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A noção de pele psíquica de Esther Bick e
considerações sobre alguns estados psicopatológicos
Luciana Stoiani
Dentro do campo teórico da psicanálise existem diferentes concepções acerca do processo de constituição do psiquismo e cada uma destas concepções levam a determinadas descrições de possíveis quadros patológicos advindos de perturbações neste processo. 
Neste texto abordarei esta temática partindo das noções de “pele psíquica” e “segunda pele” introduzidas por Esther Bick, psicanalista que teve em sua formação grande influência do pensamento kleiniano.�[1] 
Logo no início do primeiro artigo em que Bick (1968) propõe a discussão do tema da função primária da pele, ela declara sua posição a respeito de qual seria a condição originária do psiquismo. Afirma que: “em sua forma mais primitiva, as partes da personalidade são sentidas como não tendo nenhuma força de ligação entre si e precisam, portanto, ser mantidas unidas, de forma passiva, pela pele que funciona como limite. Mas esta função interna de conter as partes do self depende, inicialmente, da introjeção de um objeto externo, experienciado como capaz de exercer esta função. (p.55)
A autora parte, portanto, da idéia de que existe um estado originário de não-integração e que a primeira necessidade do bebê é a de que as partes de sua personalidade sejam mantidas unidas por um objeto externo continente. 
Proponho que pensemos que assim como nossos órgãos e vísceras desmantelariam, espalhariam caso não houvesse a pele para segurá-los, de acordo com a concepção de Bick, as partes da personalidade do bebê teriam este mesmo fim caso não fossem mantidas unidas pela função continente deste objeto externo. Bick (1968) sugere que “o objeto continente é experimentado [pelo bebê] concretamente como uma pele” (p.56)
No estado não-integrado o bebê viveria, portanto, uma experiência de total desamparo e na ausência este objeto continente o bebê seria assolado por ansiedades catastróficas que correspondem a vivências descritas, pela autora (1986) , como estar desmantelando, esvaziando, derramando (“life-spilling-out”) ou liquifazendo-se (“liquefying”). 
Na medida em que, segundo esta autora, no momento inicial da vida as partes da personalidade do bebê ainda não são diferenciáveis das partes do corpo, a experiência de contenção das primeiras é vivida através do contato entre os corpos, entre as “peles” do bebê e de sua mãe. 
Bick (1968) propõe que o “objeto ótimo” para promover esta experiência de contenção seria “o mamilo na boca, juntamente com a mãe que segura o bebê, fala com ele e tem um cheiro familiar” (p.56). Tal como diz Briggs (2002) “pelo fato da experiência do objeto que segura as partes da personalidade juntas vir através de sensações da pele e da boca, o primeiro objeto interno é uma experiência sentida corporalmente”. (p.13)
Estas experiências corporais e sensoriais entre mãe e bebê, tal como o contato boca-seio, pele-pele, promovem uma vivência para o bebê de estar envolvido por uma pele e, portanto, reunido dentro de um espaço delimitado. Sugiro que estas seriam as primeiras experiências de delimitação do self e que aí estaria os rudimentos da noção de lugar e de fronteira que separa o dentro do fora, o eu do outro. 
Espera-se que após repetidas experiências com o objeto continente o bebê possa introjetar esta função constituindo uma “pele psíquica” e, portanto, um espaço interno que serviria de base para o desenvolvimento psíquico do bebê. 
Segundo a autora é somente a partir deste momento (de introjeção das funções continentes) que torna-se possível o surgimento da noção de um espaço dentro do self, isto é, fantasias de espaços internos e externos.�[2] Consequentemente, somente neste momento são “estabelecidas as condições para a operação da cisão primária e idealização do self e do objeto, conforme descritas por Melanie Klein.”(Bick, 1968, p.56)
Penso que ao descrever este processo de contenção das partes não-integradas da personalidade, Bick focaliza um momento anterior àquele focalizado por Klein. Esta última autora trabalha com a concepção de que desde o nascimento, quando ocorre prioritariamente um funcionamento esquizo-paranóide, há um ego rudimentar capaz de operar com fantasias de espaços internos e externos dos quais projeções podem entrar e sair. Desta forma, desde o início seria possível o funcionamento de mecanismos psíquicos tais como cisões, projeções e introjeções. Considero, portanto, que enquanto Klein focaliza os primeiros estágios de desenvolvimento do ego, Bick focaliza e teoriza sobre um momento anterior à existência deste.
Voltando a descrição deste estado não-integrado, Bick (1968) observa que: “a necessidade de um objeto continente, no estado não-integrado infantil, parece gerar uma busca frenética por um objeto- uma luz, uma voz, um cheiro ou outro objeto sensório- que possa prender a atenção e desta forma ser vivenciado, ao menos momentaneamente, como um objeto que mantém unidas as partes da personalidade. (p.56) 
Desta forma, diria que neste momento inicial em que ainda não houve a introjeção de funções continentes e, portanto, não houve o estabelecimento da noção de um espaço interno, o sentimento de estar contido é obtido, em grande medida, pelo contato com estímulos sensoriais, seja através do contato entre superfícies contíguas como o contato boca-seio, seja pela experiência de ritmos constantes como o barulho de uma máquina de lavar ou um foco de luz. 
Bick (1986), ao analisar um material de observação de um bebê, sugere que o poder tranquilizador do toque da mão da mãe na barriga do bebê deve estar relacionado ao “re-estabelecimento do sentimento [do bebê] de estar colado, aderido (“stuck”) à mãe. ” (p.68)
O agarramento ou adesão a estes objetos sensoriais, segundo Bick (1986), pode ser feito através dos olhos, dos ouvidos assim como através do tato, da pele. Ela sugere que “neste estágio primário não parece haver qualquer diferenciação entre as diferentes funções, todas servem como caminhos para a adesão” (p.68). Os órgãos do sentido funcionam como sugadores destes estímulos assim como a boca que suga o seio. Symington (2002) refere-se a este estágio primário como um “estágio de grude” (“sticking stage”). 
A meu ver, a vivência de estar aderido, colado a mãe está ligada à vivência de estar em continuidade com a mãe que é necessária neste período inicial do desenvolvimento psíquico do bebê. Segundo Bick (1986) a capacidade do bebê vir a explorar e agarrar objetos que estão a sua volta está fundada nesta relação primária de agarramento e contato adesivo (“clinging adhesive contact”) com a mãe. 
Com o desenvolvimento do psiquismo do bebê, isto é, com a introjeção da função continente e constituição da pele psíquica estabelece-se a imagem mental do objeto continente boca-seio. 
Penso que a partir do momento em que a função e o objeto continente estão estabelecidos internamente a vivência de continência e integração pode ser mantida sem que seja necessário o contato sensorial, concreto entre o corpo do bebê e da mãe. Desta forma o bebê torna-se cada vez mais capaz de suportar a separação física com sua mãe.
No entanto, no caso de uma falha no processo de constituição da pele psíquica haveria uma paralisação do desenvolvimento psíquico e um possível estabelecimento de um quadro patológico.
Harris (1975) coloca que: “parece provável que a falha em introjetar um objeto primário, capaz de conter e de prover uma base para a integração da personalidade, possa tomar várias formas e estar presente em vários graus, desde o extremo do autismo e deficiência de funcionamento mental, até estados patológicos, menos óbvios ou estados de paralisação de crescimento, com características de superficialidade e de pouca profundidade, de inabilidade ou relutância para ter um compromisso emocional mais profundo. (p.259) 
Bick coloca que perturbações na introjeção da função primária de pele continente, isto é, na constituição de uma pele psíquica pode levar aodesenvolvimento de uma formação de “segunda pele”. Nesta formação defensiva “a dependência do objeto é substituída por uma pseudo-independência, pelo uso inapropriado de certas funções mentais, ou talvez talentos inatos, com o propósito de criar um substituto para esta função de pele [primordial] continente” ( Bick, 1962, p. 56) Trata-se de uma pseudo-independência porque esta estrutura aparentemente forte esconde um núcleo frágil e um desenvolvimento precário da internalização da função de pele primária materna. 
Bick (1986) caracterizou dois tipos de formação de segunda pele: a “segunda pele” intelectual e a “segunda pele” muscular.
O primeiro tipo incluiria aquelas pessoas que se mantêm integradas através de seu intelecto. São pessoas que não param de falar e explicar tudo. Usam o seu “dom da lábia” para criar um contínuo de palavras e idéias, sem nenhuma brecha ou falha, que proporciona um sentimento de ter um contorno e, portanto, alguma segurança. Meltzer refere-se a estas pessoas como sendo o que se chama de “caixas de falar”. Considero esta metáfora interessante por que traz a imagem da caixa como um continente construído através de uma atividade constante que é a fala ininterrupta e que, portanto, torna-se mecanizada ou desumanizada. Qualquer “buraco” em seu conhecimento ou pausa em sua fala seria uma interrupção de continuidade que levaria o indivíduo a sentir a ameaça de que toda sua personalidade possa desmanchar ou desaparecer. 
O segundo tipo de formação de “segunda pele” seria o muscular. Estas pessoas mantêm-se coesas pela musculatura, ou melhor, pelo constante movimento da musculatura. Meltzer (1975) coloca que a atitude destas pessoas para com a vida é muscular, ou seja, “ao invés de pensar num problema, elas o enfrentam, vêem o que acontece e se não funciona buscam outra forma, mas precisam mexer os músculos”. (p. 47) O constante movimento, assim como a fala ininterrupta, não deixa que qualquer brecha “ameaçadora” exista.
É interessante pensar a partir desta perspectiva sobre crianças diagnosticadas como “portadoras de transtornos de déficit de atenção e hiperatividade” (TDAH) que, por sinal, hoje em dia são muitas. Symington (2002) coloca que provavelmente estas crianças foram difíceis de serem contidas, seja por uma extrema intolerância à ansiedade ou por seus pais não terem tido recursos emocionais para conter as ansiedades de seu bebê. Estas crianças que não podem parar parecem buscar na atividade constante o substituto para a função continente que não puderam internalizar adequadamente.
A partir da descrição destes tipos de formação de segunda pele penso que, nestes casos, tanto a fala quanto o movimento parecem ser experimentados em seu aspecto sensorial. Não se trata do conteúdo do que se fala ou de quais movimentos se faz, mas trata-se de criar uma malha ou superfície sensorial contínua que seria uma espécie de prótese da função primária de pele-continente. 
Diante da experiência de desamparo causada pela falta de continência e diante da ameaça da vivência de ansiedades catastróficas, constrói-se esta carapaça protetora que proporciona um tipo de auto-contenção. 
Na medida em que estes indivíduos não puderam introjetar a função primária de pele continente, não foi constituído um espaço psíquico no qual a imagem mental de um objeto continente pudesse ser estabelecida. Desta forma, estas pessoas permanecem funcionando de maneira concreta recorrendo a experiências sensoriais, a contatos adesivos que lhes proporcionam a vivência de estarem coesos.
Tal como já foi comentado anteriormente, as perturbações no processo de constituição da pele psíquica podem aparecer em diversos graus e, portanto, apresentarem-se a partir de diferentes estados patológicos. Muitas vezes são núcleos da personalidade que estão funcionando desta maneira primitiva enquanto outras partes puderam amadurecer, passando a funcionar de forma mais complexa. 
Desta forma, acredito que o estudo deste processo traz elementos importantes que nos ajudam a afinar nossa escuta clínica a fim de podermos trabalhar com estes núcleos que, muitas vezes estão escamoteados, mas que devem ser acessados para que mudanças significativas possam vir a ocorrer. 
Referências Bibliográficas
- Bick. E. “The experience of the skin in the early object relations” (1962), in Surviving Space - Papers on Infant Observation, Briggs, A. (org) Londres: Karnac, 2002
- Bick. E, “Further considerations on the function of the skin in early object relations” (1986), in Surviving Space - Papers on Infant Observation, Briggs, A. (org) Londres: Karnac, 2002
- Briggs, A. Introdução, in Surviving Space - Papers on Infant Observation, Briggs, A. (org) Londres: Karnac, 2002
- Harris, M. “A ‘mãe suficientemente boa’: notas sobre a função continente materna” (1975), in Revista Brasileira de Psicanálise, vol. 24, n.2, 1990
- Meltzer, D. “Identificação adesiva” (1975), in: Jornal de Psicanálise - ano 19 - n.38 -1986
- Symington,J. “Mrs Bick and infant observation”, in Surviving Space - Papers on Infant Observation, Briggs, A. (org) Londres: Karnac, 2002
�
�[1] Esther Bick criou o método de observação de bebês que entre os anos de 50 e 600 foi adotado pela Clínica de Tavistock e pelo Instituto de Psicanálise de Londres como parte da formação psicanalítica dos candidatos. 
�[2] Esta concepção da mente como um espaço é claramente uma influência kleiniana. Foi Klein que introduziu a noção de existência de espaços dentro do self e do objeto nos quais, através das fantasias inconscientes, “coisas concretas” acontecem e tem conseqüências evidentes e implacáveis.(Meltzer, 1975)

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