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POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E ENERGIA RENOVÁVEL NO NOVO CONTEXTO DE MERCADO Uma análise da experiência recente dos EUA e do Brasil por Gilberto De Martino Jannuzzi Professor Livre-docente do Departamento de Energia, Faculdade de Engenharia Mecânica, Universidade Estadual de Campinas C.P. 6122 13088-970 Campinas, São Paulo Telefone/fax: 19-788-3282 email: jannuzzi@fem.unicamp.br URL http://www.fem.unicamp.br/~jannuzzi 1999 AGRADECIMENTOS Gostaria de agradecer o apoio recebido do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq durante minha estadia no Lawrence Berkeley National Laboratory, Universidade da Califórnia-Berkeley, onde foi desenvolvido o presente trabalho. Ao meu colega e amigo Dr. Ashok Gadgil que me facilitou diversos contatos e com quem mantive interessantes discussões nesse e em outros temas sobre energia, tecnologia, meio ambiente e ambiciosamente especulamos sobre o futuro da humanidade. Dedico este trabalho à minha querida família, companheira solidária e fiel em todas minhas empreitadas: Ana Maria Felipe, Helena e Daniel Berkeley, Maio 1999 ii SUMÁRIO AGRADECIMENTOS ................................................................................................. I LISTA DE TABELAS ...............................................................................................IV LISTA DE FIGURAS ................................................................................................V LISTA DE QUADROS .............................................................................................VI GLOSSÁRIO .........................................................................................................VII PREFÁCIO ............................................................................................................X RESUMO ...........................................................................................................XI CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO ....................................................................................1 Motivação, objetivos e estrutura do estudo.....................................................1 Energia e “bem público”...................................................................................3 Externalidades do setor energético.................................................................4 Benefícios públicos de sistemas energéticos e o mercado.............................6 CAPÍTULO 2: A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO NOS EUA .....................................11 Introdução......................................................................................................11 Conceituando as Reformas do Setor Elétrico................................................12 As reformas segundo mecanismos de coordenação..................................12 As reformas segundo sua natureza e objetivos..........................................14 As motivações para as reformas nos EUA....................................................17 Causas das mudanças na estrutura do setor elétrico dos EUA..................19 Quais foram as mudanças e principais impactos........................................21 Impactos das mudanças................................................................................24 Eqüidade.....................................................................................................25 O papel do governo federal........................................................................28 Acesso e divulgação de informações..........................................................28 A questão da competição entre gás e eletricidade.....................................28 CAPÍTULO 3: A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ..............................................................31 Introdução......................................................................................................31 Os programas de eficiência energética antes das reformas.......................32 Tipos de programas de eficiência energética.............................................34 As implicações das reformas para a eficiência energética............................34 Efeitos da des-verticalização......................................................................35 Efeitos da competição................................................................................37 A eficiência energética e o mercado.............................................................40 O “energy efficiency gap”............................................................................41 Barreiras, falhas e intervenção no mercado de energia.............................45 As mudanças das atividades em eficiência energética nos EUA...................47 Atividades comerciais.................................................................................47 Atividades para o setor público...................................................................49 CAPÍTULO 4: FONTES RENOVÁVEIS E MEIO AMBIENTE.............................................52 Introdução......................................................................................................52 As fontes renováveis.....................................................................................52 Introdução...................................................................................................52 O mercado de energia renovável (green marketing)..................................58 O mercado e políticas públicas...................................................................59 O meio ambiente...........................................................................................60 iii Mecanismos de mercado: a experiência com SO2 .....................................63 A geração distribuída.....................................................................................65 CAPÍTULO 5: A PESQUISA E DESENVOLVIMENTO ....................................................67 Introdução......................................................................................................67 Pesquisa de interesse público....................................................................69 Efeitos da reestruturação...............................................................................71 O papel futuro da P&D no setor energético...................................................73 CAPÍTULO 6: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL ...............................................75 Introdução......................................................................................................75 Califórnia.......................................................................................................76 Nova Inglaterra:.............................................................................................78 A Região do Noroeste-Pacífico......................................................................79 Minnesota......................................................................................................80 Texas.............................................................................................................82 CAPÍTULO 7: MECANISMOS PARA PROMOVER PROGRAMAS DE BENS PÚBLICOS ......83 Introdução......................................................................................................83 Mecanismos fiscais........................................................................................83 Mecanismos regulatórios...............................................................................88 Ações diretas do governo..............................................................................89 CAPÍTULO 8: EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E OUTROS BENS PÚBLICOS NO BRASIL ..........91 Introdução......................................................................................................91 Bens públicos e as reformassetoriais no Brasil............................................92 Características da regulação para Eficiência Energética e P&D................93 As reformas do setor energético e o novo arranjo institucional.....................94 Mudanças do papel do setor público.............................................................95 Investimentos em Programas Regulados durante 1998-99...........................98 Eficiência Energética..................................................................................98 Pesquisa e desenvolvimento....................................................................101 O problema de consumidores de Baixa Renda...........................................105 Conclusões..................................................................................................106 CAPÍTULO 9: CONCLUSÕES ................................................................................109 Bens públicos nos EUA...............................................................................110 Bens Públicos no Brasil...............................................................................112 ANEXO..............................................................................................................115 O Protocolo de Quioto.................................................................................115 Características dos mecanismos de implementação................................115 A Implementação Conjunta (Joint Implementation – JI)...........................116 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo................................................116 Os Certificados de Emissões (Global Tradable Permits).........................119 BIBLIOGRAFIA ...................................................................................................120 iv LISTA DE TABELAS TABELA 1: AS RESPONSABILIDADES DE POLÍTICAS PÚBLICAS .....................................9 TABELA 2: O EFEITO DO MERCADO NAS RESPONSABILIDADES PÚBLICAS DAS EMPRESAS DE ENERGIA ..................................................................................................10 TABELA 3: TIPOLOGIA DE MODELOS DE COORDENAÇÃO..........................................12 TABELA 4: TIPOLOGIA DE MODELOS DE COORDENAÇÃO MISTOS...............................13 TABELA 5: IMPLICAÇÕES DA DES-VERTICALIZAÇÃO PARA A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ..36 TABELA 6: IMPLICAÇÕES DA COMPETIÇÃO PARA A EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ..............40 TABELA 7: PRIORIDADES PARA PROGRAMAS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA FINANCIADAS PELOS CONSUMIDORES DE ENERGIA ................................................................50 TABELA 8: A ESTRUTURA DE PRODUÇÃO DE ELETRICIDADE NA CALIFÓRNIA (1989-95) ....................................................................................................................57 TABELA 9: CAPACIDADE INSTALADA DOS NGU (GW).............................................58 TABELA 10: SUMÁRIO DAS IMPLICAÇÕES DE REFORMAS DO SETOR ELÉTRICO NO SEU DESEMPENHO AMBIENTAL...............................................................................62 TABELA 11: PREÇOS DE ENERGIA RENOVÁVEL NA INGLATERRA DURANTE A PRIVATIZAÇÃO (1991-94) (EM C/KWH)............................................................63 TABELA 12: INVESTIMENTOS EM PESQUISA E DESENVOLVIMENTO EM ALGUNS PAÍSES ....................................................................................................................69 TABELA 13: MECANISMOS PROPOSTOS PARA FINANCIAMENTO DE P&D...................75 TABELA 14: MECANISMOS PARA INCENTIVAR A PROMOÇÃO DE BENS PÚBLICOS: TAXAS E INCENTIVOS ...............................................................................................84 TABELA 15: EXEMPLOS DE APLICAÇÃO DO SBC EM ALGUNS ESTADOS.....................86 TABELA 16: RENÚNCIA FISCAL FEDERAL PARA PRODUTOS EFICIENTES E FONTES RENOVÁVEIS 1999........................................................................................87 TABELA 17: MECANISMOS PARA INCENTIVAR BENEFÍCIOS PÚBLICOS NO CONTEXTO COMPETITIVO: MEDIDAS REGULATÓRIAS ........................................................89 TABELA 18: POSSÍVEIS AÇÕES DO GOVERNO PARA IMPLEMENTAÇÃO DE BENEFÍCIOS PÚBLICOS NO CONTEXTO COMPETITIVO: MECANISMOS PARA IMPLEMENTAÇÃO DE PROGRAMAS .................................................................................................90 v LISTA DE FIGURAS FIGURA 1: REPRESENTAÇÃO ESQUEMÁTICA DA ESTRUTURA DO SETOR ELÉTRICO DOS EUA, ANTES E APÓS AS REFORMAS ................................................................24 FIGURA 2: EXEMPLO DO “ENERGY EFFICIENCY GAP”..............................................42 FIGURA 3: EXEMPLO DE CURVA DE SUPRIMENTO DE ENERGIA CONSERVADA ...........43 FIGURA 4: O PAPEL DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EXPLORAR O POTENCIAL DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA .................................................................................47 FIGURA 5: INVESTIMENTOS EM P&D NA ÁREA DE ENERGIA NOS E.U.A. (1974-80-90- 96)..............................................................................................................67 FIGURA 6: SEGMENTAÇÃO DO POTENCIAL DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA ENTRE OS DIVERSOS AGENTES.......................................................................................97 FIGURA 7: INVESTIMENTOS REGULADOS PARA PROGRAMAS DE EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E P&D DE INTERESSE PÚBLICO .....................................................................114 vi LISTA DE QUADROS QUADRO 1: AS AGÊNCIAS DE REGULAÇÃO DA CALIFÓRNIA E SUAS ATRIBUIÇÕES .....25 QUADRO 2: PROGRAMAS PARA POPULAÇÃO DE BAIXA RENDA..................................27 QUADRO 3: OS PRINCIPAIS ATORES PÚBLICOS DO SETOR ENERGÉTICO APÓS A REFORMA SETORIAL .......................................................................................95 QUADRO 4: DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE CE E IC..................................118 vii GLOSSÁRIO AIC Atividades Implementadas Conjuntamente, o mesmo que AIJ. AIJ Activities Implemented Jointly. Atividades Implementadas Conjuntamente. ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica. ANP Agência Nacional do Petróleo. CDM Clean Development Mechanism. Mecanismo de Desenvolvimento Limpo. CE Comércio de Emissões. CEPEL Centro de Pesquisas em Eletricidade CER Certified Emissions Reductions Certificados de Redução de Emissões (gases estufa) CLF Conservation Law Foundation. Organização Não Governamental. CNPE Conselho Nacional de Política Energética COP Conference of the Parties . Conferência das Partes. CPUC California Public Utility Commission CPUC California Public Utilities Commission. Agência de regulação para as empresas que operam serviços públicos na Califórnia. DISCO Distribution Utility. É a companhia regulada de distribuição que constrói e mantém a rede de distribuição ao consumidor final. DOE Department of Energy. Ministério de Energia do governo norte americano. DSM Demand-side management. Gerenciamento do lado da Demanda ou GLD. EB Executive Board. Conselho Executivo. EC Emission Certificates.. Unidades de Certificados de Emissões. EDF Environmental DefenFund. Organização Não Governamental dos EUA EP Emission Permits. Quota autorizada de emissão de poluentes. EPA Environmental Protecxtion Agency. O´rgão de Proteção Ambiental do governo federal americano. EPACT Energy Policy Act. Lei do governo americano que facilitou o acesso à rede de transmissão para produtores independentes. EPRI Electric Power Research Institute. viii ERAM Electric Revenue Adjustment Mechanism. Mecanismo concebido para compensar as concessionárias por eventuais perdas de receitas com o resultados de programas de eficiência energética. ESCO Energy Service Company. Uma companhia que se propõe a oferecer serviços para reduzir os gastos de energia de seu cliente, tendo como pagamento parte dessas economias, oualgum outro arranjo baseado nessa redução. EST Energy Savings Trust. Agência responsável por programas de eficiência energética na Inglaterra. ET Emissions Trading. Comércio de Emissões (CE). FERC Federal Energy Regulatory Commission. Agência Federal que regula preços, contratos e condições de fornecimento e transmissão de energia transacionados entre estados americanos. É o equivalente federal das agências estaduais de regulação. G77 Grupo de países em desenvolvimento. GEE Gases de Efeito Estufa. GLD Gerenciamento do Lado da Demanda. IC Implementação Conjunta. IOU Investor-owned utilities. Companhia de propriedade privada (de acionistas). IOU—Investor owned utility. Uma companhia de propriedade de acionistas que tem o objetivo de produzir lucro através de serviços de energia. É uma terminologia utilizada para diferenciar das companhias de propriedade municipal, ou cooperativas rurais. IPP Independent Power Producer. Produtores Independentes de Energia. IPP—Independent Power Producer. Uma entidade privada que opera uma unidade de geração de energia e vende para a rede ou clientes. ISO Independet System Operatior. Operador Independente do Sistema (no Brasil é chamado Operador Nacional do Sistema - ONS). ISO Independent System Operator. Operador Independente do Sistema. Uma organização independente e neutra sem interesse financeiro na geração de energia que administra a operação e uso do sistema de transmissão. A OIS tem a palavra final sobre o despacho da geração para preservar a confiabilidade e eficiência do sistema, garantir o acesso público, administrar as tarifas de transmissão e fornecer informações sobre o estado do sistema e capacidade de transmissão. JI Joint Implementation. Implementação Conjunta (IC). MME Ministério de Minas e Energia. MOP MRPR Mandate Renewables Purchase Requirements. Reduções mandatórias para compra de energia renovável. NARUC National Association of Regulatory Utility Commissioners. É um conselho consultivo composto pelas agências de cinqüenta estados, Distrito de Columbia, Porto Rico e Virgin Islands com o objetivo de defender o interesse do consumidor para aprimorar a qualidade e eficácia da regulação pública no país. ix NASUCA National Association of Utility Consumer Advocates. Organização que congrega membros de 38 estados e do Distrito de Columbia com o objetivo de trocar informações e defender posições de interesse do consumidor em questões relacionadas a tarifas de energia em audiências das agências federais, Congresso Nacional e tribunais de justiça. NDRC Natural Resources Defence Council. Organização Não Governamental (ONG). NFFO Non Fossil Fuel Obligation. Medida que obrigava as companhias regionais de eletricidade do Reino Unido a comprar uma parcela de sua demanda de fontes nuclear ou renovável. NGO Non governmental organization. Organização não governamental (ONG). NGU Non Generating Utility. CHECK NPPC Pacific Northeast Electric Power Planning. Órgão regional de planejamento do setor elétrico. OCDE Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico. P&D Pesquisa e Desenvolvimento PD&D Pesquisa, Desenvolvimento e Demonstração. PIR Planejamento Integrado de Recursos. PROCEL Programa de Combate ao Desperdício de Eletricidade, inicialmente concebido como Programa de Conservação de Eletricidade PU Public Utility. PUC Public Utility Commission. Agência de Regulação. RD&D Research, Development and Demonstration. Pesquisa, Desenvolvimento e Demonstração (PD&D). REC Renewable Energy Credits. Certificados transacionáveis no mercado referentes a quotas de produção de eletricidade a partir de fontes renováveis. SBC Systema Benefit Charge. Taxa cobrada dos consumidores para financiar programas públicos de energia. SE Secretaria de Energia do Ministério de Minas e Energia. SMUD Sacramento Municipal Utility District T&D Transmissão e Distribuição de energia. UEC Units of Emmision Certificates. Unidades de Certificados de Emissão ( o mesmo que UCE). CHECK URE Unidades de Redução de Emissão (o mesmo que CER) USAID United States Agency for International Development. Agência de Cooperação do governo dos EUA. x PREFÁCIO Este livro foi escrito com a pretensão de organizar idéias sobre o tema de políticas para incentivar o desenvolvimento do setor energético na direção de maior participação de fontes renováveis e maiores esforços para se economizar energia, justamente em um momento quando novos agentes passam a fazer parte do processo de decisão e investimentos no setor energético. A busca de maior competição e eficiência econômica em um setor importante como este não é uma tarefa fácil e as expectativas de que os mecanismos de mercado poderão cumprir esses objetivos ainda merecem mais discussões. O tema é extremamente novo e não existem fórmulas mágicas. Em todo o mundo ainda se aprende a acomodar os interesses do mercado de energia com objetivos de desenvolvimento sustentável e as experiências não são facilmente transferíveis de um contexto para outro. Procura-se aqui mostrar algo da recente experiência dos EUA em tentar garantir a preservação e estimular a utilização de formas mais sustentáveis de energia e ao mesmo tempo criar reformas para permitir livre concorrência entre os produtores de energia. Desde o início da década de 90 aquele país experimenta uma transição de uma indústria composta de monopólios regionais com preços e lucros fortemente regulados pelo poder público para uma situação de mercado competitivo com preços de energia elétrica determinados de acordo com a oferta e demanda. Chama-se a atenção para os riscos de uma privatização e introdução de competição sem se definir quais são as características de interesse público que o setor energético deve manter. A expectativa é que esse material possa servir como referência para as experiências que se iniciam no Brasil. xi RESUMO POLÍTICAS PÚBLICAS PARA EFICIÊNCIA ENERGÉTICA E ENERGIA RENOVÁVEL NO NOVO CONTEXTO DE MERCADO Uma análise da experiência recente dos EUA e do Brasil No Brasil e em vários outros países, o setor energético passa por grandes transformações na sua estrutura de gerenciamento, nas decisões de novos investimentos e nas formas da sociedade implementar mecanismos de controle e regulação. Este é um fenômeno relacionado com novas condições financeiras, tecnológicas e econômicas principalmente para a geração de eletricidade. De uma forma geral, a grande preocupação dessas reformas é garantir competitividade, eficiência econômica para o setor e maiores investimentos da iniciativa privada. Dependendo da situação em cada país tem se observado maior ou menor ênfase em um desses aspectos. É possível notar, no entanto, que o denominador comum dessas mudanças é um enfraquecimento do poder público, seja ele como o principal gestor da indústria de eletricidade, ou como regulador de uma concessão privada para a oferta de serviços de energia (conforme era o caso dos EUA até recentemente). Algumas das reformas inclusive, especialmente aquelas que se preocupam em introduzir maior competição no segmento da geração, têm provocado um completo desinteresse em promover serviços de utilidade pública, como é o caso da eficiência energética, seja pelas companhias de geração, ou distribuição de eletricidade. O grande desafio dessas mudanças é, a nosso ver, garantir que a indústria de eletricidade além de ser competitiva, seja capaz também de atender objetivos sociais, de proteção ambiental, e assegurar investimentos que promovam maior sustentabilidade do xii sistema energético para o futuro. É com esse objetivo que se desenvolve o presente trabalho para analisar a experiência recente dos EUA com relação a reestruturação do seu setor elétrico e iniciativas desenvolvidas naquele país para preservaros “bens públicos”. Este país teve um desempenho diferenciado nessa questão quando comparado com os demais e, embora as reformas estejam sendo feitas para promover uma agressiva competição nos serviços de energia, tem havido preocupação em manter o caráter de “indústria de interesse público”. A tendência das reformas no Brasil é fazer com o setor público participe cada vez menos de iniciativas diretamente relacionadas com eficiência energética, pesquisa e desenvolvimento e fontes renováveis, e se dedique mais à criação de um ambiente favorável para que outros agentes se envolvam nessas atividades. A análise aqui desenvolvida para o caso norte-americano procura aproveitar sua larga experiência em criar incentivos através de regulação para estimular a ação de companhias de energia em investimentos em programas de eficiência energética, embora tenham sido concebidos durante um período onde ainda não havia competição. Nossa intenção aqui é a de procurar entender quais são e quais foram as motivações para preservar “bens públicos” nesse período de reformas e, na medida do possível, procurar descrever os mecanismos que estão sendo discutidos ou colocados em prática para a promoção desses bens no ambiente de maior competição. Verificamos, como conclusão do trabalho, que três fatores tem sido especialmente importantes para a preservação dos aspectos de utilidade pública da indústria de eletricidade nos EUA. Em primeiro lugar destacamos a forte tradição do país na implementação de programas federais, estaduais e regionais de conservação de energia e proteção ambiental. Essas iniciativas são uma importante herança das várias décadas de rigorosa regulação pública a que esteve submetida a indústria de eletricidade nos EUA, que inclusive, foi responsável pela criação de mercados para várias tecnologias eficientes e de energia renovável. Outro fator foi a participação da sociedade civil, seja através de grupos de proteção ao consumidor, ambientalistas, acadêmicos, grupos comerciais e industriais ligados a fontes renováveis. Finalmente observamos o interesse e sintonia de órgãos legislativos, tanto no âmbito federal como estadual, para atender às reivindicações e preocupações da sociedade. xiii Trata-se de um processo ainda em elaboração e com diferentes enfoques de acordo com as especificidades de cada estado, mas que oferece uma contribuição e inspiração para que iniciativas semelhantes sejam experimentadas em países como o Brasil. O presente trabalho consiste de 9 capítulos. Inicialmente são apresentados os conceitos de bens e benefícios públicos do sistema energético. No segundo capítulo analisam- se as principais causas e objetivos das reformas nos EUA, buscando evidenciar as principais mudanças que poderiam comprometer o papel de interesse público dessa indústria. Os capítulos seguintes discutem com maiores detalhes os efeitos das reformas do setor para a eficiência energética, fontes renováveis e pesquisa e desenvolvimento, procurando mostrar as iniciativas que foram realizadas naquele país para garantir esses aspectos. O capítulo 6 discute o importante papel desempenhado pela opinião pública organizada através de grupos civis na manutenção dos aspectos de interesse público da indústria. O capítulo 7 resume alguns dos principais mecanismos utilizados pelos governos estaduais e federal para promover programas de bens públicos nos EUA. O capítulo 8 apresenta uma análise do mecanismo regulatório colocado em prática no Brasil para fomentar investimentos em eficiência e pesquisa e desenvolvimento pelas empresas privatizadas, com o objetivo de verificar se está sendo realmente eficaz para prover bens públicos para o país. As conclusões estão discutidas no capítulo oitavo. CAPÍTULO 1: INTRODUÇÃO As reformas do setor energético e a situação dos “bens públicos”. Objetivos e contexto do estudo. Motivação, objetivos e estrutura do estudo No Brasil e em diversos outros países, o setor energético experimenta grandes transformações com relação a sua estrutura de gerenciamento e decisões de novos investimentos. Este é um fenômeno relacionado com novas condições financeiras, tecnológicas e de custos para a geração de eletricidade. Existe, é certo, uma diversidade com relação aos objetivos das mudanças e consequentemente, o mesmo ocorre com a forma como elas estão sendo implantadas em cada país. No entanto, pode-se afirmar que de uma maneira geral, a grande preocupação é garantir que estas introduzam maior competitividade, eficiência econômica e maior investimentos da iniciativa privada no setor energético. Dependendo da situação particular de cada país, tendo sido dado maior ou menor ênfase a cada um desses três fatores. Nos EUA, que é o objeto de maior atenção neste trabalho, grande parte das expectativas com relação a reestruturação se refere a um efetivo decréscimo nos preços de energia aos consumidores (especialmente para os grandes consumidores) e ao aparecimento de inovações tecnológicas decorrente da competição entre os chamados Energy Services Providers – ESP. É possível notar que o denominador comum das mudanças nos vários países onde se tem analisado os efeitos das reformas (Hagler Baily 1998a,b,c; Diesendorf, 1996) é um enfraquecimento do poder público, seja ele como o principal gestor da indústria de eletricidade, ou como o regulador de uma concessão privada para a oferta de serviços de energia (conforme era o caso dos EUA até recentemente). Alguns tipos de reformas inclusive, especialmente aquelas que se preocupam em introduzir maior competição no segmento da geração, têm provocado um completo desinteresse - pelo menos inicialmente - em promover serviços de 2 utilidade ou benefícios públicos, como é o caso da eficiência energética seja pelas companhias de geração, ou distribuição (como foi o caso da Noruega, Chile e Argentina). O grande desafio dessas mudanças é, a nosso ver, garantir que a indústria de eletricidade além de ser competitiva, seja também capaz de atender objetivos sociais, de proteção ambiental, e assegurar investimentos que promovam maior sustentabilidade do sistema energético para o futuro. É com esse objetivo que se desenvolve o presente trabalho para analisar a experiência recente dos EUA com relação com a reestruturação do seu setor elétrico e as iniciativas desenvolvidas naquele país para preservar os “bens públicos” (V. definição na próxima seção). Embora seja um processo ainda em consolidação em vários estados daquele país, é possível verificar desde o início o interesse e preocupação em preservar o caráter interesse público dessa indústria. Nosso objetivo aqui é o de procurar entender quais são e quais foram as motivações para preservar “bens públicos” e, na medida do possível, procurar descrever os mecanismos que estão sendo discutidos ou colocados em prática para a promoção desses bens no ambiente maior de competição. Também analisamos o caso brasileiro que desde 1998 colocou em prática um mecanismo regulatório para financiar eficiência energética e P&D, o que inicialmente se configura como um avanço considerável e até mesmo mais agressivo quando comparado ao que se verifica nos EUA. Interessa-nos verificar, no entanto se essa regulação realmente garante a provisão de bens públicos e quais são os limites de uma regulação sem uma definição de uma política pública para eficiência energética e P&D para o setor energético, como tem sido o caso brasileiro. O presente trabalho consiste de 9 capítulos. No primeiro são apresentados os conceitos de bens e benefícios públicos do sistema energético. Os capítulos 2 a 7 referem-se ao caso norte-americano. No segundo capítulo analisam-se as principais causas e objetivos das reformas nos EUA, buscando evidenciar as principais mudanças que poderiam comprometero papel de interesse público dessa indústria. Os capítulos seguintes discutem com maior detalhes os efeitos das reformas do setor para a eficiência energética, fontes renováveis e pesquisa e desenvolvimento, procurando mostrar as iniciativas que foram realizadas naquele país para garantir esses aspectos. O capítulo 6 discute o importante papel da opinião pública organizada através de grupos civis na manutenção dos aspectos de 3 interesse público da indústria. O capítulo 7 resume alguns dos principais mecanismos utilizados pelos governos estaduais e federal para promover programas de bens públicos nos EUA. O capítulo oitavo discute a obrigatoriedade de implantação de programas de eficiência e P&D nas empresas privatizadas no Brasil, seus primeiros resultados e limitações. As conclusões estão discutidas no capítulo nono com algumas reflexões sobre aprimoramento da regulação para fomentar iniciativas de interesse público da indústria de eletricidade. Energia e “bem público” É importante definir o que se entende como "bem público". Vários economistas no início dos anos 50 e 60 se preocuparam com esse tema. São chamados de “bens públicos” aqueles bens e serviços que não são produzidos em função da existência de um mercado competitivo, ao contrário, são na verdade um clássico exemplo das chamadas imperfeições de mercado. São bens (e serviços) consumidos por todos indivíduos e não podem ser restritos para beneficiar somente um ou poucos grupos de compradores. Dessa maneira tampouco existe interesse de indivíduos ou firmas agindo isoladamente na produção desses bens, uma vez que não existirá um consumidor que individualmente esteja disposto a pagar por um bem que é usufruído por todos1. Bens públicos são caracterizados por três fatores. Um deles é o atributo da não exclusão (ou não exclusividade), mencionado acima, ou seja, uma vez que esse bem foi colocado a disposição de um consumidor, não é possível restringir o seu consumo por outros. Por exemplo, investimentos em melhoria da qualidade do ar de uma cidade beneficiam todos os cidadãos daquela região. Outro atributo de um bem público é a chamada não rivalidade: o consumo desses bens por um indivíduo não diminui as possibilidades dos outros consumirem. 1 A teoria dos "bens públicos" teve início entre economistas europeus e começou a ser discutida nos EUA em meados da década de cinqüenta, especialmente por Paul Samuelson. Mais tarde, discussões sobre a teoria de ação coletiva (Mancur 1965) foram também baseadas na teoria de bens públicos e deram novos enfoques sobre o acesso aos "bens públicos". Foi também considerado que enquanto bens privados são perfeitamente fornecidos pelo mercado, o suprimento de "bens públicos" deve se dar através de instituições políticas (Buchanan 1968) (citação extraída de Mielnik 1998). Existe também o clássico artigo Hardin (1968) intitulado “Tragedy of the Commons” que analisa o caso de uma vila onde cada habitante podia levar seu carneiro para pastorear em campos que pertenciam a todos. Como o campo era coletivo, cada um procurava levar o maior número de animais para pastar até exaurir a pastagem. Esse é um exemplo que ilustra o tipo de dificuldades para gerenciar benefícios de recursos públicos. A presente seção baseia-se em Pindyck&Rubinfeld (1994), Nordhaus (1999) e Rosset (1997). 4 Isso significa que a produção de quantidades adicionais desses bens não implica em que novas quantidades de recursos seja utilizadas, em outras palavras, o custo marginal para a produção de novos bens é zero. É claro que existem limitações quando a demanda por esses bens é excessiva, por exemplo vias públicas utilizadas para trânsito de veículos é um bem público que não exclui nenhum usuário, mas pode tornar-se congestionada em função de um excesso de veículos trafegando ao mesmo tempo e impedir que outros veículos tenha acesso. Finalmente, e como conseqüência dos aspectos anteriores, bens públicos são caracterizados pela falta de interesse de firmas ou indivíduos em produzi-los. É necessário que sejam fundos coletados da sociedade através de taxas, impostos, ou outras formas, para o financiamento da produção desses bens. No caso do setor de energia elétrica o que se observou na literatura recente dos EUA, foi a preocupação de se definir quais seriam os aspectos de "bens públicos" cuja manutenção seria necessária no contexto de menor regulação pública no que se refere a preços e organização da indústria e maior competição entre as empresas. Como exemplo dessa preocupação, tem-se que em 1994 a CPUC (CPUC, 1997) apresentou um documento onde fica explicitada a relação de "bens públicos" que deveriam ser mantidos pela nova configuração do setor elétrico da Califórnia e estabelecia níveis de recursos que deveriam ser investidos em programas para que os mesmos fossem disponibilizados para os cidadãos daqueles estado. Foi definido que os bens públicos eram: eficiência energética, fontes renováveis, proteção ambiental, pesquisa, desenvolvimento e demonstração em áreas de interesse público, e a manutenção de programas para atender a população de baixa renda. Externalidades do setor energético Este é outro conceito relevante quando se discute a reforma do setor energético. Externalidades são os efeitos sobre terceiros, ou sobre a sociedade como um todo, causadas por atividades na produção, transmissão, distribuição e consumo de energia que não são capturados adequadamente através de mecanismos de preços. Essas externalidades podem ser positivas quando beneficiam outros, ou negativas quando trazem prejuízos. Por exemplo, embora os custos de produção de eletricidade através de painéis fotovoltaicos sejam maiores que a eletricidade produzida por óleo diesel, o sistema de preços não reconhece nenhuma 5 vantagem da fonte renovável (solar) sobre o diesel. Como será visto mais adiante (Capítulo 4: fontes renováveis e meio ambiente) os diferentes impactos sociais e ambientais das fontes de energia podem também justificar a intervenção do setor público para sinalizar as preferências da sociedade, quando os mecanismos usuais de mercado são limitados para esse fim. A indústria de energia é particularmente responsável por uma série de impactos negativos no meio ambiente local e global. Existem basicamente três maneiras de se procurar refletir as preferências da sociedade de minimizar os efeitos negativos da produção ou consumo de energia: estabelecimento de normas, ou padrões; impostos ou taxas; e mais recentemente temos a criação de quotas de poluição que podem ser transacionadas entre os agentes através de mecanismos de mercado. O setor público pode estabelecer limites para emissões de poluentes, ou especificar padrões de desempenho energético de equipamentos. Essa tem sido uma ferramenta muito usada para controlar qualidade de combustíveis, poluição atmosférica, eficiência energética de equipamentos e edificações, entre outros. A contínua revisão dessas normas tem possibilitado incorporar os avanços tecnológicos e exigências da sociedade e em alguns casos inclusive, induzir o desenvolvimento de novas técnicas e padrões de uso de energia. Taxas ou impostos podem ser adicionados de acordo com critérios que possam encarecer aquelas fontes de energia que são mais poluentes e favorecer as demais que apresentem maiores benefícios sociais e ambientais. A criação de quotas ou permissões transferíveis é um sistema onde se estabelece um teto global para emissões (ou outro aspecto de interesse) que é repartido entre os agentes responsáveis. Dependendo das possibilidades de cada um em promover reduções ele pode transferir (vender) a parcela não utilizada de sua quota para um outro, ou seja, essas permissões são negociadas entre os agentes. Esse mecanismopossibilita o aproveitamento de diferentes oportunidades existentes entre as empresas de promover as reduções utilizando o mecanismo de mercado (“preço” das permissões e o custo das reduções) para priorizar as soluções de menor custo. Esse mecanismo foi introduzido com sucesso para controlar as emissões de enxofre na indústria de eletricidade dos EUA (v. Capítulo 4) e mais recentemente 6 é parte dos esforços para controle de emissões de CO2 através do Mecanismo de desenvolvimento Limpo do Protocolo de Quioto (v. Anexo). Benefícios públicos de sistemas energéticos e o mercado É possível verificar a preocupação que existiu em se definir quais devem ser os interesses públicos a serem atendidos pela indústria de eletricidade nos EUA desde o início das discussões sobre a restruturação. As discussões que se desenrolaram criaram a possibilidade de um contexto favorável para proposição de políticas para o atendimento de interesses públicos em mercados competitivos. Golove & Eto (1996) sumariam os interesses públicos associados a essa indústria a partir de vários documentos elaborados por órgãos encarregados de conduzir o processo de reestruturação nos EUA: 1) promoção da eqüidade inter e intra-classe (eqüidade vertical) de consumidores e entre gerações; 2) the equal treatment of equals (eqüidade horizontal), mesmo tipo de consumidores recebem mesmo tratamento (tarifas, condições de pagamento/fornecimento, etc.); 3) equilíbrio entre metas de longo e curto prazo que possuem o potencial de comprometer o futuro das novas gerações; 4) proteção contra o abuso de poder monopolístico; e 5) proteção geral para a saúde e bem estar dos cidadãos do estado, nação e mundo. Outro documento bastante esclarecedor sobre a visão do papel das políticas públicas para a manutenção de benefícios coletivos da indústria de eletricidade nos EUA é o “Public- Policy Responsabilities in a Restructured Electricity Industry” de Bruce, Hirst & Bauer (1995). Esse trabalho foi escrito a partir dos resultados de um seminário onde participaram representantes de diversos setores: companhias de eletricidade, PUCs, agências estaduais de energia, NGOs, comunidade acadêmica e produtores de energia. A Tabela 1 mostra o elenco de benefícios coletivos segundo esse estudo que estão associados à indústria de eletricidade e sua relação com a promoção de crescimento econômico, eqüidade social e proteção ambiental. É interessante verificar que houve a preocupação de se explicitar as áreas de atuação para políticas públicas no novo ambiente de maior competição e menor regulação da indústria: confiabilidade do sistema, investimentos em pesquisa e desenvolvimento, gerência de recursos naturais e riscos, acesso não discriminatório de produtores à rede de transmissão, programas 7 de fornecimento de energia para população de baixa renda, estabelecimento de padrões mínimos de qualidade de serviço, proteção aos consumidores, incentivo ao uso de fontes renováveis e redução de níveis de poluição. Essas áreas de atuação atendiam a metas e objetivos dessa comunidade e que devem ser a base das políticas públicas. Essa Tabela mostra também a estreita relação da indústria de eletricidade com diversas áreas de interesse público. A Tabela 2 apresenta os possíveis impactos do mercado competitivo para o acesso desses benefícios públicos. Enquanto alguns objetivos que satisfazem interesses coletivos como, por exemplo a confiabilidade do sistema elétrico, poderão ser garantidos por um mercado competitivo outros não o serão, e devem ser supridos por iniciativa do poder público. Esse é o caso de medidas de proteção ambiental e proteção ao consumidor, entre outras. Essas informações ilustram o importante exercício de análise feito nos EUA para se entender os limites e os benefícios que o mercado competitivo pode trazer para a manutenção dos aspectos de interesse público considerados relevantes naquele país. 9 Tabela 1: As responsabilidades de políticas públicas Ações Valores e objetivos P&D Confia- bilidade do sistema Gerência dos recursos/ris cos GLD Acesso não disc. Trans- missão Progra-mas de Baixa- renda Padrões mínimos de serviços Proteção ao consumi- dor Energia renovável Redução de níveis de poluição Progresso Econômico Eficiência econômica 33 33 33 33 Competitividade industrial 33 33 33 33 33 33 33 Desenvolvimento Econômico 33 33 33 33 33 33 33 Escolhas para consumidores 33 33 33 33 33 Equidade Social Repartição eqüitativa de custos e benefícios 33 33 33 33 33 33 33 Participação pública 33 33 33 Proteção ao bem estar público 33 33 33 33 33 33 Proteção ambiental Geração e distribuição de eletricidade limpa 33 33 33 33 33 33 Qualidade ambiental regional 33 33 33 33 Fonte: Bruce, T. & E. Hirst, Bauer, D. 1995. 10 Tabela 2: O efeito do mercado nas responsabilidades públicas das empresas de energia Ações favorecidas pelo mercado Confiabilidade dos sistema Consumidores em um mercado competitivo poderão considerar a confiabilidade do serviço e o preço pago para escolher seus fornecedores. Acesso não- discriminatório Como a transmissão continuará a ser um monopólio, ela permanecerá sob a regulação do FERC. Discriminação poderia ser um problema se os proprietários da transmissão também controlassem a geração ou a distribuição. Ações parcialmente favorecidas pelo mercado Pesquisa e Desenvolvimento Haverá investimentos em determinados tipos de P&D. Algumas inovações poderão ter repercussões sociais importantes, outras ficarão restritas a determinados nichos e sempre terão o objetivo maior de aumentar a competitividade e lucros da empresa de energia. GLD Deverá haver o fornecimento de serviços de energia para os consumidores quando essas atividades fornecerem receitas para as companhias. As decisões sobre que tipo de programas se farão sob uma perspectiva da empresa (rate-impact measure test) e não sob uma perspectiva social (total resource cost test) Energia renovável A falta do PIR e a habilidade de engajar diversos atores nas decisões sobre a utilização de recursos naturais deverá reduzir o uso de fontes renováveis que possuem preços mais caros que as alternativas convencionais. Reduções em P&D nessa área também adiarão a entrada de novas fontes. Por outro lado com o acesso não discriminatório os produtores existentes poderão ter acesso a um mercado. Gerenciamento de recursos naturais e riscos Existe uma incerteza sobre os critérios que nortearão as decisões sobre investimentos na exploração de recursos naturais, especialmente quando se pensa no longo prazo. Ações que não serão favorecidas pelo mercado Controle da poluição e proteção ambiental Custos de controle de poluição ainda não são internalizados pela indústria. Se os reguladores puderem estabelecer incentivos para a redução de níveis de emissões, por exemplo, a indústria deverá procurar maneiras de atingir essa meta com o menor custo. O despacho ambiental é uma maneira de se atingir esse objetivo. Reguladores poderão taxar as plantas mais poluentes ou estabelecer um limite de emissões. Programas para consumidores de baixa renda O fornecimento de serviços para consumidores de baixa renda não é uma atividade rentável. Padrões mínimos de serviços Referem-se aqui a serviços que devem ser mantidos obrigatoriamente (mesmo sem pagamento) para os consumidores (como fornecimento durante os meses de inverno). Esses serviços somente serão mantidos se forem mandatórios. Pequenos consumidores ou consumidores cativos terão dificuldades para controlarem a qualidade de serviços de energia. Proteção ao consumidor O mercado por si mesmo não oferece garantias ao consumidor. Isso é importante se houver um grande número de companhias e intermediários para vendasde energia. Fonte: baseado em Tonn, Hirst & Bauer, 1995. CAPÍTULO 2: A REFORMA DO SETOR ELÉTRICO NOS EUA Antecedentes e motivações Introdução O setor elétrico dos EUA possui uma capacidade instalada de cerca de 725 GW (1996), ou seja mais de dez vezes que o Brasil, o que dá idéia da complexidade e dimensão dos impactos que as reformas devem causar no contínuo desenvolvimento de iniciativas de economia de energia e de fontes renováveis naquele país. O crescimento do consumo total de eletricidade tem sido modesto, entre 2-3% nos últimos anos, sendo que o setor comercial e residencial apresentam as maiores taxas de crescimento. As reformas não foram motivadas pela busca de maior eficiência no gerenciamento do setor, uma vez que já é um setor bem administrado, com perdas técnicas em torno de 3% e perdas comerciais menores que 1%, mas sim com o objetivo de reduzir os custos finais de energia, possibilitando a introdução de novas tecnologias de produção de energia e aumentar a competitividade da economia americana no mercado global. O processo e velocidade da implantação das reformas variam muito de estado para estado. Algumas regiões se encontram em estágios mais avançados, como a Califórnia e estados da Nova Inglaterra, mas cerca de um total de 48 estados (1998) já estão introduzindo reformas no setor para estimular a competição principalmente do lado da geração. O objetivo deste capítulo é descrever de uma maneira geral as principais mudanças ocorridas no setor elétrico e quais foram as motivações que determinaram iniciativas de proteção aos bens públicos. Neste capítulo serão apresentadas as principais causas das reformas no país e em alguns estados em particular. Inicialmente procura-se conceituar o significado das reformas promovidas no âmbito da indústria de eletricidade de maneira geral, para melhor colocar o contexto das mudanças nos EUA. 12 Conceituando as Reformas do Setor Elétrico A análise de novas estruturas de organização do setor elétrico em vários países mostra que existe uma grande diversidade de enfoques adotados. As mudanças que estão sendo chamadas de “reformas” do setor energético são basicamente novas formas de organização industrial e gerenciamento desse setor. Para melhor apresentar as reformas implantadas nos EUA dentro do contexto de possibilidades de novas organizações da indústria de eletricidade lança-se mão aqui de dois referenciais: um que mostra as possibilidades de reformas segundo mecanismos de coordenação entre os governo e empresas de energia, e outro que procura categorizar as mudanças de acordo com sua natureza e objetivos. As reformas segundo mecanismos de coordenação Arentsen e Künneke (1996) propõem um modelo conceitual para representar os diversos mecanismos de coordenação que caracterizam a organização de uma indústria nacional de eletricidade. São considerados três tipos de mecanismos: preços de mercado, acordos voluntários e autoridade governamental (Tabela 3). Cada unidade de decisão possui um mecanismo de alocação prioritário com objetivos próprios. Tabela 3: Tipologia de modelos de coordenação Modelos de coordenação Tomadores de decisão Mecanismo de alocação Objetivo econômico Mercado Indivíduo Sistema de preços Vantagens individuais Rede de atores Grupo Acordos voluntários Vantagens mútuas Hierarquia Autoridade pública Normas, leis, regras Interesse público Fonte: a partir de Arentsen e Künneke (1996) Uma combinação desses três mecanismos em pares, considerando “mecanismo de coordenação dominante/ mecanismo de coordenação acessório”, gera a tipologia de modelos de coordenação setorial que esses autores utilizam para estudar a organização do setor 13 energético em vários países. Essa tipologia oferece um referencial teórico para analisar a diversidade de reformas setoriais (Tabela 4). Esses autores propõem chamar de liberalização a qualquer movimento na direção ao topo da tabela e/ou à sua esquerda, ou seja fora da localização da estrutura hierárquica e mais próxima do Mercado Puro. Tabela 4: Tipologia de modelos de coordenação mistos Mecanismo de coordenação dominante Preço (A) Acordos Voluntários (B) Autoridade Pública (C) Preço Mercado Puro Auto-Coordenação Competitiva Hierarquia Competitiva (A) Acordo voluntários Mercado Coordenado Auto-Coordenação Pura Coordenação Hierárquica (B) M e ca n is m o d e C o o rd e n a çã o S e cu n d á ri a Autoridade pública Mercado Regulado pelo Poder Público Auto-Coordenação Controlada Hierarquia Pura (C) Fonte: a partir de Arentsen & Künneke 1996 Uma representação matricial desses modelos segundo o grau de centralização de seus decisores permite elencar um espectro de configurações possíveis desde aquelas onde predominam ações de Mercado baseada em preços de energia (Tabela 4, coluna A) até Organização Hierárquica onde as iniciativas são do tipo “comando e controle” (Tabela 4, coluna C). Como exemplo, podemos utilizar esse referencial representando a situação do Brasil até meados da década de 90, como a de “Coordenação Hierárquica” uma vez que havia a característica de interação entre diversos atores do setor elétrico, representando diferentes companhias de eletricidade estaduais e regionais, sob a coordenação da ELETROBRÁS. Decisões sobre o planejamento da operação e expansão, juntamente com financiamento e execução dos planos eram coordenados através da ELETROBRÁS. A França através da Eléctricité de France - EDF tem ainda a característica de ser tipicamente um caso de “Hierarquia Pura”. 14 As reformas nos EUA e no Brasil De acordo com essa tipologia, a presente reestruturação dos EUA pode ser descrita como sendo um movimento a partir de um Mercado Regulado pelo Poder Público (através de controle de tarifas e lucros das empresas) na direção de um Mercado Puro (competição livre para produção e distribuição e preços determinados pelas regras de oferta e demanda). Nos EUA, portanto, as reformas significam um movimento de baixo para cima, mas restrito à segunda coluna à esquerda da Tabela 4, um movimento de (A,C) para (A,A). Já no caso brasileiro as reformas implicam em mudanças profundas na propriedade (de pública, ou estatal para privada) e gestão do setor que deixou de ter um planejamento centralizado, em um movimento de (C, B) para (A,A) ainda não completado. As reformas segundo sua natureza e objetivos Um estudo realizado para o Departamento de Energia, Meio Ambiente e Tecnologia da Agência norte-americana USAID (Hagler Bailly, 1996) categoriza em 5 os tipos principais de reformas realizadas no setor elétrico a partir de uma análise comparativa entre vários países. São elas comercialização, privatização, des-verticalização, competição para o mercado atacadista mercado varejista, e regulação. No entanto, é bom ressaltar, se processam dentro de um período de tempo que pode ser longo e incluir muitas das etapas descritas a seguir. Comercialização A comercialização significa a introdução de princípios de gerência e administração comercial em companhias de propriedade do estado. Essas companhias passam a obedecer as mesmas regras de preços, empréstimos, contabilidade e impostos que as empresas privadas. São eliminados subsídios governamentais e outras vantagens como interferência e garantias governamentais para obtenção de novos empréstimos. Freqüentemente o passivo de dívidas da empresa é assumido pelo poder público. Além disso, as empresas passam a apresentar sua contabilidade em separado para as atividades de geração, transmissão e distribuição de energia. Suas decisões de investimentos possuem um caráter comercial e deixam de ter uma conotação de política de desenvolvimento15 econômico-social, e sofrem ajustes visando redução de custos, aprimoramento do sistema de tarifas e faturamento, melhorando a medição e redução de perdas comerciais. A comercialização tem sido encarada como uma etapa intermediária na direção da privatização e outras reformas. Alguns países tem introduzido a comercialização do setor elétrico através da gestão privada, mas mantendo ainda o setor sob domínio público, como por exemplo a Costa do Marfim, Gana, Senegal, Tailândia, Singapura e Malásia. Privatização Privatização significa a transferência de empresas originalmente pertencentes ao setor público para a iniciativa privada. Em algumas situações inicia-se o processo dando à iniciativa privada a oportunidade de investir em capacidade adicional e depois passa-se a vender as companhias existentes. Uma maneira de transferir à iniciativa privada novos investimentos é designar, a partir de um determinado plano de expansão, aqueles empreendimentos que devem ser explorados pela iniciativa privada. Outra maneira tem sido identificar as necessidades de nova capacidade e deixar para a iniciativa privada determinar as fontes de menor custo. A privatização tem sido a maneira de se introduzir reformas em países como Argentina, Brasil, Chile, China, Colômbia, Costa Rica, Costa do Marfim, entre outros. Quando se decide pela transferência do setor energético para a iniciativa privada é necessário manter um conjunto de regras para controlar o setor e proteger o interesse público, principalmente o controle de tarifas e garantias de qualidade de serviço. Isso pode ser feito através de contratos na ocasião da venda das empresas ou através de comissões/agências de regulação. Idealmente as comissões de regulação e as novas regras devem ser criadas antes da privatização por agências com certa independência política, mas isso tem sido raro. Des-verticalização ou Reestruturação Esse tipo de reforma refere-se a um desmembramento das companhias de eletricidade, separando as unidades de geração, da transmissão e distribuição de energia em diferentes companhias. A Inglaterra e o Chile foram os pioneiros a realizar esse tipo de reforma. Outros países que estão adotando a des-verticalização incluem a Argentina, Austrália, Bolívia, Brasil, El Salvador, Hungria, Nova Zelândia, Nicarágua, Paquistão, Filipinas, Polônia, Suécia, Ucrânia. 16 Em alguns países tem havido também um desmembramento horizontal com divisões de companhias responsáveis por um segmento de atividade da indústria (geração ou distribuição) segundo regiões geográficas. Competição Embora a porção da transmissão e distribuição seja considerada um monopólio natural, pode-se introduzir a competição tanto para companhias de geração de energia (que venderão no mercado atacadista) como também diretamente no varejo. A competição no lado da oferta pode contar com produtores independentes de energia que podem negociar contratos com as companhias de eletricidade. A competição no varejo significa que consumidores finais podem negociar contratos de compra diretamente com diferentes fornecedores. A competição no varejo inicia-se com grandes consumidores industriais e comerciais, que são tipicamente mais atraentes para disputarem contratos diretos com produtores de eletricidade. Regulação Esse é o tipo de reforma que vem associado principalmente quando também se introduz a privatização. É seu objetivo principal proteger o interesse público, principalmente a evolução de tarifas, qualidade do serviço e atendimento da região de concessão. Quando existe uma privatização de companhias verticalmente integradas é extremamente importante controlar a transferência de recursos dos consumidores para as companhias através de regulação. Essa era a situação prevalecente nos EUA até recentemente. Quando existe uma competição estabelecida no lado da geração deixa-se de se regular esse segmento pois acredita-se que o próprio mercado se encarregará de controlar a evolução das tarifas de suprimento. As reformas nos EUA O sistema elétrico americano já possuía uma estrutura descentralizada na qual vários proprietários privados poderiam participar em um mercado competitivo para fornecimento de energia, uma vez estabelecidas as novas regras. Não eram necessárias, portanto, iniciativas de comercialização ou privatização de empresas. 17 Nos EUA duas das reformas mencionadas anteriormente foram praticadas: a des- verticalização (ou reestruturação) da indústria e a introdução da competição a nível da geração e distribuição, chamada de des-regulamentação. Foi necessário realizar uma reforma nas regras de operação da indústria (des-regulamentação), eliminando total ou parcialmente as restrições do governo de modo a permitir a mais completa competição entre as diferentes unidades seja no mercado atacadista como no varejista. Em quase todos os estados as reformas buscam inicialmente a competitividade do lado da geração de eletricidade com a participação de novos agentes como os Independent Power Producers – IPP (Produtores Independentes de Energia), ou mesmo intermediários comerciais que poderão realizar contratos e entrar em processos de leilão promovidos por grandes compradores de energia ou com operadores de sistemas de Transmissão/Despacho de energia. As motivações para as reformas nos EUA Desde o início do século 20 até recentemente o setor elétrico era considerado um monopólio natural nos EUA, e franquias eram concedidas para que companhias privadas (IOU) operassem em regiões definidas. Em contrapartida estas companhias tinham a obrigação de atender a área servida e eram submetidas a uma forte regulação pública abrangendo todos os aspectos de sua operação. O controle público se dava através de comissões estaduais de regulação. Ao longo do tempo, muitos estados introduziram a obrigação de se realizar o planejamento integrado de recursos - PIR, um processo de planejamento onde oportunidades de gerenciamento da demanda, proteção ambiental e utilização de recursos naturais para produção de eletricidade eram contempladas simultaneamente. A partir desses estudos a agência de regulação autorizava os investimentos das companhias de energia. A regulação da indústria se realizava principalmente a nível estadual, sendo as transações inter-estaduais de energia controladas por um órgão federal (FERC- Federal Energy Regulatory Commission). As reformas que começaram a ser implantadas na década de 90 em diversos estados dos EUA tiveram o objetivo principal de criar competição nessa indústria e reduzir custos finais de energia dos consumidores, principalmente para o setor industrial, que necessitava manter- se competitivo globalmente, e grandes consumidores comerciais. As mudanças incluíram a 18 introdução de novos tipos de compradores e produtores de energia2; novos mecanismos para compra e venda de energia como leilões de blocos de energia de produtores; a des- verticalização das companhias de eletricidade, separando as unidades de geração, transmissão e distribuição. O resultado foi o surgimento de produtores independentes - IPPs, uma entidade central para comandar a transmissão e o despacho de energia, companhias de distribuição – DISCOs , companhias de comercialização ou brokers e companhias de serviços de energia - ESCOs. Hoje o mercado de energia elétrica nos EUA é extremamente sofisticado e dinâmico. Nos primórdios da implantação da indústria de eletricidade nos EUA, no final do século 19, a situação era bem diferente. Não havia interesse em promover competição entre diferentes produtores de eletricidade pois isso ocasionava um aumento nos custos de eletricidade aos consumidores (Smeloff & Asmus, 1997, pg. 10.). Era um período onde a indústria recém implantada estava lutando com dificuldadespara criar um mercado para seu produto. Admitia- se na época que a produção de energia era um monopólio natural3 e debatia-se então se as vendas (distribuição) de energia deveriam ser um monopólio privado ou público. A partir de 1907 um grupo, o National Civic Federation, composto por influentes homens de negócios e banqueiros estabeleceu um modelo que foi adotado durante os 90 anos seguintes. Nesse modelo as companhias elétricas eram consideradas monopólios naturais mas eram reguladas por comissões públicas. As empresas poderiam produzir e vender energia em uma determinada região de sua exclusividade, ou seja, elas possuíam uma franquia territorial para explorar os serviços de energia. Esse tipo de regulação criou bases estáveis que propiciaram o desenvolvimento dessa indústria que a partir de então assumiu uma estrutura verticalizada responsável por todas as atividades desse negócio. 2 Além das classes de consumidores (residencial, comercial, industrial, etc.) com necessidades e nível de informação distintos, existe uma diversidade de atores como os IOU (Investor-Owned Utility), POU (Public-Owned Utility), NGU (Non Generating Utility), e ESCO (Energy Services Company). 3 Um monopólio natural se caracteriza quando uma firma pode produzir um dado nível de produção de um produto a custos inferiores que quando várias firmas o fazem. Monopólios naturais ocorrem em indústrias que exibem custos médios de longo prazo decrescentes devido a economias de escala. 19 Segundo Smeloff & Asmus (1997) foi somente nos anos 30 que houve um esforço e interesse no desenvolvimento de uma indústria pública de eletricidade. Isso ocorreu durante o governo de Franklin D. Roosevelt com o início da exploração do potencial hidroelétrico através de agências públicas. Dessa época datam as primeiras companhias (públicas) municipais, e diferentemente das outras não eram submetidas às comissões públicas de regulação, uma vez que já eram de propriedade de governos municipais e submetidas à fiscalização pública. Causas das mudanças na estrutura do setor elétrico dos EUA Historicamente as IOUs dominaram a indústria de eletricidade nos EUA, representando na década de 90 mais de 70% da capacidade de geração e a maior parte da T&D e durante quase 90 anos esse setor foi operado como uma coleção de monopólios regulados, geograficamente independentes entre si. As companhias possuíam franquias para serviços de eletricidade que permitiram sua integração vertical, condição importante para atingir as economias de escala. A indústria de eletricidade se desenvolveu muito bem de acordo com esse modelo até a década de 70. Significativas economias de escala eram até então obtidas com o sistema de grandes monopólios, que por sua vez construíam grandes usinas e sistemas de transmissão cada vez maiores. O desenvolvimento tecnológico durante o período possibilitou que as turbinas a vapor melhorassem continuamente sua eficiência permitindo a construção de usinas maiores e mais eficientes. Durante esse período houve a diminuição dos custos de produção de eletricidade, aumento extraordinário do consumo e lucros para a indústria. No entanto, na medida em que se estabilizaram os ganhos de eficiência técnica através de economias de escala também se estabilizaram os custos de produção e rentabilidade da indústria. Nesse momento a energia nuclear passou a ser então uma alternativa tecnológica procurada pela indústria para diminuir os custos de uma geração baseada até então no carvão. No final da década de 60 a energia nuclear começava a ser implantada em várias regiões do país. Ao mesmo tempo dois fatores começaram a impor mudanças no setor: problemas internos da economia dos EUA (alta inflação e pressões para manter a competitividade de seus produtos no mercado internacional), e o surgimento de um forte movimento de consumidores de energia e de ambientalistas. 20 Para um setor intensivo em capital como este, os custos crescentes de financiamento pressionavam aumento das tarifas dos consumidores. Os novos preços do petróleo da década de 70 tiveram que ser repassados, uma vez que grande parte da eletricidade era baseada em petróleo e gás natural. Concomitantemente uma nova legislação ambiental estava sendo posta em prática a nível federal e em alguns estados americanos como a Califórnia. É criada a agência ambiental americana EPA, e leis ambientais bastante restritivas como o Clean Air Act e o California Environmental Quality Act, entre outros. Um dos resultados desse conjunto de medidas foi que os custos e o tempo necessário para a implantação de projetos energéticos começaram a crescer. Na medida em que esses custos começaram a ser repassados aos consumidores uma forte reação começou a ser orquestrada por todo o país através de entidades civis. Os grupos de pressão começaram a se organizar de maneira bastante efetiva e passaram a influir nas audiências das Comissões de regulação onde se debatiam as novas tarifas (v. também Cap. 6). Resultados importantes começaram a surgir com a criação de tarifas especiais de cunho de assistência social para consumidores e foram incrementados os esforços para conservação de energia. Durante o governo Carter houve interesse em aumentar a independência energética dos EUA, começou-se a tomar medidas para promover a substituição do petróleo importado e incentivar a conservação de energia. Três importantes decretos federais foram assinados durante sua gestão com implicações para os investimentos do setor elétrico que viriam a seguir: · O Power Plant and Industrial Fuel Act, que proibia o uso de derivados de petróleo e gás natural em novas usinas termelétricas. Nessa época metade do petróleo usado em termelétricas do país era importado e havia também a preocupação com o nível das reservas de gás natural. Além disso, a população já tinha experimentado problemas com o abastecimento desse combustível durante os meses de inverno de 1977 e 78. A idéia prevalecente na época era preservar o gás para aquecimento doméstico. 21 · O Natural Gas Policy Act foi criado para des-regulamentar os preços das novas jazidas e, com isso estimular a exploração de gás natural no país. Com essa medida os preços de gás passaram a ser determinados pelo mercado. · A competição no setor elétrico começou de certo modo com o decreto do PURPA (Public Utilities Regulatory Policy Act). Esse decreto estipulava que as companhias deveriam comprar eletricidade de produtores independentes quando o preço era menor que o custo de se construir novas usinas. Em 1982 a CPUC autorizou contratos de longo prazo que foram fundamentais para o desenvolvimento de produtores independentes. Outras companhias em várias partes do país começaram a ver as vantagens das tecnologias que começavam a ser instaladas na Califórnia. Eram tecnologias de geração em pequena escala. A partir da década de 80 principalmente, as economias de escala na geração foram drasticamente reduzidas com o surgimento em escala comercial de novas tecnologias como turbinas a gás com ciclo combinado que podiam ser instaladas modularmente com custos de capital e prazos de construção muito menores que as principais tecnologias disponíveis comercialmente. Em 1992 o Energy Policy Act (EPACT) facilitou ainda mais a des-regulamentação obrigando o acesso à rede de transmissão para produtores que quisessem vender energia a grandes consumidores (third party wheeling of power to wholesale customers). Quais foram as mudanças e principais impactos Na seção anterior definimos reestruturação como sendo o processo de mudanças na forma de organização de um determinado tipo de indústria e des-regulamentação como sendo uma reforma nas regras de operação dessa indústria, eliminandototal ou parcialmente as restrições do governo de modo a permitir a mais ampla competição entre as diferentes unidades dessa indústria. Na verdade, o setor energético é um dos últimos a experimentar o processo de des-regulamentação e reestruturação nos EUA. Esse tipo de experiência em várias indústrias similares a de energia elétrica já se iniciou há uma década, como foi o caso da indústria de gás natural, telecomunicações, companhias aéreas, transporte rodoviário de carga. Todas essas indústrias possuem um conjunto de produtores independentes que se utilizam de 22 uma rede de dutos, vias, estradas, linhas de transmissão, etc. para fornecer seus produtos e serviços a seus consumidores - portanto similares à indústria de eletricidade - já passaram por um processo de des-regulamentação há mais de uma década. O resultado da experiência com des-regulamentação nessas indústrias tem demonstrado, segundo afirma Crandall & Ellig (1998), que maior competição trouxe benefícios aos consumidores quando comparada com a situação anterior de forte regulação econômica. Esses autores, baseados em outros estudos, mostram que houve uma queda real de preços ao consumidor final para os produtos dessas indústrias e quantificam esses benefícios aos consumidores4. Esses fatos foram importantes não só para tornar o debate em torno das reformas do setor elétrico mais concreto, como também já apontavam um referencial para as iniciativas de proteção ao consumidor e para disciplinar as transações entre fornecedores, redes de distribuição e consumidores finais. Outro elemento importante foi o fato que consumidores, especialmente aqueles do setor comercial e industrial, já possuíam a experiência de se relacionar com diferentes fornecedores, especialmente na área de telecomunicações, e atuar dentro de um mercado mais competitivo. A Figura 1 representa esquematicamente a estrutura da indústria de eletricidade e a abrangência do órgão regulador antes e depois das reformas. O poder público continua sendo o responsável pela elaboração de políticas gerais para o setor através de seus órgãos, como o DOE (Department of Energy) a nível federal e os organismos correspondentes a nível estadual, mas com menor interferência que antes das reformas. As companhias de eletricidade foram desmembradas (des-verticalizadas), sendo que no segmento da geração inicialmente houve a criação de um sistema de um power pool onde os geradores competem entre si para vender energia a compradores, ou então um sistema onde os geradores fornecem ao Operador Independente do Sistema (ISO- Independent System Operator) suas planilhas de regime de operação, que descrevem as quantias e custos de 4 Após a des-regulamentação da indústria de telecomunicação estima-se que US$ 5 bilhões (1995 $) foram economizados pelos consumidores, no setor de aviação civil a cifra é de US$ 19,4 bilhões, no transporte de carga rodoviária US$ 19,6 bilhões e no transporte ferroviário US$ 9,1 bilhões (Crandall&Ellig 1998). 23 energia a serem fornecidas ao longo de um período de tempo. Ao ISO compete a consolidação dessas planilhas e planos de operação diversos assegurando os melhores preços e confiabilidade do sistema. O ISO é responsável pelas estimativas horárias de demanda, controle de leilões de compra de energia (caso seja essa a opção escolhida) e despacho de energia. O ISO não pode ser proprietário de sistemas de transmissão ou geração e não pode determinar os preços de energia ou de transmissão. Com as reformas nos EUA as comissões de regulação não são mais responsáveis pela fiscalização do segmento de geração, apenas naqueles estados que ainda mantém companhias verticalmente integradas, ou quando ainda não existe competição. O papel tradicional de se controlar a evolução das tarifas de geração também está sendo abolido com as reformas, uma vez que se espera que o próprio mercado se encarregará de minimizar os preços de energia. Essas agências controlarão as tarifas para a transmissão e distribuição, mas não mais pelo sistema de custo do serviço e uma taxa de retorno, e sim através de sistema que incentive preços finais mais baixos possíveis. 24 ANTES DA REESTRUTURAÇÃO APÓS A REESTRUTURAÇÃO Figura 1: Representação esquemática da estrutura do Setor Elétrico dos EUA, antes e após as reformas Fonte: a partir de USAID/Office of Energy. Impactos das mudanças Nesta seção serão analisados alguns dos impactos que a reestruturação ocasionou com relação a eqüidade, papel do governo federal, acesso e divulgação de informações, e promoção de substituição entre eletricidade e gás. Nos capítulos seguintes serão analisados os impactos das reformas para o fornecimento dos chamados bens públicos, conforme foi definido no capítulo 1: eficiência energética, fontes renováveis, proteção ambiental e pesquisa e desenvolvimento. Serão discutidos mecanismos que estão sendo considerados para a proteção ou promoção desses bens dentro de um contexto de competição e quais foram os motivos que levaram à sua implementação. POLÍTICASPOLÍTICAS GERAÇÃOGERAÇÃO TRANSMISSÃOTRANSMISSÃO DESPACHODESPACHO IMPORT/IMPORT/ EXPORT.EXPORT. DISTRIBUIÇÃODISTRIBUIÇÃO AGÊNCIAS EXECUTIVAS FEDERAIS E ESTADUAIS COMPANHIAS VERTICALMENTE INTEGRADAS CONSUMIDORES REGULAÇÃOREGULAÇÃO AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS E ESTADUAIS POLÍTICASPOLÍTICAS GERAÇÃOGERAÇÃO OIS/ OIS/ POWER POWER EXCHANGE EXCHANGE DISTRIBUIDORES DISTRIBUIDORES REGULAÇÃOREGULAÇÃO AGÊNCIAS REGULADORAS FEDERAIS E ESTADUAIS NOVO DIS- TRIBUIDOR CIA. DE ELE- TRICIDADE CIA DE TRANS- MISSÃO CIA DE DES- PACHO CIA GE- RADORA PROD. IND. INTERME- DIÁRIOS AGÊNCIAS EXECUTIVAS FEDERAIS E ESTADUAIS CONSUMIDORES 25 Quadro 1: As Agências de Regulação da Califórnia e suas Atribuições The California Public Utilities Commission (CPUC) é a principal agência governamental que fiscaliza as empresas de serviços públicos (eletricidade, gás, telefone, água e esgotos e transportes). Ela é constituída por 5 commissioners designados pelo governador para um período de 6 anos e aprovados pela Assembléia Legislativa do estado. Ela é responsável pela aprovação de preços para eletricidade e atende os interesses dos consumidores, fiscaliza e aprova os planos de investimentos e a operação das empresas de eletricidade. Foi a entidade principal e responsável pelo plano de re-estruturação do estado. Com a re-estruturação a CPUC não é mais responsável por determinar as tarifas a serem cobradas, mas continua sendo o principal fiscalizador para garantir a qualidade e fornecimento de energia para o estado, bem como a manutenção dos programas de “bens públicos”. The California Energy Commission (CEC) também é constituída por 5 elementos designados pelo governador para um período de 4 anos e aprovados por um comitê específico da Assembléia Legislativa estadual. A lei exige que quatro membros da CEC tenham especializações nas áreas de engenharia e ciências exatas, proteção ambiental, economia e direito. O quinto membro deve ser um representante do público geral. A CEC é responsável por cinco áreas de atividades: projeção da demanda futura de eletricidade do estado, desenvolvimento de fontes renováveis, promover o uso eficiente de energia, licenciamento de usinas termelétrica com capacidade maior que 50 MW e o planejamento de planos de emergência para o estado5. The Federal Energy Regulatory Commission (FERC) é constituída por cinco elementos apontados pelo presidente e aprovados pelo Senado Federal. È o órgão encarregado de regular as vendas de energia entre os estados americanos. FERC verifica se as taxas cobradas para a transmissão são
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