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APONTAMENTOS SOBRE DUAS RELEVANTES INOVAÇÕES NCPC

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APONTAMENTOS SOBRE DUAS RELEVANTES INOVAÇÕES 
NO PROJETO DE UM NOVO CPC 
 
 Sérgio Gilberto Porto 
 
SUMÁRIO: 1 O projeto de um novo CPC: expectativas e tramitação; 2 
Vetores do projeto; 3 Sobre o devido processo civil constitucional; 4 
Sobre o incidente de resolução de demandas repetitivas. 
 
 
1 O PROJETO DE UM NOVO CPC: EXPECTATIVAS E TRAMITAÇÃO 
 
Tramita no Congresso Nacional Projeto de Lei que tem por propósito 
instituir um novo Código de Processo Civil. A iniciativa tem por 
fundamento, entre outros, o enfrentamento da chamada morosidade da 
prestação jurisdicional. 
 
Sabe-se, entretanto, de antemão, que um novo CPC, por si só, não 
será capaz de resolver de modo definitivo tão grave problema das 
sociedades contemporâneas, na medida em que não é a forma de 
processamento das demandas judiciais a única causa que contribui 
decisivamente para a demora na solução dos litígios judiciais. Existem, à 
evidência, outras causas concorrentes de natureza conjuntural, humanas 
e, quiçá, aqui ou ali, de conveniência ideológica. 
 
Efetivamente, a modelagem judiciária brasileira, está visto, não é 
capaz - com as exigências constitucionais atuais - de oferecer solução 
definitiva à morosidade, face, por exemplo, à multiplicidade de graus de 
jurisdição oferecidos à sociedade e decorrentes da ideia de Federação 
com uniformidade de pensamento jurídico, ainda que existam acentuadas 
diferenças culturais nas regiões do Brasil. 
 
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Os homens que compõem as estruturas judiciárias, de sua parte, não 
alcançam a mesma produtividade, daí a razão pela qual, em alguns 
setores, o serviço público é eficiente e em outros, com situação 
assemelhada, é ineficiente. Isso decorre, simplesmente, das 
idiossincrasias inerentes ao ser humano. 
 
Como se vê, existem particularidades concorrentes à morosidade 
que são estranhas ao processo e que, por decorrência, permanecerão 
presentes, muito embora a reforma pretendida. 
 
Desse modo, não há como imaginar que a instituição de um novo 
Código de Processo Civil seja capaz de resolver o problema. Na realidade, 
a tentativa de melhorar o desempenho temporal da solução dos conflitos 
judiciais se constitui apenas em um segmento do problema. Existem outros 
que também devem ser enfrentados, portanto não é correto criar a 
expectativa de que estamos diante de uma solução única e definitiva, isto 
por que, na verdade, estamos enfrentando apenas, e tão somente, um 
segmento do problema e é assim que deve ser compreendida a iniciativa 
de instituir um novo Código de Processo Civil. É, apenas, uma das várias 
contribuições que são necessárias à melhora do desempenho do setor 
judiciário. 
 
Posto isto, oportuno esclarecer que o projeto de um novo Código de 
Processo Civil tramita, no momento, no cumprimento do devido processo 
legislativo e nesse passo recebeu substitutivo da lavra do Senador Valter 
Pereira (PMDB-MS), o qual foi recentemente aprovado. 
 
O projeto original da lavra de uma Comissão de Juristas Presidida 
pelo Ministro Luiz Fux e que teve na relatoria a ilustre Professora Tereza 
Arruda Alvim Wambier (PL 106/2010) contava com 970 artigos. Já o 
substitutivo contém, agora, mais de 1000 dispositivos em razão da 
aceitação de uma série de propostas apresentadas em sede legislativa. 
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Segue agora para apreciação da Câmara dos Deputados, onde, por 
certo, também receberá sugestões de aperfeiçoamento, com alterações de 
redação, inclusões e supressões como é da essência do debate legislativo. 
 
 
 2 VETORES DO PROJETO 
 
O projeto elaborado pela comissão de juristas e agora revisto pelo 
Senado estabelece, claramente, os propósitos que persegue no sentido de 
dar cumprimento a alguns objetivos identificados como adequados à ordem 
jurídica processual contemporânea, tendo como pano de fundo, 
evidentemente, a celeridade. 
 
Entre esses, pode-se claramente identificar o propósito de: 
 
a) Incentivar a conciliação, como se vê pela instituição de audiência prévia 
ao debate judicial, em reconhecimento à eficiência e à conveniência da 
composição dos litígios; 
b) Inibir os recursos, por meio da chamada sucumbência recursal, na 
tentativa de estabelecer critérios de maior razoabilidade aos apelos; 
 
c) Prestigiar posições consolidadas, na tentativa de instituir uma espécie 
de efeito "commonlawlizante" à civil law brasileira, por meio da busca da 
previsibilidade das decisões jurisdicionais, no sentido de oferecer maior 
segurança jurídica. É exemplo eloquente deste desiderato exatamente a 
força vinculante que se pretende outorgar à decisão proferida em incidente 
de resolução de demandas de índole coletiva, em contraste à absoluta e 
irrestrita autonomia jurisdicional hoje existente; 
 
d) Evitar decisões conflitantes, com a instituição do incidente de 
coletivização; 
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e) Formalizar a ideia da existência do devido processo civil constitucional, 
por meio da inserção expressa de princípios e garantias contempladas 
originalmente na Constituição Federal; 
 
f) Buscar celeridade, por meio, por exemplo, da supressão de recursos, 
tais como embargos infringentes e agravo retido; 
 
Todos estes vetores, por certo, merecem exame e reflexão. Porém, 
dois deles, maxima venia, ensejam atenção especial, face ao impacto que, 
por certo, produzirão no sistema, quais sejam: (i) a instituição de um 
processo civil expressamente constitucionalizado e (ii) a inserção do 
incidente de resolução de demandas repetitivas. 
 
 
 3 SOBRE O DEVIDO PROCESSO CIVIL CONSTITUCIONAL 
 
Hoje, mais do que ontem, fala-se com ênfase na instituição de um 
devido processo civil constitucional. Ontem, assim não se procedia, 
especialmente no Brasil, em razão do desprestígio da ordem constitucional 
decorrente da Carta de 1967 e da Emenda de 1969, pois se constituíam 
em ordens constitucionais outorgadas e não construídas no seio do debate 
democrático. 
 
Aquele momento, por evidente, ainda que superado pela edição da 
Constituição de 1988, deixou cicatrizes na consciência jurídica brasileira e, 
por decorrência, gerou reflexos no comportamento dos juristas em geral 
que sempre resistiram bravamente à ausência do Estado de Direito. 
 
Como relação à realidade de então, pouco se prestigiava a ordem 
jurídica constitucional positiva e, nessa linha, ainda que implicitamente, 
havia bloco de resistência à influência "constitucional" no Direito, pois esta 
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era considerada ilegítima. As reflexões mais atentavam para outros 
desdobramentos jurídicos do que para a possibilidade da Constituição 
presidir a compreensão do direito de então. Houve, em realidade, 
verdadeira dieta constitucional. 
 
A Constituição de 1988, entretanto, reestabeleceu o Estado de 
Direito, encerrando, pois, a dieta constitucional imposta pelo período de 
chumbo. 
 
A partir deste momento, é possível identificar um movimento de 
constitucionalização do direito e, inclusive, do direito privado. O direito 
passa a ser compreendido, portando, por meio de sua moldura 
constitucional, passa a ser lido com os óculos da Constituição. 
 
O processo civil, por evidente, não poderia restar alheio ao 
movimento de constitucionalização do direito. Tanto é assim, que a Carta 
Constitucional é pródiga em temas processuais, circunstância que, por 
decorrência, naturalmente empresta conteúdo processual à Constituição 
Federal e faz nascer um verdadeiro direito processual fundamental, haja 
vista que de sede constitucional. 
 
Sabe-se que a Constituição Federal é o ponto de partida para a 
interpretação do direito e para a argumentação jurídica, pois, hoje, mais do 
que uma simples Carta Política, face a sua reconhecida força normativa, 
permeia toda ordem jurídica. 
 
Com efeito, a Carta,nesta linha, além de seu papel organizacional 
assegura direitos, entre os quais os de natureza processual. Contempla, 
por igual, instrumentos e disciplina temas vinculados ao exercício da 
jurisdição. 
 
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São instrumentos oferecidos pela Constituição Federal, portanto de 
natureza processual: o habeas corpus, o habeas data, o mandado de 
segurança, o mandado de segurança coletivo, o mandado de injunção, a 
ação popular e a ação civil pública, por exemplo. 
 
Já na jurisdição constitucional, existem os mecanismos de controle 
de constitucionalidade representados pelos instrumentos da ação 
declaratória de inconstitucionalidade, pela ação declaratória de 
constitucionalidade, pela arguição de descumprimento de preceito 
fundamental e pelo incidente de constitucionalidade. 
 
No que toca à sede recursal, estão instituídos os recursos de 
natureza extraordinária. 
 
Afora isso, a Constituição Federal também rege matéria referente à 
competência do STF (CF, art. 102) e do STJ (CF, art. 105), dos Tribunais 
Regionais Federais (CF, art. 108), dos Juízes Federais (CF, art. 109) e da 
Justiça do Trabalho (CF, art. 114). 
 
Disciplina a legitimidade para propositura de ADIn e ADC (CF, art. 
103), bem assim rege a atuação judicial do Ministério Público (CF, art. 
129) e da Defensoria Pública (CF, art. 134). 
 
Consagra, ainda, direitos de aplicação genérica ao contemplar 
garantias de natureza constitucional-processual. Estas, de sua parte, 
formam um verdadeiro direito processual fundamental e principiológico, na 
macrocompreensão do sistema, vez que representam primados 
constitucionais incidentes em todos os ramos processuais especializados 
(civil, penal, trabalhista, etc.). Ou seja, são parâmetros constitucionais 
ditados para a ordem processual. 
 
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Não se trata, nesse último aspecto, de segmento do direito 
processual de regras, mas do direito processual de princípios, daí a razão 
pela qual também ser identificado em doutrina a ideia da existência de 
princípios processuais na Constituição Federal. 
 
Assim, pois, o conteúdo processual da Constituição Federal vem 
expressado por um conjunto de direitos oferecidos ao cidadão. Estes, ora 
vêm configurados como o direito propriamente dito - por constituírem 
direitos erigidos pela Constituição ao patamar de fundamentais -, ora vêm 
formatados como instrumentos, caracterizando direito-meio - por definirem 
a forma como se exerce judicialmente determinado direito -, ora se 
apresentam como disciplina de distribuição de funções ou atribuições. 
 
 
3.1 A incidência do sistema processual-constitucional sobre os 
segmentos processuais 
 
A ideia matriz desse tópico do ensaio consagra o propósito de 
demonstrar que a Constituição Federal possui claro conteúdo processual e 
que - por óbvio - este permeia os sistemas vigentes e, como decorrência, 
estabelece a existência de um verdadeiro sistema processual matriz a 
reger todos os segmentos do direito processual, ou seja, fixa a incidência 
de primados constitucionais em todas as disciplinas processuais 
especializadas. Além, à evidência, de contemplar instrumentos de sede 
constitucional e disciplinar matérias nitidamente de índole processual, tais 
quais o sistema recursal e os instrumentos de atuação na jurisdição 
constitucional. 
 
Assim, como já registrado, o processo civil é composto de regras 
processuais próprias do microssistema que representa, tal qual o direito 
processual penal, o direito processual do trabalho ou o processo endógeno 
pertinente à disciplina dos instrumentos constitucionais de realização do 
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direito, representados por leis especiais e pertinentes a cada qual dos 
institutos, em que se inclui a regência do mandado de segurança, da ação 
popular e outros que tais, bem como de primados (constitucionais) que são 
balizas maiores e que disciplinam a aplicação das regras. 
 
Desse modo, também se pode afirmar que, muito embora as 
particularidades de cada ramo do direito processual, existem, além e antes 
destas peculiaridades, princípios (ou garantias!) de ordem constitucional 
fundamental que iluminam a compreensão das regras processuais. Vale 
dizer: se irradiam sobre todos os ramos do direito processual. 
 
Dessa maneira, pouco importa em que área de incidência e qual a 
disciplina processual presente, aos demandantes deve ser assegurado o 
gozo de certos direitos inerentes ao devido processo do Estado 
Democrático de Direito, tais como a ampla defesa, o contraditório, o direito 
à produção de prova lícita, o exercício do duplo grau de jurisdição, etc. 
 
Esses, uma vez contemplados pela Carta Magna, constituem um 
verdadeiro sistema processual matriz que regula todos os microssistemas 
processuais e, por decorrência, sobre estes incide e faz valer seus 
comandos, ou seja, no processo civil, por exemplo, de nada vale deferir 
prazo de resposta ao réu se a seguir lhe é negado direito à plenitude do 
contraditório, vez que o direito de resposta deve, acima de tudo, amoldar-
se exatamente aos propósitos do contraditório, garantia constitucional-
processual fundamental. 
 
Dito de outro modo, o macrossistema processual que é representado 
pelo direito processual fundamental entretém relações com os demais 
microssistemas processuais existentes, vez que estes devem se amoldar 
àquele, pena de - se assim não for - gerarem vícios de ordem 
constitucional-processual fundamental, face à violação direta à 
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Constituição e, por consequência, invalidades na forma de prestar a 
adequada jurisdição. 
 
Assim, pode se inferir que existem relações estreitas e energizadas 
entre Constituição e Processo. Mais do que isso: existe subordinação da 
microdisciplina processual à macrodisciplina constitucional-processual. 
 
Há, portanto, um grande sistema de índole processual-constitucional 
voltado para o processo judicial e instituído, obviamente, pela Constituição 
Federal. Este rege todos microssistemas processuais que devem a ele 
estar adequados, sob pena de violação da grande cláusula do Devido 
Processo do Estado Democrático de Direito, chamado pela Constituição de 
Devido Processo Legal, também podendo ser denominado Devido 
Processo Constitucional. 
 
 
3.2 A opção ideológico-constitucional do projeto de um novo CPC 
 
O artigo primeiro do projeto do novo CPC, sensível à realidade 
doutrinária antes exposta, com clareza invulgar, estabelece que o processo 
civil contemporâneo deverá ser compreendido a partir de determinados 
primados constitucionais e que estes, mais do que antes, devem presidir 
claramente os destinos do futuro processo civil brasileiro. 
 
Ao assim se posicionar, longe de dúvida, o projeto aparece também 
como instrumento de realização dos propósitos constitucionais e não mais 
apenas como instrumento de realização do direito material 
infraconstitucional. Há, pois, no projeto, clara opção ideológica e 
indiscutível norte fixado em favor da ideia de intensa constitucionalização 
do processo civil coevo. 
 
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Isso equivale a dizer que devemos, uma vez transformado em lei o 
projeto, proceder a leitura do sistema processual sob a óptica da 
Constituição. Verdadeiramente emoldurar o processo civil coetâneo à 
Constituição Federal. Para aqueles que acompanham atentos a evolução 
do direito processual esta opção do projeto não se constitui em novidade e 
sequer necessitaria constar expressamente, haja vista que já de alguns 
anos para cá se percebe esta clara tendência no direito brasileiro e chega 
a se apontar existência de um movimento de "constitucionalização do 
direito", como se o direito brasileiro pudesse ser compreendido de outro 
modo que não alinhado com a Constituição. 
 
No que tange ao direito processual civil, entretanto, agora, mais do 
que antes, ondese percebiam somente movimentos doutrinários e 
jurisprudenciais nesse sentido, o projeto expressamente aponta a 
necessária vinculação do processo civil aos propósitos do Estado 
constitucional. 
 
Máxima vênia, não poderia ser diferente! 
 
Com efeito, há um sistema constitucional na base do direito 
brasileiro e, por decorrência, os demais segmentos devem a esta base se 
amoldar, pena de restar caracterizada fratura insuperável na operação da 
ordem jurídica. 
 
Assim, segundo se percebe, o projeto de um novo CPC, atento a 
esta realidade, busca, agora, de modo expresso, definir este quadro e, 
como decorrência, entre outros resultados, deverá repercutir de maneira 
significativa nas ideias da ciência processual, impondo uma verdadeira 
(re)compreensão dos operadores, mormente no hábito de instituir reformas 
mais direcionadas a superar a ineficiência do Estado do que a preservar o 
Estado de Direito. 
 
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Iniciativas nitidamente procedimentais, mais que as processuais, por 
igual, com mais intensidade ainda deverão se submeter à disciplina 
constitucional, inibindo, portanto, propostas legislativas ou iniciativas 
jurisdicionais voltadas apenas para atenuar as mazelas operacionais da 
máquina judiciária, em vez de readequarem os fundamentos processuais 
aptos a, com segurança jurídica, equalizar a operação do processo à 
realidade. 
 
Há, pois, claro norte estabelecendo que a realização do direito, por 
meio do processo judicial, deverá amoldar-se ao conjunto de garantias 
asseguradas ao cidadão pela Constituição Federal, não havendo, por 
decorrência, decisão válida se o processo desconhecer os vetores 
constitucionais do processo. Será este, mais do que nunca, instrumento de 
realização dos propósitos daquela! 
 
Assim, é possível afirmar que uma das opções ideológicas do projeto 
de um novo CPC é a de reconhecer, expressamente, a existência de um 
direito processual matriz e que este macrodireito processual tem assento 
na Constituição Federal, o qual regerá - agora com mais intensidade - a 
aplicação do direito processual civil contemporâneo. 
 
 
 3.4 A formalização do devido processo civil-constitucional 
 
A garantia do due process of law, como já destacado por muitos, 
encontra inspiração na Magna Carta de João Sem Terra, datada de 1215, e 
representa, verdadeiramente, o fundamento para todas as demais 
garantias que são oferecidas às partes ou, dito de outro modo, o gênero de 
cujas as demais garantias são espécie. 
 
Assim, possível afirmar que as garantias processuais, 
necessariamente, integram o devido processo legal que, em ultima ratio, 
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visa a assegurar às partes um processo e uma sentença adequada à causa 
submetida a exame. 
 
Dessa forma, o legislador constituinte, atento, acima de tudo, ao 
Estado Democrático de Direito, tratou de - expressamente - insculpir tal 
princípio no ordenamento nacional e o fez por meio da afirmativa 
peremptória de que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens 
sem o devido processo legal (art. 5º, LIV, da CF). 
 
Oportuno registrar para boa compreensão e alcance da cláusula do 
devido processo legal que a expressão legal, integrante da designação 
constitucional da garantia, na realidade não deve receber a compreensão 
estrita atribuída ao termo no sistema brasileiro, na medida em que o 
melhor sentido a ser atribuído à compreensão da ideia de devido processo 
legal é que isto significa que se assegura ao cidadão o devido processo do 
Estado de direito, englobando, portanto, a compreensão de que vai para 
além da lei em sentido estrito, ou seja, embutindo em si a ideia de devido 
processo da ordem jurídica integral. 
 
Ciente e consciente da compreensão a ser atribuída à ideia de 
devido processo da ordem jurídica, o projeto de um novo CPC, ao 
expressamente fazer referência que incorpora primados constitucionais à 
sua compreensão, opta por apontar o vetor essencial do processo civil 
coetâneo e, como dito, por decorrência de tal proceder, institui a faceta do 
devido processo civil-constitucional. 
 
O conteúdo desse devido processo civil-constitucional é 
representado por um conjunto de direitos formativos aptos a permitir o 
exercício da cidadania por meio de direitos de natureza paraprocessual 
e/ou endoprocessual. 
 
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Com efeito, é e será ainda mais acentuadamente assegurado ao 
cidadão em razão do processo, ou durante o processo judicial, o gozo de 
um conjunto de garantias da essência do Estado de Direito e sem a 
concreção deste não se construirá processo válido e eficaz. 
 
Esses direitos formativos estão representados pelas chamadas 
garantias constitucional-processuais, expressas ou implícitas, cuja 
existência decorre de sua inserção na Constituição Federal. 
 
Assim, para bem compreender a fórmula proposta pelo sistema que 
se pretende implantar, é necessário identificar a existência de um conjunto 
de valores constitucionais que, necessariamente, balizará a aplicação dos 
institutos processuais. 
 
 
 3.5 As garantias e os princípios expressos no projeto 
 
Além da fórmula genérica assentada no artigo primeiro do projeto do 
novo CPC, há referências expressas a uma série de garantias e princípios 
no Livro I, Título I, Capítulo I. Realmente, prevê o projeto a regência do 
processo civil pela presença expressa das garantias da (a) inafastabilidade 
do controle jurisdicional dos conflitos (art. 3º); (b) duração razoável do 
processo (art. 4º); (c) isonomia processual (art. 7º); (f) contraditório (art. 
7º); (g) publicidade (art. 11) e (h) motivação (art. 11) e, ainda, os princípios 
da dignidade da pessoa humana, razoabilidade, legalidade, 
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (art. 6º) e da 
cooperação (art. 5º). 
 
Como se vê, com eventuais variações, aqui ou ali, o projeto 
reproduz, expressamente, parcela do que consta da Constituição Federal 
e, por conseguinte, mais uma vez reafirma o desejo de estabelecer 
sintonia fina com o Estado constitucional, deixando claro que não há como 
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compreender o processo contemporâneo senão pela incidência de valores 
constitucionais. 
 
 
 3.6 A inserção das garantias implícitas 
 
O artigo primeiro do projeto incorpora, para além das garantias 
expressadas nos artigos subsequentes, todas as garantias integrantes do 
Estado de Direito, na medida em que aduz claramente que "o processo 
civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e os 
princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República 
Federativa do Brasil". 
 
Isso quer dizer que direitos implícitos que tenham caráter 
paraprocessual e/ou endoprocessual são incorporados à nova ordem 
jurídico-processual, haja vista decorrerem da compreensão sistemática 
desta. 
 
Portanto, resta claramente fixada à supremacia dos valores 
constitucionais na aplicação, compreensão e interpretação do processo 
civil coevo, sejam estes expressos ou não. 
 
Isso, por derradeiro, registre-se que em nada afeta a autonomia do 
direito processual civil, mas apenas e tão somente estabelece a linha de 
compreensão que deve ser seguida, o que, aliás, como registrado, vem 
sendo sinalizado com ênfase pela doutrina moderna. 
 
 
 
 
 
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4 SOBRE O INCIDENTE DE RESOLUÇÃO DE DEMANDAS REPETITIVAS 
 
 
Inicialmente cabe, em sede de primeiras impressões, conceituar o 
chamado incidente de resolução de demandas repetitivas, contemplado no 
Projeto do novo Código de Processo Civil. 
 
Nessa linha, é possível afirmar que é providência facultativa que 
pode ser adotada por iniciativa do juiz ou do relator da causa, em ofício 
dirigido ao Presidente do Tribunal a que estiver vinculado ou, ainda, por 
iniciativa, através de petição, daspartes, do Ministério Público ou da 
Defensoria Pública, também ao Presidente do Tribunal a que a demanda 
encontre-se subordinada, cujo propósito é dar eficácia ultra partes à 
decisão, tornando vinculativa à tese jurídica adotada. 
 
Com a introdução de tal instituto, cujo propósito nítido é o de ampliar 
a zona de eficácia da decisão para dar maior eficiência à atuação 
jurisdicional, estar-se-á de modo direito combatendo a galopante inflação 
processual existente nas cortes, em que, longe de dúvidas, as questões 
massivas contribuem para o acúmulo invencível de processos a espera de 
decisão. 
 
Quando o projeto fala, expressamente, que a tese jurídica decidida 
será aplicada a todos os processos que versem sobre idêntica questão de 
direito está, na realidade, no que diz respeito a tais limites, a outorgar 
eficácia ultra partes à decisão, pois todas àquelas partes que integram o 
grupo de titulares de direito idêntico estarão subordinadas à decisão 
proferida no incidente e seu respectivo entendimento em torno da matéria 
jurídica apreciada. Não se trata, pois, de eficácia erga omnes, mas sim de 
eficácia ultra partes, vez que apenas os integrantes do grupo dos titulares 
do direito apreciado é que será atingido pela decisão. 
 
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A adoção da providência certamente ensejará algum desembaraço 
no estoque processual e, por decorrência, contribuirá para uma resposta 
jurisdicional mais sintonizada com a dinâmica da sociedade 
contemporânea. 
 
 
 4.1 Requisitos 
 
Para o nascimento da possibilidade jurídica de provocar o incidente 
de resolução de demandas repetitivas, é necessário o atendimento objetivo 
de alguns requisitos. A saber: 
 
a) identificação na causa de potencial multiplicação de processos. Não é 
esclarecido, pelo projeto, o número necessário, portanto estamos diante de 
conceito aberto que desafia o bom senso dos operadores e que, 
certamente, a jurisprudência se encarregará de definir; 
 
b) idêntica questão de direito. Este requisito estabelece o desafio do 
juízo em fixar a necessária sintonia fina para diferenciar as semelhanças 
das dessemelhanças e as dessemelhanças das semelhanças, afastando 
questões parecidas, porém não idênticas. O juiz brasileiro terá que fixar 
proceder similar à construção dos stare decisis, ou seja, o precedente da 
common law norte americana. 
 
Cumpre registrar que para instauração do incidente exige-se apenas 
idêntica questão de direito, isolando-se, portanto, a tese jurídica, da 
complexidade fática de cada causa. Não há, por conseguinte, a 
necessidade de exame analítico do suporte fático, mas sim e apenas 
identidade de tese jurídica. Nessa linha, vale lembrar que são esses os 
limites do incidente: conhecer e apreciar a tese jurídica, sem revolver 
matéria fática, na medida em que esta é própria de cada causa. 
 
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Uma vez definida a compreensão e o alcance da tese jurídica pela 
decisão proferida no incidente esta tornar-se vinculativa para todas as 
demais causas, face sua eficácia ultra partes, cabendo ao juiz singular 
fazer a filtragem para definir em que medida esta incidirá no processo 
individual. 
 
c) identificação da grave insegurança jurídica, face à coexistência de 
decisões conflitantes. A ideia é de atenuar a insegurança jurídica pela falta 
de previsibilidade da decisão judiciária brasileira. 
 
 
4.2 Procedimento 
 
O procedimento fixado pelo projeto se desdobra nos seguintes passos: 
 
a) Ofício ou petição ao Presidente do Tribunal, instruído com documentos 
aptos a demonstrar a necessidade do incidente; 
 
b) Recebimento e distribuição; 
 
c) Registro CNJ e divulgação eletrônica; 
 
d) Pedido de informações, se o relator entender que é o caso; 
 
e) Vista ao Ministério Público, pois há intervenção obrigatória deste 
órgão face à possibilidade de substituição do requerente; 
 
f) Apreciação da admissibilidade, com prévia sustentação oral dos 
interessados (partes, Ministério Público, amicus curiae...), por até 30 
minutos; 
 
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g) Admitido o incidente suspendem-se os processos idênticos, podendo, 
inclusive ser dado efeito expansivo à suspensão; 
 
h) Julgamento da questão de direito; 
 
i) Fase recursal, com recurso especial e extraordinário. 
 
 
4.3 Efeitos 
 
a) proferida decisão em que foi apreciada a questão de direito posta no 
incidente esta adquire efeito vinculante, subordinando a tese jurídica à 
compreensão exarada; 
 
b) não acatado o efeito vinculante, abre-se oportunidade para reclamação; 
 
Essas, são as primeiras impressões do novel instituto que, por certo, 
agitará o comportamento dos operadores nas questões massivas, face sua 
larga área de eficácia, fazendo com que nos processos em que se 
encontre instaurado o incidente haja profusão da intervenção de 
interessados na solução da tese jurídica.

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