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base em proposta norte-americana que incluía, pela primeira vez, a expressão “crimes contra a humanidade”. O Agreement for the Prosecution and Punishment of Major War Criminals of the European Axis, and Establishing the Charter of the International Military Tribunal foi formalmente adotado em 8 de agosto de 1945. A definição de crimes de Guerra foi a seguinte: Crimes against humanity: namely murder, extermination, enslavement, deportation, and other inhumane acts commited against any civilian population, before or during the war, or persecutions on political, racial or religious grounds in execution of or in connection of any crime within the 403 SCHABAS, W. Op. cit., 2000. p. 35. 404 JACKSON apud idem. p. 35. 181 a aplicação da responsabilidade de proteger jurisdiction of the Tribunal, whether or not in violation of the domestic law of the country where perpetrated405. O IMT foi estabelecido após a assinatura de tratado multilateral entre o Reino Unido, os Estados Unidos, a França e a União Soviética. O tratado foi invocado como prova do caráter internacional e da personalidade legal autônoma do Tribunal. Isso não impediu, contudo, que fosse criticado, sobretudo, pelo fato de a Alemanha, país de nacionalidade dos acusados, não ter feito parte do acordo, assim como a comunidade internacional como um todo. O IMT e Tribunal Internacional Militar do Extremo Oriente (Tribunal de Tóquio) enfrentaram acusações de que constituíam aplicação ex post facto da lei, contrariando o princípio basilar do Direito Penal, segundo o qual nullum crimen sine lege, ou seja, não há crime sem lei anterior que o defina. Cabe recordar que, ao contrário do IMT, o Tribunal de Tóquio sequer foi instituído por tratado multilateral, mas por decreto do General MacArthur, Comandante das Forças Aliadas no Japão. Autores que analisam o tema com viés crítico, como Zahar e Sluiter, apontam ainda para o fato de o IMT não ter explorado os fundamentos legais dos crimes contra a humanidade, preferindo “what was perhaps felt to be a robust, pragmatic approach to the question. Alternatively, the silence may reflect a preference not to draw attention to the novelty of the idea”406. Para esses autores, os crimes contra a humanidade seriam aqueles que não se enquadrariam nas categoria dos outros crimes, mais bem- compreendidos. Diferentemente dos crimes de guerra e do genocídio, que mereceram definições mais específicas, os crimes contra a humanidade compreenderiam a atividade criminosa nos casos em que a população civil e os não combatentes são sistematicamente vitimizados407. As sentenças dos julgamentos de Nuremberg foram proferidas em 30 de setembro e em 1o de outubro de 1946, quando a Primeira AGNU se encontrava em sessão. A partir de então, os crimes contra a humanidade passaram a obter reconhecimento cada vez maior como categoria jurídica autônoma. Em 1984, a Corte de Cassação francesa julgou Klaus Barbie, acusado de crimes contra a humanidade cometidos contra judeus e 405 Artigo 6o c) do Estatuto do Tribunal Militar Internacional, anexo ao Acordo de Londres, de 8 de agosto de 1945. 406 ZAHAR, A.; SLUITER, G. Op. cit., 2008. p. 199. 407 Idem. p. 198. ana maria bierrenbach 182 membros da resistência francesa. O caso chegou à corte superior após decisão inferior no sentido de que crimes como tortura, deportação e assassinato cometido contra membros da resistência poderiam ser qualificados como crimes de guerra. Ao julgar o caso Barbie, a Corte de Cassação buscou conferir maior especificidade ao tipo penal, detalhando o artigo 6o c) da Carta de Nuremberg, no seguinte sentido: Inhumane acts and persecution commited in a systematic manner in the name of a State practicing a policy of ideological supremacy, not only against persons by reason of their membership of a racial or religious community, but also against the opponents of that policy, whatever the form of their opposition408. A CDI chegou a elaborar um Projeto de Código de Crimes contra a Paz e a Segurança da Humanidade que continha uma definição mais atualizada dos crimes contra a humanidade. O projeto, contudo, nunca chegou a ser aprovado pela ONU. É nos Estatutos do ICTY que se encontra a primeira tipificação dos crimes contra a humanidade, desde Nuremberg: Article 5. Crimes against humanity. The International Tribunal shall have the power to prosecute persons responsible for the following crimes when committed in armed conflict, whether international or internal in character, and directed against any civilian population: (a) murder; (b) extermination; (c) enslavement; (d) deportation; (e) imprisonment; (f) torture; (g) rape; (h) persecutions on political, racial and religious grounds; (i) other inhumane acts. O julgamento do caso Tadic, pelo ICTY, em maio de 1995, ampliou a interpretação sobre os crimes contra a humanidade. Como já mencionado, a promotoria havia limitado o indiciamento do acusado a crimes de guerra e crimes contra a humanidade por não haver evidências suficientes que dessem suporte a uma acusação por genocídio. A Câmara de Julgadora referiu-se à Resolução 95 (I) da AGNU (Afirmação dos Princípios do Direito Internacional reconhecidos pela Carta do Tribunal de Nuremberg), 408 Apud ZAHAR, A.; SLUITER, G. Op. cit., 2008. p. 202. 183 a aplicação da responsabilidade de proteger de 11 de dezembro de 1946, e ao Relatório da Comissão do Direito Internacional, de 1950, e salientou que “since the Nuremberg Charter, the customary status of the prohibition against crimes against humanity and the attribution of individual responsibility for their commission have not been seriously questioned”409. Os crimes contra a humanidade passaram a ter, assim, status de direito consuetudinário. Observe-se que nos Estatutos da ICTY se utilizou, pela primeira vez, a expressão “contra qualquer população civil”, o que compreendia a população do próprio Estado responsável pela conduta criminosa. Observe-se também que, à diferença do crime de genocídio, que pode ser cometido em tempos de guerra ou de paz, os crimes contra a humanidade foram relacionados, pelo Estatuto do ICTY, a atos cometidos no contexto de conflitos armados. Essa limitação, contudo, tem sido objeto de interpretações recentes que ampliam o alcance da norma. Conforme a Câmara de Apelação do caso Tadic, é suficiente que os crimes alegados estejam closely related às hostilidades praticadas nos territórios controlados pelas partes em conflito. Ao julgar o caso, o ICTY teve presente o julgamento do caso Barbie pela corte francesa, que “rendered the victim class of crimes against humanity open (it encompassed Resistence members)”410. Alguns autores, que apresentam posições críticas quanto à legalidade dos Tribunais internacionais ad hoc, observam, porém, que, para que um crime seja objeto da jurisdição desses Tribunais, deve haver um nexo claro entre a ofensa e o conflito armado411. A relação entre os crimes contra a humanidade e os conflitos armados internacionais ou internos foi posteriormente objeto de comentários do SGNU em Relatório sobre o ICTY, no sentido de que tais crimes são proibidos “regardless of wheter they are commited in an armed conflict”412. Outra contribuição importante da jurisprudência criada a partir do caso Tadic foi a de que o Tribunal descreveu como “knowledge by the accused of the wider context in which his act occurs”413, no caso de crimes contra a humanidade. Isso quer dizer que um indivíduo que não 409 Apud Idem. p. 202. 410 Idem. p. 208. 411 Idem. p. 119. 412 Report of the Secretary General on the ICTY, parágrafo 47. 413 SCHABAS, W. Op. cit., 2000. p. 210. ana maria bierrenbach 184 tenha consciência de que seu ato faz parte de um contexto maior poderá ser processado por assassinato, estupro ou tortura,