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TEXTO - hermeneutica e interpretacao juridica 2010 - TRABALHO PANZA

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RICARDO MAURfClO FREIRE SOARES 
De :Aor e me~tre em Direito pelo Universidade Federal da Bahio Pós-doutorodo pela Um\.e{~ilà 
I dudi di Rnmo Professor das c Jr!.QS de grodvoçõo e pOs-gfoduoção em Dllelta Ibpeciohzoçào/ 
. /CK toradol do Universidade Federol do Bohia. Prole$501 '" coord~nador do Núc~ de btudo 
"lmenlOlS da Faculdade Baiano de Direrla Pro/e;:.;or do r urs.v ju!>podivm e do Rede Telc;;resenclo! 
u Pre5ldente CJ CC "IS$(;; :a Esr~os Con~tj IOnol5:fo 0AB-BA. I\I\embro 1 Irlsti', te de 
Advogo1c» Bros _ln 5 e d In!JI'JIO df.".5 AdvO('od~ da BahlO 
E-ma11.nc.mourl:loOi~com b, 
HERMENÊUTICA 
E INTERPRETAÇÃO JURíDICA 
2010 
n,. Editor~ 
~ Saraiva 
011 S.7."lviII 
lua """'" __ , 270, C._ Ciso - \Õ> I\U> - SI 
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PIB! 1111 3613 300II 
S.I(JJt 0800 OSs 7688 
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IüTO (;lOSSO 00 SUI/lWO GlOSSO 
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110 OE J.UlElRolI:stI1/lO 5AICTlI 
RuuY!StDIIItde ...... 1ll.119-ViaIsaW 
Fane. (11) 2Sn.9494 - Fac (lI) 2511<&861 /2S11-95,65 
r.ocllJaalio 
110 GWDt: DO SUL 
Ir< k J.~. 231- FCllc,os 
fn/fol;. (51) 3311-4001 /3311-14" 13J}HS67 
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s.i.o PAULO 
~. ~ '2 - BcrID flRla 
fOI!!: nl13&1b-36U- S60 PolIa 
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IIBN 978~>{)2~867H 
Dados Int!rnocI0f101~ de Cotalogoção na Pubh<oçõo ((JPl 
(Camoro Blo~letfo da Imo, Sr, 810111) 
Soares, RlCordo Mauricio Frene 
HtlmenivlKa e ltl!erpre!oçãa p.!ridi(o / Ricardo Mallicia 
Freire Soores. - São Pauto SoroMl, 2010 
I. Oilllfo· F1lasoflo 2. Hermeniunco (Direito) L 
TItulo 
OHI8796 CO~340, 132.6 
Indices p/lla eotlÍlago SlstemlÍnco 
I. Helmeniuheo IUlldi<O Direito 
2. Jntelpletoçãa IUlídico . Direito 
340.132,6 
340,132,6 
0;,,1« ttIiIoriaI A.tItn! lJ.u di rolldo ffnlO 
DinllK dt pt. tdilaritJ ltU Robeno COOo 
AssisIIllIf ttIiIorioI Roma Simw Slvo 
" ..... _ ,.,A.\os a.... __ 
Arlt ,ciagrflt'llO!oo ÚlSIldlldiias 
R_de""" RíIIlder...,r!Moz. 
..... a.m.n 
ÀI1lQ1OO M/Iia cM (oMllha 
Strv4m lÔitariGis Ano PdJ Monoco 
EM (ri$hOO da Silvo 
r.p. 19, de.g, / f""" _ 
Data de fechamento da edição 5·1·2010 
Dúvldas1 
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Nenhuma ptlrle desla publl{a-;óo poder6 Sir relHodulido por quc~lltI mtill 
0\1 formo sem a IlIhlQ QUrOlila-;50 do ed,TOIO ~cnoiYG 
A vio~ilo dol di/tUos auloralS' mm. nlobt1e<!dG no LII n. 9.610/98 e 
jllJnido p.lo amgo 184 do C6c!ljJo Penal 
Bordada de cigarras toma o campo/ - QI/e dizes, Marco AI/rélio, dessas 
l'I'/I111sfil6scfas do si//lples?/Pobre é tel/ pellsa/llelltol/Corre a ágil a do rio mall-
\rllllt'lIte./ - Oh, Sócrates! Que vês na ágl/(j que corre para a amarga morte?/ 
C)lIe pobre e triste fé I / Despetalam-se as rosas sobre o lodo, / - Oh, doce João 
,I,' Dellsl/Qlle vês lIestas pétalas graciosas?/Peqllello é tell coração I 
(FEDERICO GARCIA LORCA) 
A parla da verdade estava aberta/Mas s6 deixava passar/Meia pessoa de 
t"da vez / Assiw não era possível atingir toda a verdade. /Porqlle a meia pessoa 
'/"r e/llral'a/56 trazia o pedil de lIIeia ,'erdade/E a seglltlda lIIelade/ Voltal'a 
I~IItII",etlte com '/leio peifillE os meios perfis ,liio coinddiam./Arrebelltal'am a 
I',/(ta, derrllbavalll a parla, /chegaralll ao IlIgar IlIIl/illoSO ollde a verdade esplell-
11"', sells fogos, /Era di"idida elll lIIetades diferelltes III/Ia da olltra, /Chegoll -se 
" disCIIlir qllal a //Ietade //lois bela, /Nellhllllla das dilas era totallllellte bela e 
(rtrceia optar. ICada 111/1 oprou c01iforme seu capricho, SI/a ill/são, SI/a miopia. 
(CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE) 
Creio tIO i\!ll/lIdo como ////111 malmequer, porque o vejo. Mas lião pellso nele, 
IIorqlle pemar é /Ião compreender. .. O M'llldo lIào se fez para pemal'/1/os nele 
(I'ellsllr é estar doellte dos olhos), mas para olharlllos para ele e eSlarlllOS de 
Il((1rdo ... Eu lião tenho filosofia: telllto sentidos ... Se falo tia Nawreza não é 
p<lrqflc saiba o que ela é, mas porq/fe a ali/O, e amo-a por isso, porqlle quem ama 
III1t1Ctt sabc o que ama, nem sabe porq/le ama, uem o que é amar ... Amar é a 
('ll'rI'" illocê"da, e a tÍtJica hlocência é nào pensar. .. 
(FERNANDO PESSOA) 
lmcrpretai com fresCllra e vi/mcidade -/se lião tirarl1los 0/1 libertarmos o 
wl/tido da {etra,/algo aí J/osficará oculto. 
(GOETHE) 
IJMÁRIO 
"ARTE' N oçÕES FUNDAMENTAIS DE HERMENÊUTICA E 
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO 
I. Hermenêutica e interpretação ................... .. .................................. 3 
2. Raízes ftlosóficas da hermenêutica Juódlca .................................... . 5 
3. A sUlguJandade da interpretação do dIreito ... .................... ............ 14 
"'.Interpretação do direito: uma atividade de compreensão .............. 16 
5. Interpretação do direito e a pohsserrua da linguagem humana ....... 19 
6. Tecnologia hermenêutica: da letra ao cspínto do direito ................ 26 
7. Do subjerivlsmo ao novo objetivismo jurídico ................... ........... 30 
PARTE II A PÓ5-MODERNIDADE JURíDICA E O PARADIGMA 
HERMENÊUTICO EMERGENTE 
I. Fundamentos do projeto da modernidade ... .......................... 37 
2. Os elementos da modernidade jurídica ........................................ 41 
3. O colapso da modernidade jurídica .............................................. 44 
4. Caracteres da cultura jurídica pós-moderna e seus reflexos 
hermenêuticos .............. .................................. ............................. 49 
5. Pós-positiVIsmo e a interpretação do direitO principiológico ........ 56 
6. A principiologia juriruca como norte hermenêutico ..................... 63 
7. A mterpretação Jurídica e o pensamento tópico ........................... 70 
8. A mterpretação do direico e a lógica do razoável ........................... 74 
9. A lIuerpretação jurídica e a nova retórica ...................................... 78 
10. Interpretação do direito e argumentação procedimental .............. 87 
XII HERMENêuTICA E INTERPRETAÇÃO JURíDICA 
PARTE III TÓPICOS ESPECIAIS DE HERMENÊUTICA E INTERPRETAÇÃO 
DO DIREITO 
I. Hermenêutica, inregração do direito e o problema das lacunas 
JurícLcas .................................................................................... 97 
2. HermCllêutlca e o problema das antmolmasJurídicas ................. tOO 
3. Interpretação do direito e as cláusulas gerais ............................... 105 
4. lmerpretação do direito e as máximas de experiência .................. 108 
5. Interpretação do direito e os conceitos jurídicos lIldeternunados. 111 
6. Interpretação do direito e o fenômeno da discricionariedade ...... I 16 
7. Interpretação do direito e o papel da jurisprudência ................... 121 
8. Interpretação do direito e precedentes judiciais: o va lor do
stare derisis .................... ........ ........................................... . 
..126 
9. Interpretação do direito e a aparente dicotomia segurança 
Jurídica x Justiça ....................................................................... 129 
lO. Neoconstitucionalislllo,jurisdição e a interpretação do direito ... 132 
II. O princípIo da dignidade da pessoa humana e a nova 
Interpretação juridica .................................................................. 137 
12. O princípio da proporcionalidade e a nova interpretação 
Jurídica ...................................................................................... 146 
13. Hermenêutica jurídica sem hermetismo: a necessidade da 
democratização da interpretação do direito ................................ 152 
PARTE IV JURISPRUDÊNCIA SElECIONADA: CATÁLOGO DE HARD CASES 
1. Justi fi cativa ............................... .............. ................................. 157 
2. Hermenêutica e interpretação do direito ................................... j 58 
3. A dimensão axiológica da interpretação jurídica................. 160 
4. Regras de hermenêutica ............................................................. 163 
5. Interpretação do direito e linguagem .......................................... 167 
6. Intérpretes do direito ................................................................ 169 
7 . Imerpretação restritiva x interpretação extensiva ......................... 172 
8. Interpretação literal .................................................................. 175 
9. Interpretação histórica .............................................................. 177 
10. Interpretação sistemática ................ .. 
. ................................ 179 
11 . Interpretação sociológica ........................................................... 181 
SUMÁRIO XIII 
12. Interpretação teleológica ............................................................ 184 
13. Interpretação do roreito e conceitos mdetermmados ................... 188 
14. Interpretação do direito e princlpiologia JurídIca ....................... t 91 
15. Interpretação do di re ito e o pnnciplo da dignIdade da 
h ······ 196 pessoa ulnana ................................................................ .. 
16. Interpretação do direito e o pnnciplo da proporCIonalidade ........ 202 
17 . Interpretação do direito e a ponderação de valores ...................... 209 
REFERÊNCIAS .......• .••. .. ........ ..... ............ ... ...................... . . 213 
CAPiTULO UM 
HERMENÊUTICA E INTE RPR ETAÇÃO 
As ORIGENS DA PALAVRA HERMENÊUTICA RESIDEM NO verbo grego hermeneueill , usuaiJnente tradu-
zido por interpretar, bem cOlno no substantivo hennelleia, a designar 
interpretação. Uma investigação etimológica destas duas palavras e das 
orientações significativas básicas que elas veiculavanl no seu antigo uso 
esc1arece consideravehnente a natureza da interpretação enl teolog ia , 
literatura e direito, servindo no atual contexto de introdução válida 
para a c0111preensão da henllenêuoca moderna. 
Destaca que a palavra grega Izermeios referia-se ao sacerdote do orá-
culo de Delfos. O verbo Iz ermeneueil/ e o substantivo Izem/el/eia remetem 
à mitologia antiga, evidenciando os caracteres conferidos ao Deus-ala-
do Hermes. Esta figura mítica era, na visão da antiguidade ocidental, 
responsável pela mediação entre os Deuses e os homens. Hermes, a 
quem se atribui a descoberta da escrita, atuava C0l110 um mensageiro, 
unindo a esfera divino-transcendental e a civilização humana. 
Hermes traz a mensagem do destino. Hermeneuein é esse descobrir 
de qualquer coisa que traz a mensagem, na medida em que o que se 
Inostra pode tornar-se mensagem. Assim , levada à sua raiz grega 111aiS 
antiga, a origem das acuais palavras, hermenêutica e hermenêutico, su-
gere o processo de tornar compreensíveis, especialmente enquanto tal 
processo envolve a linguagem. 
A etimologia registra ainda que a palavra interpretação provém do 
termo latino interpretare (inter-penetrare) , significando penetrar mais para 
4 HERMENtUTlCA E INTERPRETAÇÃO JURiDICA 
dentro. (sto se deve à prática religiosa de feiticeiros e arlivinhos, os quais 
introduziatl1 suas J11ãos nas entranhas de anllnais monos, a fml de conhe-
cer o destino das pessoas e obter respostas para os problemas humanos. 
Dccerto, mo há como negar a compatibilid1de da referida metáfora de 
Hermes quando constatamos o objeto mesmo das especulações susciL1d1S 
pela hermenêutica: a interpretação. É que o intérprete, nos variegados planos 
da apreensão cognitiva, atua verdadeirunente como llin intermediário na 
relação estabelecida entre o autor de uma obra e a comunidade humana. 
A hermenêutica é, seguramente, um tema essencial para o conhe-
cimento. Tudo o que é apreenrlido e representado pelo sujeito cog-
nascente depende de práticas interpretativas. Como o 111undo vem à 
consciência pela palavra, e a linguagem é já a primeira interpretação, a 
hermenêutica torna-se inseparável da própria vida hUlnana. 
Historicamente, a hermenêutica penetrou, de forma gradativa, no do-
núnio das ciências htunanas e da fdosofia, adquirindo, com o advento da 
modernidade, r1iversos significados. Neste sentido, Palmer ( 1999, p.43-
44) assinala que o campo da hermenêutica tem sido interpretado (numa 
ordcm cronológica pouco rigorosa) como: 1) uma teoria da exegese bí-
blica; 2) uma metodologia filológica geral; 3) uma ciência de toda a com-
preensão lingu.ística; 4) uma base metodológica da geistesl/lissmsduiftet1; 5) 
uma fenomenologia da exístência e da compreensão existencial; 6) sis-
temas de interpretação, sunuhanealnente recolectivos e inconoclásticos, 
utilizados pelo homem para alcançar o significado subjacente aos mitos 
e símbolos. Cada defmição representa essencialmente um ponto de vista 
a parti.r do qual a hermenêutica é encarada; cada uma esclarece aspectos 
diferentes mas iguahnente legítimos do acto da interpretação, especial-
mente da interpretação de textos. O próprio conteúdo da hermenêutica 
tende a ser remodelado com estas mudanças de perspectiva. 
Buscando tuna síntese das definições expostas, o vocábulo, herme-
nêutica, será utilizado, no presente trabalho, para designar um saber 
que procura problematizar os pressupostos, a natureza, a metodologia 
e o escopo da interpretação humana, nos planos artístico, literário e 
jurírlico. Por sua vez, a prática interpretativa .inrlicará uma espécie de 
c0J11preensão dos fenômenos culturais, que se lnanifestam através da 
merliação comunicativa estabelecida entre uma dada obra - como, por 
exemplo, o sistema jurídjco - e a comunidade hmnana. 
CAPiTULO DOIS 
RAíZES FILOSÓFICAS DA 
HERMENÊUTICA JURíDICA 
A INVESTlGACÃO DOS FUNDAMENTOS FilOSÓFICOS da hennenêutica se justifica, especialtnente no 
campo jurídico. Isto porque o horizonte tradicional da hermenêuti-
ca técnica se revela insuficiente para o desiderato da interpretação do 
direito. Enquanto instrumental para a exegese de textos, o saber her-
menêutico é reduzido, nesta perspectiva, a um caleidoscópio intricado 
de ferramentas teóricas, com vistas à descoberta de uma verdade pré-
-existente. 
Ao revés, torna-se ser necessário um novo trata.mento paradigmáti-
co, porque, mais amplo, capaz de radicar em novas bases a interpretação 
Jurírlica. Trata-se da hermenêutica ftlosófica, uma proposta de reunir os 
problemas gerais da compreensão no tratamento das práticas interpre-
tatIvas do direito. 
Neste sentido, afigura-se oportuna a lição de Arruda Júnior e Gon-
çalves (2002, p. 233), ao sustentar que, no ambiente jurírlico, a her-
menêutica técnica mais tem servido de abrigo metodológico para os 
'1ue creem (ou para os que preferem fazer crer que creem) ser a in-
terpretação wna atividade neutra e científica, na qual outros universos 
,k sentido,
como o dos valores, dos interesses e da subjetividade, não 
~xcrcelTI ingerência alguma. Discurir a hermenêutica ftlosófica, como 
um novo pararligma cognitivo para saber, e a práticajurírlica envolvem 
6 HERMENtUTICA E INTERPRETAÇÃO JURíDICA 
a reformulação preliminar daquele terntono metodológico, no qual 
são radicalmente delimitadas as possibilidades de percepção e funciona-
lTlento do direito. A concepção herlllenêutica sugere fafllIas alternati-
vas, menos cientificistas e mais historicizadas, para as gerações vindouras 
apreenderenl o direito COI110 UlU, entre os diversos outros componentes 
do fenônleno nonnativo-comportamental nuis geral. 
Sendo assim, dando vazão a esta hermenêutica filosófica , CU111pre 
111apear as referências teóricas 111ais iIllportantes para o delineanlento 
do saber hermenêutico, especialmente, a partir da idade moderna. 
Com efeito, após o surgimento das antigas escolas de hermenêuti-
ca bíblica, em Alexandria e Antioquia, passando, durante a idade mé-
dia pelas interpretações Agostiniana e Tomista das sagradas escrituras, 
a hermenêutica desembarca na modernidade como uma disciplina de 
natureza ftlológica. Nos albores do mundo moderno, a hermenêutica 
volta-se para a sisten13tização de técnicas de leitura, as quais serviriall1 
à compreensão de obras clássicas e religiosas. As operações íilológicas 
de interpretação desenvolvem-se em face de regras rigorosamente de-
terminadas: explicações lexicais, retiftcações gramaticais e critica dos 
erros dos copistas. O horizonte hermenêutico é o da restituição de 
um texto, mais fundamentalmente de um sentido, considerado como 
perdido ou obscurecido. Numa tal perspectiva, o sentido é menos para 
construir do que para reencontrar, con10 mlla verdade que o tenlpo 
teria encoberto. 
A hermenêutica penetra, então, no campo dos saberes huma-
nos. No irúcio do século X IX, com o teólogo protestante Friedrich 
Schleiermacher, assiste-se a uma generalização do uso da hermenêu-
tica. Schleiermacher é considerado o pai da moderna hermenêutica, de 
tal nlodo que as teorias hennenêuticas lnais linportantes na Alelnanha 
do sécul o XIX trazeIn as suas n1arcas. 
Ao afIrmar, em célebre conferência proferida em 1819, que a her-
lnenêutica cOJno arte da cOlnpreensâo não existe como Ulna área ge-
raI, mas apenas como uma pluralidade de hermenêuticas especializadas, 
Schleiermacher justiftcou o seu objetivo fundamental de construir uma 
hermenêutica geral como arte da compreensão, que pudesse servir de 
base e de centro a toda a hermenêutica especial . 
RAíZES Fllos6FICAS )A HERMEN~UTICAJURíDICA 7 
Em Schleiermacher (1999, p. 5), a hermenêutica está relaciona-
da COln o ser humano concreto, existente e atuante no processo de 
compreensão do diálogo. A hermenêutica transforma-se verdadeira-
mente nU1l1a arte da cOlnpreensão. Elnbora conservando os seus laços 
privilegiados com os estudos bíblicos e clássicos, a hermenêutica passa 
a abarcar todos os setores da expressão humana. A atenção está cada 
vez mais orientada não apenas para o texto, mas, sobretudo, para o seu 
autor. A leitura de um texto implica, assim, em dialogar com um autor 
e esforçar-se por reencontrar a sua intenção originária. 
Para tanto, como se depreende dos escritos de Schleiermacher, seria 
necessário abandonar a literalidade da interpretação gramatical em prol 
do que ele denominou de interpretação psicológica. Caberia, assim, 
ao intérprete mapear as circunstâncias concretas que influenciaraJll a 
elaboração do texto, recriando a mente do autor de acordo com os 
influxos sociais que marcaram sua existência. 
Segundo o autor, psicologizar refere-se ao esforço de ir para além 
da expressão linguística, procurando as intenções e os processos lnentais 
do seu autor. Considera, pois, o problema interpretativo como insepa-
rável da arte da compreensão, naquele que ouve. Só esta argumentação 
aj udaria a ultrapassar a ilusão de que o texto tem um signiftcado inde-
pendente e real, separável do evento que é compreendê-lo. 
Com O advento Schleiermacher, a hermenêutica deixa de ser vista 
como um tema disciplinar específtco do âmbito da teologia, da literatu-
ra ou do direito, passando a ser concebida como a arte de compreender 
lllna expressão linguística. A estrutura da frase e o contexto significati-
vo sâo os seus guias, constituindo os sistelnas de interpretação de uma 
hermenêutica geral. Schleiermacher ultrapassou, assim, decisivamente 
a visão da hernlenêutica con10 um conjunto de métodos acmnulados 
por tentativas e erros, sustentando a legitimidade de uma arte geral da 
compreensão anterior a qualquer arte especial de interpretação. 
É, entretanto, com a obra do ftlósofo Wilhelm Dilthey, que a herme-
nêutica adquire o estatuto de um modo de conhecimento da vida hwna-
na, especiahllente apto para apreender a cultura, irredutível eln si meSl1la 
aos fenômenos naturais. Depois da morte de Schleiennacher em 1834, 
o projeto de desenvolver uma hermenêutica geral esmoreceu, perto do 
• HERMEN~UTlCA E INTERPRETAÇAO JURIDICA 
fmal do século XlX, quando o fIlósofo e historiador literário Wilhelm 
Dilthey começou a vislumbrar na hermenêutica o fundamento para as 
Geistestvimsemchafien.A eX"}Jeriência concreta, histórica e viva passa a ser o 
ponto de partida e o ponto de chegada do conhecimento humano. 
Conforme elucida Palmer (1999, p. 127), Dilthey propõe o des-
mantelamento do eu transcendental dos idealistas alemães, valorizando 
a experiência humana no processo hermenêutico. Situa, pois, a tarefa 
interpretativa no plano histórico, propondo a explicação e a compreen-
são, respectivamente, como modos de cognição da natureza e da reali-
dade socioculturaJ. O projeto de formular uma metodologia adequada 
às ciências que se centram na cOlnpreensão das expressões hUl1lanas 
- sociais e artísticas - é primeiramente encarado por Dilthey no 
contexto de uma necessidade de abandonar a perspectiva reducionista 
e Inecanicista das ciências naturais, e de encontrar unla abordageJTI ade-
quada à plenitude dos fenômenos. 
Segundo ele, os novos modelos de interpretação dos fenômenos 
humanos tinham que derivar das características da própria experiência 
vivida, baseando-se nas categorias de sentido e não nas categorias de 
poder, nas categorias de história e não das matemáticas. A diferença 
entre os estudos humanísticos e as ciências naturais não está necessaria-
mente nem num tipo de obJeto diferente que os estudos humanísticos 
possa ter, nem nwn tipo diferente de percepção; a diferença essencial 
está no contexto dentro do qual o objeto é compreendido. 
Dilthey acreditava que compreensão era a palavra-chave para os 
estudos hlllllanÍsticos. A compreensão não é Ulll 111CrO ato de pensa-
mento, mas uma transposiçào e unla nova experiência do mundo tal 
C01110 o captamos na experiência vivida . Nào é un1 ato de cOll1paração 
consciente e reflexivo, é antes a operação de U111 pensar silencioso que 
efetua a transposição pré-reflexiva de Wl1a pessoa para outra. A com-
preensão tenl valor elTI si I11eSma, para alénl de quaisquer considerações 
práticas. Os estudos humanísticos se debruçam amorosamente sobre 
o particuJar. As explicações científicas raramente são valorizadas em si 
IneSlnas, n1a5, sitn, devido a qualquer outra coisa. 
As consequências hermenêuticas da historicidade são evidentes em 
toda a obra de Dilthey. Na teoria hermenêutica, o homem é visto na 
RAIZES FILOSÓFICAS DA HERMEN EuTICA JURIDICA 9 
sua dependência relanvrunente a un1a interpretação constante do pas-
sado, que se compreende a si próprio, em termos de interpretação de 
uma herança e de um mundo partilhados, que o passado lhes transm.ite, 
Ul1l3 herança constantemente presente e ativante enl todas as suas ações 
e decisões. A 1110derna hernlenêutlca encontra a sua fundamentação 
teórica na historicidade. 
Nesse sentido, o texto, enquanto objeto
hermenêutico, figura como 
a própria realidade humana no seu desenvolvimento h.istórico. A prá-
ti ca interpretativa deve restituir, por assim dizer, a intenção que guiou 
o agente no momento da tomada de decisão, permitindo alcançar o 
signifIcado da conduta humana. A riqueza da experiência humana pos-
sibilita ao henneneuta internalizar, por uma espécie de transposição, 
uma experiência análoga exterior e, portanto, cOlnpreendê-la. 
O contributo de Dilthey foi alargar o horizonte da hermenêutica, 
colocando-o no contexto da interpretação dos estudos humanísticos. 
Concebeu, assin1, uma interpretação centrada na expressão da experi-
ência vivida. Isto satisfez dois objetivos básicos em Dilthey: primeira-
mente focar o problema da interpretação num objeto e0l11 um estatuto 
fI xo, duradouro e objetivo; segundo, o objeto apelava claramente para 
modos históricos de compreensão, mais do que para 1110dos cientificos, 
só podendo cOJnpreender-se por uma referência à própria vida, em 
toda a sua historicidade e temporalidade. 
Nos a1bores do século XX, fIrma-se uma hermenêutica radicada 
n3 existência. Merece registro a contribuição existencialista de Martin 
Heidegger. 
Deveras, Heidegger (1997, p. lI) opera duas rupturas em relação à 
l"Onccpção preconizada por Dilthey. A hermenêutica não é inserida no 
quadro gnosiológico, como um problema de metodologia das ciên-
lias humanas. Não se trata, como em Dilthey, de opor o ato de com-
preensão, próprio das ciências hun1anas, ao caminho da explicação, via 
IlIetodológica das ciências naturais. A compreensão passa a ser visuali-
zada não COtno um ato cognitivo de un1 sujeito dissociado do mundo, 
l11a~ , isto sim, con10 11111 prolongamento essencial da existência humana. 
Compreender é um 1110do de estar, antes de configurar-se CQlno ll1n 
método cienófico. 
10 HERMENEUTlCA E INTERPRETAÇÃO JURiDICA 
Por isso meStll0, o ser não somente não pode ser definido, C0l110 
também nunca se deixa deterrninar em seu sentido por o utra coisa, 
nem como o utra coisa. O ser é algo derradeiro e último que subsiste 
por seu sentido, é algo autônomo e independente que se dá em seu 
sentido. O ser nào se deixa apreender ou determinar nem por via di-
reta neOl por desvios, nem por outra coisa, nem como o utra coisa. Ao 
contrário, exige e i1l1pÕe que nos contentemos CDIU o reJupo de se u 
sentido e nos relacionamentos com todas as realizações a partir de seu 
nada, isto é, a partir de seu retrainlento e de sua ausência. 
Com efeito, pensar é o modo de ser do homem, no sentido da dinâ-
mi ca de articulação de sua existência. Pensado, o homem é ele mesmo, 
sendo outto. Pensar o sentido do ser é escutar as realizações, deixando-
-se dizer para si mesmo o que é digno de ser pensado como o outro. 
O pensamento do ser no tempo das realizações é inseparável das falas e 
das línguas da linguagem. 
Com Heidegger, a indagação hermenêutica considera menos a re-
lação do intérprete com o outro do que a relação que o hermeneuta 
estabelece com a sua própria situação no 111lll1do. O horizonte da com-
preensão é a apreensão e o esclarecimento de uma dimensão primordial, 
que precede a distinção sujeito/objeto: a do ser-no-mundo. O homem 
só se realiza na presença. É esta presença que joga originarialnente nos-
so ser no mundo. Mas ser-no-nlundo não quer dizer que o h0l11em se 
acha no Oleio da natureza, ao lado de árvores, aninlais, coisas e outros 
homens. Ser-no-mundo nào é nell1 um fato, nem unIa necessidade no 
nível dos fatos. Ser-no-mundo é uma estrutura de realização. Por sua 
clinânuca, o homern está sempre superando os limites entre o interior 
e o mundo exterior. 
Sendo assim, na visão de Heidegger, o enfoque de toda a Filosofia 
reside no ser-aí, vale dizer, no ser-no-mundo, ao contrário dos julga-
mentos deflllitivos acerca das coisas-no-ser ou coisas-lá-fora. A pedra 
angular de seu rnonunlento teórico é o conceito de Dasein, o u seja, 
a realidade que tem a ver com a natureza do próprio ser. Heidegger 
rOlnpe, assim, o dualismo suje ito-obj eto em favor de um fenônleno 
unitário capaz de contemplar o eu e o mundo, conciliando as diver-
sas dimensões da temporalidade humana - passado (sido), presente 
RAIZES Fllos6FICAS DA HERMENWTICAJURiDICA 11 
(sendo) e futuro (será) - como momentos que integram a própna 
l'xperiência hernlenêutica. 
Posteriormente, emerge um novo pararugtlla hermenêutico, que 
('onforma a atividade interpretativa como situação humana. Desponta 
,\ obra de Hans Georg Gadamer, para quem a interpretação, antes de ser 
um método, é a expressão de uma situação do homen1. 
Para Gadamer (1997, p. 10), o henneneuta, ao interpretar uma obra, 
está já situado no horizonte aberto pela obra, o que ele denomina 
drculo hermenêutico. A interpretação é, sobretudo, a elucidação da 
relação que o intérprete estabelece com a tradição de que provém, pois, 
na exegese de textos literários, O sigruficado não aguarda ser desven-
Jado pelo intérprete, mas é produzido no diálogo estabelecido entre o 
hermeneuta e a obra. 
Ao procurarmos compreender um fenômeno histórico a partir da dis-
tância histórica que determina nossa situação hermenêutica como lUTI 
todo, encontra-mo-nos sempre sob os efeitos de uma história efeitual. A 
ilwninação dessa sinlação não pode ser plenamente realizada em (,ce da 
essência nleSlna do ser histórico que son10S. Logo, devemos tentar nos co-
locar no lugar do outto para poder entendê-lo. Da mesma forma devemos 
tentar nos deslocar para a situação do passado para ter assim seu horizonte 
histórico. O ato de compreender é sempre a filSão de horizontes. 
Sendo assim, compreender o que alguém diz é pôr-se de acordo 
sobre a coisa. Compreender não é deslocar-se para dentro do outro, 
reproduzindo suas vivências. A COlllprecnsão encerra sempre um mo-
mento de aplicação e todo esse processo é um processo linguistico. A 
verdadeira problemática da compreensão pertence tradicionalmente ao 
âmbito da gratllática e da retórica. A linguagenl é o nleio enl que se re-
aliza o acordo dos interlocutores e o entenditnento sobre a coisa, sendo 
a conversação um processo pelo qual se procura chegar a um acordo. 
Pode-se falar nUlua conversação hermenêutica, pois o texto traz UJ11 
tema à f.1la, mas queln o consegue é, em últüna análise, o desempenho 
do intérprete. O horizonte do intérprete é detenninante para a C0I11-
preensão do texto. A fusão de horizontes pode ser compreendida como 
a forma de realização da conversação. A linguisticidade da compreensão 
é a realização da consciência lustórica. 
12 HERMENtUTICA E INTERPRETAÇÃO JURiDlCA 
Na tradição escrita, a linguisticidade adquire seu pleno significado 
hernlenêutico. Nela se dá uma coexistência de passado e presente única 
em seu gênero, pois a consciência presente tem a possibilidade de um 
acesso livre a tudo quanto fora transm..itido por escrito. A consciência 
que compreende pode deslocar e ampliar seu horizonte, enriquecendo 
seu próprio mundo com toda uma nova dimensão de profundidade. 
Sendo assim, o significado emerge à medida que o texto e o intér-
prete envolvem-se na dialética de um permanente diálogo, norteado 
pela compreensão prévia que o SlUeito cognoscente já possui do objeto 
- a chamada pré-cOJllpreensão. É esta interação hermenêutica que 
permite ao intérprete mergulhar na linguisticidade do objeto herme-
nêutico, aproveitando-se da abertura hermenêutica de uma dada obra. 
Como síntese desta evol ução de ideias , desenvolve-se a fUlldalnenta-
ção hermenêutica de Paul R..icoeur. O notável pensador ado!:,1 LIma po-
sição conciliadora em face da di cotomia diltheyana entre compreensão 
e explicação. 
Com efeito, R..icoeur (1989, p. 8) torna a referida dicotomia com-
plementar através da consideração do fenômeno hWllano con10 in-
termédio simultaneanlente estruturante (o intencional e o possível) e 
estruturado (o involuntário e
o explicável), articulando a pertença on-
tológica e a distanciação metodológica. 
A autonomização da hermenêutica diante da fenomenologia 
H usserliana é um dos seus temas fulcrais. Abandonando o primado d1 
subj etividade e o idealismo de Husserl , assLUnindo a pertença participati-
va como pré-condição de todo esforço interpretativo (Heidegger e Ga-
danlcrL Ricoeur desenvolve suas concepções teóricas, SCJn esquecer os 
precursores da teoria geral da interpretação (Schleiermacher e Dilthey). 
Procura-se, assun, consolidar um nlodelo diaJético que enlace a ver-
dade C0l110 desvelamento (ontologia da compreensão) e a exigência 
crítica representada pelos métodos rigorosos das ciências humanas (ne-
cessidade de LUTIa explicação). Deste modo, o escopo da interpretação 
será reconstruir o duplo trabalho do texto através do círculo ou arco 
hennenêutico: no âlnbito da dinâmica interna que preside à estrutu-
ração da obra (sentido) e no plano do poder que tem esta obra para se 
projetar fora de si mesma, gerando um mundo (a referência). 
RAIZES FILOSÓFICAS DA HERMENtUTICA JURIDICA 13 
Com a interpretação de um texto, segundo Ricoeur, abre-se unl 
mundo, ou melhor, novas dimensões do nossa ser-na-mundo, por-
quanto a linguagem mais do que descrever a realidade, revela um novO 
horizonte para a experiência hUlnana. 
De acordo com Ricoeur, porque a hermenêutica tem a ver com 
textos simbólicos de múltiplos significados, os discursos textuais podem 
configurar uma unicL'lde semântica que tenl - como os mitos - um 
sentido mais profimdo. A hermenêutica seria o sistema pelo qual o 
significado se revelaria, para além do conteúdo manifesto. O desafio 
hermenêutico seria tell1atizar reflexivrunente a realidade que está por 
detrás da linguagem humana. 
Deste modo, é possível aftrlnar que cada uma destas definições reRe-
te Inais do que unl estágio histórico do saber hennenêuti co, indicando 
abordagens relevantes para o problema da interpretação. Ideias como 
a recusa à literalidade textual , a historicidade, a abertura aos valores, a 
dialogicidade e o horizonte linguistico estão umbilicalmente ligadas à 
hermenêutica jurídica e ao exercício da interpretação do dIreIto. 
CAPiTULO TRls 
A SINGUlARIDADE DA INTERPRETAÇÃO DO DIREITO 
N o CAMPO DA HERMENÊUTICA JURíDICA, UMA DAS 
. tarefas Jnais iJnportantes a ser desenvolvida 
conSiste na delimitação dos caracteres da interpretação do direito, de 
modo a apurar seus aspectos singulares. 
. Ilustrativa é a contribuiçào de Enulio Betti, para quem o processo 
lnterpre~a~ivo ~ U1na tríade: o espírito vivente e pensante do intérprete, 
uma espmtuall,dade que se encontra objetivada em uma forma repre-
sentatlva e a propna forma representativa. A interpretação é um recons-
truir u~n espírito que, através da forma de representação, fala ao espírito 
d~ L~terprete. C01110 fenômeno inverso do processo criativo. A herme-
neutJca vem a constituir lima teoria geral das ciências do espírito, que 
corresponde COm aquela Outra teoria da ciência que UllU consciente 
rellexãognosiológica. Uma espécie de superciência da interpretação. 
. Emilio Bettl (1956, p. H) L1Z uma relevante distinção entre dois 
tJp~S de IIlterpretação: a histórica e a jurídica. Para ele, a prinleira trata 
de lfltegrar coere~1[emente a forma representativa com O pensanlento 
que expr:ssa. Na ll1terpretação jurídica, dá-se 1lI11 passo à fiente, pois a 
non~a nao se esgota el11 slla primeira formulação, tem vigor atllal em 
r~laçao com o ordena_mento de que fonna parte integrante e está des-
tllnda a pernlanecer e a transfonnar a vida social. 
. Com efeito, o jurista deve considerar o ordenamento jurídico dina-
n1JCanlent~, COI110 uma viva e operante concatenação produtiva, como 
Ulll organismo enl perene movllllento que, imerso no mundo atual, é 
A SINGUlARI DADE DA INTERPRETAÇAO DO DIREITO 15 
capaz de autollltegrar-se, segundo unl desenho atuaI de coerência, de 
.Icordo com as l11utáveis circunstâncias da sociedade. 
A interpretaçào não deve limitar-se em um reconhecÍlnento nlera-
mente contemplativo do sigtuficado próprio da norma considerada em 
"Ia abstração e generalidade. A tareL1 de interpretar que afeta ao jurista 
não se esgota com O voltar a conhecer UJna l1unifestação do pensamen-
to, l11as busca tall1bém integrar a realidade social el11 relação COl11 a or-
dem e a conlposição preventiva dos conflitos de interesses previsíveis. 
Sendo assim, a interpretação jurídica, como toda interpretação, con-
télll um nl0111ento cognoscitivo e Ullla função normativa, consistente 
cm obter Ináxilnas de decisão e ação prática, visto que a interpretação 
mantém a vida da lei e das outras fontes do direito. 
Segundo Betti (1956, p. 51), existiriam três funções no processo 
Interpretativo. Ulna primeira, a qual denOlninou histórica - com fun-
ção meratllente cognoscitiva,já que apenas supervisiona o pensamento 
pertencente ao passado (interpretação ftlológica e histórica) -; lima 
segunda, a nonnativa - visa extrair Ináximas orientadoras para 11I1la 
decisão U"rídica, teológica, psicorípica) - e a reprodutiva ou repre-
sentativa, que procura substituir uma forma representativa equivalente, 
como ocorre na tradução Oll dicção de outra língtIa (interpretação 
dratnática e musical). 
Nesse contexto, a interpretação jurídica se põe em relação, de um 
lado, com a interpretação do jurista com finalidade teórica, lustórica 
Oll comparativa - pela qual entra em uma das figuras de interpretação 
meraInente recognoscitiva -, e de outro, a interpretação com fmaIida-
de prática em função normativa da conduta que se espera frente a UIll 
Direito elll vigor, em vista a sua aplicação. 
Decerto, constitui-se uma ilusào acreditar qlle a disciplina codifica-
da não apresenta lacunas e que seja Direito vivo e vigente tlldo o que 
está escrito no Código, sendo taJllbétll um grave erro crer que é pos-
sível imobilizar o Direito e paralisar seu dinanusmo com o fonnalisl11o 
na aplicação abstrata da lei . 
Sendo assi111, a lllterpretação que interessa ao direitO é unla atividade 
dIrigida a reconhecer e a reconstruir o significado que há de atribuir a 
fanna representativa do jurídico, C0l11 base numa estrutura de valorações. 
CAPiTULO QUATRO 
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO: 
UMA ATIVIDADE DE COMPREENSÃO 
fissionais do 
jurídica. 
O MUNDO JURíDICO PODE SER VISLUMBRADO COMO uma grande rede de interpretações . Os pro-
direito estão, a todo tllOl11ento, in terpretando a o rdeIll 
Como sustenta Wróblewski (1988, p. 17), " Ia interpretación legal 
juega un papel central en cualquier discurso jurídico. En el discurso 
jurídico-práti co se rela ciona con la determinación dei signifi cado de 
los textos legales y a menudo inRuye en la calificación de los hechos 
a los que se aplican las regras legales. En el discurso teórico-jurídico, 
en el n.ivel de la dogmática jurídica, la Ilam ada interpretación doctrinal 
se utiliza con frec uencia para sistematizar el derecho en vigor y para 
construir conceptos j urídicos. Las regras legales se interpretan también 
en la actividad legislativa cuando el legislador tiene qu e determinar el 
sign.ificado de un texto legal ya existente y cuando considera las posi-
bles interpretaciones que. en situ 3ciones fu turas, puedan tener las regras 
que él va a promulgar" . 
Diante da profusão de sentidos da ordem jurídica, reRexo de uma 
dada cultura humana, a interpretação do direito opera uma verdadeira 
compreensão, desenvolvendo-se 11llll1a dunensào axiológica. 
COIU efeito, a pró pria evolução do saber hermenêutico vem tor-
nando patente a diversidade dos estil os de conhecimento dos objetos 
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO UMA ATlVIDADE DE COMPREENSÃO 17 
1l.lll1r.lis e culturais. Compreensão e expli cação são os tTIodos cognitivos 
,) '" obJetos reais. N o tocante aos objetos culturais, compreende-se, 
1111111 conhecunento mais íntimo,
porque é possível ter a vivência de 
II"v ivê- los. Compreender lilll fenômeno, por sua vez, significa envolvê-lo 
11.1 totalidade de seus fins, em suas conexões de sentido . Ao contrário, 
11'\ objctos naturais, por não consubstanciareln wn sentido hmnano, 
Illt llente pennitem a explicação, o que se obténl referindo tais fenô-
" ,,' nos a uma causa. Expli car seria descobrir na realidade aquilo que na 
tt'.l ltdade mesl1u se contéln, sendo que. nas ciências naturais, a explica-
\ ,lO pode ser vista, generi canlente, como obj etiva, neutra e refratária ao 
lI .undo dos valores. 
Disso resulta qu e, quando explicamos algo, descrevemos ontologica-
Illente o objeto de análise, ao passo que, na atividade de compreender, 
to rna-se imprescindível a existência de uma contribuição positiva do 
SUJe ito, o qu al realizará as conexões necessárias, executando tuna tarefa 
crninentcmente valorativa e finalística. 
As ordens sociais, incl usive a jurídica , são objetos da cultura huma-
na, constituindo rea lidades significativas que devem ser corretaJnente 
,"terpretadas. 
Neste sentido, leciona Saldanha (1 988, p. 244) que, constituindo 
uma estrutura onde entram valores (ou valorações), toda ordem por-
t~ significações. Se por um lado, a ordem existe na medida em que 
é cumprida ou seguida, é evidente que seu cumprÍlllento cOltlrrn13 
suas signifi cações. Toda atividade interpretativa tem de visar, na ordenl, 
.• quilo que é compreensível, isto é, inteligível em sentido concreto. As 
Signifi cações se comprovam ao serenl confirmadas no plano concreto. 
))estarte, pode- se dizer que um sistema (econômico, politico, jurídico) 
constitui lII11a o rdenl, na medida em que é cOtnpreensível e interpretá-
vel enl direção ao concreto. 
Para a apreensão da ordem jurídica, como a de qualquer outra ob-
Jctivação do espírito humano, exige-se a utilização de um método 
.• dequado, de natureza empírico-dialética, constituído pelo ato gnosio-
lógico da compreensão. 
Conforme assinala Machado N eto (1 975, p. 11), o ato gnosiológico 
da compreensão se realiza através de unl Illétodo empírico-dialético, 
t. HERMEN~UTlCA E INTERPRETAÇÃO JURIDICA 
pois, segundo ele,"es. también,obra de Cassio ese cOInplelnento esencial 
de la epistemología de la comprensión aI descubrir que és ta se da me-
diante un método que es empírico-dialéctico. Empírico, porque se tra-
ta de hechos, ya que los objetos culturales son reales espaciotemporales, 
como ya viInos, y el 1110do de topar eDil eUos es UI1 modo empírico, 
perceptivo, ya que el substrato lo percibimos con intuición sensible, 
viendo, oyendo, oliendo, gustando, palpando ... Y dialécti co porque la 
comprensión se da en un trabajo dialéctico, algo así como un diálogo 
que el espíritu emprende entre eI substrato y el sentido, para cOl11pren-
der el sentido en su substrato y el substrato por su sentido". 
Desta forma, os sign ificados do ordenalnento jurídico, aS5in1 C01110 o 
de todo objeto cultural, revelam-se num processo dialéti co entre o seu 
substrato e a sLla vivência espirituaL Esse ir e vir dialético manifesta-se 
através do confronto entre o texto nornlativo e a realidade normada, 
Ineruante um processo aberto a novos significados . 
Também a hermenêutica jurídica assim se processa. Ao interpretar 
1I1TI comportamento, no plano da intersubjetividade hl1l11ana , o hcrme-
neuta irá referi-lo à norma jurídica, o cOInportamento figurando como 
substrato e a norma C0l110 o sentido jurídico de faculdade, prestação, 
ilícito ou sanção. Como este significado jurídico é coparticipado pelos 
atares sociais, o intérprete do clireiro atua como verdadeiro porta-voz 
do entendilnento societário, à proporção que exterioriza os vaJores 
fundantes de uma comunidade jurídica. 
CAPiTULO CINCO 
INTERPRETAÇÃO DO DIREITO E A 
POLISSEMIA DA LINGUAGEM HUMANA 
Q UALQUER INDAGAÇÃO SOBRE A HERMENÊUTIÇA, A interpretação e a correlata decisão jurídica 
passa, inelutaveh11ente, pelo estudo das relações comunicativas em so-
ciedade e pela investigação do papel desempenhado pela linguagem, 
nos quadros da existência humana. Isto porque, todo objeto herme-
nêutico é U1llJ 111ensagem prol11anada de um em.issor para UIll conjunto 
de receptores ou desti natários. 
Tratando das relações entre a linguagem e os saberes, destaca Ricar-
do Guibourg (1996, p. 18) que "pa ra indagar acerca dei conocimiento 
científICO y de los métodos con que opera la ciencia debemos comen-
zar, ento nces, por establecer con cierta precisión qué es UI1 lenguaje y 
cuál es la rela ción entre eI lenguaje de las distintas formas de comuni-
cación y el lenguaj e científico". 
Despontou, assim, no cenário inteleCl1lal, uma plêiade de ilustres pen-
,adores voltados para a pesquisa dos problemas da linguagem cotidiana e 
uentífica. Na transição do século XIX ao século XX, foram lançadas as 
bases para uma nova espécie de saber - a semiótica - incumbida de pro-
blematizar a linguagem. Nos Estados Unidos, destacam-se os estudos de 
Charles Sanders Peírce, preocupado com o amparo linguístico às ciências 
.Iplicadas. Na Europa, aparece a contribuição estruturalista de Ferdinand 
Saussure, sublinhando a linguagenl COl110 UI11a convenção social. Merece 
20 HERMEN~UTICA E INTERPRETAÇÁO JURíDICA 
registro também a figura de Ludwig Wittgenstein, com a investigação dos 
jogos de linguagem. Trabalhos posteriores relacionam a semiótica com 
outras ciências sociais, tais como a Antropologia (Claude Lévi-Strauss), a 
Psicologia Oacques Lacan) e a Literatura (Roland Banhes). 
Com efeito, o tenno senuótica, oriundo do grego "semcion", p:1SS0 U 
a referir uma teoria geral dos signos linguísticos. Neste sentido, refere 
Marilena ChauÍ (1995, p.141) que, como os elementos que formam 
a totalidade linguística são um tipo especial de objetos, os signos, ou 
objetos que indiGlIl1 outros, designam outros ou representam outros. 
Por exemplo, a fumaça é um signo ou sinal de fogo, a cicatriz é signo 
Oll sinal de tlllU ferida , manchas da pele de um determinado formato, 
tamanho e cor são signos de sarampo ou de catapora. No caso da lin-
guagem, os signos são palavras e os componentes das palavras (sons Oll 
letras). Neste sentido, a linguagem se afigura como um sistema de sig-
nos usados para indicar objetos, prOJll0Ver a comunicação entre atares 
sociais e expressar ideias. va lores e padrões de conduta. 
Atentando para as conexões entre o fenômeno jurídico e a lin gua-
gem, leciona Edvaldo Brito (1993, p, 16) que a realidade do Direito é, 
cm si, linguagenl, unla vez que se expressa por proposições prescritivas 
no ato intelectual em que a fonte nonnativa afirma ou nega algo ao 
pensar a conduta hl11nana em sua interferência intersubjctiva; bem as-
Sitll, é linguagem, Ullla vez que, para faJar dessas proposições, outras são 
enunciadas mediante formas descritivas. É, ainda, linguagenl, porque há 
UIll discurso típico recheado de elclnentos qu e constituelll o repertó-
rio específico que caracteriza o COIuportamcnta! da fonte que emite a 
mensagem nOfJllativa e de organização que se in cumbe de tipifi car na 
sua fact; specie a conduta dos demais destinatários (receptores da mensa-
gem) quando na sua interferência intersubjetiva. 
Por força do exposto, o referencial linguístico é indispensável para 
O desenvolvllllento dos processos decisórios. Especialtnente no sistelna 
romano-gennânico, enl que se valoriza o jus Scr;ptllll'l, a ordem jurídica 
se lnanifesta através de textos, que conformam enunciados linguísticos. 
Sucede que, a pltuivocidade é Ull1a nota característica da comunicação 
humana, defluindo das palavras inúmeros significados. Dentre os senti-
dos possíveis do texto jurídico, o intérprete haverá de eleger a significa-
çào normativa mais adequada para as peculiaridades fãticas e valorativas 
de uma dada situação social. 
INTERPRETAÇÁO DO DIREITO E A POLISSEMIA DA LINGUAGEM HUMANA 21
A pr:'tlca decisória desemboca na concretização dos enunciados lin-
11111',IIl'OS Inscritos no sistenla jurídico, com ° que o henneneuta opera 
I IIH'lil.1Çào entre o direito positivo e a realidade circundante, l1uni-
I . .lIIIdo-se o significado da norma jurídica. Todo modelo normativo 
'"lllporta sentidos, mas o significado não constitui um dado prévio-
. " próprio resultado da tarefa interpretativa. O significado da norma 
, 111 oduzido pelo intérprete. As normas jurídicas nada dizenl, SOIl1cnte 
1',1 "",do a dizer algo quando sào exprimidas pelo hermeneuta. 
() reconhecimento do caráter linguístico está, pois, vinculado ao 
í ('Ideio da interpretação e decisão jurídicas. Confonne assinala Lenjo 
',Ii\'ck (2001, p. 255), o intérprete, deste modo, perceberá o "objeto" 
(l'lI'Idlco) como (enquanto) algo, que, somente é apropriável linguisti-
l,lIllcnte,já a compreensão deste "objeto" somente pode ser feita me-
dl.lIHe as condições proporcionadas pelo seu horizonte de sentido, ou 
"1.1, esse algo SOlnente pode ser compreendido como linguagem , a qual 
"i<' .lá tem e nela está mergulhado. A linguagem não é, pois, um objeto, 
11111 Instrumento, enf1ll1, un1a terceira coisa que se interpõe entre o su-
1"110 e o objeto. Quando o jurista interpreta, ele não se coloca diante de 
11111 objeto. separado deste por "esta terceira coisa" que é a linguageln; 
11.1 verdade, ele está desde sempre jogado na linguisticidade deste mun-
du do qual ao nleSlllO tempo fazem parte o sujeito e o objeto. 
Partindo desta premjssa, a semiótica geral e jurídica pretende, ini-
\ 1,1I1l1ente, abordar a dialética entre a linguagem corrente (onOlllasio-
1°1110) e a linguagem técnico-científica (scmasiologia). De acordo C0111 
'1 11.1 origem, a linguagem pode ser natural ou corrente, quando fonllada 
\" po lltaneamente pela evolução social , bem como, artificial ou técnico-
nClltÍfica , quando formalizada para a sistenlatização dos saberes huma-
no'. A depender, portanto, da origem linguística, lItll<l nleSnla palavra 
r ll ,cJa significados diversos. 
No campo semiótica, torna-se imprescinruve1 perquirir a tridimen-
\ Io lldlidadc dos signos linguísticos, desenvolvendo as análises sintática, 
\I,.' I1l ,ll1tica e a pragInática do discurso. 
A sintática, do grego "syntaktikós", estuda as relações estruturais e a 
u mcatenação dos signos entre si. Os signos linguisticos não são utiliza-
du, ao acaso e de acordo com a conveniência do enussor, lnas devem ser 
22 HERMEN~UTlCA E INTE RPR ETAÇÃO JURIDICA 
obedecidas as regras gramaticais convencionalmente estabelecIdas para 
que seja possível não só ao em.issor fornlular sua nlensagenl, como tam-
bém,ao receptor apreender seu conteúdo. A análise sintática desmcnlbra 
os elenlel1tOS C0l11pOnentcs de uma "frase", examinando sua estrutura, 
dividindo "período" em "orações", e estas nos seus termos essenciais, 
integrantes e acessórios. AsSUll, toda frase deve conter unIa correta justa-
posição de vocábulos e uma perfeita congruência interna de palavras. 
A seu turno, a senlântica, do grego "seluainô", estuda a relação en-
tre o signo e o objeto que ele refere. A semântica é, pois, o estudo das 
significações das palavras. A semântica encara a relação dos signos com 
os objetos extralinguísticos. Na análise senlântic3, o campo de estudo 
é o vínculo do signo com a realidade, destacando o significado correto 
dos signos, de modo a extrair a imprecisão natural dos termos. Estas 
imprecisões naturais podem estar relacionadas à denotação (vagueza) e 
à conotação (ambiguidade). As imprecisões denotativas denominam-se 
vaguezas. A vagueza se verifica quando ocorre dúvida acerca da inclu-
são ou não de um ou mais objetos dentro da classe de objetos ao qual 
um determ..inado ternlO se aplica. As imprecisões conotativas são deno-
minadas anlbiguidades. A ambiguidade se verifica quando não é possí-
vel, desde logo, precisar quais são as propriedades em função das quais 
unl termo deve ser aplicado a um detenninado conjunto de objetos. 
Por sua vez, a pragmática, cujo termo deriva da expressão grega 
"pragnlatikós", significa a relação existente entre os signos com os 
enussores e destinatários. COIll efeito, a pragmática ocupa-se da relação 
dos signos com os usuários, nos termos de uma linguística do diálogo, 
por tOlnar por suporte a intersubjetividade cOlllurucativa. Deste modo, 
tanto as unidades sintáticas C0l110 o sentido do texto estão vinculados 
à situação de uso, sujeitando-se às variações tenlporais e espaciais de 
cada cultura humana. Sob o aspecto pragtnático, interessanl, portan-
to, os efeitos inter-racionais que o uso da linguagem produz entre os 
nlembros de uma cOlllurudade linguística. 
Sob o prisma ainda da semiótica jurídica, ao decodificar a lingua-
gem estatnpada no 1110delo normativo, o intérprete opera verdadeira 
paráfrase. Decidir, neste sentido, consiste em remodelar o discurso do 
direito positivo. 
INTERPR ETAÇÃO DO DIREITO E A POLISSEMIA DA LI NGUAGEM HUMANA 23 
N~ste diapasão, afirma Tércio Sampaio (1994, p. 282) que, ao se 
\II dll.\r de seus métodos. a hermenêutica identifica o sentido da nonna, 
'''''l"lIdo como ele deve ser (dever-ser ideal). Ao f.lzê-lo, porém, não 
I II.I lIlll sinônitno, para o SÍll1bolo nornlativo. mas realiza Utna paráfrase, 
1.ln é:. wna reformulação de um texto cujo resultado é um substituto 
1Il.1I'i persuasivo, pois exarado em terJ110S rnais convenientes. Assün, a 
l'.tr,'lfrase interpretativa não elimina o texto, pondo outro ern seu lugar, 
111.I"i o 11lantém de uma fonna Inais convenjente. 
Como a ordem juriclica não fala por si só, o hermeneuta exterioriza 
Il'l "iCUS sigJuficados, através de U1113 atividade cOlllpreensiva e, pois, aber-
1.\ .10S valores cOInUlutários. São estas pautas axiológicas que modulanl 
.1 .IllIplitude da paráfrase interpretativa, possibilitando ao intérprete a 
,'kIÇão do selltido normativo mais adequado e justo para as circunstân-
, 1.1\ do caso concreto. Somente assün, a decisão garante a persuasão da 
nllllunidade jurídica e a correlata decidibilidade dos conflitos sociais. 
Diante do exposto, IJ1terpretar é, do ponto de vista senuótico, des-
\ nbrir o sentido e o alcance dos signos normativos, procurando a signi-
11<",lção dos signos jurídicos. O operador do direito, ao aplicar a norma 
.In caso SI/h jl/diee, a interpreta, pesquisando o seu significante. Isto por-
que, a letra da nornla permanece, mas seu sentido se adapta a mudanças 
operadas na vida social. 
Neste contexto, como toda obra, enquanto objeto hermenêutico, 
l' lima mensagenl promanada de um enussor para unl conjunto de 
H'reptores ou destinatários, cabe ao intérprete do direito selecionar as 
pn'i~ lbilidades comunicativas,mornlente quando se depara com a pluri-
\'o l ldade ou polissemja inerente às estruturas linguísticas da nornla ju-
1 idl ca. Fixar 11111 sentido, dentro do horizonte de significações possíveis, 
r .1 IIlgente tarefa do hermeneuta, a exigir um profundo conhecimento 
,ohre a estrutura e os linutes da lin guagem através da quaJ se exprime 
n fi..·nômeno jmídico. 
Como bem refere Maria Helena Diniz (2005, p. 186-187), no cam-
po da Ciência Jurídica, a instrumental idade da Semiótica se robustece 
.1 11Icdida que se constata muitos pontos de interface entre o Direito 
I ' ,I LlIlguagem. Considerando os postulados da Semiótica, a Ciência 
II" idlca encontra na linguagem sua possibilidade de existir, devido a 
24 HERMENEUTlCA E INTERPRETAÇÀO JURIDICA 
várias razões: a) não pode produzir o seu objeto numa djmensão ex-
terior à linguagem; b) onde não há rigor linguístico, não há ciência; c) 
sua linguagem fala sobre algo que já é linguagem anteriormente a esta 
fala, por ter por objeto as proposicões normativas (prescritivas), que, do 
ângulo linguístico, são enunciados expressos na linguagem do legisla-
dor; d) o elemento linguístico entra em questão como elemento de
interpretação, porquanto as nOrmas jurídicas são Inensagens que devem 
ser decodificadas pelo hermeneuta; e) se a linguagem legal for incom-
pleta, deverá o jurista indicar os meios para completá-la, mediante o 
estudo dos mecanismos de integração; f) o elemento linguístico pode 
ser considerado como instrumento de construção científi ca, visto qu e 
se a linguagem não é o rdenada, o jurista deve reduzi- Ia a lIm sistema. 
Sendo assim, o fenô llleno jurídico, por condição de existência, deve 
ser formulável numa linguagem, ante o postulado da alteridade. O Di-
reito elaborado pelo órgão competente é fator de controle social , visto 
que prescreve condutas (obrigadas, permitidas e proibidas), formulando 
a linguagem em que a norma se objetiva. O Direito positivo ofe rta a 
linguagem-objeto, pois não fala sobre si. A linguagem legal é a utilizada 
pelos órgãos que tênl poder normativo e inclui a linguagem normativa 
e não normativa, que consiste nas definições de expressões con tidas em 
proposições normativas. A linguagenl não normativa é a metalingua-
gem da linguagem normativa, contida na linguagem legal. 
Como sali enta Tércio Sampaio (1980, p. 102 - 103), a norma, do ân-
gulo pragm ático, é vislumbrada conlO unI discurso decisório, qu e illlpe-
de a continuidade de um embate de interesses, solucionando-o, pondo-
-lhe um fim . Neste discurso decisório, o editor controla as reações do 
endereçado. A nOrma contém um re lato (a info rmação transnlitida) 
e o cometimen to (a i.nformação sobre a informação). Os operadores 
normativos (obrigatório, proibido e permitido) têm uma dimensào sin-
tática e pragJnática, pelas quais não só é dado unl caráter prescritivo 
ao discurso ao qualificar-se unIa conduta qualquer, mas ta.mbém lhe 
é dado lllll caráter metacOlnplementar ao qualificar a relação entre o 
enussor e o recepto r. 
Adenlais, a ação linguística do jurista, na discussão- com , busca a 
adesão da outra parte, procurando convencê-Ia da veracidade de suas 
INTE RPRETAÇÀO DO DIREITO E A POLISSEMIA DA LINGUAGEM HUMANA 25 
I' \" llIv.1S. O discurso científico do direito polariza uma relaçào entre 
11I.ld tH CS e o uvintes, tendo em vista a persuasão social. Nasce também 
dI' lima situação comunicativa indecisa, onde se misturam caracteres 
d.1 dl \t:ussão- com científica COll1 elelnentos da discussão-contra, con-
~', h Ill1l'rando atares ho mo lógos com intenções partidárias, questões de 
1"""I"lSa jurídica desinteressada e ponderações conflitivas qu e pedem 
11111.1 decisão, através do Poder Judiciário. 
N ,l redação de um texto científico-jurídico, o jurista e1\'Põe suas 
t IIIK lusões numa sequência de proposições descritivas, com o escopo 
d ~' ubter o co nvencimento. O leitor do tex to, concentrando-se na sis-
11'1I 1.lcidade textual, procurará apreendê- lo para enveredar no ca mpo da 
I Il' ucia jurídica. atendo-se à verdade sobre o objeto em questão. Logo, 
u Dire ito pode ser estudado como um sistema de signos linguísticos. 
hlo porque, 3 próprio conh ecimento jurídico se estrutura através de 
IIIlI.1 Jjnguagclll (mctalingllageI11) ao buscar a sistemati zação e inter-
Pll'l;lção das fontes do dire ito, as quais são tan1bém exteri orizadas em 
,,'lIlllulas linguísticas (linguagem-objeto). 
A prática interpretativa dCSclllboca na concretização dos enuncia-
du, hngw sticos inscricos no sistelna jurídico, com o que o hermene llta 
"pc..'fa a 111ediação entre o direito positivo e a rea.lidade circundante, n13-
", fCstando-se o signifi cado da normajurídica.Todo modelo normativo 
, I1 ll1po rta sentidos, mas o signifi cado não constitui um dado prévio -
" () próprio resultado da tarefa interpretativa. O significado da norma 
t' produzido pelo intérprete. As norn1as jurídicas nada dizem , somente 
J',,,,,ndo a dizer algo quando são exprimidas pelo herm eneuta. 
Sendo ass im , as no rmas jurídicas veiculall1 mensagens, notada mente 
poll\,êmi cas, visto que cOInpo rta111 diversos significados. Esta polissernia 
,I." l<lI1tes do direito deve ser resolvida, mediante o reconhecimento das 
dllc..'rcnças entre Iinguagen1 COll1llJ11 e linguageJn técnico-científica e o 
t' lllprcgo das análises sintática, seluântica e pragtnática sobre o discurso 
,I«, o rdcnamento jurídico. 
CAPíTULO SEIS 
TECNO,LOGIA HERMENÊUTICA: DA LETRA 
AO ESPIRITO DO DIREITO 
A o DISCIPLINAR A CONDUTA HUMANA, OS MODELOS 
A l1onnativos utilizanl palavras-signos linguÍsti-
c,:'s qu: devem expressar o sentido daquilo que deve ser. A compreen-
sao Jundlca dos SIgnIficados que referenl os signos de lnanda o uso de 
unJa tecnologia hermenêutica. 
Ainda que os estudos mais recentes de Hermenêutica]urídica apon-
tem ?ar~ a sua essência filo sófica, não há C01110 negar a sua relevante 
funçao lnstnlJl1ent~,. à n~edida que oferece técnicas voltadas para o 
nortealnento das pratlcas Interpretativas do direito. 
_ Saliente-s:, por oportuno, que as diversas técnicas interpretativas 
nao op~ra~n ~s~lad.<Hllente. Antes se cOlnpletanl , 111eS1110 porque não há , 
na te~na. jUndIC,a Interpretativa, tIll1a hierarquização segura das lnúlti-
plas teCnIcas de mterpretação. 
. Neste diapasão, sustenta Mourullo (1988, p. 64) que "en realidad la 
l~terpr~tación de la norn1a jurídica es sienlpre pluridünensional, no uni-
dimensIOnal, y se va desarrollando desde diversas perspectivas. Se habla, 
con~o de todos :s ~abido, de una interpretación histórica, sistenlática, gra-
matIcal y teleologlca. Cada una de estas interpretaciones nos ofrece dis-
tintos puntos de vista para comprenderle sentido último de la norma". 
. Tradici~naln1ente, a doutrin a veln elcncando as seguintes técnicas 
l~terpreta tlvas: a gralnatical, a lógico-sistemática, a histórica, a socioló-
gIca e a teleológica . 
TECNOLOGIA HERMENEUTlCA DA LETRA AO EsplRITO DO DIREITO 27 
Através da técnica gramatical ou ftiológica, o hermeneuta se debruça 
I1l1ll' as expressões nonnativas, investigando a origeln etimológica dos vo-
I ,l Indos e aplicando as regras estruturais de concordância ou regência, ver-
11.11,' nominal. Trata-se de um processo hermenêutico quase que superado, 
.lIlI l' O anacronislllo do brocardo jurídico - in claris cessat interpretatio. 
Ao processo hennenêutico granlatical, logo se ajunta a técnica lógi-
I I) \ isten1ática, que consiste enI referir O texto ao contexto norm_ativo 
dr "-lue faz parte, correlacionando, assün, a norn1a ao sistema do inteiro 
IIl(k llalnento jurídico e até de outros sistelnas paralelos, conformando 
" chamado direito comparado. 
Em se tratando de interpretação legal, deve-se, portanto, cotejar o 
I"'to normativo com outros do mesmo diploma legal ou de legislações 
i li vcrsas, 111as referentes ao nlesnlO objeto, visto que, examinando as 
pn.:scrições nonnativas, conjuntalnente, é possível verificar o sen tido 
de cada uma delas. 
Munido da técnica histórica, o intérprete perquire os antecedentes 
IIllcdiatos (v.g., declaração de motivos, debates parlamentares, projetos e 
,llItcprojetos) e remotos (e.g., institutos antigos) do modelo normativo. 
A seu turno, o processo sociológico de interpretação do direito ob-
ICliva : conferir a aplicabilidade da norma jurídica às relações sociais 
llu e lhe deram origenl; elastecer o sentido da norma a relações novas, 
méditas ao nlomento de sua criação; e tenlperar o alcance do preceito 
Ilonnativo a fin1 de fazê-lo espelhar as necessidades atuais da cOInuni-
da de jurídica. 
Segue-se, umbilicalm ente ligado à técnica sociológica, o processo 
teleológico que objetiva depreender a finalidade do modelo normativo. 
1 )a í resulta que, a nornla se destina a unI escopo social, cuja valoração 
dependerá do hermeneuta, con1 base nas circunstâncias concretas de 
c.lda situação jurídica. A técnica teleológica procura, deste modo, de-
limitar o filn, vale dizer, a ratio essendi do preceito nonnativo, para a 
partir dele determinar o seu real significado.
A delim.itação do sentido 
Ilol'lnativo requer, pois, a captação dos fms para os quais se elaborou a 
II o 1'111 a jurídica. 
A interpretação teleológica serve de norte para os demais pro ces-
'\os henllenêuticos. Isto é ass im porque convergem todas as técnicas 
28 HERMENEUTlCA E INTERPRETAÇÃO JURíDICA 
i~terpretat~vas enl função dos objetivos que infonnanl o sistelna jurí-
d1CO. Toda II1terpretação jurídica ostenta uma natureza teleolóaica, fun-
dada na consistência axiológica do direito. " 
Compartilhando deste entendimento, pontifica R eale (1996, p. 285) 
q~le o ato de ~nterpretar unla lei iInporta, previanlente, em, compreen-
de-la na ple111tude de seus fins sociais, a fi111 de poder-se, desse modo, 
detenulllar o sen tldo de cada UIlI de seus dispositivos. S0111ente assim 
ela é aplic~vel a todos os casos que correspondam àqueles objetivos : 
~onlo se ve, o pruneuo cuidado do herllleneuta contenlporâneo con -
slste em saber qual a finalidade social da lei, no seu todo, pois é o fim 
que possIbIlIta penetrar na estru tura de suas significações particulares. 
_ Logo, o s in c r~tisnl0 dos caminhos interpretativos, iluminados que 
sao peJa teleologIa do direito, pennite que o intérprete transcenda da 
palavra em direção ao espírito do ordenamento jurídico. A hermenêu-
ti c~ juridic~ oferec~ ao intérprete U111 repositório de técnicas interpre-
t~tlvas, destll1adas a resolução dos problenns linguísticos in erentes ao 
discurso nonnativo. No desenvolvünento da interpretação jurídica o 
ope~'ador do direito se valerá destas ferram entas herm enêuti cas para O 
deshnde dos obstáculos da linguagem jurídica . 
Convénl del110nstrarm.os a cOlnpatibilidad e entre as dim ensões se-
l1uóticas e as técnicas in terpretativas. Util iza renl0S, a título ilustrativo, 
algu ns exemplos oriundos da interpretação do Código de D efesa do 
Consunudor, no contexto da ordem jurídica brasileira. 
Os problemas sintáticos podem ser resolvidos, fundamentalmente, pelo 
recurso aos processos hennenêutico gramatical e lógico-sistenlático. 
Quando, por exemplo, o art. 51, caput, do CDC prescreve que são 
nulas de pleno dueuo, entre o utras, as cláusulas contratuais relativas ao 
fornecinlento de produ tos e serviços, a expressão entre outras sinaliza 
para uma ideia de inclusão. Isto permite firmar o caráter exemplifi-
caovo do elenco legal de cláusulas abusivas (nulllems aperllls) , o que se 
depreende através da utilização do processo hermenêutico gramatical. 
Outross1111, com base na técnica lógico-sistetuática, o C.DC deve ser in-
terpretado em compatibilidade com a Constituição Federal de 1988 b 
. , enl 
ass1m,_com as le~islações infidconstitucionais, como a Lei n" 7.347/85 (Lei 
da Açao C,vil Publica) e a LeI n" 8.884/94 (Lei Anticartel). Se transcender 
TECNOLOGIA HERMENtUTICA. DA LETRA AO EspíRITO DO DIREITO 29 
II' I )In..'ito Comparado, a cOlnpreensão sistêm..ica se evidenciará nos liatnes 
.II Ill;isbção consumerista com a Resolução n" 39/248 da ONU e o Pro-
l' I .I I' Code de la Consonunatiol1, de progênie francesa . 
A seu turno, os problelnas de natureza senlântica podel11 ser de-
\ U1.11 llcnte contornados pela utilização dos processos hennenêuticos 
hl ~lú rico e sociológico. 
(:0111 base na técnica histórica, de natureza retrospectiva, os trabalh os 
,II',,'nvolvidos pela comissão de juristas do Conselho Nacional de D efesa 
01" Consumidor e pela Comissão Mista do Congresso Nacional, bem 
'"11 10 os demais momentos da tramitação legislativa do projeto do CD C, 
IIkrccenl relevantes suportes para a interpretação da lei consUl11erista. 
É, por exemplo, a análise o projeto de lei da Comissão Mista do 
I 'ollgresso Nacional que nos conduz à constatação de que o legislador, 
.11) positivar originarialnente, no art. 4Q do COC, o vocábulo transfe-
Il' ll cia, queria referir, em verdade, o vocábulo transparência , COI110 valor 
,I 'ic r tutelado nas relações de conSUlno. 
Va lendo-se da técnica sociológica, de orientação prospectiva, está 
Il.lbilitado o henn eneuta a interpretar o arcabouço normativo do CDC 
,O ln base na realidade circundante, qual seja, a sociedade de consumo. 
A relevância do processo sociológico se evidencia pela sua abertu-
t ,I C pelo seu dinatnislno, possibilitando ao intérprete acompanhar o 
IIUno febricitante das transformações econômicas do capitalismo pós-
Industrial, con1 reflexos cada vez lnaiores no mercado de consumo, a 
~""t:n1plo do que se lnanifesta COI11 as novas tipologias contratuais, con10 
O'i contratos eletrônicos. 
Segue-se o processo teleológico, voltado para a superação dos pro-
hlemas de orden1 pragn1ática. 
Neste compasso, o art. 4", ao prescrever o objetivo da Política Na-
I innal de Relações de Consumo, afrgura-se como referencial teleoló-
~ico para a interpretação de todo o arcabouço normativo do Código 
de Defesa do Consumidor. Mediante a compreensão dos princípios 
lurídicos catalogados no art. 4J.l, o hernleneuta 10gra apreender os fins 
1I1 :liores que imantam a legisla ção consumerista. 
Eis a demonstração da instrumentalidade dos métodos hermenêuti-
cos para o desenvolvin1ento da interpretação jurídica. 
CAPiTULO SETE 
DO SUBjETIVISMO AO NOVO 
OBjETIVISMO JURíDICO 
O TRANSCURSO HISTÓRICO DA HERMENEUT~CA JURíDICA vem sendo marcado pela polanzaçao entre o 
subjetivismo e o objetivismo. Trata-se de grande polêmica relativa ao refe-
rencial que o intérprete do direito deve seguir para desvendar o sentido e o 
alcance dos 111odelos nonnativos, especiahnente das nOrn1<15 legais: a vonta-
de do legislador (/Joluntasleg/s/atoris) ou a vontade da lei (volllntas legis). 
O problema é apresentado por Engisch (1988, p. 170), para quem, 
antes, é precisalnente aqui que cOlneça a problenlática central da teoria 
jurídica da interpretação: O conteúdo objetivo da lei e, consequente-
mente, o último escopo da interpretação, são determinados e fixados 
através da vontade do legislador histórico, manifestada então e uma vez 
por todas, de modo que a dogmática jurídica deve seguir as pegadas do 
hlstonador, ou não será, pelo contrário, que o conteúdo objetivo da 
leI tem 3Ut011011113 em si 11leSl11Q e nas suas palavras, enquanto vontade 
da lei, enquanto sentido objetivo que é independente do mentar e do 
querer subjetivos do legislador histórico e, que, por isso, eln caso de 
necessidade, é capaz de 111ovünento autôn0l110, é suscetível de evolução 
como tudo aquilo que participa do espírito objectivo' Eis a indagação 
fulcral para a compreensão do tema. 
Sendo assün, a corrente subjetivista pondera que o escopo da in-
terpretação é estudar a vontade histórico-psicológica do legislador 
DO SUBJETlVISMO AO NOVO OBJETIVISMO JURíDICO 31 
I pi (,'ssa na nOrI11a. A interpretação deve verificar, de 1110do retrospec-
I IV' \. () pensamento do legislador estampado no modelo normativo. De 
«1 1110 lado, a vertente objetivista preconiza que, na interpretação do 
.I1"· \lO, deve ser vislumbrada a vontade da lei, que, enquanto sentido 
, tI \ll"livo, independe do querer subjetivo do legislador. A norma jurídica 
1' 11.\ a vontade transformada em palavras, uma força objetivada inde-
1II' IH.!c.;nte do seu autor. O sentido incorporado no l11odelo non11ativo 
'II' .Ipresentaria l11ais rico do que tudo o que ° seu criador concebeu, 
I ,nIque suscetível de adaptação aos fatos e valores sociais. 
Neste sentido, a depender do referencial hermenêutico utilizado, 
.1 IlI terpretação do direito modulará a própria expressão do discurso 
IIlr ídico, valorizando a ordenl, C0l11 a adoção do subjetivisl11o, ou a 
IIl udança, quando iluminada pelo objetivismo. 
Com base neste entendimento, pondera Andrade (1992, p. 19) 
q lH':, C01110 un1a operação de esclarecimento do texto non11ativo, a 
IlIte rpretação aU111enta a eficácia retóri ca ou c0 l11unicativa do direi-
l O, que é uma linguagem do poder e de controle social. E
depen-
dcn do da técnica adotada, a interpretação pode exercer Ulna função 
l'st:1 bilizadora ou renovadora e atualizadora da ordenl jurídica, já 
que o direito pode ser visto C0l110 uma inteligente combinação de 
l''itabilidade e 111ovÍlllento, não recusando as l11utações sociais. AssiI11, 
() direito pretende ser siInultanealnente estável e lllutável. Todavia, 
t: preciso ressaltar que a segurança perfeita signifi caria a absoluta 
II110bilidade da vida social, enfim , a impossibilidade da vida humana. 
Por o utro lado, a l11utabilidade constante, selll unI elenlento pernla-
IIc nte, tornaria in1possível a vida social. Por isso, o direito deve as-
'l'gurar apenas uma dose razoável de ordenl e organização social, de 
l. tI modo que essa ordem satisfaça o sentido de justiça e dos demais 
v.tl ores por ela implicados. 
COlubinando a exigência de segurança COIn o itnpulso incessante 
por transfonnação, a hennenêutica jurídica contelnporânea se inclina, 
!,ois, para a superação do tradicional subjetivismo - voluntas legislatoris, 
l' lll favor de Ulll novo entendinlento do obj etivisn1o - voluntas legis, 
Il' ;!lçando O papel do intérprete na exteriorização dos significados da 
o rdem jurídica. 
32 HERMENEuTlCA E INTERPRETAÇÃO JURíDICA 
Com base neste redimensionamento do modelo objetivista, pode-
-se afirmar que o significado jurídico não está à espera do intérprete, 
C01no se o objeto estivesse desvinculado do sujeito cognoscente - o 
hernleneuta . Isto porque conheciIl1ento é UUl fenônleno que consiste 
na apreensão do objeto pelo sl~eito, não do objeto propriamente dito, 
em si e por si, mas do objeto enquanto objeto do conhecimento. 
O objeto do conhecinlento, portanto, é, de certo 1110do, U1l1a cria-
ção do s l~eito, que nele põe ou supõe determinadas condições para que 
possa ser percebido. Nessa perspectiva, não telTI sentldo cogitar-se de 
Ulll conhecinlen to das coisas enl si lneSl1JaS, mas apenas de ml1 conheci-
mento de fenômenos, isto é, de coisas já recobertas por aquelas formas, 
qne são condições de possibilidade de todo conhecimento. Em virtude 
da função constitutiva do suj eito no ânlbito da relação ontognosiológi-
ca , não se poderá isolar o intérprete do o bj eto hermenêutico. 
Conforme o magistério de Pasqualini (2002, p. 171), na acepção 
l11ais plena, o sentido não existe apenas do lado do texto, nem SOlnente 
do lado do intérprete, mas como um evento que se dá em dupla traje-
tória: do texto (que se exterioriza e vem à frente) ao intérprete; e do 
intérprete (que mergulha na linguagem e a revela) ao texto. Esse duplo 
percurso sabe da distância que separa texto e intérprete e, nessa med.i-
da, sabe que ambos, ainda quando juntos, se ocultam (velamento) e se 
mostram (desvelamento). Longe de sugerir metáforas forçadas, a relação 
entre texto e in térprete lenlbra 111ltitO a que se estabelece entre lnúsico 
e instrumento l11usicaJ: Se111 a caixa de ressonância de UIll violino, suas 
cordas não têm nenhum valor, e essas e aquela, senl Ulll violinista, ne-
nhuma utilidade. 
O conhecitnento dos objetos culturais ta lllbélll nào se identi6ca 
C0111 o objeto desse conhecimento, o que se ünpõe, C0111111ai5 força, na 
apreensão da cultura humana, à medida que, sendo realidades significa-
tivas do espírito, exigem 111aior criatividade do sujeito para se revelarelll 
em toda plenitude. 
O significado objetivo dos modelos normativos é, em larga medi-
da, uma construção dos sujeitos da interpretação jurídica, com base 
em dados axiolôgicos extraídos da realidade social. Toda norma se 
exprime na interpretação que lhe atribui o aplicador. O sentido da 
DO SUBjETIVISMO AO NOVO OBjETIVISMO jURIDICO 33 
II(Hl11a legal se regenera de 111odo contínuo, C01110 numa gestação 
I"flnita. A interpretação jurídica permite transcender aquilo qu e já 
,o llleçou a ser pensado pelo legislador, de modo a delimitar a real 
von tade da lei. 
Nesse compasso, leciona Bergel (2001, p. 320) que a questão não é 
.,.' lIeão saber se o intérprete deve ser 111édiU111 ou cientista, se pratica obra 
Ju rídica ou política, ne111 se a interpretação participa da criação ou da 
.Iplicação das normas jurídicas. Isso depende somente da liberdade que 
<c lhe reconhece ou da fidelidade que se lhe impõe com referência ao 
direito positivo. 
Observa-se, assim, que a lei só adquire um sentido com a aplicação que 
lhe é dada e que o poder assim reconhecido ao intérprete atesta a fi:agi-
lidade da ordem nornutiva: nenhU111 preceito da lei, diz-se ainda, recebe 
"c u sentido de Ul1i âl1lago legislativo; torna-se significativo con1 a aplica-
\"00 que lhe é dada e graças à interpretação jurídica que esta implica. 
PARTE II 
A PÓ S-MODERNIDADE JURíDICA 
E O PARADIGMA HERMENÊUTICO EMERGENTE 
CAPiTULO UM 
FUNDAMENTOS DO PROJETO 
DA MODERNIDADE 
DESDE A ÉPOCA DO RENASCIMENTO, A HUMANIDADE já havia sido guindada ao patamar de centro 
do un iverso. Típica da nova perspectiva era a visão de Francis Bacon, 
segundo a qual os homens poderiam desvendar os segredos da realidade, 
para, então, dOlnlnar a natureza . Posteriornlente, Ilené Descartes lançou 
as bases fil osóficas do edificio moderno, definindo a essência humana 
COI110 U111<1 substância pensante (cogito, elgo sum) e o ser hl1l11anO C01110 
um sujeito racional autôn0l11o. Na mesma senda, Isaac Newton conferiu 
à 1110dernidade o seu arcabouço científico ao descrever o In undo físico 
C01110 uma ll1J.quina, cujas leis inlutáveis de funcionamento poderiam ser 
apreendidas pela mente humana. Na seara político-social, despontou o 
pensamento de John Locke, vislumbrando a relação contratual entre go-
vernantes e governados, e lll detrim ento do absolutis111o, e a supremacia 
dos direitos naturais perante os governos tirânicos. 
Abeberando-se neste rico lnanancial de ideias, coube ao 1110vinlen-
to iluminista, no século X VII !, consolidar o l11ultifacético projeto da 
modernidade, Diderot, Voltaire, R.o l1sseau e Montesquieu inaugura-
riam, de modo triunfal, a idade da razã o. Sob a influência do Iluminis-
mo, Enlanuel Kant complementaria o ideário moderno, ao enfatizar o 
papel ativo da mente no processo de conhecilnento. Para Kant, o inte-
lecto sistematizaria os dados brutos oferecidos pelos órgãos sensoriais 
38 HERMENtUTICA E INTERPRETAÇÃO JURíDICA 
através de categorias inatas, COI110 as noções de espaço e telnpo. Nessa 
perspectiva, o "eu pensante" , ao desencadear suas potencialidades COO'-
. . b 
111tlVas, afigurava-se con10 o criador do próprio 111llndo a ser conhe-
cido. A pretensão transcendental de Kant supunha, assim, que a cultu-
ra e a ética refletirimll padrões universahnente racionais e hUl1nll0S 
subm etendo-se os deveres ao principio suprenlo da razão prática _ ; 
imperativo categórico. Ao conferir posição privilegiada aO sl0eito do 
conhecimento, Kant elevou o respeito à pessoa hUI11ana COl110 unI valor 
ético absoluto. O sujeito de kantiano tornava-se capaz de sair da ll1eno-
ridade e ser protagonista da história. 
O progralna 111oderno estava elnbasado no desenvolvinlento inlpla-
cável das ciências objetivas, das bases universalistas da ética e de 111l1a arte 
alltÔl101na. Serianl, então, libertadas as forças cognitivas acul11111adas, ten-
do em vista a organização racional das condições de vida en1 sociedade. 
Os proponentes da modernidade cultivavam ainda a expectativa de que 
as artes e as ciências não S0111ente aperfeiçoariam o controle das forças da 
natureza, con10 talllbén1 a compreensão do ser e do 111undo, o progresso 
n10ra1, a justiça nas instituições sociais e até IneSUlO a felicidade hunuua. 
Não é outro o entendimento de AJain Touraine (1994, p. 9), para 
quelll a ideia de ulodernidade, na sua foru1a ulais aIl1biciosa, foi a afir-
mação de que o homem é o que ele fà z, e que, portanto, deve existir 
Ullla correspondência cada vez 111ais estreita entre a produção, tornada

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