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Cole<;:ao ANTROPOLOGIA SOCIAL diretor: Gilberto Velho ·0 RJso E 0 RJsfvEL Verena Alberti • ANTROPOLOGLA CULTURAL Franz Boas ·0EsrfRITO MILITAR • Os MILITARES EA REpUBLICA Celso Castro • DA VIDA NERVOSA Luiz Fernando Duarte • GAROTAS DE PROGRAMA Maria Dulce Gaspar • NOVA Luz SOBREA ANTROPOLOGIA • OBSERVANDO 0 IsLA. Clifford Geertz ·0 COTIDlANO DA POLfTICA Karina Kuschnir • CULTURA: UM CONCEITO ANTROPOL6GICO Roque de Barros Laraia • AUTORIDADE & AFETO Myriam Lins de Barros • GUERRA DE ORIxA Yvonne Maggie • CULTURA ERAzAo PRATICA • ILHAS DE HIST6RIA Marshall Sahlins • Os MANDARINS MILAGROSOS Elizabeth Travassos • ANTROPOLOGIA URBANA • DESVIO E DIVERGIONCIA • INDIVIDUALISMO E CULTURA • PROJETO E METAMORFOSE • SUBJETIVIDADE E SOCIEDADE • A UTOPIA URBANA Gilberto Velho • PESQUISASURBANAS Gilberto Velho e Karina Kuschnir ·0MUNDO FUNK CARIOCA ·0MISTIORIO DO SAMBA Hermano Vianna • BEZERRA DA SILVA: PRODUTO DO MORRO Letfeia Vianna ·0 MUNDO DA ASTROLOGIA Luis Rodolfo Vilhena Clifford Geertz NovaLuz sobre a Antropologia Traduyao: VERA RlBEIRO Revisao tecnica: MARLA CLAUDIA PEREIRA COELH Drpll dr Ciencias Socia is, UERj Jorge Zahar Editor Ri de Janeiro enaltece, de outro porque subestima sua ubiquidade, sua inerradicabilidade e sua fon;:a. A razao de 0 jargao jurfdico "ajuizar" nao ser a melhor palavra para apon- tar a alternativa a essas maneiras de evitar as quest6es e que ele sugere urn "ajui- zador", algo (ou alguem) que separe as coisas, concilie as abordagens, ordene-as hierarquicamente ou escolha entre elas. Mas, seja qual for a ordem que emerge na mente ou na cultura, ela nao e produzida por urn processo cen- tral reinante ou por uma estrutura diretiva; e produzida pela interaqao ... bern, do que quer que esteja interagindo no caso. 0 futuro da psicologia cultural de- pended. da habilidade de seus praticantes de tirar proveito de uma situaqao muito turbulenta e deselegante - uma situaqao em que sao singularmente adequadas a franqueza, a receptividade, a adaptabilidade, a inventividade e a inquietaqao intelectual, para nao falar no otimismo, que caracterizaram 0 tra- balho de Bruner desde seus primordios. A visao e 0 exemplo dele parecem pro- pensos a vicejar, seja quem for que de continuidade a narrativa, eo que quer que ela venha a dizer. 10 Cultura> mente, cerebro /Cerebro, mente, cultura A antropologia e a psicologia escolheram entre si dois dos objetos mais impro- vaveis em torno dos quais ten tar construir uma ciencia positiva: Cultura e Mente, Kultur und Geist, Culture et Esprit. Ambos sac heranqas de filosofias ex- tintas, ambos tern histori as variegadas de inflaqao ideologica e abuso retorico, e ambos tern usos cotidianos amplos e multiplos, que interferem em qualquer esforqo de estabilizar seu senti do ou transforma-los em especies naturais. Fo- ram repetidamente condenados como mfsticos ou metaffsicos, repetidamente banidos dos recintos disciplinados da investigaqao seria, e repetidamente se re- cusaram a ir embora. Quando eles se aliam, as dificuldades nao fazem simplesmente somar-se, mas explodem. Ou se prop6em e elaboram reduq6es mais ou menos complica- das e igualmente implausfveis do primeiro ao segundo ou do segundo ao pri- meiro, ou se descreve entre eles algum sistema de interaqao teoricamente intrincado, que deixa sua possibilidade de separaqao sem questionamento e seu peso indeterminado. Mais recentemente, a medida que se desenvolveram as ciencias cognitivas, houve uma tendencia a fugir desses termos, mais ou menos completamente, e, em vez deles, a falar em circuitos neurais e processamento computacional, sistemas programaveis artificialmente instrufdos - ratica que torna intocadas e intocaveis as quest6es da habitaqao social do pensamento e das bases pessoais da significaqao. No que concerne a antropologia, essas duplas quest6es, mal formuladas ou evitadas - a natureza mental da cultura, a natureza cultural da mente-, tem-na atormentado desde seus primordios. Das ruminaq6es de Tylor sobre as insuficiencias cognitivas da religiao primitiva, na decada de 1870, passando pelas de Levy-Bruhl sobre as participaq6es simpaticas e 0 pensamento pre-Iogico, na decada de 1920, ate as de Levi-Strauss sobre a bricolage, os mite- mas e la pensie sauvage, na decada de 1960, a questao da "mentalidade primitiT va" - 0 grau em que os chamados nativos pensam de maneira diferente dos (tambem cham ados) civilizados, avanc,:ados,racionais e ciendficos - tern divi- dido e confundido a teoria etnogrifica. Boas, em A mente do homem primitivo, Malinowski, em Magia, ciencia e religiiio, e Douglas, em Pureza eperigo, todos entraram em luta com 0 mesmo anjo: colocar numa relac,:aointeligfvel, como dizem variadamente eles e seus seguidores, 0 intemo e 0 extemo, 0 privado eo publico, 0 pessoal eo social, 0 psicologico e 0 historico, 0 vivencial eo compor- tamental. Mas talvez seja exatamente essa suposic,:ao- a de que 0 que esra em pauta e precisa ser determinado e uma especie de Iigac,:aoque estabelec,:auma ponte entre 0 mundo dentro do cranio e 0 mundo fora dele - que cria 0 problema, antes de mais nada. Desde que Wittgenstein demoliu a propria ideia de uma linguagem privada e da consequenre s~cia izac,:aoda fala e do sentido, a locali- zac,:aoda mente na cabec,:ae da cultura fora dela ja nao parece ser senao urn ob- vio e incontroverso senso comum. 0 que esta dentro da cabec,:ae 0 cerebro, e mais umas outras coisas biologicas. 0 que esta fora sac os repolhos, os reis e uma porc,:aode outras coisas. A pergunta subversiva do filosofo cognitivo Andy Clark, "Onde termina a mente e comec,:a0 resto do mundo?", e tao pouco pas- sfvel de resposta quanto sua correlata igualmente exasperante, "Onde termina a cultura e comec,:a0 resto do se!f?,,1 Boa parte dos trabalhos recentes do que passou a ser conhecido como "psi- cologia cultural" tern consistido em tentativas - algumas impressionantes, outras bem menos, e todas manuseando confusamente 0 material de diversas disciplinas - de navegar em tomo desse duplo dilema, tomando a conceber a mentalidade e 0 sentido em termos menos incisivos, isto e isto, aquilo e aquilo. Os proprios dtulos dos estudos desse genero emergente -A cultura na mente, Mentes reais e mitndos possiveis, Pensando atraves das culturas, A mente discursi- va, A vida interna: a mente externa, Como pensam as instituiroes, Passospara uma ecologia da mente e Maneiras de construir 0 mundo - sugerem seu alcance cres- cente e sua apreensao insegura.2 "Tomar a reunir", para citar novamente Clark, desta vez em seu dtulo, "0 cerebro, 0 corpo e 0 mundo" e uma senhora tare fa, difusa e ambiciosa. Mas e uma tarefa que enfim foi iniciada para valer. Ou que recomec,:ou, como sugere 0 dtulo do levantamento recente que Mi- chael Cole fez desse assunto variegado: Psicologia cultural: a ciencia de um dia e do futuro.} Como muitas vezes acontece com os desvios necessarios dos metodos co- nhecidos, 0 primeiro passo, nesse esforc,:ode relacionar 0 que os psicologos, voltados para dentro, aprenderam sobre como os seres human os raciocinam, sentem, recordam, imaginam e decidem com 0 que os antropologos, voltados para fora, aprenderam sobre como 0 sentido e construfdo, aprendido, imposto e transformado, tern sjdo obvio ha algum tempo, mas e curiosamente diffcil para qualquer desses tipos de investigadores. Trata-se do abandono da ideia de que 0 cerebro do Homo sapiens e capaz de urn funcionamento autonomo, ca- paz de operar com efid.cia, ou simplesmente sequer de operar, como urn siste- ma endogenamente acionado e independente do contexto. Pelo menos desde a descric,:aopormenorizada dos esragios incipientes e pre-lingufsticos da homini- zac,:ao(cranios pequenos, estatura ereta, utensllios planejados), iniciada ha cer- ca de meio seculo com a descoberta de fosseis pre-pitecantropoides e sftiosdo infcio do pleistoceno, 0 fato de 0 cerebro e a cultura terem evolufdo juntos, numa dependencia reciproca para sua propria realizac,:ao,tomou insustentavel a concepc,:aodo funcionamento mental humano como urn processo intracere- bral intrinsecamente determinado, que seria omamentado e ampliado, mas di- ficilmente gerado, por recursos culturais - a linguagem, 0 rito, a tecnologia, 0 ensino e 0 tabu do incesto. Nosso cerebro nao se encontra num tonel, mas em nosso corpo. Nossa mente nao se encontra em nosso corpo, mas no mundo. E, quanto ao mundo, ele nao esta em nosso cerebro, nosso corpo ou nossa mente: estes e que, junto com os deuses, os verbos, as pedras e a polftica, estao nele. Tudo isso - a evoluc,:aocoeranea do corpo e da cultura, 0 carater funcio- nalmente incompleto do sistema nervoso humano, 0 fato de 0 sentido ser urn componente do pensamento e de 0 pensamento ser urn componente da pratica - sugere que 0 caminho para uma melhor compreensao do biologico, do psi- cologico e do sociocultural nao passa pela disposic,:aodeles numa especie de hi- erarquia da cadeia do ser, estendendo-se do ffsico e do biologico ate 0 social e 0 semiotico, com cada nfvel emergindo e dependendo do que the esta mais abai- xo (e, com sorte, sendo redudvel a ele). Tampouco passa por trata-los como re- alidades descondnuas e soberanas, como campos fechados e isolados, externamente ligados uns aos outros Cnuma interface" uns com os outros, como diz 0 jargao) atraves de forc,:as,fatores, quantidades e causas vagos e aci- dentais. Constituindo uns aos outros e reciprocamente construtivos, eles de- vem ser tratados como tais - como complementos, nao nfveis; como aspectos, nao entidades; como paisagens, nao domfnios. Isso talvez seja discudvel. Sem duvida, e muito discutido. 0 que parece menos discudvel e que, a medida que avanc,:anossa compreensao do cerebro, do processamento da informac,:ao, do desenvolvimento individual, da comuni- cac,:aosocial e do comportamento coletivo, da percepc,:ao,da emoc,:ao,da fanta- sia, da memoria e da formac,:ao de conceitos, e tambem da referencia, do sentido, da representac,:ao e do discurso, e avanc,:ade maneiras diversas, numa especie de consciencia cautelosa e oblfqua uns dos outros, vistos pelo canto do olho, a possibilidade de reduzir todos eles a urn so, de separa-Ios em comparti- mentos estanques, ou de reuni-Ios numa sfntese abrangente, como uma teoria de tudo, vai ficando cada vez mais remota. Ao que parece, nao estamos avan- yando em direyao a urn fim predeterminado onde tudo se junta, a Babel se des- faz e 0 Self se une a Sociedade. Ao contrario, estamos assistindo a uma proliferayao cada vez mais rapida, a uma investida, na verdade, do que Thomas Kuhn chamou de matrizes disci- plinares - montagens soltas de tecnicas, vocabularios, pressupostos, instru- mentos e realizayoes exemplares que, apesar de sua especificidade e originalidade, ou ate de sua incomensurabilidade grandiosa, influem com for- ya sempre mais intensa e com uma precisao crescente sobre a velocidade, a di- reyao e os pormenores do desenvolvimento uns dos outros. T emos e continuaremos a ter, no futuro previsfvel, urn campo cada vez mais diferencia- do de disciplinas semi-independentes e semi-interativas, ou de matrizes disci- plinares (e de comunidades de pesquisa que as respaldam, celebram, criticam e ampliam), dedicadas a tal ou qual abordagem do estudo de como pensamos e com 0 que pensamos. E e dentro desse campo, disperso, dfspar e em continua mudanya, que devemos, de diversas maneiras, aprender a tocar nao urn projeto comum - ja que Sigmund Freud e Noam Chomsky, Marshall Sahlins e E.O. Wilson, Gerald Edelman e Patricia Churchland, Charles Taylor e Daniel Dennett nunca se aproximarao 0 bastante uns dos outros para permitir que is- so aconteya -, mas uma coleyao semi-ordenada e policentrica de projetos mu- tuamente condicionados. Isso, por sua vez, sugere que alguem que esteja tentando, como fayo aqui, nao relatar descobertas espedficas ou avaliar propostas espedficas, mas descre- ver a situayao geral, fara bem em ten tar examinar sinopticamente 0 campo in- teiro, ainda que ele seja disperso, irregular e resistente a sfntese como e. Nos ultimos anos, acostumamo-nos cada vez mais a lidar com sistemas distributi- vos, parcialmente ligados e autonomamente organizados, especial mente na en- genharia e na biologia, e nas simulayoes de tudo em computador, desde formigueiros e montagens de neuronios ate 0 desenvolvimento embrionario e a percepyao de objetos. Mas ainda nao estamos habituados a olhar dessa ma- neira para matrizes disciplinares ou para a interayao de matrizes disciplinares. Parece aconselhavel que urn campo (antigo ou futuro) como a "psicologia cul- tural", interessado exatamente nessa interayao entre abordagens dessemelhan- tes, apaixonadas e ate ciumentas e incompativeis de "como pensamos nos, os nativos", e tambem entre os partidarios ardorosos que as levam competitiva- mente adiante, acostume-se a faze-Io. 0 que vamos encontrar aqui nao e uma coordenayao rigorosa nem uma disputa displicente de divergencias, na base do cada urn por si. 0 que encontraremos e estamos encontrando e uma argumen- tayao rigorosa, que se aguya e se aprofunda. E, se voce acha que as coisas andam turbulentas, espere so para ver 0 que vem por af. Para tomar tudo isso urn pouco mais concreto, em vez de meramente pro- gramatico e exortatorio, permitam-me, a guisa de urn breve exemplo, tomar al- gumas discussoes receTltes, na antropologia, na psicologia e na neurologia, sobre essa particularidade sumamente esquiva e variegada de nossa vida imedi- ata, aquela de que Hume achava que a razao era e devia ser escrava em toda par- te, ou seja, a "paixao" - "emoyao", "sentimento", "afeto", "atitude", "estado de animo", "desejo" ou "temperamento". Tambem essas palavras definem urn espayo, nao uma entidade. Elas se su- perpoem, diferem e contrastam, juntando-se apenas em termos obHquos de uma semelhanya familia.r - politeticamente, como se costuma dizer; 0 proble- ma esra menos em fixar seus referentes (coisa notoriamente difkil de fazer- onde fica a "inveja", que e a "saudade"?) do que em delinear seu alcance e apli- cayao. Comeyarei pela antropologia, nao so porque conheyo 0 material com mais exatidao, mas porq ue eu mesmo fui meio envolvido nessa historia - acu- sado, na verdade, de haver "ajudado a obter permissao para que os antropolo- gos cultural-simbolicos desenvolvam uma antropologia do self e do sentimento", coisa aparentemente lamenrave1.4 0 que quero discutir aqui, en- tretanto, nao e meu proprio trabalho, que nesse aspecto foi mais de assessoria que de autorizayao (uma palavra ao pe do ouvido, e nao uma especie de benyao ou licenya para praticar), e sim 0 dos cham ados teoricos culturalistas, ou da ayao simbolica, da paixao e do sentimento. Esses teoricos (e pesquisadores de campo, como e a maio ria deles, basica- mente), dos quais Michelle Rosaldo, Catherine Lutz, Jean Briggs, Richard Shweder, Robert Levy e Anna. Wierzbicka sao, inter aLia e de maneiras varia- das, exemplos representativos, ado tam uma abordagem essencialmente semio- tica das emoyoes - uma abordagem que as ve em termos dos instrumentos de significayao e das praticas de construyao at raves dos quais elas recebem forma, sentido e circulayao.5 As palavras, imagens, gestos, marcas corporais e termino- logias, assim como'as historias, ritos, costumes, sermoes, melodias e conversas, nao sac meros velculos de sentimentos alojados noutro lugar, como urn pu- nhado de reflexos, sintomas e transpirayoes. Sao 0 Locuse a maquinaria da coisa em sl. "[Se] temos a esperanya", escreve Rosaldo, com a inaptidao hesitante que esse tipo de visao ten de a produzir, dado 0 cartesianismo arraigado de nossa linguagem psicologica, "de aprender como as canyoes, as desfeitas ou as matan- yas podem agitar os corayoes human os, temos de instrumentar ainterpretayao com uma apreensao da relayao entre as formas expressivas e os sentimentos, que estao ligados a cultura e derivam sua signifi'cayao do lugar que ocupam na experiencia de vida de pessoas particulares, em sociedades particulares." Como quer que se pareya seu aspecto geral e por mais util que seja com para-las, a ira-menis de Aquiles e a furia-liget dos cac;:adores de cabec;:as que Rosaldo en- controu nas Filipinas extraem sua substincia espedfica, diz a autora, de "con- textos distintos e ... forma[s] distinta[s] de vida". Sao "modelo[s] [locais] de apreensao, mediada por formas culturais e por uma logica social [locais]".6 Partin do desse tipo de plataforma geral, a pesquisa pode tomar diversas di- rec;:6es, a maioria das quais foi pelo menos provisoriamente explorada. Existem estudos sobre 0 "vocabulario da emoc;:ao", destinados a deslindar 0 sentido de termos cultural mente espedficos para designar sentimentos, atitudes e estados de espirito, como fez Rosaldo com 0 ligetdos Ilongot. (Na verdade, essa palavra e impropriamente traduzida por "furia". Aproxima-se mais de "energia" ou "forc;:a vital", mas nem essas traduc;:6es servem. Ha necessidade, como em relac;:ao ao menisda lliada, de glosas extensas, exemplos de uso, discriminac;:6es contextuais, implicac;:6es comportamentais e term os alternativos.) Toda uma gama de antro- pologos, inclusive eu mesmo, tem prestado servic;:os semelhantes a palavras que sao, etnocentrica, tendenciosa ou apenas preguic;:osamente, traduzidas desta ou daquela lfngua para 0 ingles como os cliches afetivos "culpa" e "vergonha". A lin- giiista culturalista Anna Wierzbicka - observando que palavras japonesas "como emyo (aproximadamente 'moderac;:ao interpessoal'), on (aproximada- mente 'divida de gratidao') e omoiyari (aproximadamente 'empatia benevolen- te') ... podem levar-nos ao centro de todo um complexo de valores e atitudes culturais, ... revelando toda uma rede ... de roteiros espedficos da cultura" - nao apenas demonstra esse fato em relac;:ao ao japones, mas tambem em relac;:ao ao russo (toska, "melancolia com anseio"), ao alemao (Heimatliebe, "amor a patria") e ao que ela chama de "0 grande adjetivo australiano", bloody. Qutros fizeram desdobramentos comparaveis do samoano aloft ("amor ou empatia ... voltado em linha ascendente pelos de status inferior para os de status superior"), do arabe niya ("decidido" .. : "desejo" ... "franco" ... "nao diluido" ... "sincero") e do javanes rasa ("percepc;:ao-sen timen to-gosto-signi ficac;:ao-sen tido"). 7 AJem desses estudos dos sistemas vocabulares, tem havido uma ampla gama de outros tipos de pesquisa destinados a examinar os sentidos das emo- c;:6ese, tanto quanto possivel, mapear 0 espac;:o conceitual que eles abrangem. Existem estudos etnomedicos sobre os conceitos nativos de doenc;:a, sofrimen- to, dor, cura e bem-estar. Ha estudos etnometaforicos de regimes figurativos - possessao por espiritos, feitic;:aria, ritos de passagem - para gravar senti- mentos de ... bem, invertendo 0 metodo tarskiano habitual, "possessao", "bru- xaria" e "passagem". Ha estudos etnopsicologicos sobre a importancia das diferentes emoc;:6es nas diferentes sociedades, e sobre a maneira como as crian- c;:asaprendem a senti-las. E ha estudos etno-esteticos sobre a mitologia, a musi- ca, a arte, e a tonalidade e 0 ambiente da vida cotidiana. Cada um desses estudos ou tipos de estudo e provisorio e sugestivo - diffcil de confirmar, diff- cil de reproduzir. E alguns deles mais fazem confundir do que esclarecer as coi- sas. Mas, no geral, por sua variedade, pela gama de materiais em que tocam e, especialmente, por sua sutileza sempre crescente de observac;:ao, parece que eles deixam bem clara, pelo menos para mim, a constituic;:ao cultural da emoc;:ao. Como quer que seja, os desafios mais vigorosos e desenvolvidos as teorias culturalistas e da ac;:aosimbolica sobre a emoc;:ao, 0 sentimento e a paixao nao aparecem, na verdade, sob a forma de duvidas acerca de sua adequac;:ao empiri- ca como tal- 0 que nao passa, afinal de contas, de uma questao interpretativa, que so a observac;:ao adicional e mais exata e capaz de resolver. Eles surgem, an- tes, sob a forma de acusac;:6es de uma deficiencia mais fundamental, mais pro- fundamente lesiva, ate fatal: seu suposto descaso para com a dinamica "intrapsiquica" e, portanto, sua desatenc;:ao (tambem suposta) e sua incapaci- dade de lidar com 0 agente, a individualidade e a subjetividade pessoal. Essas descric;:6es, escreve a psicanalista Nancy Chodorow, que e particularmente treinada no assunto, sao incapazes de conceber teoricamente, mesmo que descrevam etnograficamen- te, os processos psicologicos individuais de criac;:aopessoal do sentido. Desconhe- cern os modos idiossincraticos e divergentes pelos quais as emoc;:oes se desenvolvem e sac experimentadas .... Onde e, podemos indagar, que a crianc;:a adquire a capacidade, a habilidade ou 0 habito de "ler" os corpos culturais, para comec;:ode conversa, senao em partes internas ou psicobiol6gicas de seu ser?8 Como analista, e bastante ortodoxa, seguidora de Melanie Klein, Hans Loewald e D.W. Winnicott, Chodorow tem uma concepc;:ao fortemente pau- tada na "vida intima", 1<1. no fundo do inconsciente, sobre como os bebes aluci- natorios transformam-se em adultos movidos pela fantasia. Alem do cultural e do biologico, diz ela, existe "um terceiro campo" que nao pode ser efetivamen- te entendido (e ela cita Rosaldo, que, junto comigo, e seu alvo principal nesse ponto) "com referencia aos enredos culturais e as associac;:6es que eles evocam" ou a "cenas culturais associadas com determinadas emoc;:6es". o que falta [escreve ela] na abordagem de fazer coisas com palavras da emoc;:aoe urn entendimento do que existe entre a instintividade humana universal, ou a cultura pan-humana, e a particularidade cultural universal, e de como essa area de intersec;:ao se desenvolve e e vivenciada em contextos interpessoais e intrapsi- quicos especfficos, aos quais a projec;:aoe a il1trojec;:ao,a rransferencia e a conrra- rransferencia dao urn sentido pessoal. ... [0] regimo psicol6gico [e ] urn regimo separado, sui generis.9 Mas nao e apenas nessa disciplina, notoriamente auto-suficiente e absorta em si mesma, sobre cujas reivindicac;:6es de autoridade absoluta e supremacia e sobre cujo modo peremptorio de ver as coisas e compreensivel que ate urn es- pectador simpatizante tenha certas reservas, que surge esse tipo de crftica. Qualquer urn que se interesse pelo desenvolvimento individual, desde Jean Piaget e Lev Vygotsky ate Jerome Bruner e Rom Harre, tende a manifestar in- quietac;:oessemelhantes sobre qualquer concepc;:aodas paixoes que nao indague sobre sua historia ontogenetica. A questao nao e que as analises culturais das emoc;:oesnao expliquem, como Chodorow parece querer dizer ("urn registro separado", "essa area de intersec;:ao", "sui generis"), como e realmente para al- guem, de verdade, la dentro, no imago da sua intimidade, sentir esta ou aquela emoc;:ao. Formulada dessa maneira, a pergunta e impossivel de responder; como a dor (ou a "dor"), ela e sentida como e sentida. A questao e como essas emoc;:oes- menis, liget, ira ou furia, toska ou Heimatliebe, on, enryo ou omoiya- ri (ou, ja que estamos no assunto, bloody) - passam a ter a forc;:a,a pertinencia eo efeito que tern. Mais uma vez, pesquisas recentes, sobretudo de psicologos do desenvolvi- mento e comparativos (Bruner, Janet Astington, David Premack), mas tam- bern, vez por outra, de linguistas e antropologos de orientac;:ao psicologica (George Lakoff, Carol Feldman, William Frawley, Roy D'Andrade), tern avanc;:ado nesse assunto com certa rapidez.10 E, 0 que e mais notivel, surgiu uma concepc;:aoseriamente modificada da mente infantil- nao uma confusao alvoroc;:adae florescente, nao uma fantasia voraz, girando em desamparo num desejo cego, nem tampouco algoritmosinatos gerando uma profusao de cate- gorias sintaticas e conceitos prontos para ser usados, mas uma mente criando sentido, buscando sentido, preservando sentido e usando sentido; numa pal a- vra - a palavra de Nelson Goodman -, construtora do mundo.11 Os estudos sobre a capacidade e a propensao das crianc;:asa construir modelos da socieda- de, dos outros, da natureza, do self, do pensamento como tal (e, e claro, dos sentimentos), e a usa-los para se haver com 0 que acontece a seu redor, tern proliferado e assumido urn cunho pratico. Estudos do autismo como uma im- possibilidade (seja por que razao for) de a crianc;:aelaborar uma teoria viavel so- bre as "outras mentes", estudos sobre a imaginac;:ao da realidade e a instruc;:ao da realidade atraves da narrativa e do relato de historias, sobre a construc;:ao de si e a atribuic;:ao dos agentes como iniciativa social, e sobre a subjetividade como conquistada intersubjetivamente, e portanto, contextualmente, e por- tanto, culturalmente, vem-nos dando uma imagem do surgimento de nossa mente na qual "fazer coisas com palavras da emoc;:ao" e a "criac;:aopessoal do sentido" nao se parecem muito com "registros separados". "0 desenvolvimen- to do pensamento da crianc;:a",escreveu ha setenta anos Vygotsky, 0 patrono desse tipo de trabalho, "depende de seu dominio dos meios sociais do pensar. ...0 uso de signos leva os seres humanos a uma estrutura espedfica de compor- tamento, que rompe com 0 desenvolvimento biologico e cria novas formas de urn processo psicologico baseado na cultura."12 Portanto, e assim que os sentimentos acontecem: "entre uma lesao literal e urn tropo literario", como observou Richard Shweder, "ha muito espac;:opara urn corac;:aopartido." Mas, como tambem comentou, "os nervos em franga- lhos, 0 sangue enregelado, a cabec;:aexplodindo e 0 corac;:aopartido [sao] meto- nimias do sofrimento; dao ... expressao, por meio de metaforas com partes do corpo, a formas de experiencia incorporada do sofrimento, at raves das partes do carpo usadas para expressa-Ias .... [Mas] as cabec;:asexplodindo nao explo- dem, os corac;:oespartidos nao se partem, a sangue enregelado continua a cir- cular com a mesma velocidade e os nervos em frangalhos nao exibem nenhuma I . I" 13pato ogla estrutura . Mas outros estados emocionais as exibem, as vezes, ou, pelo menos, envol- vem deturpac;:oes observaveis (e perceptfveis) de processos somaticos. 0 recur- so as imagens de partes do corpo para caracterizar nao so 0 sofrimento, mas a emoc;:aoem geral (se os corac;:oesse partem de desespero, tambem explodem de alegria), faz-nos lembrar que, como quer que sejam caracterizados e como quer que se venha a te-Ios, as sentimentos sac sentidos. As mac;:asdo rosto enrubes- cern e ficam aquecidas, ou se esfriam e empalidecem, os estomagos se revolvem au se contraem, as palmas das maos transpiram, a respirac;:aofica entrecortada e os queixos caem, para nao falar das complicadas intumescencias e perturbac;:oes trazidas par Eros. Ate as lesoes literais, quando sac as lesoes de alguem, no cere- bro de alguem, alterando a vida de alguem, e nao deuses extraculturais vindos de uma maquina cerebral, sao dignas de exame. Os neurologistas, e claro, investigam ha muito tempo as implicac;:oestrazi- das para 0 funcionamento mental par lesoes situadas numa ou noutra area do cerebro. Mas, ate recentemente, 0 grosso desses trabalhos dizia respeito ao pro- cessamento cognitivo, no sentido intelectivo mais restrito - defeitos e deficits de percepc;:ao,lingiHsticos, mnemicos au motores; deficiencias de Wernicke no reconhecimento, deficiencias de Broca na produc;:ao.As alterac;:oesemocionais, talvez por terem forma menos definida e serem mais diffceis de medir (alem, talvez, de nao serem prontamente caracterizaveis em termos de deficiencia), desde William James ate Oliver Sacks, foram mais relatadas em termos feno- menologicos, ainda que brilhantes, do que somaticamente deslindadas. T ambem isso comec;:oua mudar e, para exemplifica-Io, podemos examinar, num resumo apressado, 0 livro 0 erro de Descartes: emoriio, raziio e 0 cerebro hu- mano, de Antonio Damasio, que e apenas uma dentre varias investigac;:oesrecen- tes sobre 0 que passou a ser chamado de "0 cerebro incorporado".14 Damasio relata seu trabalho com pessoas - nominalmente identificadas, descritas, parti- cularizadas e cultural mente situadas - com lesoes no lobo frontal (uma ponta de Ferro que perfurou a testa, urn meningioma extirpado, urn derrame cerebral, uma leucotomia), e discorre sobre as inferencias que podem ser feitas a partir da luta, da subjetividade, da personalidade e do destino de!as no tocante ao pape! do sentimento na constru<;a:o da vida humana: "Os sentimentos nos permitem vislumbrar 0 organismo em plena atividade biologica, como urn reAexo dos me- canismos da propria vida em funcionamento. Nao Fosse pela possibilidade de sentir os estados corporais, ... nao haveria sofrimento ou extase, anseio ou miseri- cordia, tragedia ou gloria na condic;:ao humana.,,15 Nem tampouco sentido. 0 estado apresentado por seus casos de lesao frontal - urn operario ferroviario da Nova Inglaterra do seculo XIX, urn contador profissional, urn corretor de val ores, urn homem que sofreu uma lesao ao nascer e nunca se recuperou, cerca de uma duzia, ao to do - e uma certa falta de afeta, urn superficialismo, desapego e indecisao, uma irregula- ridade de objetivos, uma incapacidade de escolher um caminho, preyer consequencias ou aprender com os erros, de seguir as convenc;:6es, planejar o futuro ou reagir adequadamente aos outros, tudo isso acompanhado por aptid6es motoras, lingufsticas, perceptivas e intelectuais normais, ou ate supenores. A "matriz de Gage", como a chamou Damasio, inspirando-se em seu caso dpico - 0 pobre operario de ferrovia com urn buraco no prosencefalo, chama- do Phineas P. Gage -, e, fundamentalmente, urn disturbio afetivo, uma ate- nuac;:ao da capacidade emocional que, ao mesmo tempo, bloqueia 0 jufzo, a vontade e a sensibilidade social: relembradas, estados de disposic;:ao corporal, individualidades neurais e assim por diante -, a qual na() podemos nem precisamos acompanhar aqui (e que, de qualquer modo, e convenientemente provisoria), a nao ser, talvez, para assi- nalar que a dourrina laconica de Francis Bacon, "0 inte!ecto do homem nao e uma luz insfpida", recebe uma nova e poderosa corroborac;:ao empfrica. "As emoc;:6es e os sentimentos nao [sao] inrrusos no bastiao da razao", diz Dama- sio, resumindo seus estudos e seu ponto de vista, mas" [estao] entremeados em suas redes, para 0 pior e para 0 melhor" .17 As paix6es - 0 amor, a dor e toda es- sa droga - podem desrroc;:ar nossa vida. Eo mesmo podem fazer, de maneira igualmente completa, sua perda ou sua ausencia. As deficiencias do comporramenro social e do processo decisorio [, na matriz de Gage, sao] compativeis com uma base normal de conhecimento social e com a preserva<;:aoqe fun<;:6esneuropsicologicas superiores, como a memoria conven- cion ai, a linguagem, a aten<;:aobasica, a memoria funcional basica e 0 raciocfnio basico, 00. [mas sao] acompanhados por uma redu<;:aoda reatividade emocional e dos senrimentos. 00. [E essa redu<;:ao]da emo<;:aoe do senrimenro nao [e] urn es- pectador inocente ao lado da deficiencia no comporramenro social. [0] san- gue-frio do raciocfnio dos [pacienres com Gage] impede [que eles] atribuam valores diferentes a op<;:6esdiferenres e [torna] desoladoramente insfpida a paisa- gem de [seu] processo decisorio .... Tambem a [torna] insravel demais e nao man- tida pelo tempo necessario para que haja sele<;:6esde respostas. 00' uma deficiencia mais suti! do que basica na memoria funcional [que altera] 0 resto do processo de raciocfnio necessario para que surja uma decisao.16 E e 0 quanto basta com respeito a meu caso em miniatura a guisa de ilustrac;:ao: a emoc;:ao na cultura, na mente e no cerebro ... no cerebro,na mente e na cultu- ra. Fica ao menos vagamente patente, a partir desses relatos compactos e im- provisados de abordagens diversamente imaginadas e diversamente seguidas do estudo dos sentimentos (embora eu tambem pudesse ter falado da aprendi- agem ou da memoria, ou, talvez, ate da loucura), que urn movimento irrequi- eto da atenc;:ao, pegando 0 que for possfve!, pelas matrizes disciplinares contrapostas, uma mudanc;:a oportuna de foco, saindo de urn program a e uma comunidade rivais de pesquisa para ourros, pode dar uma ideia da direc;:ao geral das coisas, no campo disperso e distribufdo da investigac;:ao ciendftca. IB Os ata- ques frontais e os impulsos macic;:os para a uniao conceitual e a concordancia metodologica tern la 0 seu lugar - vez por outra, e quando a situac;:ao 0 perm i- te. Eo mesmo acontece com a especializac;:ao tecnica cada vez mais profunda, com a construc;:ao isolada de fatos, puriftcada e parrulhada nas fronteiras, sem a qual nenhuma ciencia, nem mesmo uma ciencia social, consegue avanc;:ar. Mas, por si mesmos, e!es nao produzem nem produzirao a visao sinoptica da- quilo de que estamos atras de varias maneiras - do ftm, como se costuma di- zer, que temos em mente. No caso atual, 0 que estamos procurando e a maneira como devemos pro- cud-lo (assim como 0 que podemos conseguir para nos e nossa vida ao procu- ra-Io) parecem-me estar expostos, com exatidao, ainda que sob a forma de tropo, no conciso poeminha de Richard Wilbur chamado ... bern, chamado ... Mente: Partindo dessa base, uma sfndrome parabolica que ensina uma lic;:aocon- ceitual, Damasio desenvolve uma teoria articulada sobre a maneira como fun- ciona a emoc;:ao em nossa vida mental - marcadores somaticos, percepc;:6es Mind in itspurest play is like some bat That beats about in caverns all alone. Contriving by a kind of senselesswit Not to conclude against a wall of stone. It has no need tofilter or explore; Darkly it knows what obstaclesare there, And so may weave and flitter, dip and soar In perfect courses through the blackest air. And has this simile a like perfection? The mind is like a bat. Precisely. Save That in the very happiest intellection A gracefUl error may correct the cave.19" *~Tradu<;~o~ivre:"En~sua mais pura a<;aoa mente equal um morcego/ Que voluteia solitatio pelas daye;,;;: onseguln 0, por alguma perspidcia inscienre,l Nao se acabar contra um muro de pe- ra. ao precisa hesltar nem explorar,l Sabe obscuramente quais sao os obstaculos / Ed' tran<;ar e v II b' / " . ' po easslm f. . - oepr,. mergu 1ar e su Ir Em traJetotJas perfeitas pelo mais negro ar.! E tem este simile I::r ~I<;;~ue 0 Iguale'/ A mente equal morcego. Exatamente. Exceto/ Que na mais feliz das inte- <;oes m eno graclOso pode corrigir a caverna." (N.T.) 11 o mundo em pedafos:Cultura epol/tica noJim do seculo Em memoria de Edward Shils ... com quem eu as vezes concordava. A~pol~, que se apresenta como abordando quest6es universais e per- manentes a respeito do poder, da obriga<;:ao,da justi<;:ae do governoem term os gerais e incondicionais, a verdade sobre as coisas, tais como no fundo sempre saGem toda parte, necessariamente, e, l2averdade e de maneira inevitavel, uma resposta espedfica a circunsrancias imediatas. Por mais cosmopolita que possa ter a inten<;:aode ser, ela e, como a religiao, a literatura, a historiografia ou 0 di- rei to, movida e animada pelas exigencias do momenta: urn guia para perplexi- dades particulares, prementes, locais e ao alcance da mao. Isso fica bastante claro por sua his~ria especialmente agora que essa his- toria enfim come<;:aa ser escrita, por Quentin Skinner, John Pocock e outros, em termos realistas - como uma historia dos enga'amentos dos intelectuais nas situa<;:6espolfticas que os cercam, e nao como uma procissao imaculada del doutrinas, impulsionadas pela logica das ideias. A esta altura, e diffcil deixar de reconhecer que 0 idealismo politico de Platao ou 0 moralismo polftico de Aris- toteles tiveram algo a ver com suas rea<;:6esas vicissitudes das cidades-estados gregas, que 0 realismo de Maquiavel teve a ver com seu envolvimento nas ma- no bras dos principados da Renascen<;:a,e que 0 absolutismo de Hobbes relacio- nou-se com seu horror as furias da desordem popular nos primordios da Europa moderna. 0 mesmo com Rousseau e as paix6es do Iluminismo, com Burke e as da rea<;:aoa ele, com os realpolitikers do equilibrio do poder e 0 na- cionalismo e imperialismo do seculo XIX, com John Rawls, Ronald Dworkin e os teoricos dos direiros liberais e os Estados de bem-estar pos-1945, naAmeri- ca do Norte e na Europa Ocidental, e com Charles Taylor, Michael Sandel e os chamados comunitaristas, e a incapacidade de esses Estados produzirem a vida imaginada. A motiva<;:aoda reflexao geral sobre a politica em geral e radical-
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