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SENTENÇAS DISCUTÍVEIS

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FACULDADE CASTELO BRANCO – CURSO: DIREITO. LEITURA E PRODUÇÃO DE TEXTOS. PROF. OLNEY BRAGA. 14-04 e 15.04.2016
ARTIGO DE OPINIÃO
SENTENÇAS DISCUTÍVEIS
 José Augusto Carvalho
Nem concurso se exige para que um juiz de Direito se torne desembargador ou ministro de tribunais superiores
 
                       O que se exige para que um simples bacharel se torne juiz é apenas um concurso em que não se leva em conta a titulação acadêmica do candidato. O pior é que nem concurso se exige para que um juiz de direito se torne desembargador ou ministro de tribunais superiores. E o resultado pode ser lastimável.
            A juíza Maria Leonor Leiko Aguena, de Brasília, suspendeu o processo criminal movido contra o filho do ex-ministro Odacir Klein, Fabrício Klein, que atropelou e matou o pedreiro Elias Oliveira, e fugiu em seguida, sem prestar socorro. A juíza, que nem sequer mandou apreender a carteira de motorista do assassino, alegou que a vítima tivera morte instantânea e, por isso, segundo ela, não houve omissão de socorro. Nas entrelinhas dessa sentença, está um conselho aos assassinos do volante para que não prestem socorro à vítima, na presunção de que ela já esteja morta. A segunda inferência grave da decisão da juíza é que, na  prática, a suspensão do processo do filho assassino do ex-ministro equivale a dizer que nada aconteceu. Se voltar a matar, Fabrício Klein será considerado réu primário e poderá responder a novo processo em  liberdade.
            Um juiz de Jacareí, SP, pôs em liberdade o motorista Alexandre Azevedo Andrade que, com seu Kadett, matou 8 pessoas e feriu outras 13, durante um “racha”, no dia 15-01-95. O pai do assassino, Sérgio Andrade, comemorou: deu um Omega zero km ao filho irresponsável, para que ele continue resolvendo, à sua maneira, o problema da superpopulação mundial.
            O juiz Edmundo Lellis Filho, de Cotia, na Grande São Paulo, achou improcedente o pedido de acidente de trabalho do metalúrgico Valdir Martins Pozza, que perdeu os movimentos do dedo mínimo da mão esquerda. O juiz alegou que o dedo mínimo não só é de “muito pouca utilidade”, mas também “é considerado um apêndice que tende a desaparecer com a evolução da espécie humana”. O professor Dr. Ronaldo Azze, titular de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina da USP, declarou exatamente o contrário, mas a sua opinião, ainda que científica e carregada de bom-senso, não tem o poder de ajudar o operário acidentado, pelo menos não tanto quanto teve a decisão do juiz em prejudicá-lo.
            O ministro Sydney Sanches, o mesmo que condenou Collor no Senado e o absolveu no Supremo, recusou a Luiz Roberto Gambrine Moreira o direito de mudar seu nome e livrar-se da identificação de “sexo masculino” nos documentos pessoais. Luiz Roberto G. Moreira atende pelo nome artístico de Roberta Close. A decisão de Sydney Sanches, que condena Roberta Close ao constrangimento de ser mulher com identidade de homem, todas as vezes que for obrigada a mostrar sua documentação, baseou-se na ideia de que “sexo não é opção, mas determinismo biológico, estabelecido na fase de gestação” e que existe “prevalência do sexo natural sobre o psicológico”. Para Sydney Sanches, um médico não teria o direito de realizar operações no feto para corrigir má-formação congênita, porque teria de curvar-se ao “determinismo biológico”. Roberta Close reagiu racionalmente contra um erro grosseiro da natureza que lhe deu cabeça de mulher num corpo de homem. A decisão do ministro equivale, de certa forma, a renegar o progresso científico, porque condena a modificação da natureza pela mão do homem. Em outras palavras, o ministro não só perdeu uma grande oportunidade de fazer jurisprudência a respeito de um assunto palpitante da atualidade. Perdeu também a chance de ajudar um ser humano que teve a coragem de enfrentar os tabus e preconceitos de seu tempo.
            Já é mais que hora de refazer os critérios de nomeação de juízes, de desembargadores ou de ministros de tribunais superiores. Que venham os concursos públicos de provas e de títulos, para que sejam nomeados não os amigos do rei (ou da rainha), mas aqueles que se sobressaírem por sua competência e conhecimento. A nomeação do ministro Nélson Jobim para a vaga do Francisco Rezek, no Supremo Tribunal Federal, foi a forma encontrada pelo rei FHC para dominar também o poder judiciário.  Comprar deputados para ter aprovados seus projetos de governo e nomear ministros da corte suprema é uma forma de dar ao poder Executivo as funções do Legislativo (que ele já exerce com as medidas provisórias) e do Judiciário.
            Só nos resta rezar para que os ministros nomeados pelo rei ou pela rainha ponham a justiça acima da gratidão e a magistratura acima da política.
Artigo de opinião publicado em A GAZETA, no dia 15-12-2015.
 
José Augusto de Carvalho é mestre em Linguística pela UNICAMP e doutor em Letras pela USP. É escritor e professor aposentado da UFES. 
 
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