216 pág.

Pré-visualização | Página 35 de 50
de seu próprios sentimentos e atitudes conforme estes existam nele em um nível orgânico, da maneira como tentei descrever. Também se toma mais consciente da realidade conforme esta existe fora de si mesmo, ao invés de percebê-la em categorias preconcebidas. Ele vê que nem todas as árvores são verdes, nem todos os homens são pais rígidos, nem todas as mulheres são rejeitadoras, nem todas as experiências de fracasso provam que ele não é bom, e assim por diante. Está apto a assimilar a evidência em uma nova situação, corno ela é, ao invés de distorcê-la para se ajustar ao padrão que ele já sustém. Como seria de esperar, essa capacidade crescente de ser aberto à experiência o toma muito mais realista ao lidar com nossas pessoas novas, novas situações, novos problemas. Significa que suas crenças não são rígidas, que ele pode tolerar a ambigüidade. Ele pode obter as evidências mais conflitantes sem que isto o force a se fechar diante da situação. Essa abertura de consciência àquilo que existe neste mornento em si rnesrno e na situação constitui, acredito, um elemento importante na descrição da pessoa que emerge da terapia. Talvez possa conferir a esse conceito um significado mais vívido se o ilustrar a partir de uma entrevista gravada. Um jovem profissional relata na quadragésima oitava entrevista a maneira como se tomou mais aberto a algumas de suas sensações corporais, assim como outros sentimentos. C: Não me parece ser possível a ninguém relatar todas as mudanças que sente. Mas eu certamente tenho sentido nos últimos tempos que tenho mais respeito pela minha constituição fisica, mais objetividade com relação a esta. Quero dizer que não espero demais de mim mesmo. É assim que funciona: parece-me que no passado costumava lutar contra um certo cansaço que sentia após as refeições. Bem, agora tenho plena certeza de que realmente estou cansado — de que não estou me fazendo de cansado — que estou simplesmente fisiologicamente mais fraco. Parece que eu estava constantemente criticando meu cansaço. T: Então você se deixa estar cansado, ao invés de sentir, além disso uma espécie de crítica. C: Sim, de que eu não deveria estar cansado ou algo assim. E me parece de um certo modo ser bem profundo o fato de que simplesmente não posso lutar contra esse cansaço, e isto é acompanhado também por um sentimento real de que tenho que ir mais devagar, de modo que estar cansado não é uma coisa tão horrível. Acho que também posso como que estabelecer uma ligação aqui de por que eu deva ser assim, da maneira como meu pai é. e da maneira como encara algumas dessas coisas. Por exemplo, digamos que eu estivesse doente, e eu lhe contasse, e pareceria que abertamente ele gostaria de fazer algo a respeito, mas também faria transparecer: “Oh meu Deus, mais problemas”. Você sabe, algo assim. T: Como se houvesse algo bem importuno com o fato de se estar fisicamente doente. C: Sim, tenho certeza de que meu pai tem o mesmo desrespeito pela sua própria fisiologia que eu tive. No verão passado, eu torci minhas costas, eu a distendi, a ouvi estalar e tudo o mais. Primeiro houve uma dor real ali todo o tempo, realmente aguda. Fui ao médico para que me examinasse e ele disse que não era sério, que curaria por si só contanto que não me curvasse muito. Bem, isso acnteu há alguns meses e tenho percebido ultimamente que puxa vida, é uma dor real e ainda persiste — e não é minha culpa. T: Isto não prova algo ruim a seu respeito. C: Não. E uma das razões por que pareço ficar mais cansado do que deveria talvez seja essa tensão constante, e então já marquei uma consulta com um dos médicos no hospital para que me examinasse e tirasse uma radiografia ou algo assim. De uma certa forma acho que poderia dizer que estou simplesmente mais acuradamente sensível ou objetivamente sensível a esse tipo de coisa... E isto constitui uma mudança realmente profunda como disse, e evidentemente minha relação com minha esposa e meus dois filhos está bem, você não a reconheceria se pudesse me ver por dentro como aliás, fez você quero dizer parece simplesmente não haver nada mais maravilhoso do que verdadeira e genuinamente realmente sentir amor por seus próprios filhos e ao mesmo tempo recebê-lo. Não sei como colocar isso. Temos tido um respeito cada vez maior ambos por Judy e temos notado que — à medida que participamos disso observamos uma enorme mudança nela — isso parece ser um tipo de coisa bem profunda. T: Parece-me que está dizendo que pode ouvir mais acuradamente a si mesmo. Se o seu corpo diz que está cansado, você o ouve e acredita nele, ao invés de criticá-lo; se está com dor, você pode ouvir isto; se o sentimento é realmente amor por sua esposa ou filhos, você pode sentir isto, e isto parece se revelar também nas diferenças provocadas neles. Aqui, em um excerto relativamente menor porém simbolicamente importante, pode-se ver muito daquilo que venho tentando dizer sobre abertura à experiência. Anteriormente ele não poderia sentir livremente dor ou doença, pois estar doente significava ser inaceitável. Nem poderia sentir ternura e amor por seus filhos pois esses sentimentos significavam ser fraco, e ele tinha de manter sua fachada de forte. Mas agora ele pode ser genuinamente aberto às experiências de seu organismo — pode estar cansado quando estiver cansado, pode sentir dor quando seu organismo estiver com dor, pode experienciar livremente o amor que sente por sua filha e pode também sentir e expressar aborrecimento com relação a ela, conforme continua a dizer na proxima porção da entrevista. Ele pode viver plenamente as experiências de seu organismo total, ao invés de recusar-se a permitir que sejam percebidas. Confiança no próprio organismo Uma segunda característica das pessoas que emergem da terapia é dificil de ser descrita. Parece que a pessoa descobre cada vez mais que seu próprio organismo é digno de confiança, que constitui um instrumento adequado para descobrir o comportamento mais satisfatório em cada situação imediata. Se isto parece estranho, deixe-me tentar expressá-lo mais completamente. Talvez lhe ajude a compreender minha descrição se pensar no indivíduo que depara com alguma escolha existencial: “Devo ir para casa de minha família durante as férias, ou devo me virar sozinho?”; “Devo beber este terceiro coquetel que está sendo oferecido?”; “É esta a pessoa que gostaria de ter como meu parceiro no amor e na vida?”. Pensando nessas situações, o que parece verdadeiro a respeito da pessoa que emerge do proceso terapêutico? Na medida em que esta pessoa está aberta a toda a sua experiência, ela tem acesso a todos os dados disponíveis na situação, sobre os quais basear seu comportamento. Ela tem conhecimento de seus próprios sentimentos e impulsos, que são freqüentemente complexos e contraditórios. Ela está livremente apta para perceber as exigências sociais, desde as “leis” sociais relativamente rígidas até os desejos de amigos e familiares. Ela tem acesso às suas memórias de situações semelhantes e às conseqüências de diferentes comportamentos naquelas situações. Ela tem uma percepção relativamente acurada de sua situação externa em toda a sua complexidade. Ela está mais apta a permitir que seu organismo total, seu pensamento consciente participativo, considere, pondere e equilibre cade estímulo, necessidade e exigência, e seu peso e intensidad relativos. A partir dessa ponderação e equilíbrio complexos, ela está apta a descobrir o curso de ação que parece mais se aproximar à satisfação de todas as suas necessidades na situação, tanto as necessidades de longo alcance como aquelas imediatas. Nessa ponderação e equilíbrio de todos os componentes de uma determinada escolha de vida, seu organismo não seria de forma alguma infalível. Escolhas