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Componentes do Estado 9.1. ANÁLISE DA DEFINIÇÃO DE ESTADO Por Estado, como j á acentuado no capítulo anterior, entende-se a sociedade política necessária, dotada de um governo soberano, a exercer seu poder sobre uma população, dentro de um territóriq bem definido, onde cria, executa e aplica seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum. Com a dissecação da referida definição, então teríamos: Elementos Materiais População Território Elementos Formais • Governo Soberano (Poder) Ordenamento Jurídico Elemento Final • Bem Comum Vejamos, a seguir, o que significa cada um dos mencionados ele- mentos que constituem a estrutura do Estado, e suas particularidades. 9.2. ELEMENTOS MATERIAIS: POPULAÇÃO E TERRITÓRIO 9.2.1. População É mister, primeiramente, que se faça a distinção de população, de um lado, e povo, de outro. 102 MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLITICA - José Geraldo Brito Filomeno Enquanto a população do Estado consiste no conjunto de todos os habitantes do seu território, quer com ele mantenham ou não vínculos políticos, além dos necessários vínculos jurídicos, povo, em última análise, é o conjunto de cidadãos. Ou seja, povo é a parcela da população de determinado Estado que com ele mantém vínculos de natureza política, além dos de natureza jurídica. A questão da nacionalidade, e, consequentemente, da cidadania, que é sua resultante mais eloquente, mesmo porque tem a ver diretamente com a chamada liherdade-participação (possibilidade de escolher e ser escolhido como governante), sempre foi questão das mais polémicas e delicadas. Em Roma, por exemplo, o critério definidor da cidadania dependia do status civitatis, ou seja, tinham a mencionada liberdade-participação, certamente limitadora dos poderes dos reis, cônsules e imperadores, nos três grandes períodos de sua história antiga, tão somente os patrícios e homens livres, excluindo-se os plebeus, inicialmente, e totalmente os estrangeiros e escravos. A liberdade-participação, outrossim, nada tinha a ver com a liberdade-autonomia, que pode ser conceituada como o direito de cada ser humano autodeterminar-se no que concerne à sua locomoção (ir, vir e pennanecer), manifestação do pensamento, credo, escolha de uma atividade ou profissão, enfim, ser sujeito de direitos individuais, inalienáveis e imprescritíveis, e que são pressupostos de sua própria sobrevivência e dignidade. Desse segundo tipo de liberdade decorre ainda o chamado direito público subjetivo, ou seja, a faculdade de agir em face do próprio Estado, quando houver ameaça ou prejuízo a uma das liberdades retros- sintetizadas e que serão objeto de análise mais aprofundada em ponto adequado. Referido insurgimento consiste num instrumental apropriado, que se denomina garantia individual, como, por exemplo, o habeas corpus, contra medida atentatória à liberdade de locomoção de certo individuo por ato ilegal ou abusivo de certa autoridade, o mandado de segurança, contra ato também prejudicial a direito líquido e certo, não amparado pelo primeiro remédio etc. De qualquer forma, e retomando a questão da definição dos critérios caracterizadores da nacionalidade, Roma curvou-se paulatinamente à necessidade de estender sua cidadania aos povos conquistados por suas poderosas legiões, mesmo porque não apenas necessitava do apazigua- Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO 103 mento de antigos inimigos, como também de seu concurso material (coleta de impostos) e de apoio estratégico (com a arregimentação de novos centuriões dentre os jovens dos povos outrora derrotados). Assim, Júlio César acabou por estender desde logo a cidadania romana aos povos das Gálias Cisalpinas (regiões que hoje constituem a França, Bélgica e Suíça), e Caracala fê-lo ainda mais amplamente, ou seja, a todos os povos até então conquistados. Resta evidenciado que a tónica, em princípio, era puramente política, já que Roma necessitava de tropas e tributos dos povos conquistados para a manutenção de sua pax romana, além de neutralizar a aliança deles com vizinhos também a serem subjugados. Com a instituição do chamado Sacro Império Romano-Germânico, notadamente com Carlos Magno, e conforme acentuado por Bums,' "a grandeza de Roma deveria ser ressuscitada; estaria mais em harmonia com a verdade quem interpretasse o fato como uma expressão do despertar cultural e político do Ocidente... o estabelecimento de um império no Ocidente simbolizava a existência de um abismo cada vez maior entre os cristianismos latino e Bizâncio; finalmente, o fato de Carlos Magno ter sido coroado por Leão I I I deu aos papas do segundo período medieval um baluarte para as suas pretensões de supremacia; podiam alegar terem sido eles, na realidade, os fidndadores do império, agindo, é claro, como representantes de Deus'". Desta forma, tinha a cidadania do referido império carolíngio quem jurasse fidelidade irrestrita e absoluta à fé cristã-católica, e, em consequência, ao Papa, sua expressão máxima. Ao invés dos patrícios romanos, que detinham o status civitatis, em contraposição a estrangeiros ou escravos, tinham-se então os fiéis contrapondo-se aos infiiéis ou hereges. Finalmente, ao término da cruenta Guerra dos Trinta Anos,^ e com a elaboração do famoso Tratado de Vestfália, de 1648, é que foram definidos os critérios de conferição de nacionalidade, que são conhecidos por Jus soli e Jus sanguinis. In ob. cit., p. 272. Idem, ps. 537-538: "A causa inicial da guerra foi a ambição dos Habsburgos, que desejavam utilizar-se dos triunfos da Reforma Católica como meio de ampliar o seu próprio poder na Europa Central. Isso despertou a oposição dos nobres protestantes da Alemanha, ao mesmo tempo que na Boémia, onde muitos habitantes se haviam convertido ao calvinismo, declarava-se uma revolta aberta." 104 MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLÍTICA - José Geraldo Brito Filomeno Por Jus soli entende-se o critério definido da nacionalidade de alguém de acordo com o local de seu nascimento. E o critério, por exemplo, de modo geral adotado por todos os países e pelo Brasil: são brasileiros natos, em primeiro lugar, "os nas- cidos na República Federativa do Brasil, ainda que de pais estrangeiros, desde que estes não estejam a serviço de seu país" (Constituição de 1988, art. 12, I , a). Excetuam-se, como se verifica, os filhos de diplomatas estrangeiros, por razões evidentes. Por outro lado, de salientar-se que os países mais novos, de fortes correntes imigratórias (Brasil, Estados Unidos, Argentina, Austrália etc), sempre adotaram esse critério, sobretudo para estimular o ingresso de colonizadores que certamente se sentirão mais apegados à pátria de adoção, se sua prole tiver garantido o seu direito de nacionalidade dela, e que os acolhe incondicionalmente. Entende-se, por outro lado, por Jus sanguinis, o critério pelo qual se define a nacionalidade de alguém de acordo com a de seus pais. Ou seja, em última análise, adquirirá a nacionalidade dos pais a pessoa que vier a nascer em outro país, independentemente do critério de nacionalidade por esse último adotado. Nosso país sempre adotou referido critério, em conjunto com o primeiro. Na atual Constituição, com efeito, rezava o já mencionado art. 12 que são brasileiros: - os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que qualquer deles esteja a serviço da República Fede- rativa do Brasil; - os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente, ou venham a residir na República Federativa do Brasil antes da maioridade e, alcançada esta, optem em qualquer tempo pela nacionalidade brasileira. Esse dispositivo (z. e.,alínea c, inc. I , do mencionado art. 12), por força da Emenda Constitucional de Revisão no 3, de 1994, passou a ter a seguinte redação: [são brasileiros] "os nascidos no estrangeiro, de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, pela nacio- nalidade brasileira". Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO 105 Diante de várias dúvidas suscitadas desde então, todavia, ou seja, notadamente acerca de crianças filhas de brasileiro ou brasileira nascidas no exterior, mas cujos registros vinham sendo negados por autoridades consulares brasileiras, porquanto deveriam fixar residência no Brasil, o Congresso Nacional, em 20 de setembro de 2007, promulgou a Emen- da Constitucional n° 54, que deu nova redação à mesma alínea c do inc. I do art. 12 da Constituição da República, bem como acrescentou um art. 95 ao Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de seguintes teores: "Art. 12 - São brasileiros: I - natos (...) c) os nascidos no estrangeiro de pai brasileiro ou de mãe brasileira, desde que sejam registrados em repartição brasileira competente ou venham a residir na República Federativa do Brasil e optem, em qualquer tempo, depois de atingida a maioridade, pela nacionalidade brasileira; (...) Art. 95 - Os nascidos no estrangeiro entre 7 de junho de 1994 e a data da promulgação desta Emenda Constitucional, filhos de pai brasileiro ou de mãe brasileira, poderão ser registrados em repartição diplomática ou consular brasileira competente ou em ofício de registro, se vierem a residir na República Federativa do Brasil." Duas questões se apresentam desde logo em decorrência dos men- cionados critérios definidores de nacionalidade: a da dupla cidadania e a dos apátridas. Suponha-se, por exemplo, que determinado país no qual se refu- giam determinadas pessoas de outro adote apenas, e restritivamente, o Jus sanguinis, enquanto o originário, ao contrário, restringe-se ao Jus soli. Ora, nascida uma criança, filha dos refugiados em solo adotivo, não terá, a rigor, nem a nacionalidade desse, nem a do país de origem dos pais, tomando-se apátrida. Nesse caso, a solução encontrada será apenas a da naturalização, se admitida. A Organização das Nações Unidas, exatamente em decorrência dessa problemática, mantém um comissariado específico para refu- giados e apátridas, permitindo-lhes a obtenção de passaporte especial para deslocamentos, e exortando os países de asilo a permitirem a naturalização, por exemplo. 106 MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLÍTICA - José Geraldo Brito Filomeno Em 1982, tínhamos uma aluna de Direito que, nascida no Egito, de pais judeus, mas antes da institucionalização do Estado de Israel, viu-se na incómoda situação retroapontada, visto que o país de nasci- mento não a acolhera, porque exigia a nacionalidade respectiva, e não existia ainda o Estado de Israel. Não lhe restou alternativa que não a de pleitear o passaporte da ONU, com o qual veio para o Brasil, ainda bastante jovem, e natura- lizou-se brasileira.-* A naturalização é uma outra forma de adquirir-se a nacionalidade de um detenninado Estado, de uma maneira mais ou menos limitada, de acordo com sua Constituição. Conforme disposto pelo art. 12, I I , ainda da Constituição de 1988, entre nós, são considerados naturalizados os que, "na forma da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigida aos originários de países de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e ido- neidade moral" {a), e ainda "os estrangeiros de qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a nacio- nalidade brasileira" (è). Quanto aos portugueses, é facultada situação especial para natu- ralização, desde que haja reciprocidade aos brasileiros com relação ao Estado português, ou seja, outorgando-se-lhes os direitos inerentes ao brasileiro, salvo os casos previstos na Constituição. No caso nem há, a rigor, necessidade de uma naturalização efetiva, mas sim de regula- rização e opção por tal regime especial, inclusive para fms políticos (§ 1°, art. 12, CF). Embora o § 2° do mencionado art. 12 da Constituição Federal do Brasil, de 1988, reze que "a lei não poderá estabelecer distinção entre Esse tipo de odioso preconceito ainda existe, todavia, dependendo do humor daqueles que detêm o poder político aliado ao teocrático, em graus máximos de fundamenta- lismo, a ponto, até mesmo, de se suprir a nacionalidade de alguém em decorrência do casamento de pessoa de nacionalidade e, principalmente, religião diversa. É o que se depreende, por exemplo, de notícia estampada no jornal O Estado de São Paulo, edição de 06.06.2010, p. A-17, de seguinte teor: "Egípcios não podem se casar com israelenses - O Supremo Tribunal Administrativo do Egito emitiu ontem um veredicto que tira a nacionalidade egípcia de todas as pessoas casadas com israelenses. A sentença foi dada pelo juiz Mohamed al-Husseini, que julgou que o Ministério do Interior deve pedir ao governo que retire a nacionalidade não só do cônjuge como também de seus filíios. O veredicto do Supremo Tribunal Administrativo é inapelável. " Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO 107 brasileiros natos e naturalizados, salvo nos casos previstos", o § 3° esclarece serem privativos de brasileiro nato os cargos de presidente e vice-presidente da República, de presidente da Câmara dos Deputados, de presidente do Senado Federal, de ministro do Supremo Tribunal Federal, da carreira diplomática e de oficial das forças armadas. Com relação à dupla nacionalidade retroaventada, tem-se que, a rigor, é inadmissível. E, com efeito, afora ser preceito sábio e inscrito na Bíblia, a cir- cunstância de não se poder servir a dois senhores ao mesmo tempo, ficaria extremamente difícil cumprir todos os preceitos estabelecidos por um e outro Estado conferidor de nacionalidade a alguém. Do ponto de vista fático, porém, a questão não é impossível, ao contrário, é até bastante frequente. Recentemente, por exemplo, nosso País foi varrido por uma onda de "aquisição" de nacionalidade italiana, uma vez que a Constimição italiana é extremamente generosa com seus filhos, o que, de resto, a categoriza como de manifesto bom-senso e sensível sentido cultural- -humanístico. De nossa parte, aliás, orgulhamo-nos de compartilhar dessa honrosa descendência pelo lado paterno. Quanto à portuguesa, entretanto, que também compartilhamos pela ascendência materna, apenas lamentamos que a circunstância de participação na importante, mas arrogante e fria, comunidade econó- mica europeia tenha subido à cabeça das autoridades administrativas, levando-as a protagonizarem deprimentes cenas de expulsão de brasi- leiros, temendo eventual disputa por mercado de trabalho ou ocupação de espaços na sociedade portuguesa.'' De qualquer forma, o § 4°, ainda do art. 12 da Constimição brasi- leira de 1988, estabelece que será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que tiver cancelada sua naturalização por sentença judicial, em virtude de atividade nociva ao interesse nacional (I) , ou então que adquirir nacionalidade por naturalização voluntária ( I I ) . Na semana de 14 a 21 de abril de 1996, em visita oficial ao Brasil, o primeiro- -ministro de Portugal, engo António Guterres, reconheceu expressamente aquela circunstância, dizendo aos meios de comunicação de massa que, ao se inserir na Comunidade Económica Europeia há 10 anos, seu país, infelizmente, voltou as costas para outros povos, notadamente o Brasil, com quem reafinnou os laços tradicionais de amizade e identidade cultural. Além disso, anunciou a aprovação pela Assembleia Nacional de Portugalde projeto de lei que regulariza a situação de imigrantes brasileiros e de outras pessoas lusófonas naquele país. 108 MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLÍTICA - José Geraldo Brito Filomeno Ora, quer-nos parecer, por conseguinte, que, no caso da questão dos descendentes de italianos que venham a cadastrar-se junto às respectivas representações diplomáticas para o reconhecimento de sua nacionalidade, não vemos como esse ato possa ser caracterizado como "naturalização". E, com efeito, na hipótese em testilha, o que haveria seria ape- nas, e tão somente, a declaração formal de algo que já existe (laços de nacionalidade pela ascendência), e não um ato constitutivo, como ocorre na aquisição formal e voluntária da naturalização, com perda, aí sim, consequente, da outra nacionalidade. A prática do registro de crianças americanas, francesas, espanholas etc, tanto no âmbito dos cartórios brasileiros, como nos respectivos consulados, tem sido frequente e em nosso entender salutar, uma vez que serão elas, no flituro, que irão definitivamente optar por uma das nacionalidades. Essa pendência foi definitivamente encerrada pela j á referida Emenda Constitucional de Revisão no 3, de 1994, à medida que deu nova redação ao inc. I I , § 4°, do art. 12, da Constituição de 1988, a saber: [§ 4° — Será declarada a perda da nacionalidade do brasileiro que:] "11 - adquirir outra nacionalidade, salvo nos casos: a) de reconhecimento de nacionalidade originária pela lei estran- geira; b) de imposição de naturalização, pela norma estrangeira, ao brasileiro residente em Estado estrangeiro, como condição para permanência em seu território ou para o exercício de direitos civis." A advogada Mirto Fraga^ entende que as hipóteses retrorreferidas nas alíneas a e b, do inc. I I , do § 4°, do art. 12, da nossa Constitui- ção Federal, respectivamente, seriam desnecessárias e aplicadas com extrema cautela. Com efeito, pondera o seguinte, ao comentar o dispositivo segundo o qual não perde a nacionalidade brasileira quem obtém o reconheci- mento de nacionalidade originária peia lei estrangeira: "...nos princípios que regem a nacionalidade, o verbo adquirir se refere à nacionalidade In " A Dupla Nacionalidade no Direito Brasileiro, de Acordo com a Emenda Constitucional de Revisão no 3, de 1994, Revista Justitia, São Paulo, vol. 171, ps. 53-59. Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO 109 derivada, secundária, à naturalização, à nacionalidade que o indivíduo adquire ao longo de sua vida, por manifestação de sua vontade; já o verbo atribuir e o adjetivo atribuída dizem respeito à nacionalidade originária, àquela que o indivíduo recebe, àquela que o Estado lhe atribui no momento de seu nascimento; vimos, também, que, como nacionalidade é questão de soberania, os Estados têm liberdade para discipliná-la como melhor lhes convier; finalmente, vimos que, em consequência disso, um indivíduo, ao nascer, pode ter mais de uma ou pode não ter qualquer nacionalidade". E acrescenta, centrando enfoque na mencionada alínea a, do inc. I I , § 4°, do art. 12, da Constituição Federal: "se é nacionalidade originária, não é adquirida; só se reconhece o que j á existe; é, por exemplo, o caso de filho de italianos nascido no Brasil; é brasileiro pela Constituição brasileira; é italiano pela legislação italiana; o fato de ter que providen- ciar a documentação é matéria secundária, tal qual a do brasileiro que tira seus documentos (registro civi l de nascimento, identidade, título de eleitor, passaporte etc); não significa que o brasileiro/italiano esteja requerendo a nacionalidade italiana, que esteja se naturalizando italiano, mas, tão somente, que, sendo italiano, tem, apenas, que provar que .é italiano e documentar-se como tal; da mesma fornia que o brasileiro não registrado até a idade adulta". No que concerne à outra hipótese da alínea b, do inc. I I , § 4°, art. 12, da Constituição Federal, o fato de o brasileiro "adquirir" outra nacionalidade por imposição de norma estrangeira, pondera que "não está, também implícita, a vontade de adquirir a outra nacionalidade, mas de exercer determinados direitos privativos de nacional desse Estado; é necessário, porém, que haja a perspectiva do exercício desses direitos; é imprescindível que ao brasileiro tenha sido negado o direito pelo fato de ser estrangeiro; aí, sim, para exercer tal direito que lhe foi negado ou que vem sendo negado aos estrangeiros em geral, o brasileiro pode naturalizar-se; mas deve exercer o direito que pretendia". 9.2.2. O Território do Estado Conforme j á deixamos claro ao estudarmos a nação, enquanto o território, embora desejável que exista, não é elemento essencial para sua caracterização como tal, para a do Estado, ele é. Com efeito, não se pode falar na existência de uma dada sociedade política independente e autodetenninante, sem que soberanamente disponha de uma dada porção tio MANUAL DE TEORIA GERAL DO-ESTADO E CIÊNCIA POLITICA - José Geraldo Brito Filomeno de terra para o (desenvolvimento de suas atividades e consecução do bem comum de sua população. Para Donato Donati,* o território não seria um elemento cons- titutivo essencial do Estado, mas condição de sua existência. E dá como exemplo do que procura transmitir a questão das demoradas guerras entre gregos e persas, quando, não obstante esses últi- mos houvessem tomado de assalto o território propriamente dito daqueles, refúgiaram-se em sua enorme frota de barcos, mantendo íntegra sua soberania; ou, então, a questão da invasão da França pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, com subsistência do Estado francês no exílio. Já para Alessandro Groppali,' somente a perda total, ou de grande parte do território de um determinado Estado, acarretaria seu desapare- cimento, ou então a tomada prolongada do mesmo território. De nossa parte, entendemos ser o território parte imprescindível para. a existência do próprio Estado. Senão por razões de lógica evi- dente, pela simples circunstância de que sempre haverá a nação, com seus vínculos sociológicos e jurídicos, mas não o Estado, com seus vínculos marcadamente políticos (além de jurídicos). Desta forma, podemos dizer que, como elemento material e es- sencial para a própria existência do Estado, o território compõe-se das seguintes partes: (a) solo, (b) subsolo, (c) espaço aéreo, (d) embaixadas, (e) navios e aviões militares em qualquer parte que se encontrem, (f) navios e aviões de uso comercial ou civil em sobrevoo ou navegação de território não pertencente a outros Estados e, finalmente, (g) o mar territorial, ao qual se reservará item destacado, dada a sua manifesta importância no contexto do território do Estado. Vejamos, então, de que maneira se pode conceituar as diversas parcelas que constituem o território de determinado Estado. (a) Solo é a porção de terras visíveis e delimitadas pelas fronteiras internacionais e pelo mar. Qõ) Subsolo, como evidente, é a porção de terras que, subjacente ao solo, tem a mesma configuração do solo. Apud Salvetti NeUo, in ob. cit., p. 47. Idem, ibidem. Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO BO No caso do Brasil, por exemplo, ocupa, em relação aos 148.905.400 km2 que constituem a parte da terra firme do globo, mais de 8.500.000 km2, sendo ainda certo que os rios e mares constimem 361.044.600 km2 da Terra. (c) O espaço aéreo de um determinado Estado é a coluna de ar imaginária que acompanha o contorno do território propriamente terrestre, acrescido do mar territorial. Referida configuração do espaço aéreo tem importância evidente em termo de soberania do Estado respectivo, uma vez que é inviolável em relação ao sobrevoo de aeronaves estrangeiras, que somente poderão fazê-lo mediante expressaautorização das autoridades que controlam o tráfego aéreo. Em 1982, por exemplo, a Inglaterra, que estava em conflito com a Argentina com relação à soberania sobre as ilhas Malvinas ou Falklands, no extremo sul da América do Sul, teve autorização para pousar um avião bombardeiro Volcan, armado, para reabastecimento, mas foi obrigada a desarmá-lo para seguir viagem. (d) As embaixadas, como se sabe, são as sedes de representação diplomática dos diversos Estados com relação a outros e, portanto, são consideradas como pequena parcela daqueles em território estrangeiro e, por conseguinte, invioláveis. Tanto isso é verdade que, no caso de graves conturbações no Estado em que se acham instaladas embaixadas de outros países, es- sas merecem proteção especial contra possíveis violações, e não raro hospedam asilados políticos. Com relação aos consulados, a doutrina do Direito Internacional Público não é unânime: boa parte dela entende que também constituem parte integrante do Estado representado, enquanto outra os considera meros escritórios de representação, sobretudo de cunho económico e cultural apenas. Tanto assim que, argumenta-se, muitos Estados sequer enviam cônsules de carreira diplomática, mas economistas, funcionários graduados, ou mesmo nomeiam cônsules honorários para representá-los, mesmo entre nacionais do Estado anfitrião. (e) Navios e aviões militares em qualquer parte que se encontrem igualmente são considerados parte integrante do Estado sob 112 MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLITICA - José Geraldo Brito Filomeno cuja bandeira transitem. Aqui, como no item seguinte, referidas circunstâncias serão importantes para o estudo da extraterrito- rialidade da lei penal. Assim, consoante dispõe o art. 7°, I I , c, do Código Penal, "ficam sujeitos à lei brasileira, embora cometidos no estrangeiro, os crimes praticados em aeronaves ou embarcações brasileiras, mercantes ou de propriedade privada, quando em território estrangeiro e aí não sejam julgados". (f) Isto quer dizer, então, que, quanto aos navios e aviões de uso comercial ou civil em navegação ou sobrevoo, respectivamente, de mar internacional, também são considerados parte integrante do território do Estado cuja bandeira ostentem. O que se quer dizer é o seguinte: quando se trata de aeronaves militares ou belonaves, sempre serão consideradas partes integrantes do território do Estado cuja bandeira ostentem; do que se pode extrair que um crime praticado a bordo de um dos referidos veículos, em qualquer parte do globo terrestre, ainda que flindeado o navio em certo porto es- trangeiro, ou o avião estacionado em aeroporto também de outro Estado, será apreciado de acordo com as leis do país proprietário dos mesmos. Isto porque, como já asseverado, a sua soberania se estende àquelas partes integrantes de seu território. Já com relação a aeronaves ou navios de uso comercial ou civi l , a aplicação de lei do Estado cuja bandeira ostentem somente se dará caso os crimes não sejam julgados pelas normas do outro Estado em cujo território venham a ocorrer. A regra geral, nesse caso, é a aplicação das leis do país onde ocorreu o fato. De qualquer forma, tais questões, sem dúvida palpitantes, e cada vez com frequência maior de ocorrência, sobretudo em razão do au- mento do fluxo emigratório e imigratório, além do deplorável trá-fico internacional de drogas, serão melhor estudadas certamente no âmbito dos Direitos Penal, Processual e Intemacional Público. (g) A questão do mar territorial, como j á enunciada, é sem dúvida a mais polémica quando se cuida de estudá-lo como elemento constitutivo do território de dado Estado. Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO na E, com efeito, antigamente se conceituava o mar territorial como a extensão da porção terrestre do território, até o limite de alcance da artilharia de costa, quando se passou a utilizar tal artefato para a defesa daquele mesmo território. Assim, o mar territorial era entendido como a faixa litorânea até "onde alcançasse o poder das armas" {'"usque armorum potestas"). Como a arte da balística inicialmente limitava o alcance do projétil disparado da costa a três milhas marítimas, esse passou a ser, então, e permaneceu durante longo tempo, o limite do mar territorial de cada Estado. ' ! I Em seguida, ele foi estendido para 12 milhas marítimas, exatamente porque se convencionou que tal seria mais adequado em decorrência do aumento da potência da artilharia de costa. É evidente que, na atualidade, na qual se observam artefatos nucleares conduzidos por veículos supersônicos e computadorizados, aquela referência de distância passou a nada significar, mormente se considerando que o disparo de um foguete de longo alcance, ou míssil, acarretará o atingimento de alvos situados em outros Estados a milhares de quilómetros, por exemplo. Da importância estratégica, portanto, passou-se a estabelecer os limites do mar territorial em face da importância económica de seu potencial mineral e biológico. Em 1971, por exemplo, o Brasil e outros países em desenvolvimento trataram de assegurar da melhor forma possível a soberania sobre seu mar territorial, fixando-o unilateralmente em 200 milhas, no que foram pronta e veementemente contestados pelos países desenvolvidos, como Estados Unidos e Japão. Presentemente, a questão está disciplinada entre nós pela Lei no 8.617, de 4 de janeiro de 1993, que dispõe sobre o mar territorial, azona contígua, a zona económica exclusiva e a plataforma continental. Assim, consoante detennina o art. 1° da referida lei, "o mar ter- ritorial brasileiro compreende uma faixa de doze milhas marítimas de largura, medidas a partir da linha de baixa-rriar do litoral continental e insular brasileiros, tal como indicada nas cartas náuticas de grande escala, reconhecidas oficialmente no Brasil". Seu art. 2° diz ainda que "a soberania do Brasil estende-se ao mar territorial, ao espaço aéreo sobrejacente, bem como ao seu leito e subsolo". 114 MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLlTICA - José Geraldo Brito Filomeno Importante também citar-se o § 3°, do art. 3°, segundo o qual, e conforme já estudado, "os navios estrangeiros no mar territorial bra- sileiro estarão sujeitos aos regulamentos estabelecidos pelo Governo brasileiro". Já a chamada "zona cont ígua" é conceituada pela Lei no 8.617/93 como sendo "faixa que se estende das doze às vinte e quatro milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial" (art. 4"). Tal zona contígua deve ser objeto de fiscalização por parte do Brasil para evitar as infrações às leis e aos regulamentos aduaneiros, fiscais, de imigração ou sanitários, no seu território ou no seu mar territorial, bem como para reprimir as infrações às leis e aos regulamentos, no seu território ou no seu mar territorial. A lei fala, ainda, como visto, de uma "zona económica exclusiva", assim definida, pelo seu art. 6°, como sendo "uma faixa que se estende das doze às duzentas milhas marítimas, contadas a partir das linhas de base que servem para medir a largura do mar territorial". E o art. 7", a seguir citado na íntegra, dada a sua importância para discussão deste tema, diz o seguinte: "Art. 7° - Na zona económica exclusiva, o Brasil tem direitos de soberania para fins de exploração e aproveitamento, conservação e gestão dos recursos naturais, vivos ou não vivos, das águas sobreja- centes ao leito do inar, do leito do mar, e seu subsolo, e no que se refere a outras atividades com vistas à exploração e ao aproveitamento da zona para fins económicos." E prosseguindo a lei sobre a definição de mar territorial, dispõe em seus arts. 8° a 10 o seguinte: "Art.8° — Na zona económica, o Brasil, no exercício de sua jurisdi- ção, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a constmção, operação e uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estmturas. Parágrafo linico — A investigação científica marinha na zona econó- mica exclusiva só poderá ser conduzida por outros Estados com o consentimento prévio do Governo brasileiro, nos termos da legislação em vigor que regula a matéria." Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO "Art. 9° — A realização por outros Estados, na zona económica exclusiva, de exercício ou manobras militares, em particular as que impliquem o uso de armas ou explosivos, somente poderá ocorrer com o consentimento do Governo brasileiro." "Art. 10 - É reconhecido a todos os Estados o gozo, na zona econó- mica exclusiva, das liberdades de navegação e sobrevoo, bem como de outros usos do mar intemacionalmente lícitos, relacionados com as referidas liberdades, tais como os ligados à operação de navios e aeronaves." Finalmente, cuida a referida lei da "platafonna continental", que "compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendam além do seu mar territorial em toda a extensão do prolongamento natural de seu território terrestre, até o bordo exterior da margem continental, ou até uma distância de duzentas milhas marítimas das linhas de base, a partir das quais se mede a largura do mar territorial, nos casos em que o bordo exterior da margem continental não atinja essa distância" (art. 11). E importante ainda salientar-se que a delimitação da plataforma continental, onde certamente se concentra a maior parte dos recur- sos exploráveis, quer do ponto de vista económico, quer científico, subordina-se aos critérios estabelecidos no art. 76 da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, celebrada em Montego Bay, em 10 de dezembro de 1982. Estabelecem ainda os arts. 12 e 13 o seguinte a respeito da questão: "Art. 12 - O Brasil exerce direitos de soberania sobre a plataforma continental, para efeitos de exploração e aproveitamento dos seus recursos naturais. Parágrafo único - Os recursos namrais a que se refere o caput são os recursos minerais e outros recursos não vivos do leito do mar e subsolo, bem como os organismos vivos pertencentes às espécies sedentárias, isto é, aquelas que, no período de captura, estão imóveis no leito do mar ou no seu subsolo, ou que só podem mover-se em constante contato físico com esse leito ou subsolo." "Art. 13 ~ Na platafonna continental, o Brasil, no exercício de sua jurisdição, tem o direito exclusivo de regulamentar a investigação científica marinha, a proteção e preservação do meio marinho, bem como a constmção, operação e o uso de todos os tipos de ilhas artificiais, instalações e estmturas." MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLÍTICA - José Geraldo Brito Filomeno O art. 14 dispõe ainda que "é reconhecido a todos os Estados o direito de colocar cabos e dutos na plataforma continental". Vê-se, em conclusão, que a questão do mar territorial no mundo moderno refere-se muito mais aos interesses económicos dos Estados ribeirinhos, do que propriamente à sua segurança contra possíveis agressões bélicas. E os países em desenvolvimento certamente devem assegurar sua soberania sobre tão importante parcela de seu território, com vistas ao atingimento de seus fins relativos ao bem comum. Apenas para flcannos com a exploração do petróleo entre nós, sabe-se que as maiores reservas desse produto estão exatamente na plataforma continental, tanto assim que o País desenvolveu tecnologia própria para sua prospecção em plataformas flutuantes em águas pro- fundas, notadamente na baía de Campos e litoral do Nordeste. Conforme noticiou o jornal O Estado de S. Paulo^ "o país que não cumprir as determinações da Convenção" (a realizada em Monte- go Bay, em 1982) "não terá direito de explorar o seu mar territorial quando o acordo entrar em vigor; isto significa que não poderá, por exemplo, protestar quando seu território for explorado por embarcações de outras nações signatárias do tratado; a vigência da Convenção está dependendo da ratificação por parte de cinco países; no Brasil, o tratado foi ratificado no Congresso e o Presidente Itamar Franco sancionou a lei que define os conceitos do mar territorial do Brasil". Acrescenta, entretanto, que "falta ainda o cadastramento oficial e científico da fauna marítima". E nesse sentido é que foi destinado o navio Riobaldo que, em abril de 1993, passou a percorrer a costa nordestina, e com prazo pre- visto de seis meses, para cadastrar a fauna que vive no mar territorial brasileiro. E, com efeito, consoante nos dá conta o almirante de esquadra Ro- berto de Guimarães Carvalho, comandante da Marinha do Brasil: "A convenção pennitiu, ainda, que os Estados costeiros apresentassem à Comissão de Limites da ONU os seus pleitos sobre o prolongamen- to da plataforma continental (PC) que excedesse as 200 milhas da sua ZEE (zona económica exclusiva), até um limite de 350 milhas, a partir da linha da costa. Nesse prolongamento, o Estado costeiro Edição de 10.04.93, p. 12, com ilustrações. Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO tem direito à exploração dos recursos do solo e subsolo inarinhos, mas não dos recursos vivos da camada líquida. Coroando um grande esforço nacional, com a participação da Marinha, da comunidade científica e da Petrobras, o Brasil apresentou, em setembro de 2004, a sua proposta de prolongamento da PC àquela comissão da ONU. Isso representará, caso o nosso pleito seja aceito, a incorporação de uma área de cerca de 900 mil km2 à jurisdição nacional. Em outras palavras, a nossa última fronteira está sendo traçada no mar."'' 9.3. ELEMENTOS FORMAIS: ORDENAMENTO JURÍDICO E GOVERNO SOBERANO 9.3.1. Ordenamento Jurídico Como já se pode verificar pela própria conceituação de Estado, é ele o senhor absoluto de sua ordem jurídica, à medida que, por intermédio dos seus órgãos competentes, cria, executa e aplica seu ordenamento jurídico, visando ao bem comum. E nesse mister é que podemos dizer que o Estado positiva, isto' é, revela ao corpo social as nornias que cria, dotando-as de sanção, cujo objetivo imediato é o seu efetivo cumprimento, na hipótese de violação, e mediato a manutenção da ordem para melhor consecução de seus fins. O poder para assim atuar perante o corpo social denomina-se so- berania, que por hora deve ser conceituada como forma suprema de poder de que se reveste a sociedade política. Ordenamento jurídico, porém, não deve ser confundido com uma só norma, como, por exemplo, a Constituição de um determinado Es- tado, mas, sim, o conjunto de nonnas por ele ditadas e de variedade complexa e abrangente. Por isso é que, ao tratar exatamente do ordenamento jurídico como a universalização das normas jurídicas positivas pelo Estado, Norberto Bobbio'" ensina que, "na realidade, as normas jurídicas nunca existem isoladamente, mas sempre em um contexto de normas com relações particulares entre si (e estas relações serão em grande parte objeto de ' "No Mar, a Nossa i j l t ima Fronteira", artigo publicado no jornal Folha de S. Paulo, edição de 12.04.2005. '" In Teoria do Ordenamento Jurídico. Editora UnB e Editora Polis, Brasília, 1991 - grifos nossos. MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLITICA - José Geraldo Brito Filomeno nossa análise); esse contexto de normas costuma ser chamado de 'or- denamento e será bom observarmos, desde já, que a palavra "direito", entre seus vários sentidos, tem também o de 'ordenamento jur ídico ' , por exemplo, nas expressões 'Direito romano', 'Direito canónico' , 'Direito italiano' ('Direitobrasileiro') etc." Observa-se, por conseguinte, que as normas estabelecidas pelo Estado visam à garantia da própria ordem social e são, pois, comportamentais por excelência, j á que determinam uma maneira de ser ou agir, ou então vedam outra maneira de ser ou agir. A reação à não conformidade com o que se quer, ou então à conformidade (por exemplo, nas normas de caráter penal, em que em verdade há a definição de uma conduta típica, não desejada, mas à qual o ser humano imputável pode conformar-se dando ensejo à pretensão de punir-se), chama-se sanção. Há outras normas, todavia, que não se referem propriamente a um comportamento desejado, mas, sim, à própria estruturação da sociedade política, normas essas que podemos chamar de normas constitutivas ou estruturais. Desta forma, pode-se definir ordenamento Jurídico como sendo o conjunto das normas constitutivas e comportamentais criadas pelo Estado, mediante processo adequado," e por meio de órgãos aos quais a Constituição confere poderes para tanto. Nesse ponto é que o ordenamento jurídico do Estado diferencia- -se do ordenamento jurídico de qualquer outro tipo de sociedade, uma vez que, como j á visto, qualquer sociedade apresenta como elemento formal um conjunto de normas que a estrutura e estabelece regras comportamentais. Só que, enquanto o ordenamento jurídico estatal é condicionante e abrangente, o das sociedades em geral é condicionado e restrito, tanto aos membros de dada sociedade, como à sua base física. Ou seja, inclusive os ordenamentos jurídicos (por exemplo, os estatutos ou contratos sociais constitutivos de dada sociedade e seus regimentos internos) ficam condicionados ao do Estado, que poderá estabelecer limites à sua própria constituição como pessoas jurídicas. Já dissemos linhas atrás ser o Direito Positivo aquele que é revelado, posto, pelo Estado, por intermédio de seus órgãos competentes. Vide arts. 59 a 69 da Constituição brasileira de 1988, sobre o processo legislativo. Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO na Direito objetivo, a seu turno, vem a ser o conjunto de todas as nomias constitutivas e comportamentais em geral, quer oriundas do Estado, quer das sociedades comuns ou contingentes. Outra noção que será certamente melhor analisada quando forem estudados pontos relativos à resistência aos atos do poder público (garantias individuais) ou em Direito Processual Civi l (a ação como a pretensão dirigida contra o Estado-juiz, para que venha a dizer do direito num caso concreto de nornia que se alega violada por um determinado interessado) é a relativa ao chamado Direito subjetivo. Rezava o art. 75 do Código Civil de 1916, didaticamente, por exem- plo, que "a todo direito corresponde uma ação, que o assegura". Embora o novo Código Civil não tenha um dispositivo correspondente, no Livro I I I ("Dos Fatos Jurídicos"), Título I ("Do Negócio Jurídico"), Capítulo I ("Disposições Gerais"), fica evidente que o chamado Direito Material ou Objetivo pertencente a alguém, caso venha a ser violado ou ameaçado por outrem, acarreta àquele o direito de fazê-lo valer junto ao órgão do Judiciário competente. Além disso, o art. 189 do Código Civil vigente, sob a rubrica de "Disposições Gerais" sobre a prescrição, estabelece, em outras palavras, mas com o mesmo sentido que: "violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206". Ora, pretensão essa que se traduz, positivamente, e dentro de determinado prazo, na realização do citado direito subjetivo, e materializada mediante a ação judicial. Ora, isto quer dizer que, em suma, se alguém é credor de outrem mediante a emissão de um título de crédito representativo do débito, supõe-se e assim o deseja a norma jurídica - que esse débito vá ser satisfeito na forma, lugar e valor convencionados. Supondo-se o contrá- rio, porém, isto é, que no vencimento não haja o pronto pagamento, tal situação faz nascer para o credor um direito de haver forçadamente o mesmo crédito, sobre o qual recai seu legítimo interesse de satisfação. Ora, é a esse Direito que se dá o nome de Direito subjetivo, ou seja, a faculdade que a lei confere a alguém para fazer valer um direito ou interesse de que é titular. Outra questão que merece ser analisada nesse aspecto é a concer- nente à variação do Direito Positivo no tempo e no espaço, ou seja, temática que se liga às fontes do Direito. Tais fontes podem ser subjetivas ou objetivas. Entende-se por fontes subjetivas os órgãos, entes ou comunidades de que promanam. Os órgãos da função legislativa do Estado, por 120 MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLÍTICA - José Geraldo Brito Filomeno exemplo, são as fontes subjetivas do Direito Positivo, mas também o serão as comunidades, no que tange ao Direito Costumeiro ou Con- suetudinário, ou então os próprios representantes da função executiva do Estado, como se terá ocasião de salientar mais adiante, por exceção (decretos-leis da Constituição brasileira de 1969, e as medidas provi- sórias da de 1988). Já ^or fontes objetivas do Direito entender-se-ão as diversas formas de manifestação das normas. Por exemplo, ainda, poderíamos dizer, então, que as leis são fontes objetivas mais comuns, eis que preceitos genéricos, atributivos, coercitivos e bilaterais, emanados dos órgãos a que a Constituição confere poderes para tanto. Os antigos decretos-leis e as citadas medidas provisórias, ao con- trário, denotam sua origem, executiva, embora também sejam, a rigor, preceitos genéricos, atributivos, coercitivos e bilaterais. Conforme bem salientado pelo prof. Salvetti Netto,'^ enquanto em Roma eram fontes objetivas de Direito os costumes, as constituições imperiais, leis, plebiscitos, éditos pretorianos, senatos-consultos, doutrina e jurisprudência, teríamos, como fontes subjetivas, as assembleias curiais e centuriais (a que tinham acesso apenas os detentores da cidadania romana - status civitatis ~ e pertencentes à aristocracia), as assembleias populares (constituídas pelos tribunos da plebe ou edis curuis), os pretores (juízes da época que estabeleciam as normas processuais por éditos, ao estabelecerem as condições das contendas judiciais entre as diversas partes), o Senado, os juristas e glosadores na interpretação das leis e os juízes. De acordo com o liberalismo contratualista, porém, a única fonte subjetiva válida é o povo, eis que manifesta sua volonté générale, em contraposição ao hermetismo da monarquia absolutista, pela qual o rei é totalmente desvinculado da lei (solutus legibus), mesmo porque é ele a fonte subjetiva da própria lei ("rex supra legem, quia regem faciat legem"). Modernamente, todavia, embora o idealismo de Rousseau tenha prevalecido no tocante ao estabelecimento da democracia como pro- cesso único e legítimo, para que se elabore as normas de convivência, isto se faz não pelo povo diretamente, mas por intermédio de seus legítimos representantes. A almejada "democracia direta", como se verá adiante, conforme idealizada ainda por Rousseau, seria impraticável, j á >2 In ob. cit., ps. 52-53. Cap. 9 - COMPONENTES DO ESTADO 121 que impossível a reunião de todos os integrantes de uma determinada comunidade para deliberar em praça pública sobre seus destinos. Em consequência disso, portanto, é que se pode dizer que as fontes subjetivas são aquelas definidas pela Constituição de um determinado Estado: Congresso Nacional, Assembleia Legislativa, Câmaras Muni - cipais, sem falar-se no poder regulamentador dos órgãos da função executiva do Estado. 9.3.2. Governo e Soberania Governo nada mais é do que o conjunto dos órgãos do Estado que colocam em prática as deliberações dos órgãos legislativos. Ou seja, é a facevisível do Estado, e expressão da sua própria sobe- rania, enquanto poder supremo existente nos limites de seu território. Pode-se ainda conceituá-lo como a organização necessária para o exercício do poder político do Estado. Já soberania é a forma suprema de poder: é o poder incontestável e incontrastável que o Estado tem de, dentro de seu território e sobre uina população, criar, executar e aplicar o seu ordenamento jurídico visando ao bem comum. Muito se discute, outrossim, a respeito das fontes ou titularidade desse poder. Para alguns, seria Deus a fonte última e suprema da soberania. Os legistas, ilustres juristas contratados pelos reis absolutistas, justificavam os amplos poderes desses na qualidade de representantes da divindade sobre a Terra e, por conseguinte, legitimados a exercitarem poderes sem limites. Para os contratualistas, resta evidente que o poder supremo do Estado somente poderia pertencer ao povo. Outros ainda, como Sièyes,'^ diziam que a nação, por refletir legitimamente os anseios da comuni- dade, é que seria a detentora da soberania. Já para Hans Kelsen,''' a ordem jurídica global é que seria a de- tentora da soberania. Parece-nos, todavia, que a teoria mais correia, e que leva em consideração os princípios da democracia representativa, seria a que dá Apud Salvetti Netto, in ob. cit., p. 56. Idem. HMjl MANUAL DE TEORIA GERAL DO ESTADO E CIÊNCIA POLfTICA - José Geraldo Brito Filomer)0 como fonte última da soberania o poder constituinte, j á que instituidor do Estado, e da ordem jurídica como um todo. É evidente, por outro lado, que tal somente é possível pela repre- sentatividade popular, mediante escolha dos representantes do povo. 9.4. ELEMENTO FINAL: O BEM COMUM Não se admite a existência do Estado sem um fím específico: o bem comum. Desde logo se pode constatar que a existência da sociedade polí- tica com território e população definidos, governo soberano e normas comportamentais não se justifica como um fim em si mesma, mas, sim, para que se alcance o bem-estar da mesma população. Por isso é que podemos conceituar bem comum como a realização global do ser humano, quer do ponto de vista biológico, quer do psí- quico, e à sua faixa mais carente, em especial, condições de superação de sua insuficiência e necessidades de cunho educacional, de saúde, saneamento básico, lazer etc). Em conclusão, portanto, podemos dizer que o Estado realiza o bem comum à medida que mantém a segurança interna e externa de uma população (forças, policiais e annadas, em última análise), constrói o Estado de direito (pela aplicação efetiva das normas jurídicas e respeito aos direitos e garantias individuais) e atende ao bem-estar de todos. i I
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