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Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 1 CCCUUURRRSSSOOO DDDEEE DDDIIIRRREEEIIITTTOOO ––– DDDIIISSSCCCIIIPPPLLLIIINNNAAA AAAnnntttrrrooopppooolllooogggiiiaaa PPPrrrooofff ... ZZZeeennniii llldddooo SSS... SSS... JJJúúúnnniiiooorrr,,, MMMSSSccc... RRROOOTTTEEEIIIRRROOO DDDEEE EEESSSTTTUUUDDDOOOSSS IIIIII UUUNNNIIIDDDAAADDDEEE OO SSUURRGGIIMMEENNTTOO DDAA AANNTTRROOPPOOLLOOGGIIAA CCIIEENNTTÍÍFFIICCAA As mudanças históricas Depois do choque inicial provocado pela descoberta da América, no Século XVI, a visão européia sobre a questão do “outro” esteve por muito tempo condicionada às necessidades pragmáticas levantadas pela colonização e pela retomada da escravidão, que caíra em desuso por vários séculos. A empresa colonial, em última análise, implicava buscar conhecimentos apenas na extensão da utilidade prática, uma vez que se realizou basicamente através da expropriação territorial de indígenas e do trabalho forçado de africanos. No século XVIII, a percepção de que um mundo novo estava se estruturando em substituição ao antigo inspirou duas respostas diversas perante a questão da existência de sociedades que tinham permanecido fora da civilização. Uma corrente manifestava-se através da confiança nos valores da civilização ocidental, replicando com estranheza a formas de cultura situadas fora desse padrão. A outra, oposta, expressava uma espécie de “nostalgia do antigo” que ainda existiria em “outro lugar” (LaPlantine); a fascinação pelo estranho ressaltava características como a integração ao ambiente protetor, contrastando com a infelicidade que residia do lado da “civilização”. A chegada dos anos 1800 reflete um contexto totalmente diferente. As feições deste novo ciclo, no que se refere aos estudos em geral sobre o homem, podem ser reunidas sob três evidências centrais: • Início da Era Contemporânea no Ocidente. • Domínio absoluto do Capitalismo Industrial. • Predominância política, cultural e econômica exercida por um grupo reduzido de potências européias, com o acréscimo dos Estados Unidos e, em certa medida, do Japão. A expansão acelerada provocada pela Revolução Industrial leva as potências europeias a uma intensa competição para garantir suas próprias bases de progresso capitalista. Tem início uma corrida por influência que levará ao controle, direto ou indireto, sobre regiões do mundo onde podiam se localizavam simultaneamente FONTES DE MATÉRIAS-PRIMAS e NOVOS MERCADOS para seus produtos. Esperava-se, com isso, reduzir os custos de produção, assegurar a continuidade da demanda e, adicionalmente, gerar possibilidades de “exportação” de excedentes populacionais (fonte de instabilidade e conflitos sociais). Essa política foi denominada NEO-COLONIALISMO ou IMPERIALISMO. Desde o final do século XVIII e até por volta de 1880 vigorou o chamado IMPERIALISMO INFORMAL, em que o exercício de influência era parcial, feito principalmente por meio de recursos econômicos e apoio militar. A partir dos anos 1830, exploradores europeus percorreram o interior dos continentes ainda desconhecidos, elaborando mapas e realizando estudos sobre as condições locais. Na África, foram marcantes as expedições de DAVID LIVINGSTONE, RICHARD BURTON, JOHN SPEKE e JAMES AUGUSTUS GRANT. Ao lado desses exploradores, que eram cientistas e naturalistas, também houve uma grande participação de missionários, que estabeleceram bases e centros religiosos para Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 2 conversão de tribos nativas em regiões pouco exploradas. As informações desses indivíduos também serviram para formar um conhecimento básico sobre essas regiões, o que iria facilitar muito o trabalho de colonização. O ponto culminante dessa investida foi a Conferência de Berlim, de 1885, também conhecida como Partilha da África. Daí em diante, passou-se a buscar um controle mais direto e absoluto, estabelecendo governos coloniais, lançando mão da força bruta e transferindo colonos europeus para explorar as regiões dominadas, principalmente na África (embora também na Ásia e na Oceania). Tudo isso representou um impulso decisivo na formação de um Corpus de estudos científicos que se cristalizou no que conhecemos como Antropologia Científica. O interesse concreto do expansionismo europeu encarregou-se de proporcionar os meios financeiros, a vontade política e a mobilização de recursos, matérias e humanos, à nova ciência nascente. Os primeiros estudos propriamente antropológicos, portanto, eram diretamente vinculados a esse esforço colonial. Desse modo, era natural que os pioneiros nos escritos antropológicos correspondessem a essa mentalidade. A motivação deles era “CONHECER PARA DOMINAR”. A corrente cultural predominante, na época (fins do século XIX e começo do século XX) foi muito influenciada pelas ideias evolucionárias derivadas da teoria de Charles Darwin (1859), assim como de outros autores que, mesmo antes dele, já buscavam estabelecer padrões que explicassem as mudanças biológicas, criando analogias com as mudanças sociais. Nesse sentido, ganharam destaque as noções de Herbert Spencer, primeiro a desenvolver a teoria da “Sobrevivência dos mais aptos”. Por essas ideias, muitos consideram Spencer o pai intelectual do Darwinismo Social. O papel da Antropologia Científica, no seu nascimento, era construir um saber que possibilitasse a empresa neo-colonial bem sucedida. A ideologia elaborada neste caldo de influências, no qual predominava a ambição expansionista, moldou-se na crença da supremacia racial, do direito à conquista e do etnocentrismo exacerbado. O discurso e a visão de mundo da época evoluiu para considerar essas ações como legítimas, em função do “atraso” dos povos que controlavam esses territórios. Em resumo, a motivação ideológica que envolveu o surgimento da Antropologia Científica foi a pretensão de CONHECER PARA DOMINAR. É nesse contexto que se organiza a primeira corrente teórica da Antropologia propriamente científica: o EVOLUCIONISMO. As principais características dessa tendência podem ser resumidas como segue: 1. A evolução do ser humano, em termos físicos e culturais, obedece a leis universais; 2. A teoria geral da evolução aplica-se aos fenômenos culturais. Isso significa que, onde e quando quer que se encontre, a cultura tem um ritmo de desenvolvimento progressivo através dos tempos, sendo que todos os povos da Terra obedecem a uma sequência determinada (desenvolvimento unilinear); 3. Levando em conta os dois primeiros postulados, as sociedades estavam destinadas a evoluir nos mesmos termos das culturas mais “avançadas”. A tarefa dos estudiosos era medir a dimensão e importância do “atraso” que afetava os povos “primitivos” – isto é, das culturas que diferiam do padrão europeu. 4. As sociedades “primitivas” se encontravam em estágio equivalente à “Infância da Humanidade”. 5. O volume de dados dá a aparência de um corpus científico, mas na prática se assemelha muito à filosofia do século XVIII, que não buscava seus Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 3 fundamentos na reflexão sobre tantos documentos mas sim no exercício especulativo. O Evolucionismo estruturou-se em torno da ideia de que as sociedades desenvolvem uma trajetória histórica linear desde um estado originalmente primitivo, tornando-se gradualmente mais civilizadas. Referencialmente, a condição primitiva aproxima-se do padrão de comportamento animalesco, e a de civilização é assemelhada ao modelo representado pelas sociedades europeias ocidentais do Século XIX/XX. O critério para medir o estágio de desenvolvimento das sociedades, na perspectiva evolucionista, era o grau de desenvolvimento tecnológico e científico que demonstravam. A definição desse critério refletia a abordagem etnocêntricado evolucionismo, já que aos “mais adiantados” cabia o papel de “Eu”, enquanto os “atrasados” eram vistos como “Outro”. Sob outras variantes, contudo, esses papéis se inverteriam. Os primeiros propositores da concepção teórica evolucionista foram os ingleses Edward Burnett Tylor e Herbert Spencer e o norte-americano Lewis Henry Morgan. Seu propósito era ajustar o pensamento social com a teoria biológica da evolução, adotando a perspectiva da “sobrevivência do mais apto” de Spencer e assimilando-a à tese da seleção natural de Darwin. Por isso essa corrente se tornou conhecida como DARWINISMO SOCIAL. Impregnada de forte racismo, apesar de distinguir entre “cultura” e “raça”, a teoria evolucionista colheu influências também do pensamento iluminista e pós-iluminista. Fonte de muitas referências, o filósofo alemão Hegel, por exemplo, defendia que o desenvolvimento social era inevitável e determinado por leis fixas, comparável a uma semente que não tem alternativa a não ser transformar-se em árvore. Sendo assim, as sociedades surgiam em estágio semelhante ao descrito por Hobbes como Estado de Natureza (O Leviatã), evoluindo em termos qualitativos até alcançar o estágio atingido pela Europa industrial. O Evolucionismo também buscou referências no modelo esquemático de filosofia da História de Auguste Comte, fundador da Sociologia, para quem o espírito racional evoluiria em uma trajetória que se alternava entre três grandes estados: o Estado Teológico, o Estado Metafísico e o Estado Positivo (LEI DOS TRÊS ESTADOS); Tylor acreditava que o papel dos antropólogos era estabelecer uma escala e civilização, enquadrando as diferentes sociedades conforme seu estágio evolutivo. Para ele, as instituições humanas eram estratificadas de modo semelhante às diferentes camadas do planeta Terra, que se sucediam de maneira uniforme por todo o planeta. Desenvolveu o que chamou de “aritmética social”, modelo matemático de análise dos costumes que permitia relacionar os que estavam presentes em cada sociedade. Morgan, depois de pesquisar entre os índios iroqueses nos Estados Unidos, fixou-se nas relações de parentesco (tendência constante na investigação antropológica). Desenvolveu um esquema detalhado do que, segundo ele, seriam as etapas sucessivas de desenvolvimento das sociedades. Figura 3 - Gráfico de cunho nitidamente racista compara a fisiologia dos cérebros humanos. No topo, em analogia ao deus grego Apolo, o crânio de um europeu ocidental. O de um africano, ao centro, é imediatamente associado ao do macaco, embaixo. Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 4 MODELO ESQUEMÁTICO DE MORGAN PPPeeerrríííooodddooosss EEESSSTTTÁÁÁGGGIIIOOOSSS CCCIIIVVVIIILLLIIIZZZAAACCCIIIOOONNNAAAIIISSS SELVAGERIA (Antigo) Superior (Alto) A partir da invenção do arco e flecha Médio Desde a dieta à base de peixes e uso do fogo Inferior (Baixo) Desde a infância da humanidade (pré- hominídeos) BARBÁRIE (Intermediário) Superior (Alto) Desde a fundição do ferro e uso de ferramentas Médio Domesticação de animais e plantas (por meio da irrigação) Adobe, tijolos, pedras Inferior (Baixo) Desde a invenção da cerâmica CIVILIZAÇÃO (Recente) Desde a invenção do alfabeto fonético, com uso da escrita, até a atualidade. Fonte: ALVES, Elizete Lanzoni e SANTOS, Sidney Francisco: Iniciação ao conhecimento da Antropologia Jurídica. Por onde caminha a Humanidade? Conceito Editorial, Florianópolis, SC - 2007 POSTULADOS BÁSICOS DO EVOLUCIONISMO a) Sucessão Unilinear: Os evolucionistas acreditavam na unilinearidade do processo evolutivo. Mesmo que houvesse degenerações em certos momentos, a tendência das sociedades era sempre de “subir” na escala, já que ela funcionava como um padrão de valores progressivos. Sendo assim o evolucionismo não era um modelo científico no sentido exato do termo, mas sim uma concepção teórica e hipotética. Baseava-se na convicção de que havia uma unidade psíquica do gênero humano, que fazia com que todos os seres da espécie fossem igualmente motivados para o processo evolucionário, embora alguns estivessem mais avançados devido a fatores como o clima, o solo etc. A idéia de unidade psíquica, contudo, não implicava em uniformidade moral – característica dos ideários racistas. b) Método comparativo: o método utilizado por eles consistia em ordenar os fenômenos observados de acordo com princípios estabelecidos previamente e interpretados a partir de uma ordem cronológica. Mesmo assim, muitas vezes utilizaram esse método de forma arbitrária, preenchendo espaços vazios e afastando contradições e paradoxos a partir da ideia preconcebida de como o processo evolucionário “deveria” ser. Foi dessa forma que fixaram por exemplo a tese de que os sistemas de matrimonio evoluíram a partir de um estágio primitivo de completa promiscuidade, o que se mostraria completamente falso. c) Sobrevivência: Este conceito se manteve até a atualidade. Os evolucionistas foram os primeiros a identificar que certos elementos culturais se perpetuam em condições diversas das que deram origem a sua existência. Contribuições dos evolucionistas para a teoria antropológica: ►Foram os primeiros a afastar o conceito de cultura de sua primitiva confusão com “raça”. Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 5 ►Perceberam que os fenômenos culturais não são acidentais, mas sim que estão sujeitos a leis científicas e a generalizações, tais como os fenômenos naturais, permitindo assim o estudo sistemático sobre eles. ►Estimularam os estudos sobre parentesco e formas de casamento e organização familiar, estabelecendo correlações entre a terminologia de parentesco, princípios de descendência e regras matrimoniais. Introduziram termos como Exogamia e Endogamia (McLennan), primos cruzados e primos paralelos (Tylor) etc. O DIFUSIONISMO Predominando no pensamento antropológico entre 1900 e 1930, o Difusionismo surgiu como uma reação ao Evolucionismo, criticando a ideia de um progresso cultural linear e procurando maior rigor científico e metodológico. A fase de maior popularidade foi a década de 1920. Esta teoria antropológica se ocupava do desenvolvimento de culturas e tecnologias, dedicando-se especialmente à História Antiga. Segundo seu ponto de vista, certas inovações surgem em uma determinada cultura, e são depois disseminadas por outras culturas, a partir de um processo de “empréstimo”. Desde o começo, considerava que algumas invenções são extremamente raras, e o fato de surgirem posteriormente em outras sociedades só podia ser explicado pela difusão por empréstimo. Era por isso povos diversos se tornavam semelhantes ou diferentes: a causa era a absorção ou não dos avanços desenvolvidos por outras culturas. As sociedades se desenvolviam de forma semelhante mais por terem entrado em contato umas com as outras e menos por terem dado origem, elas próprias, às invenções. Exemplo: a roda, como uma inovação central, teria sido criada em algum momento, e em certo local, e foi sendo transmitida a outros grupos e culturas, que por meio da imitação, negociação ou conquista militar, adotaram elas próprias o uso daquele artefato. Da mesma forma podiam ser explicados a arte, os modelos religiosos e todos os demais aspectos da cultura humana. Pensando dessa maneira, os difusionistas procuraram traçar linhas do tempo que permitissem entender como as diferentes sociedades e culturas tinham se diversificado ao longo da história. CORRENTES PRINCIPAIS DO DIFUSIONISMO Suas principais linhas de pesquisa foram: 1 - Escola hiperdifusionista inglesa, também conhecida como heliocêntrica ou Escola de Manchester. Características marcantes: o dogmatismo, a atitudeanti-científica e a descrença total na criatividade humana. Seus principais formuladores foram G. Elliot Smith e W. J. Perry. Smith foi muito influenciado pelas descobertas no Antigo Egito, chegando à conclusão, sem maior cuidado científico, de que dali tinha se originado toda a cultura. Segundo esse entendimento, os egípcios teriam se espalhado pelo mundo, levando traços de sua cultura que foram imitados pelos outros povos – inclusive na América Central. Entre esses traços culturais estariam o culto ao Sol e o modelo político de reinado. Essa teoria foi desenvolvida por Perry na obra the Children of the Sun, na qual afirmava que a cultura do mundo todo era essencialmente idêntica. 2 - Escola histórico-cultural alemã-austríaca. Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 6 Franz Boas Essa escola, também conhecida como histórico-geográfica, era formada em parte por integrantes da “Escola de Viena”. Desenvolvia uma visão pluralista da origem da cultura, aceitando que teriam existido múltiplos pontos de origem e difusão da evolução das sociedades, dando origem à totalidade final. Um dos seus integrantes, Willy Roy, elaborou o conceito de CÌRCULOS CULTURAIS (Kulturkreise), defendendo que a cultura humana teria surgido no interior da Ásia, difundindo-se para regiões mais longínquas a partir de círculos cada vez mais amplos, impulsionados por migrações. O Padre Wilhelm Schmidt explicava o cenário cultural moderno como resultado de uma difusão complexa de vários esquemas, que poderiam ser utilizados para reconstruir os círculos culturais originais. No modelo proposto por ele, a difusão cultural se dera em três fases, subdivididas cada uma em outras três, sendo: a) Três fases primitivas ou arcaicas: pigmeus, esquimós e aborígenes australianos; b) Três fases primeiras: com os caçadores-coletores e pastores nômades; c) Três fases secundárias: formadas por povos agrícolas. A tese dos Círculos Culturais foi a principal contribuição dessa escola. O círculo seria um conjunto de traços associados com um sentido, podendo ser isolados e identificados na história cultural. Além disso, insistiram na historicidade do método e dos contatos culturais, como primeiro passo para compreender o problema das trocas culturais. Os críticos assinalavam que os “círculos” eram apenas compostos generalizados , que os autores não conseguiam explicar como eles tinham surgido e como tinham se difundido em áreas distantes. Escola histórico-cultural norte-americana. Também conhecida como HISTORICISMO, dirigiu a atenção antropológica para a ANÁLISE ESPECÍFICA DA HISTÓRIA CULTURAL DE CADA SOCIEDADE. Para compreender uma cultura, era preciso reconstruir sua história, saber como ela tinha se constituído como uma sociedade específica em si mesma. Desenvolveu os conceitos de traço cultural, complexo cultural, padrão cultural e área cultural, que até hoje são válidos. Dava muita importância à pesquisa de campo e à delimitação do campo de estudo da antropologia, preferindo áreas limitadas e restritas; Os membros desta escola foram críticos ásperos do Evolucionismo do Século XIX, firmando uma tendência antievolucionista duradoura. Ao mesmo tempo, formaram um núcleo importante de combate ao racismo científico, contestando seus pressupostos (em um ambiente politicamente adverso, fortemente marcado pelas atitudes racistas). Os principais representantes foram FRAZ BOAS, CLARK WISSLER e ALFRED L. KROEBER Boas, o mais importante deles, nasceu na Alemanha e naturalizou-se estadunidense. Ele defendia que cada cultura devia ser entendida em sua história particular, incluindo Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 7 não apenas seu passado, mas também o presente. Os fenômenos locais deviam ser estudados dentro de uma área definida e geograficamente delimitada, com as comparações limitadas à área cultural que constituía a base para as investigações. Isso rejeitava por completo a ideia de que era possível entender as culturas comparando-as com outras, situadas em regiões distantes e cuja trajetória histórica tinha sido determinada por fatores diversos. Era uma posição de crítica direta ao modelo evolucionista, buscando a individualidade ou diversidade das culturas. Ele e seus seguidores aceitavam parcialmente a tese da identidade psíquica, mas discordavam dos grandes esquemas de desenvolvimento cultural propostos pelos evolucionistas. WISSLER apresentou a ideia de que a cultura se distribui em padrões, sendo que padrão cultural é o agrupamento de complexos e traços culturais, formando uma organização maior, de feições distintas, que caracterizam uma cultura. Além disso, ressaltou o aprendizado ocorrido desde a infância, vendo a cultura como um conjunto de reflexos condicionados que eram implantados no individuo pela convivência com o grupo de que era originário. O FUNCIONALISMO Surgiu na década de 1930, como uma nova concepção dentro da Antropologia teórica, fornecendo uma nova explicação para os fenômenos culturais. Sem rejeitar ou negar as orientações precedentes, inovou no campo da interpretação antropológica. Os funcionalistas se preocupavam menos com as origens ou história das culturas, interessando-se por sua lógica enquanto SISTEMA. Defendiam uma visão sincrônica que procurava conhecer a realidade cultural em dado momento, combinada com a abordagem sistêmica, que relacionava a sociedade a um organismo vivo, uma unidade complexa, um todo organizado. Os primeiros estudos da análise funcional foram produzidos no campo da Sociologia, destacando-se Herbert Spencer e Émile Durkheim. Eles influenciaram muito as idéias dos antropólogos funcionalistas. É preciso levar em conta as tendências organicistas que permeiam essa corrente: o estudo de uma sociedade deve ser feito como uma fisiologia. Quando se estuda um organismo, deve-se observar as partes componentes, as relações que se desenvolvem, as funções que desempenham e como mantém a continuidade de sua existência. A teoria foi descrita por Leslie A. White como tendo sua essência na crença de que as sociedades humanas e suas respectivas culturas existem como todos orgânicos, constituídos de partes interdependentes. As partes não podem ser plenamente compreendidas separadamente do todo, e o todo deve ser compreendido em termos de suas partes, suas relações umas com as outras e com o sistema sociocultural em conjunto. Sendo assim, qualquer traço cultural, costumes, objetos materiais ou ideias existentes no interior das sociedades têm funções específicas e mantém relações com cada um dos outros aspectos da cultura, com o objetivo de manter o modo de vida total. Cada costume é socialmente significativo, já que integra uma estrutura, participando de um sistema organizado de atividades. Uma cultura não é um simples organismo, mas sim um sistema. Os principais representantes do Funcionalismo foram o inglês de origem polonesa Bronislaw Malinowski e o britânico Alfed R. Radcliffe-Brown. Os dois realizaram trabalhos nas ilhas do Pacífico e tinham posições muito semelhantes, apesar de terem atuado de forma independente. Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 8 MALINOWSKI – Na base de seu pensamento, os conceitos de natureza humana e de cultura formavam o ponto de partida para considerar a própria cultura. Se todos os seres humanos são parte de uma espécie animal, só podem sobreviver quando suas necessidades biológicas são satisfeitas. Essa satisfação é tarefa da cultura, que elabora conteúdos diferenciados para dar conta dos “imperativos” primários. Malinowski distribuía as necessidades humanas universais em três tipos: a) Primárias ou biológicas (nutrição, defesa, excreção etc.); b) Derivadas ou instrumentais (organização econômica, educação etc.); c) Integrativasou simétricas (magia, religião, arte etc.) Ao buscar atender as necessidades primárias criadas pela própria natureza, respondendo às exigências da própria sobrevivência, o homem constrói um ambiente secundário. É este ambiente artificial que representa a cultura propriamente dita, entendida como um todo vivo e interligado, de natureza dinâmica, onde cada elemento ou traço tem uma função específica a desempenhar no esquema integral. Nas palavras de Malinowski, “...o conceito de necessidade é simplesmente a primeira abordagem para a compreensão do comportamento humano organizado [...] nem mesmo a necessidade mais simples, nem ainda a função fisiológica mais independente de influências ambientais, pode ser considerada completamente intocada pela cultura”. Assim, cada parte da cultura tem sua forma específica e desempenha função determinada, não existindo isoladamente. As partes se relacionam entre si e com o sistema cultural total, configurando sua própria estrutura. A cultura tem condição de fornecer os meios para satisfazer às necessidades dos membros da sociedade, sejam básicas, sejam derivadas, através de instituições culturais como a família, o parentesco, a economia etc. Malinowski apresenta a INSTITUIÇÃO como formada analiticamente pelos seguintes elementos: 1) Estatuto; 2) Pessoal; 3) Normas; 4) Aparelhagem material; 5) Atividades; 6) Função. Cada instituição existe em uma relação estreita e necessária com o cumprimento da função a que ela se destina. Assim, uma instituição desprovida de função tenderia a desaparecer. O pensamento de Malinowski mostrava uma preocupação com as explicações psicológicas para os fenômenos culturais, embora o conceito de cultura permanecesse como base do sistema que ele construiu. RADCLIFFE-BROWN Figura 5 - Bronislaw Malinowski Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 9 Inglês, considerava a cultura um sistema adaptativo, enfatizando a importância da função e da estrutura social que via como contribuintes para manter o equilíbrio da sociedade. O sistema desenvolvido por ele se baseava no conceito de sociedade a partir do qual a função de um elemento é O PAPEL QUE ESTE ELEMENTO DESEMPENHA EM TODA A VIDA SOCIAL, tornando seu papel fundamental na manutenção da estrutura e da integração social. Acreditava ainda que os interesses de sobrevivência do grupo eram atendidos por meio das “condições necessárias de existência”. Radcliffe-Brown se dedicou mais à Antropologia Social do que à Cultural. Preocupou- se com o conceito de Sistema, entendido como um todo organizado. Não estudou a cultura como um todo sistêmico, deixando de lado aspectos da cultura material e se concentrando mais nos aspectos da vida social. Em resumo: os postulados básicos do FUNCIONALISMO 1. A cultura é um todo sistêmico, dotado de racionalidade própria, cujo funcionamento deve ser captado em dado momento; 2. A cultura é constituída de partes interdependentes, relacionadas entre si e com o sistema sociocultural em conjunto; 3. Os conceitos de natureza humana e de cultura conduzem à concepção da existência de um mundo natural e de outro artificial em correspondência mútua; 4. Criação da teoria das “necessidades”, fatores percebidos culturalmente como decisivos para a sobrevivência individual e coletiva; 5. Reconhecimento e valorização da função desempenhada pelos elementos culturais; 6. Para Malinowski, as unidades de análise eram as instituições culturais, enquanto para Radcliffe-Brown eram as estruturas sociais. O arcabouço teórico de Malinowski era funcional, enquanto o de Radclliffe-Brown era estrutural- funcional; 7. Introdução do relativismo cultural, permitindo uma visão do cenário cultural e social das sociedades diferentes, sem projetar nelas os valores do observador. O funcionalismo constituiu uma reação positiva às teorias evolucionistas e difusionistas, principalmente em relação ao conceito de sobrevivências. Valorizou a pesquisa de campo que aproxima o observador dos grupos nativos, que passavam a ser o centro de referência, reconhecidos como portadores de padrões próprios e respeitáveis dentro da lógica do sistema que desenvolvem. O funcionalismo revolucionou as ciências do comportamento, dando novas perspectivas à teoria antropológica. O CONFIGURACIONISMO Foi a quarta escola teórica antropológica a se desenvolver. É considerada um prolongamento do difusionismo norte-americano, por estar voltada igualmente para as culturas particulares, embora variando em métodos e enfoques. O destaque dessa escola é para a integração e a singularidade do todo, que constituem seus elementos básicos de interesse. Também ficou conhecida por dar um tratamento “psicológico” ou “tipológico” ao comportamento cultural. Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 10 CONCEITO: Configuracionismo é a “combinação de diversos traços e complexos que integram um sistema de cultura de uma área em um momento dado, que depende da presença ou ausência de uns ou outros elementos da cultura e da maneira como os mesmos se encontram unidos” (Fairchild, 1949: 59-60). No entendimento dos configuracionistas, a cultura seria um conjunto integrado de elementos culturais encontrados em determinado tempo e espaço, cujas partes devem estar de tal modo entrelaçadas que formem um todo coeso e uniforme, pois, se uma das partes for afetada, automaticamente afetará as demais. PRINCIPAIS REPRESENTANTES Edward Sapir, primeiro a empregar a expressão configuracionismo inconsciente em estudos de linguagem. Defendeu que a configuração nem sempre é comunicada à mente, mas dá à cultura um feitio próprio. Todo comportamento cultural é simbólico, tendo como base os “sentidos” que são compreendidos e comunicados entre os diferentes elementos de uma sociedade, mesmo de forma inconsciente. Para Sapir, as culturas não são entidades verdadeiramente objetivas, mas sim configurações abstratas de ideias e padrões de ação, que têm significados infinitamente diferentes para os vários indivíduos do grupo. A cultura, portanto, é mais uma “idéia” e menos uma “coisa”, apesar de ter uma existência concreta. Sapir dava à cultura, à sociedade e ao comportamento uma nova perspectiva, quase lhes atribuindo uma personalidade. Ruth Benedict, no livro Padrões de cultura, declarava que “uma cultura, como um indivíduo, é um modelo mais ou menos consciente de pensamento e ação. Dentro de cada cultura surgem objetivos característicos não necessariamente partilhados por outros tipos de sociedade. Em obediência a esses objetivos, cada povo consolida cada vez mais a sua experiência, leva os heterogêneos aspectos de comportamento a assumirem formas cada vez mais congruentes”. Por ex.: uma região deve ser observada como uma configuração de instituições, costumes, tradições, meios de transporte etc., dentro de uma certa área geográfica, com um caráter próprio. A integração das configurações e sua maior ou menor coesão dependem da vitalidade e do funcionamento da cultura, medido em termos de sua eficácia. Como a configuração é um todo funcional, formado por partes em reciprocidade de ação, a cultura não pode ser entendida como simples soma dos elementos, ou análises de cada parte (como faziam os funcionalistas). Ela deve ser vista no conjunto, como um todo uniforme e operante. O Configuracionismo aceitava o conceito de difusão de traços e complexos culturais, mas ao estudar esse aspecto dava destaque aos elementos psicológicos que interferem no processo. Certos elementos são selecionados com base no interesse que despertam. A partir do todo, aceitam-se os elementos que podem ser úteis, rejeitando-se os que não se encaixam no contexto. Os empréstimos culturais são Ruth Benedict Roteirode Estudos Antropologia – II Unidade 11 readaptados de acordo com a necessidade do grupo em pauta, visando a sua integração, processo que não é necessariamente consciente. Entre as contribuições positivas mais importantes do Configuracionismo estavam: a) Emprego de conceitos como configurações, padrões de cultura total, propósitos, molas mestras, objetivos, orientações etc.; b) Desenvolvimento da ideia de que todo comportamento cultural é simbólico; c) Investigação concreta de casos culturais; d) Empréstimo de conceitos psicológicos de Nietzsche e Spengler, classificando os tipos de cultura em apolínea (ou introvertida) e dionisíaca (extrovertida). PARTE 7 - ESTRUTURALISMO A escola estruturalista é a mais recente. Seu ideário básico desenvolveu-se paralelamente ao funcionalismo, alcançando o apogeu nas décadas de 1940 e 50. Do mesmo modo, é importante ressaltar que as duas teorias tiveram vários elementos comuns, e que Radcliffe-Brown utilizou com frequência o termo estrutura, embora com sentido diferente do de Lévi-Strauss. Adotou sempre posições subjetivas. Pontos convergentes entre o Funcionalismo e o Estruturalismo: 1. Visão sincrônica da cultura; 2. Visão sistêmica e globalizante do fenômeno cultural; 3. Adoção do termo estrutura; 4. Influências da escola francesa. O criador da teoria estruturalista foi o belga radicado na França Claude Lévi-Strauss, que atuou na criação da área de Ciências Sociais da Universidade de São Paulo. No Brasil, ele desenvolveu pesquisas de campo fundamentais para o desenvolvimento de seu trabalho. A preocupação básica de Lévi-Strauss se voltava mais para a mente humana do que para a organização da sociedade – de onde o alto grau de subjetividade da teoria. A abordagem estruturalista teve início com os estudos linguísticos de Ferdinand de Saussurre e Roman Jakobson. Lévi-Strauss tomou por base o modelo de análise estrutural de Saussurre para estudar Antropologia. Para ele, era fundamental que a estrutura social não se confundisse com a realidade empírica. Essa estrutura seria sempre um modelo construído A PARTIR das relações sociais e que serviria para estudar estas relações. A estrutura é um sistema que reflete a realidade social ou cultural, seu funcionamento, as alterações regulares a que está sujeita, o rumo das transformações provocadas por fatores externos à cultura, e as previsões de reação quando alguma de suas partes é afetada. Os elementos componentes da análise estrutural, na visão de Lévi-Strauss, seriam sempre elaboradas a partir de pares dialéticos. A lógica individual de cada um, portanto, seria produto de uma “negociação”, em que uma certeza e uma dúvida, por exemplo, estariam em permanente relação para produzir Claude Lévi-Strauss Roteiro de Estudos Antropologia – II Unidade 12 uma síntese que serviria de fundamento ao conceito adotado pela cultura. A possibilidade eventual de mudança estaria condicionada a essa mediação dialética. Na definição de Lévi-Strauss: “...para merecer o nome de estrutura, os modelos devem, exclusivamente, satisfazer a quatro condições: Em primeiro lugar, uma estrutura oferece um caráter de sistema. Ela consiste em elementos tais que uma modificação qualquer de um deles acarreta uma modificação em todos os outros. Em segundo lugar, todo modelo pertence a um grupo de transformações, cada uma das quais corresponde a um modelo da mesma família, de modo que o conjunto destas transformações constitui um grupo de modelos. Em terceiro lugar, as propriedades indicadas acima permitem prever de que modo reagirá o modelo, em caso de modificação de um de seus elementos. Enfim, o modelo deve ser construído de tal modo que seu funcionamento possa explicar todos os fatos observados”. Para ele, não é a maneira como os homens veem a realidade (cultural ou natural) que importa verdadeiramente, mas o modo pelo qual se pode explicar a sua maneira de ver e de agir por uma realidade mais profunda, que lhes é bem difícil entender. É esta realidade que se encontra delineada nos “pares dialéticos” que formam o modelo estrutural. Lévi-Strauss adotou elaborações teóricas importantes de autores como Freud (noção de inconsciente) e Marx (conceito de ideologia). Entre as temáticas que analisou com maior profundidade estava natureza e história, culturas simples e complexas e modelos conscientes e inconscientes.
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