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www.ie.ufrj.b r/redesist U ni ve rs id ad e Fe de ra l d o R io d e Ja ne ir o Aprendizagem por interação: pequenas empresas em sistemas produtivos e inovativos locais Renato Ramos Campos S ílvio Ferraz Cário José Antonio Nicolau Geraldo Vargas Setembro, 2002 Coordenação do Projeto: Helena M. M. Lastres, José Eduardo Cassiolato, Marina Szapiro, Sarita Albagli, Liz-Rejane Legey Cristina Lemos e Maria Lúcia Maciel Apoio Financeiro Rede de Si stemas Pro dutivos e I novativos Locais Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 2 Aprendizagem por Interação: Pequenas Empresas em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais Renato Ramos Campos (Dr.Prof. Dept.Economia.UFSC) Sílvio Antônio Ferraz Cario (Dr.Prof. Dept.Economia.UFSC) José Antônio Nicolau (Dr. Prof. Dept.Economia.UFSC) Geraldo Vargas ((Mestre , pesquisador NEITEC/UFSC) Introdução. Este artigo considera a hipótese, amplamente difundida na literatura recente sobre pequenas empresas, de que a difusão das tecnologias de informação e comunicação, e a resultante flexibilização dos processos produtivos, está criando novas possibilidades de desenvolvimento para as pequenas e médias empresas. Estas novas possibilidades exigem também novas competências, como a capacidade para estabelecer relações inter-organizacionais, compartilhar conhecimentos e riscos, inserir-se em circuitos globais de informação, e beneficiar-se da divisão de trabalho em regiões geradoras de economias de aglomerações (Storper,1989; Rizzoni,1994; Spah,1999). O objetivo é analisar as possibilidades de desenvolvimento de processos de aprendizagem interativa pelas pequenas empresas que estão inseridas em sistemas locais de inovação. O referencial analítico apresentado na seção 2, apóia-se nas noções de capacidade dinâmica da firma, categorias do conhecimento, regime tecnológico e de sistema nacional de inovação, nos termos do enfoque neo-schumpteriano, e procura observar (a) os condicionantes dos processos de aprendizagem, (b) os recursos e competências do sistema local, e (c) as características dos padrões de aprendizagem das empresas inseridas no sistema local. Completa-se o referencial analítico, abordando-se as características das estruturas dos sistemas locais capazes de estimular as interações voltadas para processos de aprendizagem em pequenas empresas em sistemas locais do tipo acima referido. Na seção 3, apresentam-se casos empíricos ilustrativos da dinâmica de aprendizagem em pequenas empresas com base em três estudos de sistemas locais em Santa Catarina: indústria moveleira em São Bento do Sul, indústria têxtil-vestuário no Vale do Itajaí e indústria de software em Joinville. Na seção 4, apresentam-se as considerações finais deste trabalho.1 2. Aprendizagem interativa em sistemas locais de inovação 2.1. A capacidade dinâmica da firma, as características do conhecimento e o contexto local para os processos de aprendizagem A rapidez na mudança dos processos produtivos, estimulada pelos avanços nas tecnologias de informação e comunicação, tornou a capacidade de construir novas competências o principal fator para vantagens competitivas das firmas. A rápida e contínua mudança técnica provoca a formação e destruição do estoque de conhecimento especializado, exigindo contínua capacidade de aprendizado (Lundvall et al., 2001). A construção e reconstrução das habilidades organizacionais e tecnológicas estão relacionada à estruturação dos seus processos de 1 Os autores agradecem a José Eduardo Cassiolato, Maria Helena Lastres e Marina Szapiro, pelas críticas e sugestões feitas a uma versão preliminar deste trabalho. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 3 aprendizagem. A abordagem evolucionista considera a firma como um “repositório de conhecimento” (Nelson e Winter, 1982). Seu crescimento é determinado, por um lado, pelas suas próprias características internas, tais como as suas rotinas e os seus processos de busca e seleção (ibid.), os quais definem processos específicos de aprendizagem e as suas competências; e por outro lado, pelo ambiente em que a firma está inserida, em relação ao regime tecnológico, à estrutura produtiva, ao padrão de concorrência e ao contexto social. As firmas obtêm vantagens competitivas a partir de capacidades dinâmicas (Teece e Pisano, 1994) desenvolvidas em suas rotinas, criando ativos importantes como os valores, a cultura, as habilidades e as experiências organizacionais construídas em processos cumulativos e path dependent. O aprendizado, é então, um processo fundamental para a construção de novas competências e obtenção de vantagens competitivas, o qual, pela repetição, experimentação, busca de novas fontes de informação e outros mecanismos, capacita tecnologicamente as firmas e estimula as suas atividades produtivas e inovativas. O aprendizado desenvolve habilidades tanto em nível organizacional quanto individual, possuindo forte determinação social (Lundvall, 1992), e ocorre por ações estratégicas coletivas e individuais específicas em busca da compreensão e solução de problemas complexos, que resultam na criação de novas competências. Carlsson e Eliasson (1994) destacam a importância da competência econômica da firma, a qual consiste na “...habilidade de identificar, expandir, e explorar as oportunidades de negócios. A invenção e inovação conduzem à mudança econômica somente na medida em que os agentes são bem sucedidos em obter vantagens das oportunidades para as quais eles dão maior importância” (p. 694).2 Para Dogson (1996 p.55), a “aprendizagem pode ser descrita como as formas que as firmas constroem e organizam conhecimentos e rotinas em torno de suas competências e dentro de sua cultura, e adaptam e desenvolvem eficiência organizacional melhorando o uso dessas competências”. As formas de aprendizagem mais usuais observadas na literatura econômica combinam aspectos como a fonte do conhecimento e a estruturação organizacional interna da firma para desenvolvê-lo. O desenvolvimento de inovações por investimentos em pesquisa e desenvolvimento caracteriza esforços de aprendizagem que são realizados de forma estruturada pela firma através de seus departamentos de P&D. Além deste, os processos de aprendizagem que decorrem da cumulatividade da experiência na produção e suas conseqüentes inovações incrementais em produtos e processos podem caracterizar mecanismos informais ou não estruturados que também criam capacidades inovativas internas às firmas (learning by doing e learning by using), conforme desenvolvido por Arrow (1962) e Rosemberg (1979). Por outro lado, as fontes de conhecimento não se restringem unicamente a firma e combinam-se com fontes externas, como o sistema de ciência e tecnologia e outras firmas, como as fornecedoras ou usuárias dos produtos. As diversas relações com outras firmas e organizações podem estabelecer formas diversas de aprendizagem por interação (learning by interacting) estudadas por Lundvall (1992). A compreensão da dinâmica destas formas está relacionada às possibilidades de transferência de informações e conhecimentos, e às especificidades da dinâmica da inovação, que é condicionada pelo regime tecnológico. 2 Os autores apontam quatro tipos de capacidades que determinam a competência econômica das firmas: (a) a capacidade seletiva, a qual possibilita à firma fazer escolhas inovadoras com relação a mercados, produtos, tecnologias, estrutura organizacional, etc.; (b) a capacidadeorganizacional e de coordenação a qual possui forte caráter tácito, sendo própria das pessoas e das organizações; (c) a capacidade técnica, que é a habilidade relativa às várias funções dentro da firma, como produção, marketing, engenharia, pesquisa e desenvolvimento; e (d) a capacidade de aprendizado que é uma forma de constante adaptação das habilidades. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 4 Lundvall e Johnson (2001, p. 12) consideram o conhecimento como um recurso que não é nem completamente público, nem completamente privado,e cuja base é fragmentada. A propriedade pública ou privada do conhecimento cria mediações específicas para sua transferência, afetando as condições de acessibilidade e de uso do conhecimento.Essas mediações também são afetadas pelas características do conhecimento segundo suas categorias, o know-what (que se refere ao conhecimento sobre os fatos), o know-why (que se refere ao conhecimento sobre princípios e leis), o know-who, (que expressa uma combinação de informações e relações sociais) e o know- how (que se refere às habilidades para fazer algo).3 Outro aspecto da característica do conhecimento reconhecidamente importante para os estudos dos processos de aprendizagem é a natureza tácita ou codificada do conhecimento. As possibilidades de transferência de conhecimento tácito estão relacionadas à demonstração e experiência “como na clássica relação mestre-aprendiz na qual o processo de aprendizagem depende da observação, imitação, prática e correção” (Gertler, 2001 p.2). Isto implica na necessidade do contato face-a-face e por conseqüência na proximidade espacial entre os agentes e na importância dos códigos de compartilhamento, fazendo com que o contexto social seja decisivo para as possibilidades de transferência. Essa percepção reforçou a importância dos estudos recentes sobre aglomerações industriais. De forma complementar ao enfoque de sistemas locais de inovação, novos estudos têm sugerido que “a habilidade dos trabalhadores ou das firmas para produzir e compartilhar conhecimento tácito depende da proximidade espacial ou afinidades culturais. Em particular depende da proximidade institucional – isto é, o compartilhamento de normas, convenções, valores, expectativas e rotinas que nascem da experiência comum emoldurada pelas instituições” (Gertler, 2001 p.15) A noção de conhecimento base como um dos elementos de um regime tecnológico, que também inclui as noções de oportunidade tecnológica, de condições de apropriabilidade dos resultados da introdução de inovações e de cumulatividade do conhecimento tecnológico no âmbito da firma e dos setores (Breschi e Malerba 1997), auxilia na compreensão de como as características do conhecimento podem impor requerimentos específicos para os processos de aprendizagem.Um conhecimento-base caracterizado pela natureza tácita, pela complexidade, pela especificidade e cuja fonte é bastante interdependente de usuários e fornecedores (ou seja, é sistêmico, no sentido de que a modificação em uma das partes afeta o conjunto), pode exigir processos de aprendizagem interativos mais intensos, nos quais a proximidade entre os agentes e as condições locais têm maior relevância. No outro extremo, um conhecimento-base com maior grau de codificação, simples, de aplicação genérica, e cuja fonte exige menor interdependência com fornecedores e usuários, os processos de aprendizagem por interação não exigem necessariamente o contato face a face e a proximidade entre os agentes não é tão relevante. Esta noção auxilia a compreensão por um lado, do conteúdo dos fluxos de informação para a aprendizagem interativa e, por outro, das condições para a interação no que se refere tanto à proximidade entre os agentes, quanto à forma da interação.4 3 Nesta perspectiva, as mediações para a transferência de conhecimento nem sempre envolvem os mecanismos de mercado. Mesmo as mediações de transferência de conhecimento incorporado em equipamentos, que usualmente decorrem da compra do equipamento, envolvem a necessidade de transferência de informações sobre o uso, que é feita através de treinamento ou assistência técnica. Esses aspectos e as dificuldades para a venda e compra de informação, como a determinação de seu valor e a necessidade de restringir o uso da informação pelo comprador, tornam os processos de aprendizagem por interação a mais importante forma de mediação na transferência de informações. 4 Os autores procuram relacionar o regime tecnológico à dinâmica de estruturas de mercados, identificando uma dinâmica tipo Marco I de Schumpeter, com menor número de firmas inovadoras e com estabilidade na hierarquia entre elas. No tipo Marco II, o número de inovadoras é maior e a hierarquia entre elas é mais instável. Para este trabalho a relevância da noção de regime tecnológico está principalmente na possibilidade de caracterizar condicionantes para a aprendizagem. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 5 Em resumo, ao destacar as características do conhecimento e da dinâmica da inovação como fatores que configuram a dinâmica dos processos de aprendizagem no nível da firma e nas suas interações com agentes em contextos institucionais específicos, ressalta-se que as estratégias de aprendizagem da firma têm condicionantes estruturais. Considerando que as informações não fluem livremente no sistema econômico, tais condicionantes relacionam-se tanto às características do conhecimento que afetam a acessibilidade às informações e as possibilidades de sua transferência, quanto, de forma mais particular, às características de conhecimentos específicos que se combinam com regimes tecnológicos e que afetam a dinâmica da inovação. Outro elemento importante para a análise dos processos de aprendizagem, vistos como relações sociais, é o contexto social específico onde ocorrem os processos. Uma das contribuições importantes da noção de sistemas de inovação, delimitados localmente, com ênfase na aprendizagem interativa, é a referência que cria para a observação do contexto em que ocorre a aprendizagem. A realização dos processos de aprendizagem no interior de sistemas locais de inovações está relacionada à possibilidade de interações amplamente facilitadas pela existência de códigos comuns de comunicação e pelo compartilhamento de convenções e normas que reforçam a confiança entre os agentes. Um conjunto de atores articulados em processos de aprendizagem interativos dá aos sistemas de inovação a estrutura de rede e, enquanto tal, torna os atores e suas competências complementares entre si. Definindo de forma ampla como o conjunto de fatores econômicos, sociais, políticos e organizacionais que influenciam o desenvolvimento, difusão e uso das inovações, o enfoque de sistema local de inovação5 é compatível com a noção de que os processos de inovação são caracterizados pela aprendizagem interativa. As organizações6 e instituições são os principais componentes do sistema e as interações entre eles caracterizam a dinâmica localizada dos processos de aprendizagem. Para Edquist e Johnson, (1997, p. 47) as instituições são: "...um conjunto de hábitos comuns, rotinas, práticas estabelecidas, regras, ou leis que regulam as relações e interações entre indivíduos e grupos” e as organizações são “...estruturas formais com um propósito explícito e são criadas conscientemente. Elas são os jogadores ou atores” 7. O sistema pode ser delimitado quer pelas fronteiras espaciais (sistemas nacionais,regionais ou locais), quer pelas fronteiras dadas pela natureza da tecnologia e das estruturas produtivas (sistemas tecnológicos,sistemas setoriais) e reúnem diversos recursos tangíveis (capital natural e capital produtivo) e intangíveis (capital social e capital intelectual) (Edquist,1997, 2001 e Lundvall et al, 2001). 5 Lundvall (1992) destaca os seguintes elementos de um sistema: (a) a dimensão nacional caracterizada pelas experiências histórica, linguagem e cultura que identificam as especificidades do ambiente; (b) a organização interna das firmas; (c) as relações interfirmas; (d) o papel do setor público; (e) as relações entre o sistema financeiro e o processo de inovação; (f) as características do sistema de pesquisa e desenvolvimento; e (g) os sistemas educacionais e de treinamento. 6 As organizações podem ser classificadas de acordo com suas atividades mais relevantes nos seguintes grupos: organizações produtivas, de ensino, financeiras, de infra-estrutura tecnológica (serviços tecnológicos, de pesquisa básica e aplicada, de informações técnicas e de áreas especializadas), de coordenação, ou órgãos públicos (Vargas, 2001). 7 O conceito de instituição que tem sido empregado nos trabalhos mais recentes, de acordo com Edquist (2001), é o de regras do jogo, ao passo que as organizações são os jogadores (seguindo a conhecida conceituação de D. North). Entretanto, a noção de instituições como princípios estruturadores (Stein, 1997), seja das estruturas sociais formais (firmas e outras organizações legalmente constituídas), seja das estruturas informais (comunidades de diferentes tipos),é mais abrangente, mas compatível com o enfoque de “regras do jogo” e também apropriada a uma abordagem não reducionista dos sistemas de inovação. As instituições são fundamentais para um sistema local de inovação no exercício de funções como o gerenciamento, administração, coordenação, redução do risco e dos conflitos (Edquist, 2001). Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 6 Apesar de o sistema local estar imerso no ambiente institucional nacional, as configurações locais tendem a exibir "calibragens" diferenciadas em aspectos institucionais sensíveis e definidores dos padrões locais de concorrência e de cooperação, tais como: níveis salariais e relações trabalhistas (associadas à atuação de sindicatos); ações produtivas conjuntas (projetos, consórcios etc.) por parte de diferentes atores (confiança gerada por associações empresariais ou pela coordenação do poder público); menores custos de intermediação financeira (através de ocorrências como organizações locais de crédito, responsabilidade solidária dos mutuários etc.); grau de fiscalização tributária e ambiental (restringindo a competição à esfera produtiva). A noção de sistema local de inovação no enfoque neo-schumpeteriano destaca a importância do local, pelas especificidades que se formam em espaços geográficos e institucionais particulares, criando possibilidades únicas para interações e desenvolvimento de competências dos agentes nos processos inovativos. Neste sentido afasta-se das definições mais gerais de aglomerações (distritos/cluster) industriais, cuja ênfase recai sobre os processos cooperativos e externalidades estáticas decorrentes da proximidade. Portanto a noção de sistema produtivos ou inovativos locais implica na existência de organizações e instituições em espaços delimitados, com algum nível de articulação sistemática entre os agentes, que possibilite o upgrading de suas capacidades produtiva e inovativa. A ênfase recai na relação entre proximidade dos agentes e interações para a aprendizagem, considerando a natureza social do processo de aprendizagem e a natureza tácita do conhecimento que afetam as possibilidades para desenvolvimento de competências no nível da firma. O conceito de sistemas locais de inovação procura ampliar a análise para aspectos além das questões setoriais e da cadeia produtiva, privilegiando a análise de interações para a aprendizagem e que podem levar à introdução de novos produtos e processos (inovação). Considera-se que estas são essenciais para garantir a competitividade dos agentes individual e coletivamente e apresentam forte especificidade local. (Cassiolato e Szapiro,2002) Os elementos relacionados às características do conhecimento e do regime tecnológico que condicionam os processos de aprendizagem, e os elementos do contexto social no qual interagem os agentes, podem servir para definir um referencial analítico para a observação de processos de aprendizagem em sistemas locais. A próxima seção deste trabalho procura explicitar este referencial. 2.2 - A configuração do sistema local de inovação e a dinâmica dos processos de aprendizagem: o referencial analítico Preliminarmente, nesta abordagem ampla do conceito de sistema local de inovação, e considerando os elementos do sistema, destaca-se que a sua aplicação para análise de casos empíricos não se restringe nem à observação exclusiva do sistema de ciência e tecnologia, nem apenas às questões relacionadas ao desenvolvimento de capacitações em setores de alta- tecnologia com inovações baseadas principalmente no desenvolvimento científico (Lundvall et al., 2001) Em recente revisão da utilização do conceito em análises empíricas, Lundvall (2001) sugere que é útil destacar duas dimensões dos sistemas de inovação: “uma refere-se à estrutura do sistema – o que é produzido no sistema e que competências são mais desenvolvidas ? A segunda refere-se Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 7 ao conjunto institucional [no sentido de “regras do jogo”] – como a produção , a inovação e a aprendizagem acontecem ?”(p.11)8 Para a análise dos processos de aprendizagem em sistemas de inovação, a primeira dimensão implica em considerar os condicionantes dos processos de aprendizagem dados pelas características do conhecimento e dos regimes tecnológicos e a configuração das estruturas locais que estimulam as interações para a aprendizagem. A configuração das estruturas define os recursos e competências locais. A segunda dimensão deve captar a forma como ocorrem os processos de aprendizagem interativa, considerando os mecanismos de aprendizagem presentes no interior dos sistemas, as estratégias de aprendizagem das empresas, os estímulos derivados dos recursos e competências locais, a intensidade das interações, e a capacidade de estímulo para a aprendizagem dada pelas “regras do jogo” do sistema. Considerando os condicionantes dos processos de aprendizagem e a configuração da estrutura do sistema local de inovação que pode proporcionar estímulos à aprendizagem, a análise dos processos de aprendizagem pode ser feita a partir da avaliação dos seguintes elementos: I) A identificação dos condicionantes da aprendizagem através de variáveis que identifiquem a complexidade dos processos, e os estímulos à atividade inovativa: Quanto ao nível de complexidade dos processos de aprendizagem: · o grau de complexidade das informações, · o grau de dificuldade de acesso às informações (propriedade da informação e a tacitividade do conhecimento), · as exigências de capacitação prévia para absorção das informações. Quanto aos estímulos à atividade inovativa: · as oportunidades tecnológicas, · as condições de apropriabilidade, II) A avaliação dos recursos e competências do sistema local para os processos de aprendizagem, observado através dos seguintes elementos: Quanto à possibilidade de obtenção de informações: · a presença no arranjo das principais fontes de informação, · a existência de organizações de apoio à aquisição e difusão de informações. Quanto às características das relaçõesentre os agentes produtivos · o nível de especialização e complementaridade proporcionado pela estrutura produtiva, · a presença de empresas estruturadoras das atividades produtivas locais, · as relações verticais e horizontais entre as empresas locais (fluxos de compra e venda e processos de terceirização envolvendo as empresas locais), · existência de projetos cooperativos para desenvolvimento de inovações. Quanto aos estímulos proporcionados pelas organizações (locais/ estaduais/ federais) · as características das políticas para as atividades industriais e setoriais, 8 Em abordagem compatível com essa, voltada para a avaliação das possibilidades de capacitação tecnológica em aglomerações industriais, Bell e Albu (1999) desenvolvem a noção de “sistemas de conhecimento”, definidos pelos fluxos de conhecimentos, pelos estoques de conhecimentos e pelos sistemas organizacionais para promoverem as mudanças em produtos, processos ou na organização da produção. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 8 · a presença de órgãos e as políticas específicas para desenvolvimento de capacidade inovativa, · a presença de órgãos e de políticas de financiamento, · a presença de órgãos e de políticas de fiscalização e regulação (ambientais e outras). Quanto às ações de estímulo a cooperação entre os atores locais: · a presença de entidades associativas e suas ações dirigidas para a cooperação em atividades tecnológicas, e de estímulo à inovação, · a presença de consórcios locais que estimulem as relações das empresas com fontes de informação tecnológica, · a existência de projetos cooperativos de abrangência local que estimulem a capacitação tecnológica. Quanto ao capital social e intelectual e o sistema educacional · os aspectos das origens e os fatores culturais locais que estimulam o conjunto das interações entre os agentes, · as características dos recursos humanos locais quanto a habilidade, disponibilidade,mobilidade, · a infra-estrutura educacional : organizações e características da formação dos recursos humanos, III) Observação das estratégias de aprendizagem das empresas. Uma vez identificados os principais padrões de aprendizagem das empresas (conforme indicado no item “a”) e conhecidos os recursos e competências locais (conforme indicado no item “b”) a análise volta-se para a avaliação das estratégias de aprendizagem das empresas, em duas dimensões. A primeira relativa ao esforço interno às empresas, observados através dos investimentos e rotinas de aprendizagem. A segunda busca identificar a intensidade das interações da empresa com as fontes de informações locais, através da natureza e intensidade dos fluxos de informações com os agentes, e a observação de estratégias específicas de cooperação para o desenvolvimento de capacitação tecnológica, considerando: Quanto às formas dos processos de aprendizagem nas empresas: · formas não estruturadas, expressas em rotinas de produção das firmas, · formas estruturadas em departamentos de P&D, · importância da relação com os fornecedores como fonte de informações, · importância da relação com clientes como fonte de informações, · importância da relação com organizações do sistema tecnológico como fonte de informações. Quanto ao esforço interno para a aprendizagem: · desenvolvimento de habilidades para selecionar e desenvolver novas tecnologias, · investimentos com impactos sobre a capacitação tecnológica Quanto às iterações para aprendizagem: · a intensidade e a natureza das relações com instituições de tecnologia para desenvolvimento de capacitações, · a intensidade das relações com as principais fontes de informação tecnológica, · a colaboração entre firmas para desenvolvimento de produto e aperfeiçoamento de equipamentos Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 9 Para compreender as possibilidades de aprendizagem interativa em pequenas empresas inseridas em aglomerações industriais, o esquema analítico proposto sugere a observação de dois aspectos: (a) quais as características das estruturas locais quanto às suas possibilidades de estimular as interações , e (b) quais as características dos processos de aprendizagem preponderantes nas empresas Destacam-se portanto condicionantes para os processos de aprendizagem de duas ordens, uma relativa à dinâmica produtiva e inovativa articulada às características do conhecimento e do regime tecnológico preponderantes no sistema local, e outra relativa aos recursos e capacidades que podem ser proporcionadas no nível local. No entanto o uso dos recursos e capacidades locais para os processos de aprendizagem depende , em parte, do modo de governance que coordena as interações dentro do sistema. O modo de governance refere-se genericamente à coordenação das interações entre os agentes, indicando relações assimétricas no interior de sistemas locais, exercidas através de mecanismos extra-mercado. Na abordagem de Humphrey e Schmitz (2000) o modo de governance pode variar de formas interativas baseadas em menores níveis de assimetrias entre os agentes (network governance) à formas que envolvem níveis diferenciados de subordinação (quase-hierarchy ou hierarchy governance ). O quadro a seguir esquematiza os principais elementos e relações do referencial analítico. (A) Inclui os elementos indicados no item I (p.8) (B) Inclui os elementos do sistema local que definem os recursos e competências locais indicados no item II (p.8) Dinâmica Produtiva e Inovativa (A) · Tamanho das empresas · Diversidade de capacidade tecnológica · Especialização e Complementaridade · Infra-estrutura de serviços tecnológicos e ensino · Externalidades locais (B) G O V E R N (C) A N C E · Estímulos para inovação · Complexidade dos processos de aprendizagem (D) FORMAS DE APRENDIZAGEM · Intensidade nas interações para aprendizagem · Estratégias de aprendizagem das empresas · Proximidade · Valores/códigos comuns · Cooperação (B) Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 10 (C) Governance é um elemento da estrutura do sistema local que determina as formas de interação entre os agentes e portanto afeta as formas de aprendizagem no local, mediatizando as possibilidades de uso dos recursos locais (D) Inclui os elementos indicados no item III (p.9) 3 - A aprendizagem em pequenas empresas nos sistemas locais de inovação: têxtil- vestuário, moveleira e software em Santa Catarina. A apresentação dos casos ilustrativos apóia-se em estudos realizados em 2000 no programa de pesquisa da Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais e em dissertações orientadas pelos professores que integram o NEITEC.Para cada caso são analisadas as características da dinâmica inovativa e produtiva dos setores predominantes que condicionam os processos de aprendizagem e a configuração dos sistemas, apresentando os recursos e competências locais. No momento seguinte analisa-se em cada caso as características e possibilidades da aprendizagem interativa nas pequenas empresas. 3.1 - Sistema local de inovação têxtil-vestuário do Vale do Itajai. 3.1.1 - A dinâmica da produção e inovação e os recursos do sistema local As atividades desenvolvidas dentro da cadeia têxtil-vestuário são bastante diversificadas, implicandoem inter-relações entre fases produtivas sucessivas, cujos produtos são insumo para a etapa seguinte, ou são produtos para consumo final. Assim, a indústria produtiva têxtil- vestuário envolve uma gama diversificada e inter-relacionada de conhecimentos de diversas áreas. O regime tecnológico no setor têxtil-vestuário não estimula significativamente os processos inovativos. Este fato decorre de um padrão tecnológico bastante estável, sendo a sua base de conhecimento pouco complexa e bastante difundida através da codificação em manuais e outras publicações, determinando baixas as condições de apropriabilidade. Dada a maturidade da tecnologia no setor, as oportunidades tecnológicas são pequenas e as inovações desenvolvidas no setor são fundamentalmente incrementais As oportunidades originadas “fora” da indústria, tais como as tecnologias voltadas para o tratamento de informações, exigem uma estrutura organizacional e tecnológica adequada para o aprendizado e a construção de novas competências nas firmas. Dessa forma, uma série de inovações organizacionais foram se estabelecendo em cada etapa do processo produtivo dando maior flexibilidade e eficiência às atividades das firmas, viabilizadas principalmente pelos avanços na informática e nas comunicações, permitindo maior agilidade na integração das diversas fases de produção. A introdução de técnicas organizacionais como “just in time”, “kan-ban”, células de produção etc. também foi fundamental para incrementar ainda mais a flexibilidade das firmas. Estas novas práticas organizacionais exigem uma mão-de-obra mais qualificada para operar máquinas, equipamentos e sistemas organizacionais mais complexos. Assim, dois movimentos são constatados: por um lado, a redução de mão-de-obra menos qualificada e, por outro lado, a contratação de pessoas com maior nível de escolaridade (Campos et al., 2000). Quanto aos condicionantes do padrão de concorrência global da indústria têxtil-vestuário, Gereffi (1999) destaca dois movimentos principais: a desverticalização da cadeia nas etapas de produção e a reverticalização nas etapas de comercialização, decorrentes fundamentalmente das inovações que determinaram melhoramentos nos insumos e equipamentos, o que determinou maior flexibilidade produtiva em nível mundial. Assim, houve um movimento de deslocamento de algumas etapas mais simples da produção para os países com menores custos de mão-de-obra (principalmente na Ásia), ficando o desenvolvimento dos produtos (marcadamente o “design”) Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 11 nos países de origem dos grandes produtores. Neste contexto, a cadeia têxtil-vestuário no Brasil, dados os processos de abertura comercial e liberalização cambial implementados nos anos 90, partiu para a implementação de estratégias marcadamente defensivas e conservadoras, tais como o abandono e/ou redirecionamento de linhas de produtos, a redução da produção, redução dos níveis hierárquicos das empresas, busca pela terceirização como uma forma de redução de custos, entre outros. Os investimentos ocorridos para a modernização não chegaram a determinar um “salto” de modernização da cadeia têxtil-vestuário que a capacitasse para inserir-se competitivamente no mercado mundial. No Vale do Itajaí, em Santa Catarina, há um importante aglomerado de firmas envolvidas nas atividades têxteis (produtos de cama, mesa, banho e tecidos planos) e de vestuários (produtos de malha e confecções)9. Além das firmas que dedicam-se aos produtos finais, há firmas fornecedoras que desenvolvem atividades complementares na cadeia produtiva. Há também no local uma diversidade de organizações envolvidas em atividades de apoio e suporte às atividades produtivas e inovativas da cadeia e contribuem para o desenvolvimento do sistema local. Dentre os recursos intangíveis, a origem histórica-cultural comum dos agentes, - onde grande parte dos indivíduos do Vale do Itajaí são de origem germânica, descendentes de migrantes no século XIX que já possuíam algumas qualificações enquanto operários e artesãos, - favoreceu o desenvolvimento de firmas na região do Vale do Itajaí, tais como a Hering Têxtil, Karsten, Cremer, Têxteis Renaux, Buettner, Teka, Artex entre outras. A origem comum dos agentes viabilizou interações em um clima de maior confiança gerado pelo mútuo reconhecimento da “identidade” entre os indivíduos, facilitando as trocas de informações e a mobilidade de trabalhadores com importantes conhecimentos tácitos e competências entre as firmas da região. As habilidades da mão-de-obra local relacionadas às atividades produtivas e inovativas no setor têxtil-vestuário no Vale do Itajaí determinam importantes vantagens competitivas para o local, e foram construídas em um processo histórico específico do desenvolvimento do sistema local, pelas interações entre os agentes com competências diversas e um sistema de conhecimento aberto a fontes de informações externas (nacionais ou estrangeiras). Dentre os recursos tangíveis disponíveis no sistema local do Vale do Itajaí, os recursos naturais na região do Vale do Itajaí são pouco relevantes para as atividades da indústria, uma vez que uma das principais matérias-primas, o algodão, é fornecido por agentes de fora do sistema local. Na estrutura industrial local destaca-se que, no segmento de vestuário, cerca de 85% (Fiesc, 2000) das empresas são pequenas, dedicando-se em grande parte ao fornecimento de produtos menos diferenciados e a oferta em mercados regionalizados. Já no segmento têxtil, as pequenas empresas são responsáveis principalmente pelo fornecimento de serviços complementares. Embora exista o fornecimento local de uma variedade de insumos, equipamentos, acessórios, serviços etc., os principais para as atividades da indústria são de fornecedores externos ao arranjo (Campos et al., 2000). Entre os principais produtos destacam-se principalmente os de cama, mesa e banho, as confecções de malha e os artigos hospitalares, com qualidade reconhecida nacionalmente. Dentre as organizações de ensino há, na Região do Vale do Itajaí, um grande número de escolas municipais, estaduais e particulares de ensino básico e técnico. Há também várias organizações de ensino superior destacando-se a Furb e a Febe. Quanto ao ensino técnico deve-se destacar a presença de unidades do Senai, com diversos cursos específicos às atividades têxteis-vestuários. Há diversas organizações de infra-estrutura tecnológica estabelecidas na região que fornecem importantes serviços tecnológicos, o Cepetex mantém um laboratório para análise de fios; a Furb 9 Dadas as semelhanças e inter-relações entre as atividades têxteis e de vestuário, os dois segmentos serão tratados como um único: o setor têxtil-vestuário. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 12 mantêm o curso de química têxtil, e o Senai presta importantes serviços tecnológicos através do Laboratório de Ensaios Físicos e Químicos Têxteis de Brusque. Dentre as organizações de coordenação destaca-se, em Blumenau, o Sintex (Sindicato das Indústrias Têxteis) e a Acib (Associação Comercial e Industrial de Blumenau) Também é importante a atuação do Fórum de Desenvolvimento Regional do Médio Vale do Itajaí, coordenado pelo Instituto de Pesquisas Sociais da Furb e a Fiesc, através da Câmara Têxtil, que possui programas específicos para as atividades da indústria. 3.1.2 - Aprendizagem nas pequenas empresas Na indústria têxtil-vestuário, as principais fontes de informações para novos conhecimentos e construir novas competências são os fornecedores de equipamentos e insumos e osconsumidores. No caso das pequenas empresas têxteis-vestuários do Vale do Itajaí, os consumidores proporcionam informações sobre o desempenho de produtos e serviços, e a consulta a publicações especializadas ou participação em feiras comerciais e em cursos de treinamento as orienta quanto às tendências da moda, características das cores e desenhos. As máquinas e equipamentos para o processo produtivo são adquiridos através de importação, ou de produtores nacionais, em grande parte por intermédio de representantes comerciais estabelecidos no local. Deve-se destacar que estas relações com clientes e fornecedores são bastante informais, o que não define processos de aprendizagem devidamente estruturados. As pequenas empresas concentram-se principalmente no segmento de vestuários, podendo estabelecer relacionamentos com firmas maiores principalmente através de serviços complementares de facção. No segmento têxtil, as pequenas firmas interagem com empresas de médio e grande portes através do fornecimento de produtos e serviços complementares (como o tingimento) sem maiores complexidades tecnológicas. O processo de imitação de produtos locais, nacionais ou estrangeiros é uma prática bastante comum entre estas firmas. Dentre as formas de incorporação de novas tecnologias, as empresas menores utilizam principalmente a aquisição de máquinas no mercado nacional. As atividades de treinamento e as interações com as organizações de infra-estrutura tecnológicas e com as outras firmas locais são bastante reduzidas nas firmas de pequeno porte da região. Para as pequenas empresas, então, os processos de aprendizagem mais usuais são o “learning-by- doing”, onde no próprio processo produtivo desenvolvem-se soluções e melhoramentos para os processos e produtos, e o “learning-by-interacting” a partir das interações com os fornecedores, através de representantes comerciais estabelecidos no local, obtendo assim informações que possibilitam às pequenas firmas adequações e melhoramentos nos seus processos produtivos e produtos. Conforme exposto, constata-se que há uma estrutura bastante diversificada de recursos no Vale do Itajaí que podem estimular as atividades produtiva e inovativa da indústria têxtil-vestuário. Mas, como foi constatado no trabalho de Campos et al (2000), tais recursos são utilizados com maior intensidade pelas médias e grandes firmas, uma vez que estas são as que interagem mais com as organizações de infra-estrutura tecnológica, de coordenação e outras estabelecidas no local para desenvolver atividades mais relevantes para o estímulo à inovação. Já as pequenas firmas utilizam-se dos recursos locais para poucas atividades complementares, tais como alguns testes, certificação, treinamento, ensino e financiamento. Não se verifica, então, em volume significativo, interações por intermédio de processos de aprendizagem estruturados que gerem fortes estímulos e insumos essenciais para o Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 13 processamento de novos conhecimentos e inovações, possibilitando a construção de novas competências seja através do desenvolvimento de novos produtos ou de estratégias comerciais mais arrojadas. Assim, as maiores vantagens das pequenas empresas no sistema local do Vale do Itajaí são a origem histórica-cultural dos agentes que lhes viabiliza interações num clima de maior confiança; as habilidades e experiências dos agentes que se traduzem em uma mão-de- obra satisfatoriamente qualificada e em grande volume; a existência de representantes comerciais dos fornecedores de máquinas e equipamentos; e a proximidade com médias e grandes firmas que possibilita, em certa medida, o fornecimento de algumas complementariedades, além dos órgãos associativos que estimulam a circulação de informações no local e coordenam programas cooperativos. 3.2 - Sistema local de inovação moveleiro de São Bento do Sul 3.2.1 - A dinâmica da produção e inovação e os recursos do sistema local A indústria de móveis é um segmento produtivo tradicional da indústria de transformação caracterizada pela reunião de diferentes processos de produção que utilizam matérias-primas diversas (madeira, metal e outros) para a geração de diferentes tipos de produtos destinados à residência e escritório. Possui uma estrutura industrial com forte presença de pequenas empresas, grande absorção de mão-de-obra, pequena participação no valor adicionado da indústria em geral e os móveis de madeira, (retilíneo e torneado) são responsáveis pela maior participação no valor total da produção da indústria. A demanda é muito segmentada e varia de forma positiva com a renda e pelo comportamento de alguns setores como construção civil, por exemplo. A indústria de móveis tem uma dinâmica marcada por uma tecnologia estável, reduzidas oportunidades tecnológicas, pela natureza incremental das inovações e reduzidas condições de apropriabilidade em decorrência do frágil sistema proteção e da facilidade de difusão tecnológica. O conhecimento é codificado e pouco complexo. Estas condições e as reduzidas barreiras à entrada possibilitam a presença de empresas de menor porte na indústria. Em Santa Catarina, a principal região produtora de móveis encontra-se na micro-região do Alto Vale do Rio Negro, formada pelos municípios de São Bento do Sul, Rio Negrinho e Campo Alegre. Esta região possui uma forte identidade sócio-cultural em face da descendência comum de imigrantes de origem germânica, poloneses e austríacos. Com a disponibilidade na região de recursos florestais as pequenas marcenarias criadas nas primeiras décadas do século XX deram origem às principais empresas locais entre as quais Indústria Zipperer (1923), Weihermann (1925), Rudinick (1935), Artefama (1945) Móveis Pirane (1960), Móveis Neumann (1970), Móveis Clement (1984) e Polska (1987). Neste processo formou-se um capital intelectual constituído pelo conhecimento tácito e habilidade técnica na produção de móveis madeira Segundo o Sindicato das Indústrias de Construção e Mobiliário de São Bento do Sul existem cerca de 330 empresas que empregam em torno de 12.000 pessoas e produzem móveis residenciais de madeira, em grande parte derivada de pinus, sendo os segmentos mais importantes o de móveis para dormitórios, salas e copa. Há predominância de micro e pequenas empresas, cerca de 85% do total, que juntamente com as demais, 14 % médias e 1% grandes, destinam 70% da produção de móveis para o mercado externo. O que representa 50% das exportações brasileiras. Além destas, existem empresas fornecedoras de insumos, de máquinas e equipamentos complementares, prestadoras de serviços, representantes de empresas importadoras, agentes de exportação, e outras, bem como a presença de 12 organizações de apoio educacional, comercial, financeiro e tecnológico (Denk, 2000). Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 14 O elevado grau de verticalização, sugere baixos níveis de complementariedade produtiva local. As grandes empresas internalizam a maioria das etapas produtivas, desde a secagem e o pré- processamento da madeira até a fabricação e montagem do móvel. São poucas as etapas terceirizadas e entre estas destacam-se a fabricação de embalagens, a lustração, e a produção de alguns assessórios. Em relação aos principais insumos, há um sistema regular de abastecimento de madeira garantido pelas áreas de reflorestamento das grandes e médias empresas para auto- consumo e por empresas que adquirem de terceiros madeira seca para fornecimento às pequenas empresas. O fornecimento de insumos químicos como cola, verniz e tinta, é realizado por representantes comerciaisdas principais empresas produtoras. A natureza do processo produtivo na indústria de móveis permite a convivência de máquinas e equipamentos de várias gerações, cuja diversidade tecnológica está mais presente nas pequenas empresas por apresentarem menor capacidade de investimentos. Mesmo considerando esta característica, a reestruturação produtiva levada a cabo nos 90 conduziu a maior atualização do parque de máquinas e equipamentos, pois foram intensas as aquisições de moldureiras, otimizadores de corte, centro de usinagem, fresadoras, furadeiras múltiplas, e prensa de laminação no mercado internacional, em grande parte, da Itália e Alemanha, feitas junto a representantes locais de fornecedores multinacionais. A aquisição de equipamentos menos sofisticados tecnologicamente é realizada junto às empresas nacionais que produzem máquinas e equipamentos convencionais tais como, lixadeiras, seccionadeiras, destopadeiras e furadeiras, estufas de secagem, cabines de pinturas, e sistema de exaustão. Estão presente no arranjo produtivo moveleiro entidades associativas tais como: a Associação Comercial e Industrial de São Bento do Sul – ACISBS, Associação Regional das Pequenas Empresas de Móveis – ARPEM, Associação dos Exportadores de Móveis – AEM -, Sindicato das Indústrias de Móveis – SINDUSMOBIL, Escritório Nacional do Programa Nacional para Incremento das Exportações – PROMOVEL, Vice-Presidência do Setor de Móveis da Federação das Indústrias do Estado de Santa Catarina – FIESC e Sub-seção do Serviço Brasileiro de Apoio às Pequena e Média Empresas – SEBRAE. Dentre as várias ações desenvolvidas, cita-se o envolvimento na realização de feiras de produtos e de fornecedores de máquinas e insumos para móveis (Promosul). Da mesma forma, é significativo o esforço associativo para estimular a participação das empresas em programas nacionais de exportação (Promóvel), em. programas de incentivo à modernização produtiva, à formação de consórcios, à obtenção de certificado de qualidade, e ao desenvolvimento de design para móveis (PBD). A recente criação do Centro Tecnológico do Mobiliário – CTM em 1998, com a função de desenvolver atividades voltadas às áreas de educação, serviços laboratoriais, assistência técnica e tecnológica, pesquisa aplicada e difusão de informação tecnológica para o setor madeira/moveleiro constitui uma importante instância para o desenvolvimento de capacitação local. Apesar desta condição, até o presente as empresas têm recorrido ao CTM apenas para testes e ensaios nos laboratórios físico-químico e físico-mecânico, e cursos de curta e média duração, dentre os quais: marcenaria, operação de máquinas para madeira, desenho de móveis, afiação de ferramentas, pintor de móveis, torneiro em madeira, secagem de madeira, etc. (Correia, 2000). É significativa a presença de organizações de ensino para a formação e qualificação de trabalhadores tais como: o Serviço Nacional da Indústria - SENAI/CTM, a Escola Técnica Tupy; a Universidade para o Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina – UDESC, que oferece curso superior de tecnólogo em móveis e a Universidade da Região de Joinville – UNIVILLE que mantém cursos superior na área de administração, economia e ciências contábeis. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 15 3.2.2 - Aprendizagem nas pequenas empresas Considerando as características dos processos produtivos, os melhoramentos tecnológicos podem ocorrer por mudanças nas rotinas de produção que solucionem problemas técnicos, otimizem processos redutores de tempo de produção, e adaptem a tecnologia nas várias etapas produtivas (learning by doing). Nas relações com seus clientes as sinalizações de mudanças a partir da utilização dos produtos contribuem para aperfeiçoar os produtos, alterando design, estética, pintura, etc. Da mesma forma, as relações com fornecedores de máquinas realizadas a partir de trocas de informações, treinamentos fornecidos após compra, serviços de manutenção, visitas técnicas freqüentes; assim como, as relações com fornecedores de insumos, nas quais os fluxos de informações sobre as especificações físico- química e mecânica, possibilitam às firmas compartilharem conhecimentos que provocam mudanças técnicas (learning by interacting). A ocorrência de processo de learning by doing no interior das pequenas e médias empresas manifesta-se a partir da experiência e habilidade da mão-de-obra, com intensidade diferenciada em todas etapas da produção (serraria, secagem, tornearia, montagem, pintura e acabamento). Nas pequenas empresas, o desenvolvimento do processo de aprendizagem por interação (learning by interacting), através das suas relações com fornecedores de máquinas e equipamentos, realiza-se com intensidade na forma de cursos e treinamento oferecidos pelos fornecedores e de visitas técnicas freqüentes. Este processo ocorre de forma contínua desde os anos 80, quando a produção passou a direcionar-se para o mercado externo com exigência de produtos com maior conteúdo tecnológico, e intensificou-se nos anos 90 diante da abertura econômica e de política cambial favorável que levou grande parte das pequenas empresas a atualizar as plantas industriais e desenvolver com mais intensidade processos interativos com seus fornecedores. No âmbito das relações com os fornecedores de insumos, as especificações físico-químicas requeridas para os móveis conduzem as pequenas empresas a manterem contatos freqüentes com os produtores de colas, tintas, vernizes, em face de parte dos seus produtos dirigirem-se para mercados que apresentam climas diferenciados e mudanças bruscas de temperatura. Também são frequentes as interações com os fornecedores de MDF e HDF, visando a utilização de derivados da madeira que reduzem as perdas no processo produtivo. Nas pequenas empresas exportadoras, (aproximadamente 50% desta categoria) a aprendizagem através das interações com os clientes não são significativas uma vez que as especificações dos produtos são determinadas pelos importadores através dos agentes de exportações. A rígida exigência de cumprimento das condições estabelecidas torna a interação passiva e dependente, dificultando maiores trocas de informações que permitam maiores desenvolvimento do processo de aprendizado interativo. Para o restante das PEs que destinam a produção para o mercado interno, existe a possibilidade de aperfeiçoar e aproveitar as evoluções dos produtos a partir de sugestões dos clientes, porém não ocorre com intensidade considerável em face das empresas não possuírem canais de comunicação relevantes e do desinteresse dos produtores em atender demandas especificas. Neste contexto, os principais processos de aprendizagem existentes nas pequenas empresas são o learning by doing e learning by interacting Estes processos, por seu turno, são estimulados considerando que no local existem valores culturais homogêneos que auxiliam no compartilhamento de experiências; a habilidade e qualificação da mão-de-obra local; infra- estrutura educacional com cursos técnicos e superiores específicos para a indústria moveleira; infra-estrutura tecnológica que possibilita as empresas demandarem serviços, informação, educação e pesquisa tecnológicas; capacidade de coordenação de projetos locais; presença de representantes e fornecedores de máquinas, equipamentos e insumos, de escritórios de agentes de Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 16 exportação e órgãos públicos de apoio; além de infra-estrutura local de energia, transporte e comunicação. 3.3 – O Sistema local de inovação das pequenas empresas de software em Joinville 3.3.1 - A dinâmicada produção e inovação e os recursos do sistema local A capacitação local para o desenvolvimento de programas de computador deve ser compreendida no contexto das oportunidades abertas pela difusão mundial da tecnologia de informação. A estrutura dessa indústria apresenta segmentos concentrados ao lado de segmentos fragmentados, observando-se a presença de grandes corporações com produtos de mercado mundial e que definem a trajetória produtiva e tecnológica para toda a indústria, ao mesmo tempo em que se multiplicam espaços periféricos para a atuação de micro, pequenas e médias empresas no sentido de multiplicação desses produtos através da criação de programas aplicativos para a infinidade de situações da vida econômica que podem ser informatizadas. Pode-se, portanto, distinguir dois diferentes sistemas de inovação interligados (Breschi e Malerba, 1997): enquanto a dinâmica do núcleo da indústria pode ser compreendido de acordo com o modelo Schumpeter II (população de inovadores pequena e estável), a franja de empresas de pequeno e médio enquadra-se melhor no modelo Schumpeter I (população de inovadores grande e mutante). Dessa forma, na trajetória produtiva e tecnológica da indústria de informática observa-se a presença de produtos ou "plataformas" (de hardware e software) dominantes (Bresnahan e Greenstein ,1999), formando o núcleo da indústria, sendo as mais notáveis a plataforma mainframe IBM 360, da IBM, lançada em meados da década de 1960, e a plataforma PC liderada pela Intel e Microsoft, difundida a partir da década de 1980. Nesse segmento, além da pequena e relativamente estável população de firmas inovadoras, o regime tecnológico exibe características específicas como (ibid.): (a) alta oportunidade e elevada taxa de inovação tecnológica; (b) condições de entrada indireta ou lateral de novas firmas de segmentos próximos, dado que a cumulatividade tecnológica das firmas existentes dificulta a entrada direta; (c) interações entre produtores e usuários organizadas em torno de plataformas, as quais são constituídas por muitos componentes compatíveis entre si, podendo ter ou não uma firma dominante; (d) as condições de apropriabilidade são dadas pela realização de upgradings sucessivos na plataforma dominante. Nesse contexto, as grandes empresas líderes atuam no mercado procurando transformar suas soluções em produtos dominantes, passando a explorar, então, as vantagens proporcionadas pelas economias de escala do mercado mundial. Para tanto, passam a envolver na construção de redes de vendas e suporte, marca reconhecida e, no caso do segmento de software, licenciamento de programas de uso geral para usuários finais (planilhas, processadores de texto, etc.) e de produtos básicos (bancos de dados, ferramentas, sistemas operacionais) para empresas que desenvolvem aplicativos nas diferentes setores (Nicolau et all, 2000). Por outro lado, o segmento vertical e periférico da indústria de software reúne empresas do porte variado, havendo espaços locais e setoriais para a atuação de micro e pequenas empresas, mediante o atendimento especializado de clientes, o desenvolvimento de produtos que incorporam funções específicas e ocupando outros espaços deixados pelas empresas líderes, cujas linhas de produtos não atendem todas as necessidades. Nesse segmento, são importantes, além do monitoramento e atualização tecnológica em termos de plataformas e soluções dominantes lançadas pelo segmento central da indústria, os conhecimentos das áreas de aplicação, na medida em que os programas de computador, na verdade, constituem-se na interface entre a tecnologia microeletrônica e as atividades específicas dos diferentes setores de atividade. Nesse segmento de softwares aplicativos, a característica de cumulatividade e Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 17 apropriabilidade em torno de uma plataforma (neste caso, um software) também pode ser encontrada, na medida em as empresas têm geralmente um produto principal, que procuram difundi-lo o mais amplamente possível e lançam sucessivas versões aperfeiçoadas desse produto. Nesse aspecto, o caso de Joinville, onde desenvolve-se indústria especializada em aplicativos na área de gestão de empresas, é ilustrativo. Nas últimas duas décadas, vem-se desenvolvendo no Estado de Santa Catarina algumas aglomerações produtoras de software de uso vertical, em especial os produtos voltados à informatização da gestão de empresas. As mais expressivas são as localizadas nas cidades de Florianópolis, Blumenau e Joinville, sob o estímulo, no primeiro caso, da universidade federal local e de outras entidades do setor público, e, nos dois outros casos, das empresas industriais e comerciais. Nesta seção, analisam-se os processos de aprendizagem principais de pequenas empresas no sistema local de Joinville10. As atividades de desenvolvimento de software tiveram início em Joinville na década de 1970 através da formação de centros de processamento de dados nas maiores empresas e de bureaux de serviços para atender empresas menores. Esses investimentos iniciais foram importantes na criação de capacitação local de recursos humanos no segmento de informática aplicada à gestão empresarial. Na década de 1980, a tendência mundial de migração para plataformas de menor porte (mini e microcomputadores) criou demanda estimulando o surgimento da indústria de software. No nível local, os anos 80 marcaram o surgimento das principais empresas de software hoje existentes, criadas por profissionais egressos de empresas industriais, que, assim, terceirizaram a atividade. Nos anos 90, observou-se a expansão das atividades de formação de recursos humanos (cursos superiores), o adensamento da malha de empresas e a criação de uma organização de coordenação (Fundação Softville). Dessa forma, o aglomerado cresceu a partir dos estímulos da indústria local, que passou a estimular a abertura de cursos universitários na área, diferentemente do que se observou em Florianópolis, que registrou movimento inverso. O aglomerado de Joinville é composto por duas empresas de médio porte (uma com 200 e outra com cerca de 600 funcionários) e por um número estimado de 30 empresas de pequeno porte formalmente registradas e de atividade ininterrupta (dados de 1999), ocorrendo, assim, forte concentração das atividades, faturamento e pessoal ocupado nas duas empresas maiores. 3.3.2 - Aprendizagem nas pequenas empresas Dada a pequena expressão dos ativos tangíveis, as condições de aprendizagem são amplamente potencializadoras do sucesso no mercado de software, no sentido de que os produtos da indústria resultam quase que inteiramente da dinâmica de aprendizagem. Os conhecimentos envolvidos nas atividades de desenvolvimento de software podem ser reunidos em dois grandes conjuntos: os conhecimentos gerais e os conhecimentos específicos. Os conhecimentos gerais são os conhecimentos codificados da disciplina, ensinados nas escolas de informática e cursos de pequena duração (linguagens de programação, softwares básicos sobre os quais são construídos os aplicativos, ferramentas de desenvolvimento etc.) e os conhecimentos tácitos gerais aprendidos nas empresas, mediante learning by doing (rotinas internas: metodologia de desenvolvimento dos produtos, relação com o mercado etc.). Os conhecimentos específicos são os conhecimentos de soluções de informática para a área de aplicação determinada, incluindo tanto conhecimentos de informática (softwares especializados e soluções específicas de informática), como conhecimentos dos processos produtivos concretos a serem informatizados. Esses conhecimentos específicos são particularmente necessários ao 10 A fonte principal de informaçãoé a pesquisa de campo realizada em 1999 com financiamento do PNUD/IPEA (ver Nicolau et all (2000)). Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 18 desenvolvimento de produtos novos. A aprendizagem ocorre, principalmente, mediante interação com fornecedores externos de tecnologia e com usuários dos produtos. a) Estrutura local para aprendizagem dos conhecimentos gerais As condições para a aprendizagem dos conhecimentos gerais são dadas, no caso em estudo, em primeiro lugar, pela expressiva oferta de cursos de informática existentes na cidade. A pesquisa de campo identificou a existência de sete cursos superiores em informática, seis deles criados na década de 90, ao lado da extinção de três cursos de 2o grau que funcionavam nos anos 80. Essa estrutura de cursos superiores é responsável pela oferta de cerca de 500 vagas/ano, a maior parte delas focados em sistemas de informação empresarial, numa nítida vinculação com o mercado de trabalho. Complementando a oferta de cursos mais avançados, passa a ser prática corrente no final dos anos 90 e no ano 2000 a oferta de cursos de pós-graduação (especialização e mestrado) para turmas especiais de alunos em áreas como engenharia de produção, computação e automação. Além desses cursos de longa duração, cursos de curta duração completam a estrutura formal de formação de recursos humanos, sendo utilizados principalmente para o ensino de linguagens e de softwares determinados, que, em geral, se apresentam como novidade na área. Essa estrutura de formação de recursos humanos é utilizada tanto pelas micro e pequenas empresas, como pelas empresas de porte médio. Entretanto, a empresa de maior porte já partiu para solução própria, lançando um curso superior (do tipo sequencial) em convênio com instituição de ensino local baseado, em grande parte, no software de gestão integrada de sua propriedade. Em segundo lugar, a qualificação básica para desenvolvimento de software é complementada pelos conhecimentos tácitos obtidos nas empresas mais organizadas (pequenas e, principalmente, nas médias), tais como a aprendizagem de programas específicos (plataformas), licenciados junto a fornecedores mundiais, sobre os quais são desenvolvidos os softwares aplicativos e o conhecimento das rotinas gerais utilizadas para o desenvolvimento de produtos. É com esses conhecimentos básicos, codificados e tácitos, que ex-funcionários e ex-alunos criam micro- empresas. Ou seja, foi a experiência adquirida, inicialmente nos CPDs das empresas industriais de maior porte, e depois nas próprias softhouses, que se constituiu, ao longo da trajetória do sistema local nos anos 80 e 90, na principal origem dos fundadores de novas empresas de software em Joinville. Atualmente, com a consolidação dos cursos superiores como principal instrumento de formação profissional e com a atuação de organizações de apoio (incubadoras, projeto Gene), a abertura de micro-empresas por alunos egressos desses cursos já passa a configurar-se como uma segunda fonte importante de criação de micro-empresas. Essas empresas, portanto, são criadas a partir de projetos específicos e dos conhecimentos gerais detidos por pessoas que atuam no local. A estrutura local de recursos humanos quanto à escolaridade pode ser avaliada a a partir de um levantamento amostral efetuado em 1999, cobrindo um contingente de aproximadamente 1000 pessoas ocupadas em 14 empresas de software. A pesquisa mostrou que cerca de 80% dos funcionários possuíam pelo menos curso superior incompleto. A qualificação escolar distribui-se de forma desigual entre os diferentes tamanhos de empresas, com vantagem para as micro e pequenas empresas. Nessas empresas, o processo de desenvolvimento é menos rotinizado e mais dependente do trabalho dos proprietários, que normalmente possuem nível de escolaridade mais elevado. Cerca de 42% de pessoal ocupado nas micro-empresas é constituído por sócios e proprietários e 27% por trabalhadores temporários. Nas empresas médias, a quase totalidade de pessoal ocupado é formada por funcionários permanentes. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 19 b) Interação usuário-produtor e a aprendizagem de conhecimentos específicos No sistema local de Joinville são muito baixas as interações das médias empresas com as micro e pequenas empresas locais. Por outro lado, as interações entre micro e pequenas empresas são mais significativas, referindo-se a (a) troca de informações e (b) ações para capacitação de recursos humanos, havendo também casos isolados de ações conjuntas em marketing e desenvolvimento de produtos. As principais fontes de atualização tecnológica, apontadas na pesquisa, são pela ordem de importância: (a) revistas de divulgação nacional; (b) relações com usuários; (c) internet; (d) associações de classe; (e) técnicos contratados; (f) revistas de divulgação internacional. É digno de nota como mecanismo de informação e coordenação a edição semanal de jornal eletrônico local sob a responsabilidade da Fundação Softville. Esta realidade demonstra a ausência de canais mais qualificados para a capacitação tecnológica das pequenas empresas locais, o que pode ser associado às circunstâncias de que as instituições de ensino ainda estão em processo de estruturação e de qualificação de seu corpo docente e à baixa interação com as empresas de maior prote. Para o desenvolvimento de produtos, além dos recursos internos da empresa, são utilizadas ações nas áreas de (a) contratação de pessoal especializado, (b) desenvolvimento junto a clientes e (c) licenciamento de tecnologia no exterior. Na verdade, o que se observou nos 20 anos de trajetória foi o rápido crescimento das duas empresas de maior porte (que passaram a figurar entre as líderes no país no segmento de gestão empresarial), não alavancando, com seu crescimento, as pequenas empresas. Ao crescer, as empresas passam a articular-se principalmente com atores externos ao local (principalmente usuários, fornecedores e parceiros), mantendo vínculos locais apenas com a estrutura de formação de pessoal e não se constituindo em ponte para as pequenas empresas, obrigando-as à dura luta em busca de sua inserção no mercado. As explicações podem ser buscadas na forma pela qual características do regime tecnológico e o grau de complexidade do sistema local condicionam o processo de aprendizagem. Em primeiro lugar, deve-se ter claras as possibilidades abertas no sistema local para as pequenas empresas, tendo por exemplo a trajetória das empresas maiores e mais antigas do local. Essas empresas nasceram e se estruturaram junto com o desenvolvimento de seu produto - um software aplicativo desenvolvido inicialmente para um cliente determinado. Aí, a relação usuário-produto foi mutuamente enriquecedora e envolveu a aprendizagem de conhecimentos específicos: a nascente empresa de software teve de aprender, junto ao futuro usuário, os processos gerenciais a serem informatizados (que incluem conhecimentos gerais codificados de gestão empresarial e conhecimentos tácitos resultantes da experiência do cliente). Essa aprendizagem, geralmente, exigiu o deslocamento de funcionários para junto do usuário. O desenvolvimento de soluções de informática exigiu também capacitação específica do produtor em informática, que então, teve que contratar pessoal habilitado, investir em pesquisa ou articular-se com agentes externos. Uma vez desenvolvido o software para o primeiro usuário, a relação de aprendizagem inverteu-se: o produtor, para vender seu produto a novos clientes, passou a treinar e modificar as rotinas administrativas dos novos usuários. Assim, a empresa de softwarecresceu à medida em que expandia as vendas de seu produto para um mercado crescentemente extra-local, e o produto foi sendo aperfeiçoado em sucessivas versões. Cresceu, com isso, o quadro de pessoal necessário para criar as novas versões e, principalmente, para dar suporte aos clientes que adquiriram seu produto. O sucesso do produto no mercado explica, dessa forma, o rápido crescimento das maiores empresas locais, dado o custo praticamente nulo de reprodução dos programas já desenvolvidos. Este, parece-nos, continua sendo o principal caminho para a criação e crescimento de pequenas Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 20 empresas no sistema local. Mas, as oportunidades atuais de aprendizagem são mais escassas e menos evidentes do que as existentes nos anos 80, quando muitas empresas industriais locais demandavam programas de gestão. Dessa forma, a ausência de estruturas especializadas que identifiquem e estimulem as interações usuário-produtor dificulta a aprendizagem e a criação e expansão de pequenas empresas. Em segundo lugar, o processo de desenvolvimento de software não exclui a possibilidade de parcerias, que de fato ocorrem na indústria, e podem ser compreendidas, no contexto setorial, pela necessidade de encontrar soluções rapidamente com vista a ocupar os espaços que se abrem no mercado. Entretanto, a estrutura atual do sistema local de Joinville não parece oferecer, ainda, complementaridades de competências que seja estimuladoras de parcerias entre empresas locais de software, o que pode explicar o "descolamento" das empresas médias locais em relação ao conjunto de pequenas empresas. Assim, a abertura de pequenas empresas por ex-funcionários, juntamente com os contatos informais, constitui-se no único canal de interação e aprendizagem entre pequenas e médias empresas de software no sistema local. 4. Considerações finais Nos casos analisados, as características da dinâmica da produção e inovação são determinantes importantes das interações para aprendizagem que ocorrem no interior do sistema. Tais interações são estimuladas pela proximidade entre os agentes, estabelecendo códigos comuns e habilidades locais, e criando externalidades que acabam por desenvolver formas locais associativas básicas que se consolidam historicamente. No entanto, estas formas associativas nem sempre são suficientes para a criação de um círculo virtuoso de capacitação tecnológica nas pequenas empresas. O que se procura destacar aqui é que, nestes casos, as motivações dos agentes para ações coletivas, voltadas para a criação de capacidades técnicas e de aprendizagem em sistemas locais, dependem da natureza dos processos de aprendizagem dada pelas características do conhecimento e do regime tecnológico. Estas características poderão então motivar os agentes para o uso dos recursos e competências locais, dependendo das características do modo de governance que é construído. O quadro abaixo procura resumir as principais características observadas nos casos estudados: Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 21 Sistemas Locais TÊXTIL- VESTUÁRIO MÓVEIS SOFTWARE Dinâmica inovativa (A) Estímulos para inovação Fracos Fracos Médio Complexidade dos processos de aprendizagem Pouca complexidade Pouca complexidade Média complexidade Recursos e competências do sistema local (B) Infra-estrutura de serviços tecnológicos e de ensino Oferta de serviços tecnológicos Ampliação do sistema de ensino formal específico Oferta de serviços tecnológicos e sistema de ensino formal específico Desenvolvimento do sistema de ensino formal específico Complementariedade/especialização Média Média Baixa Tamanho das empresas/diversidade nas competências Muitas pequenas Heterogênea Muitas pequenas/ Heterogênea Principalmente pequenas/ pouco heterogênea Externalidades da aglomeração local Importantes Importantes Importantes Experiência associativa local e Coordenação Impacto mais reduzido sobre as pequenas empresas Impacto importante sobre as pequenas empresas Forte Processos de aprendizagem em pequenas empresas (D) Intensidade das interações com fornecedores e clientes Media Média Alta Intensidade das interações com Centros tecnológicos locais Fraca Fraca Fraca Intensidade das interações com outras empresas locais (interações horizontais) Fraca Fraca Fraca Estruturação do esforço interno às empresas Não-estruturado Não estruturado Parcialmente estruturado Esforço de investimento com efeitos sobre a capacitação Reduzido Médio Reduzido Formas predominantes de aprendizagem Learningby doing Interações com fornecedores Imitação de produtos Learning by doing Interação com fornecedores Competências para cumprir especificações de produtos Learningby doing Interação com clientes Desenvolvimento e Aperfeiçoamento do produto Nas pequenas empresas em sistema locais com preponderância de setores tradicionais, com heterogeneidade no tamanho das empresas, com grande variedade nas capacidades das empresas, com pouca especialização e complementaridades produtivas locais e reduzidos estímulos da dinâmica econômica para as atividades inovativas, o padrão básico de aprendizagem nas pequenas empresas tende a ser o learning by doing. Nessa forma de aprendizagem, em setores tradicionais, os processos são realizados nas rotinas de produção das empresas, nem sempre de forma estruturada, o grau de complexidade dos fluxos de informações é reduzido, as informações são codificadas, a importância da proximidade com as fontes de informações é menor, e nem sempre há dificuldade para acesso às principais fontes de informações. Políticas para Promoção de Sistemas Produtivos Locais de MPME Rede de Pesquisa em Sistemas Produtivos e Inovativos Locais – www.ie.ufrj.br/redesist 22 Neste padrão de aprendizagem o know-what, pode ser o principal estímulo para a busca de interação pelas empresas, considerada a facilidade para a imitação, e a facilidade de propagação decorrente da proximidade entre os agentes. O know-what, pode também estimular interações para a aprendizagem através, por exemplo, do efeito-demonstração, facilmente observável em aglomerações. Em sistemas locais, a confiança e as relações pessoais podem facilitar a localização de competências específicas. A difusão local de know-who, tende a criar demandas para serviços locais, podendo estimular especializações que provoquem o adensamento da estrutura local. No entanto, é importante observar que o resultado dos processos de aprendizagem interativa, ao se consubstanciar em alguma capacidade da empresa, se transforma em know-how. Essa é uma categoria de conhecimento criada dentro da empresa, que possui elevada dimensão tácita e, em condições de baixa apropriabilidade, tende a não estimular trocas de experiência com os demais agentes. Os processos de aprendizagem por interação nas pequenas empresas decorrem de relações de compra e venda e a absorção de informações relevantes para a capacitação tecnológica são complementares e respondem a pressões típicas dos processos competitivos do setor produtivo que predomina no sistema. Na relação com compradores, as variações na moda, no caso do vestuário, e o cumprimento de especificações de design para exportação, no caso dos móveis, indicam mais uma atitude passiva pressionada pela concorrência do que decisões das empresas para ampliação de suas capacitações Na relação com fornecedores o esforço de capacitação indica ser
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