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Estereótipo na mídia

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estereótipo na mídia: doxa ou ruptura 137
Estereótipo na mídia 
doxa ou ruptura
Maria Lúcia Vissotto Paiva Diniz
 
A palavra estereótipo, originalmente, pertence ao vocabulário da editora-
ção gráfica. Trata-se e uma chapa de chumbo fundido que traz em relevo a 
reprodução de uma página de composição e permite a tiragem de vários 
exemplares. A prancha estereotipada representa a fôrma que imprime 
fielmente o padrão da matriz. (Rabaça & Barbosa, 1987:247-8). Por ex-
tensão, o estereótipo é uma opinião pronta, uma idéia ou expressão muito 
utilizada, desgastada, banalizada, um lugar-comum ou clichê.
Por representar um signo que restringe o sentido, o estereotipo é 
uma estratégia discursiva do sujeito da enunciação que, na colocação em 
discurso, garante a comunicação oral, escrita ou visual – e a significação 
pretendida – na praxis enunciativa (interação enunciador-enunciatário). 
Funcionando como elemento capaz de sintetizar conceitos – seu caráter 
econômico e funcional –, o estereótipo vem sendo cada vez mais utilizado 
no discurso midiático. Entretanto, ao mesmo tempo em que garante a co-
munhão de um saber cristalizado, produzindo um efeito de objetividade, o 
estereótipo estabelece uma dimensão axiológica, produtora de efeitos de 
subjetividade. Quando o sujeito da enunciação utiliza uma forma-pronta, 
seu discurso é impessoal, não criativo, mas, quando subverte essa forma, 
transferindo para outra situação e exigindo que seu enunciatário também 
o faça, dá a seu texto investimento pessoal e criativo.
o futuro: continuidade/ruptura138
Nessa dupla ótica, buscamos identificar como o estereótipo atua na 
geração do sentido, utilizando a semiótica da Escola de Paris e seus des-
dobramentos recentes. Partindo da análise do enunciado, que concentrou 
a investigação e onde germinou todo fazer semiótico, essa metodologia 
chega à dimensão enunciativa, na esteira da lingüística da enunciação (a 
partir dos trabalhos de É. Benveniste e A. Culioli) e da pragmática de 
interação da linguagem (a partir de Austin, Searle e O. Ducrot). Mesmo 
que a semiótica tenha priorizado o texto-enunciado, a princípio rejeitando 
tudo o que pertencesse à situação extralingüística, sempre entendeu que 
o sujeito da enunciação está pressuposto na manifestação do discurso e 
pode ser reconstruído a partir dos traços que ele deposita no texto. Suas 
pegadas podem ser recuperadas por operações enunciativas (debreagem, 
embreagem, focalização, ponto de vista, perspectiva) e a subjetividade 
– afetividade ou enunciação apaixonada segundo Bertrand (2000: 225-
50) – vem sendo investigada a partir da Semiótica das Paixões (Greimas e 
Fontanille, 1993) por muitos semioticistas.
Ao priorizar o estereótipo, investigamos vários tipos de discurso, 
verbais, não-verbais e sincréticos. Iniciamos nossa investigação pelo dis-
curso do turismo – revistas, cadernos de jornais e guias –, passamos pelas 
publicidades, impressas e televisivas, analisamos editoriais, reportagens, 
fotos, charges, programas de TV e livros utilitários1 . Para ilustrar nossa 
abordagem, escolhemos dois textos cuja carga estereotipada pareceu-nos 
mais representativa: um livro utilitário e uma charge.2 
Nunca deixei de me surpreender diante 
do que se poderia chamar de paradoxo da 
“doxa”: o fato de a ordem do mundo tal 
como é – com seus sentidos obrigatórios e sentidos proibidos, sentidos 
próprios ou sentidos figurados, suas obrigações ou sanções – ser a gros-
so modo respeitada e se perpetuar de modo tão fácil e definitivo (...) 
(Bordieu, 1998b). 
 
[O estereótipo: referendando a doxa]
1. Adotamos o termo “utilitário” para denominar as publicações de livros de “auto-ajuda”, biografias de pessoas famosas, livros 
místicos ou de depoimento de fatos inexplicáveis etc. Denominá-los best-sellers parece-nos inadequado, considerando que 
muitos desses livros não chegam a pertencer a lista dos mais vendidos.
2. Alunos de iniciação científica, sob nossa orientação, enfocaram o estereótipo na mídia em trabalhos aqui publicados. Sobre 
o Jornal Nacional, vide ZANIRATTO, Bianca G. e sobre a charge, CUNHA, Karenine, M. R. da.
estereótipo na mídia: doxa ou ruptura 139
Ao tomar o estereótipo como enfoque de pesquisa, constatamos 
que ele freqüenta todo tipo de discurso enquanto artimanha da enunciação, 
funcionando quase como um curinga, sempre a garantir a eficiência da co-
municação que inclui o fazer-saber e o fazer-crer. Na comunicação oral ou 
no texto argumentativo, são as frases-feitas de efeito (chavões ou ditados 
populares); no discurso religioso, as citações; na publicidade, as fórmulas cul-
turais instituídas verbais e não-verbais. O discurso televisivo, por exemplo, 
utiliza imagens que revalidam valores “inquestionáveis” do senso comum: 
o estereótipo da mãe perfeita, da mulher chique ou sensual, do jovem “au-
têntico”, sobretudo na publicidade. O estereótipo da beleza feminina, cujo 
modismo de época é a silhueta top model ou da boneca Barbie, representa 
a preocupação de muitas mulheres que se obrigam a regimes constantes e 
cirurgias corretivas com conseqüência muitas vezes nefastas.
O estereótipo também mantém relação estreita com o conceito de 
estigma, que, originalmente, designa ferimento, cicatriz. Seus derivados, 
“estigmatizar”, “estigmatização”, têm o sentido de censurar, condenar, 
aviltar o nome, a reputação de alguém. No sentido usual, significa preju-
dicar, ou fazer um julgamento prematuro de alguém; julgar pela aparência. 
Embora seu caráter disfórico, a estigmatização é um processo comum tanto 
nas relações interpessoais quanto sociais e ocorre sempre que o individual 
passa a caracterizar o coletivo. Daí as generalizações estigmatizadas: “o 
nordestino”, “o turco”, “a turma da Cardia”, o menor infrator da FEBEM 
etc, que caracterizam o discurso xenófobo, que há anos tenta transformar 
em ódio os males da sociedade, tais como o desemprego, a exclusão social, 
a delinqüência, a droga, etc. A maioria dos agentes políticos e grande parte 
da mídia, em vez de aprofundar esses temas - buscar as causas - colocam 
em discussão os efeitos, evocando como solução dos problemas a “seguran-
ça” (Bourdieu, 1998a:22), a repressão violenta dos excluídos, o controle 
policial das periferias, a pena de morte.
A partir de alguns poucos exemplos, vemos que a utilização e o 
poder do estereótipo são muito mais amplos do que se pode imaginar, 
sobretudo por sua homogeneidade com os mitos modernos de que nos fala 
Barthes (1993). Empregado pelos diferentes meios de Comunicação de 
Massa, muitas vezes, numa enunciação passional revestida por figuras que 
resgatam antigos valores ou impõem outros, o estereótipo adquire status 
de mito e sua utilização revalida valores da cultura (ideologia).
Num sentido geral, podemos considerar estereótipo toda idéia 
sustentada pelo senso comum, tida como dado incontestável. A esse res-
o futuro: continuidade/ruptura140
peito, Aristóteles afirma que os lugares comuns são noções ou teses com as 
quais se argumenta, mas sobre as quais não se argumenta (Apud Bourdieu, 
1998a:16). Isto significa que na sociedade há uma submissão do indivíduo 
que implica na aceitação inconsciente do lugar-comum, esta moral rasteira, 
instituída e não contestada, que Bourdieu denomina doxa.
Evidentemente, os estereótipos são 
manifestações das mais antigas em nossa 
cultura, estão nos contos de fadas,3 nas 
narrativas populares, nas canções da Idade Média. Provém dos rituais, dos 
mitos, das belas construções verdadeiramente originais (rupturas): com-
parações e metáforas, que, utilizadas pela primeira vez, caíram no gosto 
do popular (e da ideologia). Na medida em que são repetidas, tornaram-se 
frases feitas, que nos vêm ao espírito ao primeiro pensamento, as quais é 
preciso evitar empregar e, sobretudo, esforçar-sepor não crer nelas, ou 
pelo menos, desconfiar delas. 
 Na literatura, os estereótipos são clichês abomináveis que devem 
ser evitados – Balzac os define como “estas bobagens utilizadas por ini-
ciantes” –, pois são signos de fechamento do sentido, de convergência a 
uma só isotopia. Por isso, o estereótipo alimenta o best seller, sobretudo 
os livros de auto-ajuda, tão em moda. Os romances de Paulo Coelho, por 
exemplo, estão fundamentados em fórmulas prontas: citações do evangelho 
misturadas a crenças do espiritismo e de religiões esotéricas, numa fusão 
sincrética, quase um vale tudo. Do mesmo modo, muitas autobiografias de 
pessoas famosas, tão freqüentes na atualidade, usam e abusam do estereó-
tipo. Colhidas em gravações pelo autor (jornalista) que assina a obra, essas 
publicações dão a impressão de penetrar na intimidade do ídolo biografado e 
de ajudar o leitor no dia a dia. Entretanto, as fórmulas prontas que pregam 
não escondem sua finalidade comercial e ideológica.
Na tentativa de observar a atuação do estereótipo no best-seller, 
tomamos a recente publicação Ratinho, coisa de louco (Junqueira,1998). 
Os títulos dados aos capítulos evidenciam a opção do autor pelo registro 
de gírias e fórmulas levemente modificadas pelo apresentador de televisão, 
[O estereótipo no livro utilitário]
3. A respeito dos contos de fadas, nossa dissertação Era uma vez o bom, o belo e o bem comportado... O discurso ideológico nos 
contos de fadas, Unesp/Assis, 1993, evidencia as formas figurativas que revestem temas ideólógicos, presentes nesses textos. 
Essa pesquisa está sintetizada no artigo “O bom, o belo e o bem comportado - o discurso ideológico dos contos de fadas”. In 
Anais do XXIV Seminário do GEL - Grupo de Estudos Linguísticos do Estado de São Paulo, 1995. (p. 352-358).
estereótipo na mídia: doxa ou ruptura 141
que, na verdade, apenas reforçam estereótipos cristalizados: O bicho vai 
pegar, Vivendo e aprendendo, Um cascalhinho aqui, outro cascalhinho 
ali..., Pó rodá, Aqui tem café no bule!, Cascalho não é tudo etc. A escolha 
de um narrador autodiegético cria o efeito de que Carlos Roberto Mas-
sa (Ratinho) dialoga com seu leitor. Como galgou o sucesso, pretende 
dar-lhe uma lição de vida, oferecendo fórmulas de “encontrar um lugar 
ao sol.” (Junqueira, 1998:17). Trata-se de uma narrativa simples, de es-
trutura semelhante a do conto de fada: maltratado pela vida, no início de 
sua carreira – marcado pela pobreza e “simplicidade da roça” –, o herói 
se qualifica pelo bom comportado - honestidade, altruísmo, persistência 
e tenacidade, temas figurativizado em expressões como: “capacidade de 
fazer um mundo melhor”, “história de luta”, “longa caminhada”, “imensa 
vontade de viver”(Idem:17). Essa sucessão de qualidades levaram-no ao 
sucesso - sanção positiva. Vitorioso, acha-se capacitado a “quase tudo”: 1. 
Exercer a “doutrinação”: “Temos talento para alguma coisa e temos que 
encontrar esta força que está dentro de nós.” (Ibidem:57); 2. Tecer juízos de 
valor: o capítulo 30 (Ibidem:87-8) é dedicado aos homossexuais utilizando 
tratamento debochado e machista; 3. “Consertar” o Brasil – e com apenas 
três fórmulas mágicas, capítulo 43 (Ibidem:119-20). Todas as idéias do 
protagonista não vão além do senso comum, culminando com a seguinte 
“jóia”: “Cascalho não é tudo na vida, não traz felicidade. Ajuda a nos dar 
conforto e por isso que temos que lutar por ele. Mas cascalho demais só 
traz problema...” (Ibidem:126), ou seja, mais um estereótipo tão a gosto 
da ideologia dominante. Obviamente, o livro termina com a reiteração da 
fórmula do sucesso de um sujeito que, julgando-se eleito entre os deuses 
do Olimpo, pode ditar seus saberes: “se tiver força de vontade e acreditar 
na sua capacidade, você vai chegar lá. Acorda jacaré!” (Ibidem:132). 
O registro escolhido para o livro – predomínio da oralidade, uso de 
gírias e a irreverência da linguagem –, ao ser apresentado em linguagem 
verbal escrita e em forma de livro, pode parece uma ruptura (pelo menos 
há uma ruptura da norma lingüística) que pode ser interpretado como efeito 
criativo. Entretanto, sob essa aparente ruptura, o que vemos são estereótipos 
que ocorrem em todos os níveis do percurso. No discursivo, as figuras são 
previsíveis e os temas desgastados, no narrativo, a estrutura é previsível e, 
no nível profundo, esse sujeito passa de um “lugar à sombra” a um “lugar 
ao sol”, e eis mais um estereótipo! Trata-se, portanto, de um discurso 
autoritário, que não se abre a polissemia, ao contrário, institui a vida do 
apresentador Ratinho como paradigma a ser seguido, revalidando o senso 
o futuro: continuidade/ruptura142
comum, toda doxa representada nas frases aparentemente criadas por ele, 
mas que na verdade são paráfrases de ditados populares. 
Se o estereótipo caracteriza grande 
parte dos textos de cultura de massa, nutrindo 
essa ideologia rasteira, como agir diante dele? 
Repudiá-lo? 
A análise de outros textos evidenciou que as fórmulas fixas podem 
ser alteradas, substituídas e até subvertida, carnavalizadas, como sugere 
Bakhtin (1981: 93-4) gerando outros efeitos de sentido em diferentes 
discursos. Na publicidade, por exemplo, a substituição de um dos elemen-
tos da frase feita pode provocar grande efeito, conforme evidenciam os 
slogans: “Todos os caminhos levam a VISA” (em vez de Roma), “ENTER 
que a casa é sua!” (ENTER é uma loja de computadores, Bauru/SP), “Que 
venga el sol” (“el toro”, na publicidade da linha ECRAM de bronzeadores 
e hidratantes, da Espanha, “Toda nudez será bem vestida” (“castigada”, 
título da obra de Nelson Rodrigues na publicidade dos tecidos Ferreira 
Guimarães, “E o vento não levou” (tomado do título do filme pela SANOFI 
cosméticos para atender a terceira idade) e “Linha Lolita Valisère. Para as 
únicas mulheres que mentem a idade para mais”, “mentir a idade para me-
nos” é uma característica atribuída às mulheres, contrário do que afirma a 
Valisère. Essas frases apresentam um jogo comunicativo, uma trapaça que 
a língua possibilita, pois o leitor da mensagem deverá encontrar a fórmula 
fixa em seu arquivo de memória, procedendo a uma operação inversa à 
efetuada pelo produtor. 
A coexistência mental da fórmula fixa e do slogan é fundamental 
para a validade da mensagem. Os elementos, substituto e substituído, são 
formalmente importantes e percebidos como o lugar de toda diferença. 
A isomorfia entre elas pode ser perfeita ou imperfeita, mas sempre guarda 
em si a fórmula fixa preexistente. Por isso, a substituição será gravada na 
memória com mais facilidade, mas o grau de subversão do estereótipo 
aqui ainda é pouco significante. 
O caçador de bruxas não precisa acreditar em nada. 
Nem em bruxas. A bruxa é uma caça fácil e abun-
dante porque, ao contrário do perdigão, qualquer 
coisa pode ser bruxa. Basta o caçador de bruxas apontar o seu dedo e 
dizer: ‘É uma bruxa’.” 
 Luís Veríssimo.
[O estereótipo na charge]
[A subversão do estereótipo]
estereótipo na mídia: doxa ou ruptura 143
No grafite ou na charge, o estereótipo apresenta jogo duplo: retoma 
e modifica o sentido, sendo que a subversão é bem mais profunda. A ca-
ricatura criada pelo desenhista retoma a pessoa representada, exagerando 
certos traços. Em seguida, a situação criada no texto investe outros sentidos 
que podem subverter o estereótipo. A análise do grafite de Paulo Caruso, 
publicado na Folha S.Paulo em 20/03/2000 (p.1-5), pretende demonstrar 
como essa operação se concretiza. O cartunista caricaturiza Nicéia Pitta, 
buscando registrar os traços fisionômicos capazes de fazer com que o leitor 
a identifique, busca chegar a seu figural. Poderíamos dizer, sua “niceici-
dade”. Ao apresentá-la como bruxa e com legenda: “Minha vingança será 
maligna”, investe duplamente estereótipo, pois esta frase pertence a uma 
das personagens de ChicoAnísio em programa humorístico (no quadro 
“Beto Carneiro, o vampiro brasileiro”) que, por sua vez, resgata a frase 
da personagem Maga Patalógica, uma bruxa, criada nos estúdios Disney. 
A relação que o cartunista estabelece entre a personagem real e a fictícia, 
duplamente figurativizada – no não-verbal e no verbal –, direciona para a 
isotopia da malignidade, da vingança de uma mulher “mal amada”, como 
afirmou Maluf em declarações à imprensa (mais um estereótipo), tentando 
amenizar as revelações de escândalos que Nicéia fez contra seu marido, o 
prefeito de São Paulo Celso Pitta, após a separação do casal. Até aqui, per-
manece o ranso do estereótipo, que reafirma valores da doxa, denunciado 
por Veríssimo em epígrafe. 
A segunda frase resgata outro clichê : “Não deixarei pedra sobre 
pedra”, frase bíblica referente à destruição das cidades de Sodoma e Gomor-
ra. A substituição de ”pedra” por “Pita” insere o processo de transferência 
(aplica-o em outro contexto). Assim, o efeito conotativo é instaurado e o 
estereótipo é subvertido.
A bandeira brasileira que, ao mesmo tempo serve de vestimenta e 
se esvoaça, indicando seu vôo, também é um estereótipo da brasilidade, 
do patriotismo, tema com que Nicéia re-vestiu suas denúncias de corrup-
ção: sugeriu que as mulheres de políticos deveriam seguir seu exemplo, 
denunciando falcatruas e colocou, ela mesma, um bandeira do Brasil na 
janela de seu apartamento, foto que apareceu nos grandes jornais do país 
na época. Ao vesti-la com a bandeira (revestimento superficial), o enun-
ciador (cartunista) parece pretender demonstrar que seu patriotismo 
também é superficial, piegas. Portanto, na charge, tanto os estereótipos 
verbais quanto os imagéticos apresentam um avesso criativo, original, ao 
ligar uma forma-pronta a um fato ou personagem novo. 
o futuro: continuidade/ruptura144
 Considerando o estereótipo 
um termo transparente, uma figura 
funcional que garante a inteligibilidade 
do discurso enunciado, nesta altura da pesquisa, podemos descrever dois 
tipos de manifestação estereotipada: 1. De um lado, o estereótipo como 
voz da opinião comum, da moral rasteira, a doxa; 2. De outro, o estere-
ótipo como elemento criativo, conciliado a um processo de subversão do 
signo. No primeiro, a função participativa ou comunicativa do enunciado 
é submetida a uma voz predominante, a uma isotopia de rigor, que trans-
forma o enunciado na imagem da doxa. Temos todo o domínio da lei, do 
senso comum, (prescrição/interdição) que é atualizado nos provérbios, 
nas parábolas e na Mídia. No segundo caso, o estereótipo como elemento 
criativo abre uma via pela qual é possível afirmar: há vida no estereótipo, 
ou melhor, ele rejuvenesce, recauchuta, reformula, a figura vulgar, usada, 
fosca pelo ação dos anos. Essa aplicação das formas estereotipadas é um 
mecanismo dialógico, intertextual, original e criativo, na medida em que, 
a partir de “pedaços” de discursos, forma-se um todo coeso, crítico, fora 
do ranço estereotipado. 
A configuração discursiva do estereótipo e suas possíveis manifestações 
foram descritas, até aqui, de forma teórica e prática. No momento da escolha 
do objeto, elegemos o discurso da Mídia, discurso que vem ganhando atenção 
especial nas últimas décadas. Não é preciso um estudo profundo para afirmar 
que o discurso midiático é um discurso marcado pelo poder e por todas as 
suas variações. Hoje, na esteira de Barthes (1993), encontra-se toda sorte de 
mitologias, pequenos e sedutores mitemas criados pelos jornais, TVs, rádios, 
cinema, publicidade etc. É na leitura do discurso midiático – no seu pior e no 
seu melhor – que nossos alunos-pesquisadores têm desenvolvido seus trabalhos, 
na tentativa de desvelar, novamente segundo Barthes (1997), o “mostro que 
dorme atrás de cada signo”: o estereótipo.
Referências
 
BARTHES, Roland. Mitologias. Rio de Janeiro : Bertrand, 1993.
BAKTHIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiéviski. Rio de Janeiro: Forense- Universitária, 
1981.
BARROS, Diana Luz Pessoa de & FIORIN, José Luiz (Org.). Dialogismo, Polifonia, Intertextualidade. 
São Paulo : Edusp, 1999.
[Por uma tipologia do estereótipo]
estereótipo na mídia: doxa ou ruptura 145
BERTRAND, Denis. Précis de sémiotique littéraire. Paris: Nathan Université, 2000.
BOURDIEU, Pierre. Contre-feux. Paris: Éditions Liber-Raison d’Agir, 1998a.
________. “A dominação masculina”, Folha de S. Paulo, Caderno Mais (5-7) 08/12/1998b
GREIMAS, A. J. e COURTÉS, J. Sémiotique – dictionnaire raisonné de la théorie du langage. Paris: 
Hachette, 1993.
GREIMAS A. J. e FONTANILLE J. Semiótica das Paixões. São Paulo: Ática, 1993.
JUNQUEIRA, Beto. Ratinho, coisa de louco. Porto Alegre: L&PM, 1998. 
RABAÇA, C. A. & BARBOSA, G. Dicionário de Comunicação. São Paulo: Ática, 1987.

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