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TEORIA GERAL DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES Introdução, conceito, modalidades e transmissão1 1. INTRODUÇÃO O desenvolvimento do Direito das Obrigações liga-se mais proximamente às relações econômicas, não sofrendo, normalmente, acentuadas influências locais, valendo destacar que é por meio das “relações obrigacionais que se estrutura o regime econômico, sob formas definidas de atividade produtiva e permuta de bens”, como já salientou ORLANDO GOMES2. Em objetiva definição, trata-se do conjunto de normas e princípios jurídicos reguladores das relações patrimoniais entre um credor (sujeito ativo) e um devedor (sujeito passivo) a quem incumbe o dever de cumprir, espontânea ou coativamente, uma prestação de dar, fazer ou não fazer. Necessário se faz relembrar uma pequena distinção entre: - direitos não patrimoniais - referentes à pessoa humana (direito à vida, à liberdade, ao nome etc.). - direitos patrimoniais - de valor econômico. Dividem-se em; - reais - integram o Direito das Coisas; recai sobre a coisa, direta e indiretamente, vinculando-a ao seu titular e conferindo-lhe o “jus persequendi” (direito de seqüela) e o “jus praeferendi” (direito de preferência), podendo ser exercido contra todos (“erga omnes”). - obrigacionais - pessoais ou de crédito compõem o Direito das Obrigações; confere ao credor o direito de exigir do devedor uma determinada prestação. 2. CONCEITO de “OBRIGAÇÃO” Em sentido amplo, podemos definir “obrigação” como sendo a relação jurídica obrigacional (pessoal) entre um credor (titular do direito de crédito) e um devedor (incumbido do dever de prestar). Ou: é o vínculo jurídico que confere ao credor (sujeito ativo) o direito de exigir do devedor (sujeito passivo) o cumprimento de determinada prestação. 3. NOÇÃO GERAL e CARACTERÍSTICAS Corresponde a uma relação de natureza pessoal, de crédito e débito, de caráter transitório (extingue-se pelo cumprimento), cujo objeto consiste numa prestação economicamente aferível. É o patrimônio do devedor que responde por suas obrigações; constitui ele, pois, a garantia do adimplemento com que pode contar o credor. A obrigação nasce de diversas fontes e deve ser cumprida livre e espontaneamente; quanto tal não ocorre e sobrevém o inadimplemento, surge a responsabilidade, que é a conseqüência jurídica patrimonial do descumprimento da relação obrigacional. 1 A leitura desta apostila deve ser feita com o Código Civil ao lado, lendo-se os artigos citados. 2 GOMES, Orlando, Direito das Obrigações. Rio de Janeiro: Forense, 2000, p.3. Malgrado a correlação entre ambas (débito e responsabilidade), uma pode existir sem a outra: as dívidas prescritas e as de jogo constituem exemplos de obrigação sem responsabilidade; o devedor, nestes casos, não pode ser condenado a cumprir a prestação, isto é, ser responsabilizado, embora continue devedor; como exemplo de responsabilidade sem obrigação pode ser mencionado o caso do fiador, que é responsável pelo pagamento do débito somente na hipótese de inadimplemento da obrigação por parte do afiançado, este sim originariamente obrigado ao pagamento dos aluguéis. 4. ELEMENTOS CONSTITUTIVOS A relação obrigacional é composta por três elementos fundamentais: a) o subjetivo, relativo aos sujeitos ativo e passivo (credor e devedor); b) o vínculo jurídico existente entre eles – elemento ideal ou imaterial c) e o objetivo, atinente ao objeto da relação jurídica (prestação). 5. FONTES É o seu elemento gerador, o fato que lhe dá origem, de acordo com as regras de direito. Indagar das fontes das obrigações é buscar as razões pelas quais alguém se torna credor ou devedor de outrem; o CC considera fontes das obrigações: a) os contratos, b) as declarações unilaterais da vontade (a promessa de recompensa e o título ao portador) e, c) os atos ilícitos (dolosos e culposos). Como é a lei que dá eficácia a esses fatos, transformando-os em fontes diretas ou imediatas, aquela constitui fonte mediata ou primária das obrigações. Porém, para muitos autores, a lei é também fonte direta e imediata de muitas obrigações, como a dos pais em relação aos filhos menores. Que se entende por “Schuld” e “Haftung”? Em alemão, “Schuld” pode significar culpa ou débito. “Haftung”, e também “Haftpflicht”, por sua vez, podem traduzir responsabilidade. Muito bem. No Direito Civil, a palavra Schuld identifica-se com o débito e Haftung com a responsabilidade. Sobre o tema, anota, com sabedoria, GUILHERME C. N. DA GAMA: “Normalmente, débito e responsabilidade se verificam conjuntamente na mesma pessoa do devedor, mas é perfeitamente possível que a responsabilidade seja de outro sujeito que não o devedor, como nos casos de fiança, de aval, de direitos reais de garantia (hipoteca, penhor, anticrese)”.3 3 GAMA, Guilherme Calmon Nogueira da. Direito Civil – Obrigações. São Paulo: Atlas, 2008, pág. 31 6. MODALIDADES (Classificações) CLASSIFICAÇÃO BÁSICA E ESPECIAL DAS OBRIGAÇÕES 6.1. Classificação Básica As obrigações, em uma classificação básica, apreciadas segundo a prestação que as integra, poderão ser: POSITIVAS (de dar – coisa certa ou coisa incerta; de fazer) e NEGATIVAS (de não fazer). - de dar – divide-se em obrigação de dar coisa certa (obriga o devedor a dar coisa individualizada, que se distingue por características próprias, móvel ou imóvel) e obrigação de dar coisa incerta (a obrigação tem objeto indeterminado, mas não totalmente, porque deve ser indicada, ao menos, pelo gênero e quantidade). - de fazer – a prestação consiste em atos ou serviços a serem executados pelo devedor. - de não fazer – impõe ao devedor um dever de abstenção: o de não praticar o ato que poderia livremente o fazer, se não houvesse se obrigado. Ex.: adquirente que se obriga a não construir, no terreno adquirido, prédio além de uma certa altura. 6.2. Classificação Especial Vamos estudar também outras categorias especiais de obrigação. Considerando o elemento subjetivo (os sujeitos), as obrigações poderão ser: a) fracionárias; b) conjuntas; c) disjuntivas; d) solidárias. Considerando o elemento objetivo (a prestação) - além da classificação básica, que também utiliza este critério (prestações de dar, fazer e não fazer) -, podemos apontar a existência de modalidades especiais de obrigações, a saber: a) alternativas; b) facultativas; c) cumulativas; d) divisíveis e indivisíveis; e) líquidas e ilíquidas. E, quanto ao elemento acidental, encontramos: a) obrigação condicional; b) obrigação a termo; c) obrigação modal. Finalmente, quanto ao conteúdo, classificam-se as obrigações em: a) obrigações de meio; b) obrigações de resultado; c) obrigações de garantia. 6.2.1. Classificação Especial Quanto ao Elemento Subjetivo (Sujeitos). Obrigações Fracionárias. Nas obrigações fracionárias, concorre uma pluralidade de devedores ou credores, de forma que cada um deles responde apenas por parte da dívida ou tem direito apenas a uma proporcionalidade do crédito. Uma obrigação pecuniária (de dar dinheiro), em princípio, é fracionária Obrigações Conjuntas. São também chamadas de obrigações unitárias ou de obrigações em mão comum (Zur gesamtem Hand), no Direito germânico. Neste caso, concorre uma pluralidade de devedores ou credores, impondo-se a todos o pagamento conjunto de toda a dívida, não se autorizando a um dos credores exigi-la individualmente. Obrigações Disjuntivas. Nesta modalidade de obrigação, existem devedores que se obrigam alternativamente ao pagamento da dívida. Vale dizer,desde que um dos devedores seja escolhido para cumprir a obrigação, os outros estarão conseqüentemente exonerados, cabendo, portanto, ao credor a escolha do demandado. De tal forma, havendo uma dívida contraída por três devedores (A, B, C), a obrigação pode ser cumprida por qualquer deles: ou A ou B ou C. Obrigações Solidárias. Existe solidariedade quando, na mesma obrigação, concorre uma pluralidade de credores, cada um com direito à dívida toda (solidariedade ativa), ou uma pluralidade de devedores, cada um obrigado à dívida por inteiro (solidariedade passiva). Independe da divisibilidade ou da indivisibilidade do objeto da prestação, porque resulta da vontade das partes ou da lei (nunca se presume). Havendo vários devedores, cada um responde pela dívida inteira, como se fosse único devedor; o credor pode escolher qualquer deles e compeli-lo a solver a dívida toda; se a pluralidade for de credores, pode qualquer deles exigir a prestação integral, como se fosse único credor. Veja, por exemplo, a respeito da solidariedade passiva, recente julgado do STJ: DIREITO CIVIL. SOLIDARIEDADE PASSIVA. TRANSAÇÃO COM UM DOS CO-DEVEDORDES. OUTORGA DE QUITAÇÃO PLENA. PRESUNÇÃO DE RENÚNCIA À SOLIDARIEDADE. DIREITO CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO EFETIVO. DANOS MORAIS.ALTERAÇÃO PELO STJ. VALOR EXORBITANTE OU ÍNFIMO. POSSIBILIDADE. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. SUCUMBÊNCIA. FIXAÇÃO. PEDIDOS FORMULADOS E PEDIDOS EFETIVAMENTE PROCEDENTES. - Na solidariedade passiva o credor tem a faculdade de exigir e receber, de qualquer dos co-devedores, parcial ou totalmente, a dívida comum. Havendo pagamento parcial, todos os demais co-devedores continuam obrigados solidariamente pelo valor remanescente. O pagamento parcial efetivado por um dos co-devedores e a remissão a ele concedida, não alcança os demais, senão até a concorrência da quantia paga ou relevada. - Na presente lide, contudo, a sobrevivência da solidariedade não é possível, pois resta apenas um devedor, o qual permaneceu responsável por metade da obrigação. Diante disso, a conseqüência lógica é que apenas a recorrida permaneça no pólo passivo da obrigação, visto que a relação solidária era constituída de tão-somente dois co-devedores. - O acolhimento da tese da recorrente, no sentido de que a recorrida respondesse pela integralidade do valor remanescente da dívida, implicaria, a rigor, na burla da transação firmada com a outra devedora. Isso porque, na hipótese da recorrida se ver obrigada a satisfazer o resto do débito, lhe caberia, a teor do que estipula o art. 283 do CC/02, o direito de exigir da outra devedora a sua quota, não obstante, nos termos da transação, esta já tenha obtido plena quitação em relação à sua parte na dívida. A transação implica em concessões recíprocas, não cabendo dúvida de que a recorrente, ao firmá-la, aceitou receber da outra devedora, pelos prejuízos sofridos (correspondentes a metade do débito total), a quantia prevista no acordo. Assim, não seria razoável que a outra devedora, ainda que por via indireta, se visse obrigada a despender qualquer outro valor por conta do evento em relação ao qual transigiu e obteve quitação plena. - Os arts. 1.059 e 1.060 do CC/02 exigem dano material efetivo como pressuposto do dever de indenizar. O dano deve, por isso, ser certo, atual e subsistente. Precedentes. - A intervenção do STJ, para alterar valor fixado a título de danos morais, é sempre excepcional e justifica-se tão-somente nas hipóteses em que o quantum seja ínfimo ou exorbitante, diante do quadro delimitado pelas instâncias ordinárias. Precedentes. - A proporcionalidade da sucumbência deve levar em consideração o número de pedidos formulados na inicial e o número de pedidos efetivamente julgados procedentes ao final da demanda. Precedentes. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesse ponto, provido. (REsp 1089444/PR, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 09/12/2008, DJe 03/02/2009) Mesmo com alguns conceitos que discentes do 3º semestre ainda não conhecem – oriundos do Direito de Família e do Processo Civil, podemos adiantar que, em geral, entende-se que a obrigação de pagar alimentos traduz, não propriamente uma típica solidariedade legal, mas sim uma complementaridade jurídica entre os coobrigados: por exemplo, eu devo alimentos ao meu filho, no entanto, caso haja insuficiência ou ausência total de recursos, os meus pais (avós da criança) poderão ser chamados. Note- se, pois, que, em tese, poderá haver a participação – em litisconsórcio – de mais de um legitimado passivo, mas a regra é no sentido de haver preferência de uns em face de outros (eu respondo em face do meu filho, antes dos meus pais, que só atuariam complementarmente ou em subsidiariedade). Todavia, se os alimentandos (credores) forem idosos, para ampliar a sua tutela, o STJ, aplicando o Estatuto do Idoso, já entendeu haver inequívoca solidariedade passiva entre os devedores (legitimados passivos): DIREITO CIVIL E PROCESSO CIVIL. AÇÃO DE ALIMENTOS PROPOSTA PELOS PAIS IDOSOS EM FACE DE UM DOS FILHOS. CHAMAMENTO DA OUTRA FILHA PARA INTEGRAR A LIDE. DEFINIÇÃO DA NATUREZA SOLIDÁRIA DA OBRIGAÇÃO DE PRESTAR ALIMENTOS À LUZ DO ESTATUTO DO IDOSO. - A doutrina é uníssona, sob o prisma do Código Civil, em afirmar que o dever de prestar alimentos recíprocos entre pais e filhos não tem natureza solidária, porque é conjunta. - A Lei 10.741/2003, atribuiu natureza solidária à obrigação de prestar alimentos quando os credores forem idosos, que por força da sua natureza especial prevalece sobre as disposições específicas do Código Civil. - O Estatuto do Idoso, cumprindo política pública (art. 3º), assegura celeridade no processo, impedindo intervenção de outros eventuais devedores de alimentos. - A solidariedade da obrigação alimentar devida ao idoso lhe garante a opção entre os prestadores (art. 12). Recurso especial não conhecido. (REsp 775.565/SP, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13.06.2006, DJ 26.06.2006 p. 143). Outro importante julgado do STJ é no sentido de reconhecer a solidariedade entre o proprietário e o condutor do veículo por acidente. Por isso, cuidado ao emprestarem seus veículos: ACIDENTE DE TRÂNSITO. TRANSPORTE BENÉVOLO. VEÍCULO CONDUZIDO POR UM DOS COMPANHEIROS DE VIAGEM DA VÍTIMA, DEVIDAMENTE HABILITADO. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DO PROPRIETÁRIO DO AUTOMÓVEL. RESPONSABILIDADE PELO FATO DA COISA. - Em matéria de acidente automobilístico, o proprietário do veículo responde objetiva e solidariamente pelos atos culposos de terceiro que o conduz e que provoca o acidente, pouco importando que o motorista não seja seu empregado ou preposto, ou que o transporte seja gratuito ou oneroso, uma vez que sendo o automóvel um veículo perigoso, o seu mau uso cria a responsabilidade pelos danos causados a terceiros. - Provada a responsabilidade do condutor, o proprietário do veículo fica solidariamente responsável pela reparação do dano, como criador do risco para os seus semelhantes. Recurso especial provido. (REsp 577.902/DF, Rel. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO, Rel. p/ Acórdão Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 13.06.2006, DJ 28.08.2006 p. 279) 6.2.2. Classificação Especial Quanto ao Elemento Objetivo (Prestação). Obrigações Alternativas (ou Disjuntivas). As obrigações alternativas ou disjuntivas são aquelas que têm por objeto duas ou mais prestações, sendo que o devedor exonera-se cumprindo apenas uma delas. Ou seja, apenas uma - somente - será escolhida para pagamento ao credor e liberação do devedor. A conjunção empregada aqui é “ou”. Exemplo da aplicação: DIREITO COMERCIAL. FALÊNCIA. PEDIDO DE RESTITUIÇÃO DE DINHEIRO. ALIENAÇÃO DE MERCADORIAS RECEBIDAS EM CONSIGNAÇÃO ANTES DA QUEBRA. CONTABILIZAÇÃOINDEVIDA PELA FALIDA DO VALOR EQUIVALENTE ÀS MERCADORIAS. DEVER DA MASSA RESTITUIR OU AS MERCADORIAS OU O EQUIVALENTE EM DINHEIRO. SÚMULA 417 DO STF. - O que caracteriza o contrato de venda em consignação, também denominado pela doutrina e pelo atual Código Civil (arts. 534 a 537) de contrato estimatório, é que (i) a propriedade da coisa entregue para venda não é transferida ao consignatário e que, após recebida a coisa, o consignatário assume uma obrigação alternativa de restituir a coisa ou pagar o preço dela ao consignante. - Os riscos são do consignatário, que suporta a perda ou deterioração da coisa, não se exonerando da obrigação de pagar o preço, ainda que a restituição se impossibilite sem culpa sua. - Se o consignatário vendeu as mercadorias entregues antes da decretação da sua falência e recebeu o dinheiro da venda, inclusive contabilizando-o indevidamente, deve devolver o valor devidamente corrigido ao consignante. Incidência da Súmula n.° 417 do STF. - A arrecadação da coisa não é fator de obstaculização do pedido de restituição em dinheiro quando a alienação da mercadoria é feita pelo comerciante anteriormente à decretação da sua quebra. Recurso especial ao qual se nega provimento. (REsp 710.658/RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 06.09.2005, DJ 26.09.2005 p. 373). Em caso de impossibilidade total ou parcial das obrigações alternativas, apresentamos o seguinte quadro-resumo, para facilitar a sua fixação: 1. Impossibilidade Total (todas as prestações alternativas): a) sem culpa do devedor – extingue-se a obrigação (art. 256, CC-02); b) com culpa do devedor – se a escolha cabe ao próprio devedor: deverá pagar o valor da prestação que se impossibilitou por último, mais as perdas e danos (art. 254, CC-02); - se a escolha cabe ao credor: poderá exigir o valor de qualquer das prestações, mais perdas e danos (art. 255, segunda parte, CC-02). 2. Impossibilidade Parcial (de uma das prestações alternativas): a) sem culpa do devedor – concentração do débito na prestação subsistente (art. 253, CC-02); b) com culpa do devedor – se a escolha cabe ao próprio devedor: concentração do débito na prestação subsistente (art. 253, CC-02); - se a escolha cabe ao próprio credor: poderá exigir a prestação remanescente ou valor da que se impossibilitou, mais as perdas e danos (art. 255, primeira parte, CC-02). Obrigações Facultativas. A obrigação é considerada facultativa quando, tendo um único objeto, o devedor tem a faculdade de substituir a prestação devida por outra de natureza diversa, prevista subsidiariamente. Obrigações Cumulativas (ou Conjuntiva). As obrigações cumulativas ou conjuntivas são as que têm por objeto uma pluralidade de prestações, que devem ser cumpridas conjuntamente. Os objetos apresentam-se ligados pela conjunção “e”. É o que ocorre quando alguém se obriga a entregar uma casa e certa quantia em dinheiro, ou seja, os dois, cumulativamente. Obrigações Divisíveis e Indivisíveis. As obrigações divisíveis são aquelas que admitem o cumprimento fracionado ou parcial da prestação; as indivisíveis, por sua vez, só podem ser cumpridas por inteiro, ou seja, o objeto não pode ser dividido entre os sujeitos Obrigações Divisíveis: “Art. 257. Havendo mais de um devedor, ou mais de um credor em obrigação divisível, esta presume-se dividida em tantas obrigações, iguais e distintas, quanto os credores ou devedores”. Obrigações Indivisíveis: “Art. 258. A obrigação é indivisível quando a prestação tem por objeto uma coisa ou um fato não suscetíveis de divisão, por sua natureza, por motivo de ordem econômica, ou dada a razão determinante do negócio jurídico”. FIQUE ATENTO: NÃO CONFUNDA “INDIVISIBILIDADE” COM “SOLIDARIEDADE”. Por óbvio, qualquer que seja a natureza da indivisibilidade (natural, legal ou convencional), se concorrerem dois ou mais devedores, cada um deles estará obrigado pela dívida toda (art. 259, CC-02), eis que não se admite o fracionamento do objeto da obrigação. Note-se, todavia, que o dever imposto a cada devedor de pagar toda a dívida não significa que exista solidariedade entre eles, uma vez que, no caso, é o objeto da própria obrigação que determina o cumprimento integral do débito. Por óbvio, se A, B e C obrigam-se a entregar um cavalo, qualquer deles, demandado, deverá entregar todo o animal. E isso ocorre não necessariamente por força de um vínculo de solidariedade passiva, mas sim, pelo simples fato de que não se poderá cortar o cavalo em três, para dar apenas um terço do animal ao credor. Com a sua peculiar erudição, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA enumera os caracteres distintivos das duas espécies de obrigação4: a) a causa da solidariedade é o título, e a da indivisibilidade é, normalmente, a natureza da obrigação; b) na solidariedade, cada devedor paga por inteiro porque deve integralmente; enquanto na indivisibilidade, solve a totalidade em razão da impossibilidade jurídica de se repartir em quotas a coisa devida; c) a solidariedade é uma relação subjetiva, e a indivisibilidade objetiva, em razão de que, enquanto a indivisibilidade assegura a unidade da prestação, a solidariedade visa a facilitar a satisfação do crédito; d) a indivisibilidade justifica-se com a própria natureza da prestação, quando o objeto é, em si mesmo, insuscetível de fracionamento; enquanto a solidariedade é sempre de origem técnica, resultando da lei ou da vontade das partes; e) a solidariedade cessa com a morte dos devedores, enquanto a indivisibilidade subsiste enquanto a prestação suportar; f) a indivisibilidade termina quando a obrigação se converte em perdas e danos, enquanto a solidariedade conserva este atributo. Obrigações Líquidas e Ilíquidas. Líquida é a obrigação certa quanto à sua existência, e determinada quanto ao seu objeto. A prestação, pois, nesses casos, é certa, individualizada, a exemplo do que ocorre quando alguém se obriga a entregar ao credor a quantia de R$100,00. A obrigação ilíquida, por sua vez, carece de especificação do seu quantum para que possa ser cumprida, dependendo, pois, de prévia apuração – o seu valor, o montante da prestação, apresenta-se incerto. 4 PEREIRA, Caio Mário da Silva, Instituições de Direito Civil – Rio de Janeiro: Forense. 6.2.3. Classificação Especial Quanto ao Elemento Acidental5. Há as puras e simples – são as não sujeitas à condição, termo ou encargo. Obrigações Condicionais. Trata-se de obrigações cuja eficácia está condicionada a evento futuro e incerto, como ocorre quando alguém se obriga a dar a outrem um carro, quando este se casar. Obrigações a Termo. Se a obrigação subordinar a sua exigibilidade (eficácia) ou a sua resolução a um evento futuro e certo (determinada data), estaremos diante de uma obrigação a termo. Obrigações Modais. As obrigações modais são aquelas oneradas com um encargo (ônus, gravame), imposto a uma das partes, que experimentará um benefício maior. 6.2.4. Classificação Especial Quanto ao Conteúdo. Obrigações de Meio. A obrigação de meio é aquela em que o devedor se obriga a empreender a sua atividade, empregar os seus conhecimentos, meios e técnicas para a obtenção de um determinado resultado, sem garantir, todavia, o resultado esperado. As obrigações do médico, em geral, assim como as do advogado, são, fundamentalmente, de meio, uma vez que esses profissionais, a despeito de deverem atuar segundo as mais adequadas regras técnicas científicas disponíveis naquele momento, não podem garantir o resultado de sua atuação (a cura do paciente, o êxito no processo). Obrigações de Resultado. Nesta modalidade obrigacional, o devedor se obriga, não apenas a empreender asua atividade, mas, principalmente, a produzir o resultado esperado pelo credor. Em geral, a obrigação do médico é de meio, no entanto, no caso do cirurgião plástico (cirurgia plástica estética), a jurisprudência entende ser de resultado: AGRAVO REGIMENTAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. CIRURGIA PLÁSTICA. OBRIGAÇÃO DE RESULTADO. SINTONIA COM OS JULGAMENTO EM PRECEDENTES DESTA CORTE. CULPA DO PROFISSIONAL. FUNDAMENTO INATACADO. DANOS MORAIS. QUANTUM INDENIZATÓRIO. R$ 20.000,00 (VINTE MIL REAIS). RAZOABILIDADE. I - A jurisprudência desta Corte orienta que a obrigação é de resultado em procedimentos cirúrgicos para fins estéticos. II - Esta Corte só conhece de valores fixados a título de danos morais que destoam razoabilidade, o que não ocorreu no presente caso. III - O agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão alvitrada, a qual se mantém por seus próprios fundamentos. Agravo improvido. Agravo Regimental improvido. (AgRg no Ag 1132743/RS, Rel. Ministro SIDNEI BENETI, TERCEIRA TURMA, julgado em 16/06/2009, DJe 25/06/2009) 5 Cf. Novo Curso de Direito Civil – Parte Geral, Volume I, capítulo XV (“Plano de Eficácia do Negócio Jurídico”) – Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho - Saraiva. AGRAVO REGIMENTAL. RESPONSABILIDADE MÉDICA. OBRIGAÇÃO DE MEIO. REEXAME FÁTICO-PROBATÓRIO. SÚMULA 07/STJ. INCIDÊNCIA. 1. Segundo doutrina dominante, a relação entre médico e paciente é contratual e encerra, de modo geral (salvo cirurgias plásticas embelezadoras), obrigação de meio e não de resultado. Precedente. 2. Afastada pelo acórdão recorrido a responsabilidade civil do médico diante da ausência de culpa e comprovada a pré-disposição do paciente ao descolamento da retina - fato ocasionador da cegueira - por ser portador de alta-miopia, a pretensão de modificação do julgado esbarra, inevitavelmente, no óbice da súmula 07/STJ. 3. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp 256.174/DF, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 04.11.2004, DJ 22.11.2004 p. 345) CIVIL E PROCESSUAL - CIRURGIA ESTÉTICA OU PLÁSTICA - OBRIGAÇÃO DE RESULTADO (RESPONSABILIDADE CONTRATUAL OU OBJETIVA) - INDENIZAÇÃO - INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. I - Contratada a realização da cirurgia estética embelezadora, o cirurgião assume obrigação de resultado (Responsabilidade contratual ou objetiva), devendo indenizar pelo não cumprimento da mesma, decorrente de eventual deformidade ou de alguma irregularidade. II - Cabível a inversão do ônus da prova. III - Recurso conhecido e provido. (REsp 81.101/PR, Rel. Ministro WALDEMAR ZVEITER, TERCEIRA TURMA, julgado em 13.04.1999, DJ 31.05.1999 p. 140) OBS.: Existe, na jurisprudência, entendimento no sentido de que a cirurgia para a correção de miopia, por se tratar de procedimento médico, encerra OBRIGAÇÃO DE MEIO, e não de RESULTADO (ou seja, havendo melhora na acuidade visual, a sua finalidade foi atingida, não podendo o médico garantir a visão perfeita): “Por considerar que uma clínica não foi responsável pelos danos no olho de um paciente, a 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais reformou o entendimento de primeira instância e a dispensou de pagar indenização. Para o relator, Pereira da Silva, a cirurgia no olho do paciente, para correção de miopia, “foi realizada com a técnica certa, com destreza e zelo, sendo certo que a seqüela decorreu por fatores pessoais do paciente”. Ainda segundo o relator, “vale registrar que o contrato de prestação de serviços médicos é, em geral, considerado de meio, como no presente caso, e não de resultado”. Assim, cabe a indenização quando o serviço é prestado de forma negligente. Havia “um risco intrínseco ao procedimento adotado, que na época era o único existente e adequado à doença”, afirmou. Mas, de acordo com o desembargador, houve também uma redução da miopia de 13 para 3,5 graus. A cirurgia custou R$ 420. Durante a recuperação, a região central da córnea ficou prejudicada e, com isso, houve uma redução da visão do olho operado. O rapaz entrou na Justiça contra a clínica. Alegou falha no procedimento cirúrgico. Já a clínica alegou ter informado sobre a possibilidade de uma má cicatrização, que poderia gerar um corpo opaco no olho. Também argumentou que, após a cirurgia, o paciente não compareceu mais ao local para aplicação de colírio. Cabe recurso. Leia a decisão: APELAÇÃO CÍVEL 1.0707.01.044481-8/001” (Informação do Consultor Jurídico: http://www.conjur.com.br/static/text/56944,1#null, acessado em 20 de setembro de 2008) Obrigações de Garantia. Tais obrigações têm por conteúdo eliminar riscos que pesam sobre o credor, reparando suas conseqüências. Na exemplificação sobre a matéria, observa MARIA HELENA DINIZ6: “Constituem exemplos dessa obrigação a do segurador e a do fiador, a do contratante, relativamente aos vícios redibitórios, nos contratos comutativos (CC, arts.441 e s.); a do alienante, em relação à evicção, nos contratos comutativos que versam sobre transferência de propriedade ou de posse (CC, arts. 447 e ss); a oriunda de promessa de fato de terceiro (CC, art. 439). Em todas essas relações obrigacionais, o devedor não se liberará da prestação, mesmo que haja força maior ou caso fortuito, uma vez que seu conteúdo é a eliminação de um risco, que, por sua vez, é um acontecimento casual ou fortuito, alheio à vontade do obrigado. Assim sendo, o vendedor, sem que haja culpa sua, estará adstrito a indenizar o comprador evicto; igualmente, a seguradora, ainda que, p. ex., o incêndio da coisa segurada tenha sido provocado dolosamente por terceiro, deverá indenizar o segurado”. 7. OUTRAS CLASSIFICAÇÕES - simples – são as que se apresentam com um sujeito ativo, um sujeito passivo e um único objeto, ou seja, com todos os elementos no singular. - compostas (ou complexas) – basta que um dos elementos esteja no plural. - momentânea ou de execução instantânea – se consuma num só ato, sendo cumprida imediatamente após a sua constituição, como na compra e venda à vista. - execução diferida – o cumprimento deve ser realizado também em um só ato, mas em momento futuro (entrega, em determinada data, do objeto alienado, p. ex.). - execução continuada ou de trato sucessivo – se cumpre por meio de atos reiterados, como ocorre na prestação de serviços, na compra e venda a prazo ou em prestações periódicas. - principais – subsistem por si, sem dependerem de qualquer outra, como a de entregar a coisa, no contrato de compra e venda. - acessórias – tem a sua existência subordinada a outra relação jurídica, ou seja, dependem da obrigação principal; é o caso da fiança, da cláusula penal, dos juros etc. - civis – é a que encontra respaldo no direito positivo, podendo o seu cumprimento ser exigido pelo credor, por meio de ação. - naturais – o credor não tem o direito de exigir a prestação, e o devedor não está obrigado a pagar (dívidas prescritas, dívidas de jogo e juros não convencionados). Em essência e na estrutura, a obrigação natural não difere da obrigação civil: trata-se de uma relação de débito e crédito que vincula objeto e sujeitos determinados. Todavia, distingue-se da obrigação civil por não ser dotada de exigibilidade jurídica. Sobre o tema, o CC estabelece (o art.882): “Não se pode repetir o que se pagou para solver dívida prescrita, ou cumprir obrigação judicialmente inexigível”. Nessa mesma linha, as dividas de jogo ou aposta, na forma do art.814, CC-02. Destaque-se, por fim, que a irrepetibilidade do pagamento existe na obrigação natural ainda que se trate de caso de erro quanto à incoercibilidade da dívida, sendo 6 DINIZ, Maria Helena, Curso de Direito Civil Brasileiro, 2º vol.,16ª ed., São Paulo: Saraiva, 2002, p.186 irrelevante o fato de o devedor ter realizado a prestação na convicção de que podia ser compelido a pagar. Trata-se da soluti retentio (retenção do pagamento). 8. TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES Este assunto foi visto no último encontro. É o que deu menos tempo para estudar, então, serei mais prolixo no trato dele. O atual Código Civil positivou a disciplina da cessão de crédito nos arts. 286 a 298 e a assunção de dívida nos artigos 299 a 303. A cessão de posição contratual, de forma semelhante ao que ocorrera com o Código Civil de 1916, não foi disciplinada pelo Código em vigor. 8.1 Cessão de Crédito A cessão é um negócio jurídico de feição contratual, através do qual ocorre a alienação de bens imateriais, mais notadamente o crédito, que a par do seu valor nominal também possui valor de mercado. Não se considera o consentimento do devedor para a realização desse negócio jurídico, uma vez que ele é, em regra, estranho ao eventual instrumento de cessão. Caberá ao devedor responder apenas ao adquirente dos direitos de crédito. A cessão, vale lembrar, não é forma de extinção das obrigações, visto que a mesma se conserva, alterando-se apenas o pólo ativo. Nesse negócio jurídico, existem as seguintes figuras: o cedente (quem aliena o direito); o cessionário (adquirente); e o cedido (o devedor, ou o obrigado). Através da cessão ocorre uma transferência do crédito, verificando-se, tão somente, uma alteração no pólo ativo da obrigação. O devedor da obrigação permanece o mesmo, encontrando-se obrigado face ao cessionário. Veda-se a cessão de créditos que, por sua própria natureza, não podem ser alienados, ou quando a lei, ou mesmo a vontade das partes, se manifestaram no sentido da intransmissibilidade, segundo dispõe o art. 286 do Código Civil. Na cessão de crédito pode-se observar também a idéia de que o acessório segue o principal, isto é, os créditos de natureza acessória são transferidos juntamente com o crédito em torno do qual gravitam. Como exemplos têm-se os direitos de garantia, juros, correção monetária, a cláusula penal, entre outros. Contudo, por ser campo de direito dispositivo, a livre convenção das partes pode afastar essa regra. É o que estabelece o art. 287. O Código nada alude nesse sentido, mas não há oposição à cessão parcial do crédito, encontrando essa possibilidade, inclusive, assentamento na legislação estrangeira. Apenas parte do crédito pode ser transferido, e nesse caso, o cedido torna-se obrigado em relação a duas pessoas distintas, mas pelo mesmo valor original. Nessa bipartição de crédito não há nenhuma preferência de recebimento por um ou por outro credor. Destaque-se também a possibilidade da cessão ter fim especulativo, podendo ser transferida por valor diverso daquele enunciado na relação creditícia, embora o obrigado fique logicamente vinculado apenas ao valor nominal da obrigação. O devedor deve ser notificado da cessão; caso contrário, ao pagar ao credor primitivo (cedente) estará se desobrigando. Veja-se os art. 290 e 292. Não existe forma específica para notificação, mas é conveniente que seja por escrito, sobretudo, pois o art. 288 exige essa formalidade para que se estabeleça validade perante terceiros. Regra importante de proteção ao devedor reside no art. 291 CC. Ao devedor não pode ser imposto o ônus de descobrir quem é o último cessionário, e, portanto, a quem deve pagar. Deve simplesmente pagar àquele que sabe ser o credor. Ainda, a consideração da lei em relação ao devedor se manifesta de forma bem expressiva no art. 294: “O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente.” O crédito é transferido com todas as suas características e dessa maneira, as defesas também são abarcadas nessa transferência. Se o negócio jurídico foi inquinado em sua constituição por erro ou dolo, será anulável, e, portanto, essa mesma anulabilidade poderá ser oposta em face do cessionário. Logicamente, o cessionário, desde que de boa-fé, não é obrigado a conformar-se com o prejuízo, valendo-se dos instrumentos legais próprios na busca de ressarcimento perante o cessionário. Essas defesas do cedido face ao cessionário devem ser alegadas tão logo aquele tome conhecimento da cessão. Os créditos, em geral, podem ser cedidos. Contudo, em certas ocasiões existem óbices à cessão, que podem ser por conta da natureza do crédito, pela convenção das partes ou pela própria lei, que veda a sua alienação. Essas exceções, como já destacado, estão no art. 286. O cedente, como regra geral, não é responsável pelo cumprimento da obrigação por parte do cedido, nem pela solvência do mesmo. Sua responsabilidade, contudo, não pode ser ilidida no que concerne à existência de crédito quando da realização da cessão (pro soluto) – onera (art. 295 do Código Civil). A solvência do devedor será responsabilidade do cedente apenas nos casos em que este expressamente se manifestar nesse sentido (pro solvendo). A lei destaca somente a responsabilidade em relação à existência do crédito ao tempo da cessão. A transmissibilidade de créditos é campo bem aberto à livre disposição entre as partes, e certamente o cedente poderá, caso realmente deseje, conferir garantias extras ao cessionário, como a da solvência do devedor7. Ainda, mesmo quando da concessão dessa modalidade de garantia, a lei determina limitações, não podendo elas, nos termos do art. 297, ultrapassar o valor recebido pelo cedente mais juros e despesas referentes ao negócio. Na cessão feita a título gratuito, em regra, nem a responsabilidade quanto à existência do crédito é devida. A exceção existe, contudo, quando o cedente tiver procedido mediante dolo. A cessão pode se operar a título gratuito ou oneroso e pode ocorrer em qualquer instância judicial. 8.2 Assunção de dívida Da mesma forma que existe substituição da parte ativa, pode ocorrer substituição da parte passiva da obrigação. Nesse caso, verifica-se a figura do assuntor, isto é, um terceiro que se obriga pela dívida. 7 Art. 296. Salvo estipulação em contrário, o cedente não responde pela solvência do devedor. A cessão de débito não pode ocorrer sem a anuência do credor. Trata-se de corolário lógico da idéia já examinada de que o patrimônio do devedor é garantia do cumprimento da obrigação. No caso de inadimplemento, o credor pode movimentar o aparato jurisdicional no sentido de satisfação dos seus débitos, mas irá fazê-lo, logicamente, quando souber que lá encontrará montante suficiente para satisfazer o seu crédito. O credor não está obrigado a aceitar outro devedor, ainda que ele possua melhores condições de pagar a dívida, ou seja, detentor de patrimônio maior. É o preceito contido no art. 299 do atual código. A obrigação se mantém alterada, mas as garantias especiais, tais como a hipoteca e a fiança, oferecidas pelo devedor original ao credor, em regra, não se estendem ao assuntor (art. 300 do Código Civil). Essas garantias não subsistirão com ao advento da assunção, salvo na existência de menção expressa nesse sentido. Semelhante à cessão, a assunção também tem natureza contratual, sendo também negócio bilateral. A forma, não havendo previsão legal que a defina, é livre. Adicionalmente, tanto as dívidas presentes como as futuras admitem cessão, bem como aquelas sujeitas à condição. A assunção de dívida pode se processar de duas formas diversas: (i) por acordo entre o terceiro e o credor (expromissão); e (ii) por acordo entre terceiro e o devedor (delegação). Na expromissão, o terceiro, de forma espontânea, assume em face do credor a obrigação pela liquidaçãodo débito. Nessa modalidade de assunção o devedor original pode ser liberado, mas pode também permanecer concomitante vinculado com o terceiro que assume a dívida. Verifica-se assim, dois obrigados pela mesma dívida (assunção de débito imperfeita). Na delegação, o primitivo devedor transfere a terceiro a sua posição, havendo a necessidade de concordância por parte do credor. Da mesma forma que ocorre com a modalidade anterior (expromissão), pode o devedor inicial continuar obrigado de forma concomitante com o terceiro que adere à relação obrigacional. Essa situação irá operar um reforço à obrigação. Os meios de defesa que seriam oponíveis ao credor pelo primitivo devedor são transmitidos ao assuntor. No entanto, por força do art. 302, excluem-se as exceções pessoais, como a compensação, por exemplo. Ainda, sendo a transmissão anulada, a dívida se restabelece tal qual existia anteriormente, excetuando-se, em regra, as garantias propiciadas por terceiros. 8.3 Cessão de posição contratual O contrato constitui um bem jurídico possuindo valor intrínseco. A elaboração de um contrato geralmente é uma atividade complexa, trabalhosa e envolvente de número considerável de indivíduos. Na cessão de posição contratual, uma das partes, denominada cedente, contando com a anuência do outro contratante, o cedido, transmite sua posição no contrato a um terceiro, denominado cessionário. Na cessão de posição contratual, os direitos e deveres provenientes da posição de contratante são os objetos da cessão. Trata-se não da transferência de créditos ou débitos, mas de todo um complexo jurídico englobado pelo contrato, fora outros interesses que lhe sejam subjacentes. Um direito de crédito, por exemplo, sempre engloba mais do que o crédito em si, como outras eventuais vantagens, sejam elas patrimoniais ou morais. Conforme examinado, na cessão de posição contratual, há a transferência de um complexo de relações jurídicas: débitos, créditos, deveres de abstenção, entre outros. Nessa modalidade de negócio jurídico verifica-se a possibilidade de se operarem cessões de crédito e assunções de dívida. Esses são efeitos incidentais da cessão daquele complexo jurídico, mas não constituem a essência do mesmo. Na dinâmica da cessão de posição contratual, a concordância do cedido, isto é, a parte que remanesce no contrato, é imprescindível para a formação desse negócio jurídico. EXERCÍCIOS Testes 25º Exame da Ordem – OAB/RJ – 2ª fase 5. Sabe-se que na solidariedade passiva, a relação interna rege-se pelo princípio de que o devedor que paga a integralidade do débito tem direito de regresso contra os demais para haver, de cada qual, a parte que pagou além do que pessoalmente devia. Diante desta assertiva, explique o disposto no artigo 285 do Código Civil. Fundamente a res- posta e apresente um exemplo concreto. 126º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase 23. Antonio obrigou-se a entregar a Benedito, Carlos, Dario e Ernesto um touro re- produtor, avaliado em R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Embora bem guardado e bem tratado em lugar apropriado, foi esse animal atingido por um raio, vindo a morrer. Nesse caso, a obrigação é: a) indivisível e tornou-se divisível, com o perecimento do objeto por culpa do devedor; b) tão somente indivisível, com ausência de culpa do devedor, ante o perecimento do objeto; c) solidária, devendo o valor de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais) ser entregue a qualquer dos credores, em lugar do objeto perecido; d) indivisível e tornou-se divisível com o perecimento do objeto, sem culpa do devedor. 123º Exame da Ordem – OAB/Sp – 1ª fase 22. “A” e “B” obrigaram-se a entregar a “C” e “D” um boi de raça, que fugiu por ter sido deixada aberta a porteira, por descuido de “X”, funcionário de “A” e “B”. Pode-se dizer que a obrigação é: a) indivisível, que se tornou divisível pela perda do objeto da prestação, com responsa- bilidade dos devedores “A” e “B”, pela culpa de “X”, seu funcionário; b) solidária, com responsabilidade dos devedores “A” e “B”, por culpa de seu funcioná- rio, ante a perda do objeto da obrigação; c) indivisível, tornando-se divisível com o perecimento do objeto, sem culpa dos deve- dores “A” e “B” e sem responsabilidade destes; d) simplesmente, divisível com o perecimento do objeto da prestação, respondendo objetivamente “A” e “B” pela culpa de seu empregado “X”. 121º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase 28. “A”, “B” e “C” são devedores solidários de “D” pela quantia de R$ 60.000,00. “D” renuncia à solidariedade em favor de “A”. Com isso: a) “D” perde o direito de exigir de “A” prestação acima de sua parte no débito, isto é R$ 20.000,00. “B” e “C” responderão solidariamente por R$ 40.000,00, abatendo da dívida inicial de R$ 60.000,00 a quota de “A”. Assim os R$ 20.000,00 restantes só poderão ser reclamados daquele que se beneficiou com a renúncia da solidariedade; b) “D” pode cobrar de “A” uma prestação acima de R$ 20.000,00; “B” e “C” respon- derão solidariamente pelos R$ 60.000,00; c) “D” perde o direito de exigir de “A” prestação acima de sua parte no débito e “B” e “C” continuarão respondendo solidariamente pelos R$ 60.000,00; d) “A”, “B” e “C” passarão a responder, ante a renúncia da solidariedade, apenas por sua parte no débito, ou seja, cada um deverá pagar a “D” R$ 20.000,00. 120º Exame da Ordem – OAB/SP – 1ª fase 29. É um dos efeitos jurídicos da solidariedade ativa, na relação entre co-credores e devedor: a) a interrupção da prescrição, requerida por um co-credor, não se estende a todos; b) o credor que remitir a dívida responderá aos outros pela parte que lhes caiba; c) o pagamento parcial feito por um dos devedores e a remissão por ele obtida não aproveitarão aos demais, senão até a concorrência da quantia paga ou relevada; d) o devedor culpado pelos juros de mora responderá aos outros pela obrigação acres- cida. Concurso para o cargo de Advogado do BNDES (2004) 58. Assinale a única afirmativa correta sobre a cessão de créditos, segundo o Código Civil. a) Na cessão de um crédito, abrangem-se todos os seus acessórios, não sendo possível dispor-se em contrário; b) Desde que haja a anuência do cedente, será possível ao cessionário de crédito hipo- tecário fazer averbar a cessão à margem da inscrição principal; c) Somente com o conhecimento da cessão pelo devedor pode o cessionário exercer os atos conservatórios do direito cedido; d) Com relação a terceiros, é eficaz a transmissão de um crédito, ainda que feita verbal- mente; e) O devedor pode opor ao cessionário as exceções que lhe competirem, bem como as que, no momento em que veio a ter conhecimento da cessão, tinha contra o cedente. Estudo de caso Bernardo, Eduardo e Ricardo são três criadores de cavalos no interior de São Paulo. Embora trabalhem separadamente, o intercâmbio de cavalos entre as suas respectivas fazendas é intenso, sendo comum que dois, ou até mesmo os três, façam negócios em conjunto. No início do ano, Luís, experiente investidor em leilões de bovinos e cavalos, procurou os três em busca de renovação do seu plantel de cavalos. Empolgado com a qualidade apresentada pelos cavalos dos três criadores, e buscando se assegurar de que receberia um bom cavalo ao final do negócio, Luis resolve propor aos três criadores o seguinte contrato de compra e venda: pelo preço de R$ 60.000,00, Bernardo, Eduardo e Ricardo deveriam entregar a Luis, até o final do ano, uma das crias do cavalo Itajara, campeão de diversos torneios, o qual era criado na fazenda de Bernardo, mas de propriedade dos três criadores. Com base no caso acima, responda: i) Tendo algumas das crias de Itajara nascido com doença que não inviabiliza a vida cotidiana, mas veda as suas participações em corridas e competições que exijam demais do animal, podemos criadores entregar uma dessas crias como cumprimento do pactuado? Justifique com base na legislação pertinente. ii) E se todas as crias de Itajara tivessem nascido com a referida doença? Poderia Luis simplesmente resolver a obrigação, desonerando assim os criadores? iii) E se apenas uma cria sobreviveu ao parto da égua reprodutora e justamente essa cria vem também a falecer por culpa de um empregado de Bernardo, que alimentou o animal com ração fortificadora cuja validade havia expirado? Pode Luis ingressar judicialmente contra Ricardo para cobrar o equivalente ao valor do cavalo, pago no momento da contratação? E as eventuais perdas e danos? FIQUE POR DENTRO Recentemente, a Fundação Getúlio Vargas reeditou a clássica obra “A Obrigação como um Processo” do grande professor Clóvis do Couto e Silva (2007). Trata-se de uma das mais importantes obras do Direito Obrigacional brasileiro. Segundo o autor, a relação obrigacional somente poderia ser compreendida em seu aspecto dinâmico, tal como se dá em uma relação processual: “A obrigação é um processo, vale dizer, dirige-se ao adimplemento, para satisfazer o interesse do credor. A relação jurídica, como um todo, é um sistema de processos. Não seria possível definir a obrigação como ser dinâmico se não existisse separação entre o plano do nascimento e desenvolvimento e o plano do adimplemento. A distância que se manifesta, no mundo do pensamento, entre esses dois atos, e a relação funcional entre eles existentes, é que permite definir-se a obrigação como fizemos”. (trecho das “conclusões” da obra) Vale a pena conferir! Abraços a todos, Marcos Peroto mrperoto@unisc.br
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