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Robert Keohane, “the classic unitary conception of sovereignty is the doctrine that sovereign states exercise both internal supremacy over all other authorities within a given territory, and the external independence from outside authorities”11. Na esfera internacional a soberania é, portanto, sinônimo de independência. Conforme observa Malanczuk, a palavra soberania: Still carried its emotive overtones of unlimited Power above the Law, and this gave a totally misleading picture of international relations. The fact that a ruler can do what he likes to his own subjects does not mean that he can do what he likes – either as a matter of law or as a matter of power politics – to other states12. 8 JELLINECK, Georg. Apud DALLARI. Op. cit. pp. 69-70. 9 REALE, Miguel. Teoria do Estado e do Direito. 5a ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 127. 10 DALLARI. Op. cit. p. 9. 11 KEOHANE, Robert. Political Authority after Intervention. In: KEOHANE, Robert et al. Humanitarian Intervention: Ethical, Legal and Political Dilemmas. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. p. 283. 12 MALANCZUK P. Apud KITTRIE, N. Op. cit. p. 10. ana maria bierrenbach 28 A ordem estabelecida pela Carta das Nações Unidas segue, de modo geral, o paradigma de Westfália, que representou, por sua vez, o início do processo de constituição da sociedade internacional. Em tese de doutoramento apresentada à Universidade de Brasília, Alexandre Kotzias Peixoto resumia as características do modelo: O mundo é composto por Estados soberanos, que não reconhecem autoridade superior; o processo legislativo de solução de contendas e de aplicação da lei concentra-se nas mãos dos Estados individualmente; o Direito Internacional volta-se para o estabelecimento de regras mínimas de coexistência; a responsabilidade sobre atos cometidos no interior das fronteiras é assunto privado do Estado envolvido; todos os Estados são vistos como iguais perante e lei e regras jurídicas não levam em consideração assimetrias de poder; as diferenças entre os Estados são, em última instância, resolvidas à força; a minimização dos impedimentos à liberdade do Estado é preioridade coletiva13. O artigo 2o (1) da Carta das Nações Unidas afirma que a Organização é fundada no princípio da igualdade soberana entre os Estados. Em 1949, a Corte Internacional de Justiça (CIJ) afirmou que “between independent States, the respect for territorial sovereignty is an essencial foundation of international relations”14. A não ingerência em assuntos internos é o corolário da soberania. O artigo 2o (7) da Carta estipula que nada autoriza a ONU a intervir em assuntos que sejam da jurisdição de qualquer Estado. Cabe recordar também que o artigo 55, alínea c, estabelece os compromissos dos Estados-membros de agir, em conjunto ou separadamente, em cooperação com a Organização, para a promoção do “respeito e observância universal dos direitos humanos e das liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião”. A soberania pode também ser objeto de limitação que os próprios Estados se impõem, ao assumirem obrigações em tratados internacionais. 13 KOTZIAS PEIXOTO, Alexandre. A erosão da soberania e a teoria das Relações Internacionais. Apud MAIA, Marrielle. Tribunal Penal Internacional: aspectos institucionais, jurisdição e princípio da complementaridade. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. p. 32. 14 INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. ICJ Reports. Apud THE INTERNATIONAL COMMISSION ON INTERVENTION AND STATE SOVEREIGNTY. The Responsibility to Protect: Research, Bibliography, Background. Ottawa: International Development Research Centre, 2001b. p. 6. 29 considerações sobre os conceitos de soberania, legalidade e legitimidade A Corte Permanente de Justiça Internacional afirmou em 1932, no caso Wimbledon, que “the right of entering into international engagements is an attribute of state sovereignty”15. É possível, assim, imaginar tratados com obrigações tão amplas que privem os Estados de sua própria independência. Seria o caso de um tratado para o estabelecimento de um “protetorado”. O exemplo é extremo, mas o fato é que se tem verificado, mais e mais, tratados e convenções pelos quais os Estados abdicam voluntariamente de parte de suas soberanias em favor de um regime internacional caracterizado pela cooperação e pela interdependência. Organizações como a União Europeia (UE) e o Mercosul, entre outras, são exemplos dessa tendência. Para Malanzuck, “the idea of joining a supranational organization like the European Union, which would have been regarded as an intolerable restriction upon independence a century ago, is nowadays discussed in the more realistic terms of economic advantages and disadvantages”16. Para Hedley Bull, autor da chamada Escola Inglesa ou racionalista das Relações Internacionais, a sociedade internacional é entendida como a vinculação dos Estados a um sistema de regras, entre as quais se destaca o respeito à própria soberania, a partir de acordos celebrados, com vistas a disciplinar o uso da força, entre outras matérias de interesse comum17. A adesão voluntária dos Estados a diferentes regimes, que disciplinam e limitam políticas nas mais variadas áreas, de comércio a meio ambiente e de desarmamento a direitos humanos, reflete o processo de globalização e de crescente normatização das relações internacionais, ou o “adensamento de juridicidade” nas palavras do ex-Ministro Celso Lafer18. É possível afirmar que, no cenário internacional contemporâneo, a noção clássica de soberania tem sido questionada por essa normatização crescente, além de outros fatores, entre os quais vale mencionar as organizações supranacionais, as empresas transnacionais e as ONGs. No que diz respeito à questão dos direitos humanos, foco deste trabalho, cabe mencionar que desde o final da Segunda Guerra Mundial 15 MALANCZUK & KITTRIE, 2009, p. 10. 16 Idem. 17 BULL, Hedley. The Anarchical Society. Apud AMARAL JR., Alberto do. O Direito de Assistência Humanitária. Rio de Janeiro: Renovar, 2003 p. 52. 18 LAFER, Celso. A OMC e a regulamentação do comércio internacional. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1998. pp. 125-130. ana maria bierrenbach 30 vários tratados passaram a reconhecer aos indivíduos o papel de sujeitos do Direito Internacional, que antes cabia apenas ao Estado: os Estatutos dos Tribunais Internacionais de Nuremberg e Tóquio, de 1946, a Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948 e os Pactos de Direitos Civis e Políticos e Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966, entre outros19. A condição de sujeito de direito passou a ser estendida também, de forma limitada, às ONGs e até às empresas transnacionais. O próprio escopo do Direito Internacional modificou-se, e às questões puramente políticas e estratégicas agregaram-se questões econômicas, sociais e ambientais. Os novos temas repercutiram na criação de agências especializadas, como o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional (FMI), a Organização Mundial do Comércio (OMC), a Organização Mundial da Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entre outras. Segundo Alberto do Amaral Jr., professor de Direito Internacional da Universidade de São Paulo, “ora essa mudança é descrita como a passagem do direito internacional de liberdade para o direito internacional do bem-estar ora como a substituição do direito internacional da coexistência pelo direito internacional da cooperação”20. Nesse sentido, a mesma Carta das Nações Unidas, que reafirma os princípios da soberania, da integridade territorial, da não intervenção e da autodeterminação dos povos, “caminha no sentido da constitucionalização das relações internacionais (...) É um verdadeiro contrato social internacional, dinâmico e aberto, que combina o desejo de