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precária e dependente da submissão voluntária dos Estados. Fonseca observa: 57 ZAHAR, A; SLUITER, G. International Criminal Law. Oxford: Oxford University Press, 2008. p. 198. ana maria bierrenbach 44 Apesar dessa limitação, é alto o grau de aceitação da lei internacional. Se não é a ameaça de coerção que faz que o Estado aceite a norma, que outra razão podemos invocar para explicar o fato? Será o “interesse” objetivamente considerado, à Morgenthau, e definido em equações de poder58? Há autores que conseguem mencionar exemplos de comportamentos dos Estados que seriam, supostamente, baseados apenas em considerações normativas ou valorativas. Martha Finnemore, professora de Relações Internacionais da George Washington University, oferece um exemplo: The 1989 US action in Somalia is a clear case of intervention without obvious interests. Economically, Somalia was insignificant to the United States. Security interests are also hard to find (...). In fact, US officials were clearly and consistently interested not in controlling any part of Somalia, but in getting out of the country as soon as possible – sooner, indeed, than the UN would have liked it59. Para a autora, a visão realista não soluciona a questão: A norms approach addresses an issue obscured by approaches that treat interests exogenously: since norms are socially constructed, they evolve with changes in social interaction (…) Changing norms may create state interests and create new interests (…) The focus here is justification. Justification is important because it speaks directly to normative context60. Para Gelson Fonseca Jr., a resposta à equação deve levar em conta o fato de que alguma autoridade permeia a vida internacional, ainda que não esteja formalmente estabelecida. Autoridade no sentido de fonte de obrigações, numa situação em que a coerção não se configura como mecanismo de sanção evidente. 58 FONSECA JR. Op. cit. p. 176. 59 FINNEMORE, Martha. Constructing Norms of Humanitarian Intervention. In: BETTS, Richard K. Conflict After the Cold War: Arguments on Causes of War and Peace. 2a ed. New York: Pearson/Longman, 2005. pp. 202-217. 60 Idem. p. 203. 45 considerações sobre os conceitos de soberania, legalidade e legitimidade As hipóteses mais imediatas diriam respeito: a) a formas de imposição derivadas da distribuição de poder e das consequentes articulações hegemônicas; b) ao cálculo de vantagens em negociações específicas; c) à aceitação de que as normas correspondem a expressões de valores da comunidade internacional; d) à existência de mecanismos efetivamente supranacionais, como na União Europeia61. 1.5 Considerações finais Em um cenário internacional formado por Estados soberanos, as intervenções são sempre medidas na tensão entre a legitimidade e a legalidade. O que dá ao poder legitimidade é o fato de agir em nome de normas reconhecidas como universais e, dessa forma, preservar valores e instituições que sirvam a todos. Os problemas surgem quando a legitimidade se transforma em discurso de poder, uma vez que as normas são interpretáveis e construídas a partir de perspectivas unilaterais. O caso da intervenção norte-americana no Iraque, a partir de 2003, é exemplar nesse sentido. As intervenções unilaterais são vistas geralmente como ilegítimas, porquanto baseadas em interesses próprios. As intervenções coletivas, ao contrário, quando autorizadas por um organismo internacional, revestem-se de legitimidade62. Na sociedade internacional, a ONU e, mais especificamente, o CSNU, são os que mais se aproximam de instituições legitimamente detentoras do monopólio do uso da força. Entretanto, a presença de membros permanentes com poder de veto é expressão direta do poder. Para Fonseca Jr., esse fato indica que, “na realidade, existe uma legitimidade referida às diferenças de poder, fundada no argumento de que ao poder corresponde responsabilidade”63. Diante desse dado, porém, a postura dos países do Terceiro Mundo tem sido buscar “coibir ações de poder, ora identificando na lei a fonte de legitimidade, ora proclamando, de forma mais ou menos vaga, a necessidade de democratização dos processos decisórios internacionais”64. 61 Idem. p. 179. 62 LUARD, Eval. Collective Intervention. In: BULL, Hedley. Intervention in World Politics. Oxford: Claredon Press, 1984. p. 157. 63 FONSECA JR. Op. cit. p. 181. 64 Idem. p. 197. ana maria bierrenbach 46 Fonseca observa que os países do Terceiro Mundo, como vítimas potenciais da intervenção e, em muitos casos, egressos de posição colonial, têm a tendência de defender, sistematicamente, interpretações estritas da soberania. O primeiro momento de luta em defesa da soberania e da aplicação plena do princípio da autodeterminação foi justamente o movimento pela descolonização65. Embora com menor poder relativo, os países do Terceiro Mundo podem formar maiorias nos órgãos multilaterais e criar fontes próprias de legitimidade. As resoluções da AGNU, aprovadas por ampla maioria, incorporam algum tipo de legitimidade, embora sua eficácia legal seja mínima ou inexistente66. Os países mais poderosos, por sua vez, são constrangidos a propor normas que devem obter o aval das instituições multilaterais. Conforme o Embaixador Gelson Fonseca Jr.: A conclusão a que se pode chegar é a de que mesmo para os mais poderosos, nem tudo é possível propor (...) Para as superpotências, o recurso à ideologia para justificar a violação do princípio da não intervenção ao tempo da Guerra Fria, era naturalmente contestado e fraco, enquanto hoje é possível falar em “dever de ingerência” em situações de caos que peçam ações humanitárias e, assim, justificar determinado tipo de intervenção (...) Mesmo se admitirmos que os valores do tempo são criações do poder, ao ganharem o estatuto da legitimidade, afetam e circunscrevem ações unilaterais, revelam que o desvio é desvio. As frustrações das potências com o funcionamento da ONU – que elas criaram – é um exemplo do que se disse67. A responsabilidade de proteger, objeto deste trabalho, é a nova “fórmula” da intervenção humanitária, preconizada principalmente (mas 65 Idem. p. 196. 66 Para Michel Virally, as resoluções da AGNU têm consequências jurídicas e caráter de autoridade e legimtidade, sendo superiores a recomendações de outras instituições internacionais. VIRALLY, Michel. Le droit international em devenir. Apud BÖHLKE, Marcelo. Das intervenções humanitárias à responsabilidade de proteger: evolução ou violação do Direito Internacional à luz da Carta das Nações Unidas. Tese (douturado em Direito Internacional). Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte: 2006. p 121. A diferença entre resoluções da AGNU (recomendatórias) e do CSNU (mandatórias ou vinculantes) seria a diferença entre soft law e hard law. 67 FONSECA JR. Op. cit. p. 187. 47 considerações sobre os conceitos de soberania, legalidade e legitimidade não exclusivamente) por países desenvolvidos. O tema será desenvolvido detalhadamente nas páginas seguintes. Pode-se antecipar, porém, que se trata de conceito com “vocação” para norma. Nesse sentido, tenta equilibrar-se na equação as variáveis que envolvem elementos inegáveis de poder, além de questões relativas à legitimidade, à legalidade e à soberania. 49 He focused on a pivotal comma. “Look at this”, he said. “The resolution says we shoud ‘comma – acting in self defense – comma –take the necessary measures – comma – including theuse of force’ to respond to attacks against civilians!”. No matter how many times he had studied the UN mandate, its vagueness continued to enrage him. “What are the commas supposed to mean?”he asked. “Does it mean the UN should only use force in self-defense? Or does it mean we should use force in self-defense and also