão a isso, o perigo característico para o pregador é o de impaciência prematura com 
o especialista. Por vêzes esquece-se de que é preciso ter ferramentas para certo trabalho e que, 
muitas vezes, leva-se mais tempo a fazer ou conseguir as ferramentas necessárias do que realmente 
fazer o serviço final e mais óbviamente importante. Reli, e não há muito, Robinson Crusoe, e fiquei 
impressionado com o quanto de seu tempo foi gasto em confeccionar ferramentas que não tinham 
utilidade alguma como finalidades em si mesmas. Passou ele meses inteiros fazendo uma pá, tanto 
como podemos passar meses inteiro aprendendo grego. Talvez a pá e o grego sejam mais do que 
um degrau removido de aplicabilidade final; porém, para a realização de determinados alvos últimos 
e importantes, pode ser que não sejam só relevantes, mas indispensáveis. Ou pode ser que a nossa 
concepção de relevância seja prematura em si e, conseqüentemente, superficial ou grosseiramente 
utilitária em demasia. Rejeitamos as descobertas do especialista antes que tenhamos tido tempo de 
descobrir o quanto tem a contribuir para a nossa compreensão de questões muito além dos limites 
de seu campo aparentemente estreito; ou, então, rejeitamos porque de nosso ponto de vista atual é 
irrelevante tudo quanto poderia nos ter dado um novo ponto de vista do qual novas cadeias inteiras 
de relevância teriam sido reveladas. Ficamos impacientes com nossos dirigentes especializados 
porque nem sempre estão nos apresentando uma visão esplêndida das coisas. Ou talvez decidamo-
nos a dispensar completamente os dirigentes, preferindo a vista que já temos ou a que podemos 
facilmente achar por nós mesmos, ao invés de seguir a trilha sinuosa através das longas passagens 
sombrias até atingirmos o pico. Rejeitamos completamente tudo isso porque não nos provê um 
sermão que, no entanto, se fora dado tempo, poderia nos ter fornecido um evangelho! 
 O processo educacional, o crescimento em direção à maturidade intelectual, poderia ser 
descrito - e realmente quase ser definido - como o processo de descobrir constantemente regiões 
cada vez mais extensas de relevância. Entretanto esse processo não é indolor, nem tampouco o seu 
alvo está à plena vista a qualquer momento. Certamente que uma das marcas do sábio é sua 
habilidade de estar interessado por um número surpreendente de coisas, e, como poderá parecer a 
outros, em coisas surpreendentemente desinteressantes - e tudo porque ele aprendeu que muitas 
vezes existem possibilidades de relevância em lugares bem insuspeitos e muito pouco prometedores. 
Aprendeu ele que se lhe for dado tempo, a verdade - qualquer que seja a sua espécie tem um modo 
de se tornar não só interessante, mas importante; que todo o descobridor da verdade, seja qual for o 
campo, tem algo de significativo a dizer, embora se deva por vêzes estar pronto a esperar que o 
significado se revele a si mesmo; que a verdade é finalmenteuma só e que, portanto, nenhum 
pedacinho dela, seja qual for o campo, em último recurso pode ser discrepante ou irrelevante. 
 Contudo, se é possível dizer de todos os pesquisadores da verdade que eles se acham 
empenhados numa tarefa comum e, portanto, estão sob a obrigação de confiança mútua e ajuda, 
será que, relativamente ao sábio e pregador bíblicos, tal referência não pode ser feita com ênfase 
toda especial? Êles pertencem e servem a uma comunidade especial - e essa comunidade é a de 
Cristo. Ambos estão procurando conhecer o significado de sua comunidade - suas origens, sua 
natureza e sua tarefa. O teólogo ou pregador que diz ao outro, "Não preciso de você", falhou em ver 
não só a natureza da Igreja e o significado da qualidade de ser membro da mesma, mas também a 
natureza de seu próprio trabalho. Em vista dele não estar desejoso de receber, verdadeiramente não 
pode dar. E, malogrando em contribuir para um empreendimento comum, está destituído de 
qualquer realização significativa de si próprio. A disposição para aprender de outros - tanto ávida 
como pacientemente - não é só uma das graças do amor; é o próprio coração da sabedoria. 
 
 CAPÍTULO III 
 
TEÓLOGOS E PREGADORES 
 
 Tendo lançado as bases de alguns princípios gerais sobre a relação da Bíblia com a pregação, 
poderemos discutir agora como esses princípios podem ser postos em prática. De modo geral, até 
aqui estivemos preocupados com o uso da Escritura pelo pregador; consideraremos agora a utilização 
de determinados textos da Bíblia em sermões especiais. Será o uso do pregador limitado à intenção 
consciente do texto? Se não, até que ponto ou sob quais condições pode ele partir daquele sentido 
original? Pode ser encarado como legítimo o desenvolvimento de significados meramente implícitos? 
Na Igreja, até que ponto o emprego extensivo de um versículo bíblico, com certo significado, pode 
justificar o seu uso continuado com esse mesmo sentido, conquanto o estudo histórico tenha deixado 
bem claro que esse versículo possuia significado bem diferente no original? Será legítimo focalizar a 
atenção em determinado sermão acerca de um aspecto especial e comparativamente sem 
importância do significado de um versículo, mesmo que seja apresentado um tratamento altamente 
desproporcional no qual o ponto principal do texto receba atenção deficiente ou na verdade nem 
mesmo apareça? Embora eu não me aventure a oferecer respostas detalhadas e definitivas a essas 
diversas questões, elas indicam o problema geral deste capítulo. De modo nenhum é um problema 
simples ou fácil de ser resolvido. 
 O primeiro passo para a solução, porém, está bastante claro: o uso do texto pelo pregador 
precisa começar por um conhecimento do significado original do mesmo. Seja o que for que ele fizer 
com o texto, precisa saber o que está fazendo; e isso significa conhecer o que o texto, na realidade, 
significou para o seu escritor e o que êste pretendia que o mesmo significasse para seus primeiros 
leitores. Por certo é impossível saber o que alguns textos bíblicos pretendiam transmitir 
originalmente, quer seja porque o fraseado original é incerto ou ambíguo ou por alguma outra razão. 
Não há, entretanto, desculpa alguma para nossa falha em conhecer tanto quanto possível, e, na 
maioria dos casos, o sentido original é bastante claro se o mesmo for pesquisado. Ernest C. Celwel 
escreve: 
 "De modo geral, há somente dois métodos de interpretação da Bíblia. São os métodos de 
"modernização" e "histórico". Cada um dêsses métodos tem inúmeras modificações e formas, porém 
os dois estão separados um do outro por um golfo que é tão vasto a ponto de restringir tôdas as 
divisões menores. O método chamado de modernizador tem os seus pés plantadas sólidamente no 
período em que o intérprete vive; encontra o significado básico da Bíblia com referência ao período 
"moderno" em que, naturalmente, o intérprete está mais interessado. O método histórico, por outro 
lado, descobre o significado básico da Bíblia com referência à situação em que ela foi escrita. (The 
Study of the Bible (Chicago, University of Chicago Press, 1937, págs. 103 em diante. Copyright 1937 
pela Universidade de Chicago. A citação foi permitida pela University of Chicago Press.) 
 A ênfase nas duas últimas sentenças deveria recair sobre a palavra "básico". Temos já visto 
que, na realidade, nenhum de nós poderá compreender o que a Bíblia disse à sua própria época, se 
não ouvirmos também o que está falando à nossa. Entretanto, tal como o capítulo precedente deixou 
claro, não há dúvida com respeito a onde começa o processo de compreensão. Principia com o 
significado do texto em seu cenário original. O sentido básico, tanto para o pregador e não menos 
para o sábio bíblico, é o significado histórico. 
 Pois bem, todos nós reconhecemos que o pregador está sob a tentação extraordinária de 
negligenciar nesse primeiro passo. Não é ele um historiador preocupado pela história como um fim 
em si. Está, sim, preocupado com o significado do Evangelho para a sua própria época e sente 
grandes responsabilidades para com os homens e mulheres modernos, tanto em sua congregação 
como na sociedade em geral, cujos problemas e necessidades requerem a sua atenção de todos os 
ângulos. Está sob a mais urgente pressão de "servir a geração atual. " Não é estranho que grande 
parte das vezes sua primeira indagação acerca de um texto bíblico seja: "Como posso empregar êsse 
texto para ajudar minha gente?" ao invés de: "Qual o sentido original desse texto?" 
 A tendência para descuidar do sentido original é encarecida pelo ponto de vista um tanto 
comum da natureza da Bíblia como a Palavra de Deus. Como tal de acordo com essa idéia, ela não é 
só infalível, mas também incalculàvelmente convincente e misteriosamente grávida. Literalmente 
falando, não há limite ao que o texto possa significar. Tudo quanto as palavras sugiram ao intérprete 
- ou, como ele diria grande parte das vezes, tudo quanto o Espírito Santo comunique - deve ser tudo 
ou, pelo menos, uma parte daquilo que o texto pretenda transmitir. Em vista do significado que as 
palavras inicialmente tiveram para seus leitores não determinar ou limitar em grau algum o 
significado real das mesmas, para que se dar ao incômodo de inquirir a esse respeito? Desse modo, 
acontece que as próprias concepções do pregador tomam precedência às palavras da Escritura em si 
e apropria afirmação do significado ilimitado da Bíblia passa a ser uma negação da mesma. Talvez 
nenhum de nós chegaria a se expressar como aquêle pregador que disse: "Não sou matemático, nem 
biologista, nem tampouco gramático, mas quando se trata de manejar a Bíblia eu derrubo verbos, 
quebro preposições e pulo por sobre adjetivos." Não é sem freqüência, porém, que agimos com igual 
arrogância, passando, sem consideração nenhuma por sobre o significado claramente planejado do 
texto, a fim de estabelecer o nosso próprio ponto. Quando se pensa a este respeito, é de se espantar 
que alguém possa fazer isso sob a impressão de que, desprezando o significado original das palavras 
da Escritura, de certo modo está exaltando a Palavra de Deus. Se esta fosse falada por meio de um 
evento ou desenvolvimento histórico, torna-se então vital reaver aquele desenvolvimento ou evento 
tão completa e verdadeiramente como pudermos. Daí a importância, do trabalho do sábio bíblico. Daí 
também a importância do pregador começar a empregar determinado texto com uma compreensão 
tão clara quanto possível do seu significado original. 
 Não é necessário que se diga aqui muita coisa a respeito do método para conseguirmos essa 
compreensão. O terreno já foi palmilhado muitas vêzes e é conhecido. Está claro que é mister que se 
conheça, se possível, o que o texto realmente afirma - querendo isto dizer que dever-se-ia conhecer 
o texto grego ou hebraico. Se o manuscrito ou outra antiga evidência torna incerto o fraseado exato,o pregador deveria estar preparado para considerar as várias possibilidades e chegar a uma 
conclusão inteligente quanto à forma apropriada do texto. É preciso, então, que ele traduza o texto 
utilizando-se dos muitos recursos que o conhecimento moderno põe à disposição - dicionários, 
gramáticas, concordâncias, comentários - de acordo com o limite de suas capacidades (e com prática 
e disciplina essas capacidades podem ser aumentadas). Caso o pregador não conheça as línguas 
originais, é mister que dependa inteiramente de outros, tanto para a determinação do texto correto 
como para a sua tradução. Contudo, para esse pregador, ricos recursos também estão disponíveis, 
com o grande número de excelentes traduções modernas, sendo que ao fazer um acomparação das 
mesmas, ele estabeleceria, com vantagem, tanto um texto de maior autoridade como uma versão 
mais acurada para sua língua. 
 Quando alguém traduz um texto ou se decide com respeito à tradução feita por outra pessoa, 
começou já a interpretar. Na verdade a tradução dificilmente poderá vir a ser certa e definitiva até 
que seja completado - ou pelo menos bem adiantado - o processo de interpretação. Muitas e muitas 
vezes não é simples nem tampouco fácil esse processo de descobrir o que o texto significava em sua 
origem. É mister que se conheça tão bem quanto possível o livro bíblico do qual é extraído o texto - a 
situação histórica e cultural que é refletida no mesmo e para a qual é dirigida; seu propósito geral e o 
curso geral de seu argumento; e a relação do texto com esse argumento e propósito. É preciso que, 
tanto quanto possível, o texto seja visto em sua composição imediata e total. É necessário colocar-se 
de modo inteligente no lugar do escritor e compreende-lo à luz daquilo que se conhece acerca dele - 
suas circunstâncias, suas experiências, suas idéias e suas responsabilidades. É preciso que se entre, 
de modo imaginário, na situação dos primeiros leitores, sentindo tão concretamente como possível os 
interesses e necessidades dos mesmos. Uma vez mais podemos lembrar-nos que o moderno 
conhecimento bíblico tem ricas capacidades para nos ajudar a conseguir esse tipo de compreensão 
histórica. 
 Assim, o conhecimento adquirido pelo pregador nem sempre precisa ser narrado 
minuciosamente à congregação durante o seu sermão. Um sermão bíblico não é preleção sobre a 
Bíblia - mesmo que seja preleção cheia de humor, como alguns dos sermões de Patton que dariam 
essa impressão, ou mesmo uma preleção mais séria. É verdade que os sermões deveriam ser mais 
reveladores quanto à Bíblia em si e os problemas literários e históricos que a mesma apresenta, do 
que grande parte das vezes dão mostras de ser. Um pregador interessado em levantar o nível geral 
do conhecimento da Bíblia que sua congregação tem, sempre encontrará meios de compartilhar 
diretamente com ela os resultados mais importantes de seus próprios estudos. E Patton tem toda a 
razão ao afirmar que as pessoas estão mais preparadas para receber informações do que muitas 
vêzes damos crédito a elas com relação a isso. Ainda assim, pelo menos no que diz respeito ao 
sermão, a indicação de uma simples informação será um interesse subordinado e incidental. Porém, 
isso não quer dizer que a propria posse do conhecimento disponível e relevante tanto literário como 
histórico seja subordinado e incidental enquanto ele se prepara para pregar sôbre certo trecho em 
qualquer sentido ou grau. Êsse conhecimento é indispensável. Por mais que existam modos legítimos 
ou ilegítimos de se empregar um texto na pregação, não pode haver a utilização apropriada de um 
texto que não comece por uma compreensão verdadeira, tanto quanto possível, de seu sentido 
original ou histórico. 
 Mas, legitimamente falando, que tem a ver o sermão com o texto? Quais os usos apropriados 
que podem ser feitos dele? Que "partidas" podem ser permitidas do mesmo? Numa só palavra, que 
resposta ou respostas podem ser dadas às questões que foram apresentadas no início deste 
capítulo? 
 Geralmente constatamos que, se alguém principiar com um reconhecimento claro do sentido 
original do texto, êsse tipo de problema não surgirá. Se o texto for uma parte vital da Escritura e, 
portanto, realmente valha a pena ser pregado, sendo constatado o que, na realidade, significa em 
seu contexto bíblico e histórico, de modo geral o pregador sentir-se-á movido a pregar esse 
significado. O sermão será um esforço de transmitir e aplicar o sentido original do texto e não haverá 
dúvida quanto à "partida" do mesmo. O próprio entendimento que alguém tenha do significado do 
texto original, tal como vimos no capítulo anterior, envolve um sentido vivo de sua importância 
presente e o impulso completo para usar o texto na pregação provém dessa compreensão. Em tais 
casos, o conhecimento do que o texto disse à sua geração é o conhecimento do que tem a dizer à 
nossa - e o pregador estará interessado em apresentar e aplicar de novo e de modo preciso aquêle 
significado, e nenhum outro. Se a grande maioria de nossos sermões não estão relacionados aos 
textos dos mesmos, desse modo direto e imediato, temos boa razão para suspeitar da solidez de 
nossos métodos de pregação. 
 Quando falamos do "sentido original" de uma passagem ou de seu significado em seu 
"contexto original", deveríamos ter em mente não apenas as suas relações lógicas dentro da 
sentença, parágrafo, capítulo ou livro em que seja encontrado, mas também algo muito mais rico e 
muito mais significativo. O "contexto original" não é mera forma de palavras, mas sim a vida real da 
antiga comunidade religiosa em que primeiramente o texto foi ouvido e conservado. Posso imaginar, 
por exemplo, três tipos de sermões acerca da conhecida história de Bartimeu no Evangelho, o 
mendigo cego que exclamou, quando Jesus passava, "Jesus, Filho de Davi, tem compaixão de mim!" 
(Mc 10.46) e a quem Jesus curou com uma só palavra. Um sermão encontrará nesse incidente a 
prova de que Jesus era o Messias - ele foi chamado "Filho de Davi" e demonstrou que merecia esse 
título através de seu ato miraculoso. O propósito do sermão será o despertamento ou a confirmação 
da crença de que verdadeiramente Jesus era o Cristo. O segundo sermão porá ênfase na compaixão 
humana de Jesus. Jesus está passando, preocupado com outras questões, quando ouve o clamor do 
mendigo. Êle pára, pergunta o que o homem deseja e bondosamente vai de encontro à necessidade 
dele. O propósito do sermão será o de animar semelhante sensibilidade, cortezia e generosidade. O 
primeiro dêsses dois sermões pode considerar-se mais fiel ao texto, sendo, mesmo assim, inaplicável 
e, portanto, por mais verdadeiro que seja, não é um sermão verdadeiro. Ninguém pode ser 
convencido de que Jesus era o Cristo, por um simples incidente do passado. Uma convicção 
intelectual baseada em fato passado dessa espécie não teria significação alguma. O segundo sermão 
talvez poderia fazer melhor reinvidicação quanto à relevância; mas certamente que o uso tão 
superficial de um texto não pode ser autêntico. Não foi por causa dessa espécie de significado 
encontrado nela que a história chegou a ser relembrada e finalmente registrada no Evangelho. 
 No entanto, o terceiro sermão não tratará o incidente como um evento passado do qual 
podemos extrair lições verdadeiras ou úteis - quer sejam doutrinárias ou éticas - mas como um 
acontecimento em nossa própria história. Somos como o cego Bartimeu. Cristo nos pergunta: "Que 
queres que eu te faça?" Somos nós quem respondemos, ou deveríamos responder: "Mestre, que eu 
torne a ver. " E, na medida de nossa fé, somos tirados das trevas para a sua maravilhosa luz. É óbvio 
que somente quando o texto é compreendido dêsse modo chega a ser profundamente aplicável. Mas 
é bem verdade também que só uma compreensão dessas é historicamente autêntica. Êsse é o tipo 
de significado que o texto possuía desde o princípio. Em vistade responder desse modo às 
realidades da vida da Igreja primitiva é que se tornou uma parte de sua pregação e mais tarde foi 
incorporado no Evangelho. Êsse uso do texto não é uma alegorização imaginativa. Descansa sobre o 
único tipo adequado de exegese. Isso porque se não escutarmos esses textos como se fossem 
falados a nós, não os ouvimos como o foram na Igreja primitiva e, portanto, não os ouvimos em seu 
contexto verdadeiro e original. 
 Incidentalmente, pode-se assinalar que o reconhecimento do fato do terceiro sermão ser o 
único verdadeiro sobre o texto, aluda a resolver o problema com que a crítica histórica e literária da 
Bíblia parece, por vêzes, confrontar o pregador. Uma vez constatado que o significado autêntico do 
texto é o sentido que possuia - e ainda possui - no contexto da vida da Igreja, tornaram-se 
grandemente irrelevantes as indagações relativas a quem primeiro o pronunciou ou escreveu, ou 
acerca de sua proximidade com algum incidente ou fato real. A verdade do texto depende 
inteiramente da autenticidade com que é estabelecido o significado do evento histórico, tal como este 
era conhecido dentro da Igreja primitiva e como agora é conhecido ou pode ser conhecido dentro da 
vida da comunidade histórica ininterrupta. ( Uma discussão mais completa dêste princípio de 
interpretação é encontrada em meu livrinho Criticism and Faith, Nova Iorque e Nashville, Abingdon, 
1952, especialmente o capítulo final "Crítica Histórica e Pregação.") 
 Algumas vezes, porém, verificaremos e também seremos movidos a pregar sobre significados 
de textos, dos quais há boa razão para duvidarmos, sobre o que os escritores originais pretendiam ou 
o que os primeiros leitores reconheciam. Nesse caso, a questão de fidelidade está em sabermos se 
os significados estão realmente implícitos no texto, se são vistos erroneamente ou se são 
francamente introduzidos nele. Se o significado do sermão não for encontrado - quer seja consciente 
ou implicitamente - o uso do texto é ilegítimo, não importando quão inteligentemente o ministro faça 
com que as meras palavras do mesmo sirvam para seu propósito. Muitas vêzes são flagrantes e 
inequívocas nossas violações desse princípio de justeza. Ninguém duvidara, por exemplo, que esteja 
implícito na pergunta de Faraó a Jacó: "Quantos são os dias dos anos da tua vida?" um sermão sobre 
as dimensões da vida, qualquer que seja o seu sentido ou grau. Mas não raras vezes a questão de 
fidelidade é muito mais difícil de responder e grandes exigências são feitas com respeito a nossos 
poderes de honesta discriminação. Ainda assim, o princípio permanece, por mais difícil que seja a 
aplicação em determinados casos. Não se pode honestamente dar a aparência de que se extrai de 
um texto o que não há nele. Tampouco não é direito ou prudente basear um sermão sobre algum 
texto que não possa suportá-lo com firmeza. 
 Entretanto, é preciso que se reconheça a realidade - e muitas vêzes a rica variedade - de 
significados meramente implícitos. O significado completo de uma afirmação qualquer é 
conscientemente apreendida por aqueles que primeiro a ouvem ou até mesmo por aquêles que a 
pronunciam pela primeira vez. O grande pensador ou poeta está sempre expressando mais do que 
tem consciência de ter dito, e o grande arquiteto está sempre edificando mais sabiamente do que 
imagina. As palavras do profeta hebraico, do salmista, de Paulo, de João ou até mesmo do próprio 
Jesus (na realidade, principalmente dele) são mais fecundas além do próprio conhecimento deles e 
são verídicas em sentidos que seus ouvintes jamais poderiam ter sonhado. Por vezes, qualquer 
acontecimento ou desenvolvimento nos tempos modernos não só ilustrara de novo ou confirmará um 
antigo texto, mas também revelará plenamente novas dimensões de significado dentro do mesmo. 
Ocasionalmente, até mesmo alguma experiência pessoal de alguém revelara alguma capacidade ou 
aplicação do texto e que o escritor original dificilmente teria estado a par. 
 Semelhantemente, um incidente na narrativa bíblica pode ilustrar alguma verdade universal ou 
eterna acerca de Deus, do homem, do dever ou da salvação, sendo que todos quanto a registraram - 
sem falar daqueles que originalmente testemunharam dele - nunca chegaram a pensar. Quando, na 
crucificação de Jesus entre dois ladrões, Reinhold Niebuhr vê uma exemplificação da verdade de que 
a sociedade convencional tende a tratar seus criminosos e santos de modo idêntico, não esta 
empregando mal o seu texto, embora seja quase certo que ele esteja estabelecendo um ponto que 
os observadores da crucificação, nem tampouco os escritores do Evangelho jamais tivessem 
pensado. Ainda assim o ponto é verdadeiro, repetidamente ilustrado, tanto na história como na vida 
comum e estabelecido de modo supremo nas circunstâncias da morte de Jesus para que o vejam 
todos quantos têm olhos. Não é introduzida: encontra-se lá. Do mesmo modo, poder-se-â ver na 
resposta de Jesus a Marta, quando ela solicitou que ele chamasse a atenção de sua irmã, ou na 
resposta do Mestre ao homem anônimo que se queixava contra seu irmão com respeito a uma 
herança - isto é, em ambos os casos poder-se-á ver na resposta de Jesus um lembrete de que, 
quando permanecemos diante de Deus estamos sempre na posição de acusados e nunca de 
acusadores. Deus não ouve nossas queixas contra outros; antes, ele pergunta - "E tu? Olha para ti 
mesmo!" Tal significado pode ou não ter sido visto nesses incidentes pelo escritor do Evangelho que 
os registrou, mas lá está. 
 Em outras palavras, um sermão não "parte" de seu texto quando encontra um novo 
significado nele. O uso autêntico dum texto não precisa ser "insípido"; a utilização imaginativa não é 
necessariamente extravagante e falsa. Na verdade, se nosso uso de certo texto for realmente sem 
imaginação e enfadonho, não pode ser autêntico. Não se pode estabelecer regras rígidas de 
fidelidade nesse domínio. Só se pode confiar na inteligência, integridade, bom gosto e só isso é que 
satisfaz - contanto que o pregador sempre comece por uma compreensão tão clara quanto possível 
do significado original. Sem essa compreensão ele se encontra sem leme ou compasso para 
empregar a Escritura, por mais inteligente, honesto ou sensível que seja. Com isso ele achará difícil 
extraviar-se demasiadamente. 
 
CAPÍTULO IV 
 
PREGAÇÃO É ENSINO 
 
 Já vimos que a palavra "pregação" é derivada do latim praedicatio, que por seu turno traduz o 
grego kerygma, palavra esta que, em seu sentido mais geral, significa a proclamação de um fato ou 
de um acontecimento. É usada regularmente no Novo Testamento para descrever a mensagem e 
(em sua forma verbal) a atividade dos evangelistas Cristãos, os quais tinham "boas novas" supremas 
para contar, boas novas de que, em Cristo, Deus visitou e redimiu o seu povo e que a salvação 
estava sendo oferecida gratuitamente a todos quantos se arrependessem e pusessem sua confiança 
nele. Os pregadores eram os arautos do reino de Deus. Anunciavam o fato da obra bondosa de Deus 
em Cristo e chamavam seus ouvintes para reagirem de modo apropriado em penitência e fé. Eram, 
como temos visto, os pregadores do Evangelho. 
 Em nossas mentes, a palavra "evangelho" primeiramente está associada aos livros no começo 
do Novo Testamento; esse, porém, é um uso derivado e não primário do termo. Nenhum dos 
Evangelhos foi originalmente chamado por êsse nome, nem tampouco, na realidade, essa palavra foi 
muitas vêzes empregada nesses livros. Lucas emprega freqüentemente a forma verbal correlata que 
significa "proclamar boas notícias", porém o substantivo "evangelho" não é encontrado em Lucas ou 
João e aparece onze vezes apenas conjuntamente em Marcos e Mateus. Aparece duas vezes em 
Atos, uma vez em I Pedro, uma vez no Apocalipse e em nenhum outro lugar do Novo Testamento, 
exceto nas epístolas Paulinas - onde é encontrado umas sessenta vezes! Paulo, que pode ser 
suspeitode ter realmente cunhado essa palavra em seu sentido Cristão, certamente não estava 
pensando num livro quando a empregou. Pensava, sim, no conteúdo da pregação Cristã. Não 
sabemos ao certo como o termo chegou a designar um livro ou um cânon de livros. Talvez isso tenha 
acontecido sob a influência do primeiro versículo de Marcos, "O princípio do evangelho de Jesus 
Cristo", uma frase encontrada na sentença introdutória, tornando-se assim o título do livro e daí o 
título de outros livros do mesmo tipo. Pode ser que isso tenha ocorrido sob a influência de Márcion, o 
primeiro a canonizar qualquer um de nossos livros do Novo Testamento e cujas escrituras continham, 
entre outros, um documento bem parecido com o nosso Lucas, mas chamado por Márcion 
simplesmente de "o evangelho" (sem dúvida nenhuma corresponde à "lei" no cânon judaico, que ele 
rejeitara). Como apoio a essa explicação, pode ser citado o fato de que, quando os outros 
Evangelhos chegaram a ser estabelecidos como canônicos, não eram denominados "Evangelhos" de 
Marcos, Mateus, Lucas e João. A forma no singular sugere o significado original da palavra 
"evangelho" - não um livro, mas uma mensagem, que poderia ser apresentada de forma diversa por 
diferentes autores, mas que em si era necessariamente singular e única. No princípio de tudo não 
havia tais documentos como os nossos evangelhos. O "Evangelho" da ação salvífica de Deus em 
Cristo primeiramente não foi uma história escrita num livro, mas uma proclamação nos lábios dos 
pregadores primitivos. 
 C. H. Dodd principia seu pequeno opúsculo The Apostodio Preaching (Chicago, Willet Clark & 
Company, 1937) chamando a atenção para a distinção entre pregação e ensino feita na Igreja 
primitiva. Ensino (didachê), justamente com exortação (parakIésis), em sua maior parte era uma 
instrução ética e apelo endereçado a pessoas já estabelecidas na fé. Pregação (kerygma) era 
primariamente dirigida a não-Cristãos. Era proclamação e não instrução ou exortação. Não pode 
haver dúvida quanto à solidez dessa distinção tudo quanto tem sido dito relativamente ao significado 
da palavra "pregação" indicará outro tanto. Contudo, indago se a distinção entre "pregação" e 
"ensino" era tão pronunciada como Dodd dá a entender e, mais particularmente, se as funções do 
pregador e do professor eram, na realidade, tão separadas na vida da comunidade primitiva. 
 Estudantes da Igreja primitiva estão acostumados a falar (como, por exemplo, em discussões 
das origens e desenvolvimento da tradição do Evangelho) dos "primeiros pregadores e professores 
Cristãos. " Será que eles querem com isso dizer duas classes de pessoas, ou estão eles se referindo a 
dois tipos de atividades que as mesmas pessoas poderiam exercer? Seja o que for que signifiquem, é 
muitíssimo difícil que duas classes separadas de funcionários existissem, de fato, e uma pergunta 
pode ser feita de modo apropriado com respeito a quão pronunciadamente as duas funções seriam 
distintas uma da outra. Não se poderia proclamar as boas novas de Cristo sem procurar, ao mesmo 
tempo, explicar o seu significado e fundamentar o mesmo com argumentos e exemplos, sem 
esquematizar algumas de suas implicações éticas. E não se poderia, à maneira do professor, 
interpretar o significado da vida Cristã em si, sem trazer constantemente à lembrança de seus 
próprios ouvintes, o acontecimento de Cristo. Embora o verbo "pregar" na mais das vezes tenha 
como seu objeto um termo como "o evangelho" ou "o reino de Deus", Paulo pode (em Rm 2.21) falar 
em "pregar que não se deve furtar. " E, embora aparentemente verdadeiro que "ensino" fosse 
geralmente endereçado aos crentes, lemos (em At 13.12) que o procônsul pagão Sérgio Paulo "creu 
maravilhado com a doutrina (ou ensino) do Senhor. " Na realidade, há muitas indicações que 
"ensino" era um termo vasto que podia incluir a proclamação dos fatos do Evangelho bem como 
instrução ética e advertência. 
 De fato, a distinção entre os ministros Cristãos primitivos que é mais freqüente no Novo 
Testamento, não é entre "professores" e "pregadores", mas sim entre "professores" e "profetas". 
Paulo, na lista primitiva que possuimos das funções da Igreja e dos funcionários (1 Co 12.28), fala 
inicialmente de "apóstolos", "profetas", "professores", nessa ordem. É quase certo que os "apóstolos" 
são o grupo limitado dos líderes de autoridade em toda a Igreja - aqueles a quem, assim se cria, - o 
próprio Jesus, imediatamente depois de sua ressurreição, havia comissionado como seus 
representantes e os enviara para proclamar o Evangelho e estabelecer Igrejas. Com êles outros 
evangelistas foram associados, os quais serviam sob as ordens dos primeiros ou que os 
acompanhavam em suas viagens - homens como Tito, Timóteo, Barnabé, Marcos - e estes também, 
em certas ocasiões, podiam, talvez, ser chamados "apóstolos". Entretanto, de qualquer modo que 
sejam definidos, os "apóstolos" pertenciam à Igreja como um todo, e não as congregações locais. Os 
ministros locais principais são os "profetas" e os "professores". É claro que a pregação será uma das 
funções mais importantes do apóstolo - ele é o evangelista por excelência - mas será que devemos 
supor que também não houvesse evangelistas nas Igrejas locais? Será que o Evangelho seria 
proclamado naquele lugar tão somente quando um apóstolo autorizado visitante estivesse presente? 
Fazer uma pergunta dessas é quase respondê-la. Cada congregação Cristã, estabelecida num vasto 
ambiente pagão, era consciente de uma constante oportunidade e tarefa evangelística. Mas ainda 
mais importante que isso é o fato de que as "boas novas" precisam ser, e podem ser, revistas 
continuamente. O evento de Cristo precisa ser continuamente declarado - tanto na assembléia dos 
santos como na dos descrentes. Aquilo que Dodd denomina pregação apostólica teria lugar em toda 
e qualquer igreja local, dia após dia, semana após semana. Entretanto, não ouvimos falar de 
"pregadores" em conexão a isso. A pregação era feita pelos "profetas" e "professores". Que podemos 
saber acerca desses ministros da Igreja primitiva? 
 Os "profetas" certamente devem ser vistos contra o cenário de fundo da profecia hebraica. Os 
profetas aparecem claramente em Israel nos primórdios, tão cedo como do início da monarquia, 
porém suas origens são muito mais antigas. Eram "homens de Deus", identificados como tais por um 
dom pessoal notável. Essas pessoas são encontradas em toda a comunidade primitiva. Estão de 
modo especial sujeitos a transe e êxtase e sentem serem possuídos pelo mana divino, o Deus 
misterioso. São "inspirados". Alguns dos mais antigos profetas foram homens de inteligência fora do 
comum e de poder moral, tais como Samuel e Elias. Alguns deles eram dervixes errantes. Amós, 
Oséias, Isaías, Miquéias e outros como eles também foram profetas. Esses homens de dons pessoais 
e intelectuais bem extraordinários tiveram cuidado para se distinguirem do tipo comum: "Eu não sou 
profeta, nem filho de profeta" (7.14), afirma Amós. Eles, porém, tinham isto em comum com outros 
profetas - e é a coisa essencial - a de que se julgavam (ou eram julgados) como que em contínua e 
íntima relação com Deus, recebendo a palavra diretamente dele e também a capacidade 
extraordinária de comunicar em um sentido da realidade e do poder temeroso do divino. 
 Tudo nos faz crer que homens e mulheres dessa espécie foram os profetas da Igreja primitiva. 
Sem dúvida nenhuma alguns deles eram o tipo do dervixe primitivo, e alguns desses eram imitações 
conscientes ou inconscientes. Luciano, um escritor pagão do segundo século, escreveu uma sátira 
divertida a respeito de um deles, um homem chamado Peregrinus que alcançou sucesso explorando 
caridade e credulidade dos Cristãos. O escritor do Didaquê, um manual primitivo da ordem da Igreja, 
chama a atenção das congregações para essas pessoas. As indicações dadas para experimentar os 
"profetas" são simples,

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