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O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 2014 Minas Gerais Marcus Vinícius ribeiro cunha bernardo Morais caValcanti Organizadores O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea lorrany Kesther diniz Patrícia Martins de aguiar Priscilla aMaral brunna Patrícia Moraes Peres Juliana aParecida carolinne aParecida naVes da Motta Pedro lucas silVa Fernandes barbara bruna deMostenes ghelli dienniFer de oliVeira Pena odilon Martins raMos Junior O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea luciana argenton luiz Paulo alVes dos santos thiago chaVes de Melo iValdeVino carlos Magalhães Kleber rogério leocádio Pedro henrique Vieira Vanusa aParecida alVes renê luiz da costa arinos Fonseca Maria aParecida aMaral Apoio: Nossos Contatos São Paulo Rua José Bonifácio, n. 209, cj. 603, Centro, São Paulo – SP CEP: 01.003-001 Acesse: www. editoraclassica.com.br Redes Sociais Facebook: http://www.facebook.com/EditoraClassica Twittter: https://twitter.com/EditoraClassica Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE D597 Cunha, Marcus Vinícius Ribeiro – Organizador. Cavalcanti, Bernardo Moraes – Organizador. O direito penal em debate : A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea. Título independente. Minas Gerais : 1ª. ed. Clássica Editora, 2014. ISBN 978-85-99651-86-5 1. Direito penal. I. Título. CDD 341.5 Editora Responsável: Verônica Gottgtroy Produção Editorial: Editora Clássica Capa: Editora Clássica Equipe Editorial EDITORA CLÁSSICA Allessandra Neves Ferreira Alexandre Walmott Borges Daniel Ferreira Elizabeth Accioly Everton Gonçalves Fernando Knoerr Francisco Cardozo de Oliveira Francisval Mendes Ilton Garcia da Costa Ivan Motta Ivo Dantas Jonathan Barros Vita José Edmilson Lima Juliana Cristina Busnardo de Araujo Lafayete Pozzoli Leonardo Rabelo Lívia Gaigher Bósio Campello Lucimeiry Galvão Luiz Eduardo Gunther Luisa Moura Mara Darcanchy Massako Shirai Mateus Eduardo Nunes Bertoncini Nilson Araújo de Souza Norma Padilha Paulo Ricardo Opuszka Roberto Genofre Salim Reis Valesca Raizer Borges Moschen Vanessa Caporlingua Viviane Coelho de Séllos-Knoerr Vladmir Silveira Wagner Ginotti Wagner Menezes Willians Franklin Lira dos Santos Conselho Editorial APRESENTAÇÃO É com imensa satisfação que apresentamos à comunidade jurídica a presente obra, composta por artigos de cunho científico elaborados por discentes do Curso de Direito da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais – FACIHUS, da Fundação Carmelitana Mário Palmério (FUCAMP), situada em Monte Carmelo-MG. Trata-se da concretização de um sonho compartilhado por discentes, docentes, coordenadores e direção da nossa querida FUCAMP, voltado a incentivar a pesquisa dentro do curso e a divulgar o trabalho que vem sendo desenvolvido na instituição. Neste momento de euforia e entusiasmo, não podemos deixar de agradecer ao apoio incondicional oferecido pela Direção da FUCAMP, na pessoa do Prof. Ms. Guilherme Marcos Ghelli, à Coordenadora Geral de Ensino da instituição, Profª. Kelma Gomes Mendonça Ghelli e ao Coordenador do Curso de Direito, Prof. Dr. Leosino Bizinoto Macedo, que aceitou – para nossa honra – prefaciar o presente trabalho. Por fim, agradecemos e parabenizamos a todos os autores, alunos da FUCAMP, pela dedicação nesta nobre tarefa de produção de conhecimento, difundindo à sociedade jurídica a cultura e o pensamento sob a perspectiva do aluno de graduação. Esperamos que as ideias apresentadas na presente obra possam contribuir de alguma forma ao meio acadêmico e a todos aqueles que dedicarem seu tempo para sua leitura. Alto Paranaíba, março de 2014 Marcus Vinícius ribeiro cunha e bernardo Morais caValcanti 7 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea PREFÁCIO Muito me honra o convite do Professor Marcus Vinícius Ribeiro Cunha e dos 7º e 8º Períodos do Curso de Direito da FUCAMP, para prefaciá-la, o que faço, inclusive, em nome de todos os meus colegas docentes. Com certeza, não há prêmio maior para quem ofereceu alguma contribuição intelectual aos jovens do que vê-los despontar entre aqueles que trilham os caminhos abertos pelo conhecimento adquirido nos bancos da Faculdade. Motivo de enorme felicidade é, na condição de Coordenador do Curso de Direito da FUCAMP, ver brotar um livro como este, resultante do empenho dos alunos e do trabalho perseverante e cuidadoso do Professor Marcus Vinícius Ribeiro Cunha, inspirador e coorganizador da obra, apoiado pelos demais docentes do Curso. Rasgados elogios merece a Direção da FUCAMP, representada pelo Diretor Geral Professor Ms Guilherme Marcos Ghelli e pela Coordenadora Geral de Ensino da Instituição, Profª. Kelma Gomes Mendonça Ghelli, por compreenderem e estimularem a produção discente, oferecendo todo apoio necessário à publicação dos trabalhos aqui reproduzidos. A obra ora prefaciada, que se intitula O Direito Penal em debate: a eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea, foi composta em onze capítulos, voltados à discussão de assuntos candentes da área penal. A abordagem corajosa de temas de tão grande relevância presta-se, sem dúvida, para introduzir e, quiçá, projetar seus autores no cenário jurídico brasileiro. Esse fato é motivo de orgulho para toda a comunidade acadêmica da FUCAMP e servirá de incentivo aos alunos, cujos nomes não aparecem nesta publicação, no sentido de que percebam que é possível produzir com qualidade, desde que haja investimento intelectual sério na execução de uma proposta acadêmica. A iniciativa de estruturar e publicar a obra resulta de uma perspectiva diferenciada que, aos poucos, se vem implantando no que concerne às pesquisas levadas a efeito no Curso de Direito da FUCAMP. Tem-se procurado mostrar aos discentes do curso a importância de se encarar com a máxima seriedade toda pesquisa como oportunidade para se produzir cientificamente. Os trabalhos acadêmicos, sem sombra de dúvida, não devem estar voltados, apenas, para O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 8 a obtenção de nota; ao contrário, devem ser elaborados na perspectiva de que possam ser úteis na paulatina construção do Curriculum Vitae desejável. Todos sabem das dificuldades que, hoje em dia, se apresentam ao se enfrentar a competividade presente em todas as áreas e que se faz refletir nos processos seletivos e no mercado de trabalho. Ao parabenizar, mais uma vez, os organizadores da obra, chamo a atenção para o fato de que bem poucas faculdades conseguem uma vitória como esta, o que vem comprovar que o estímulo à pesquisa jurídica por parte do corpo docente traz resultados pessoais e institucionais. Finalizo manifestando a expectativa de que o leitor tenha bom proveito na leitura e de que, na medida do possível, dê seu feed back para que a proposta seja permanentemente aperfeiçoada. Lembro que o título da obra, O Direito Penal em debate: a eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea, por si, aponta na direção de seu objetivo: estimular a discussão em torno de assuntos relevantes pertencentes ao âmbito do Direito Penal. Monte Carmelo, 08 de março de 2014. Prof. dr. leosino bizinoto Macedo 9 Sumário 06 07 11 20 33 42 54 63 77 APRESENTAÇÃO .......................................................................................... PREFÁCIO .....................................................................................................A (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL Lorrany Kesther Diniz; Patrícia Martins de Aguiar; Priscilla Amaral ... SERIAL KILLERS E OS CRIMES HEDIONDOS NO BRASIL: QUAL A SAN- ÇÃO PENAL ADEQUADA? Brunna Patrícia Moraes Peres; Juliana Aparecida .................................. A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DA INFRAÇÃO DO ARTIGO 273 DO CÓDIGO PENAL BRASILEIRO Carolinne Aparecida Naves da Motta; Pedro Lucas Silva Fernandes ...... É CABÍVEL A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA AO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS NO BRASIL? Barbara Bruna Demostenes Ghelli; Diennifer de Oliveira Pena ............. A INFRAÇÃO PENAL DO ARTIGO 1º, § 2º DA LEI Nº 9.455 DE 1997 É CONSTITUCIONAL? Odilon Martins Ramos Junior; Renê Luiz Da Costa .................................. DA NECESSIDADE DE INTERPRETAÇÃO EXTENSIVA DO ARTIGO 5º, XLIII DA CONSTITUIÇÃO PARA A GARANTIA DE MAIOR RIGOR NO TRATAMENTO DOS CRIMES HEDIONDOS Luciana Argenton; Luiz Paulo Alves dos Santos ....................................... O REFLEXO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO INTERNACIONAL DOS DIREI- TOS HUMANOS NA ORDEM JURÍDICA BRASILEIRA Priscilla Amaral; Thiago Chaves de Melo .................................................. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 10 109 126 136 151 O PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA E O CRIME DO ARTIGO 28 DA LEI DE TÓXICOS Ivaldevino Carlos Magalhães; Kleber Rogério Leocádio; Pedro Henrique Vieira ............................................................................................ DOS DELITOS E DAS PENAS – APLICAÇÃO DA LEI À LUZ DO PENSA- MENTO DE BECCARIA Vanusa Aparecida Alves ............................................................................... TRIBUNAL PENAL INTERNACIONAL, ESTATUTO DE ROMA E A PENA DE PRISÃO PERPÉTUA Maria Aparecida Amaral; Thiago Chaves de Melo ................................... A RESPONSABILIDADE PENAL DA PESSOA JURÍDICA NOS CRIMES AMBIENTAIS NO BRASIL Arinos Fonseca ............................................................................................ 11 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea A (IN)EFICÁCIA DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL lorrany Kesther diniz Patrícia Martins de aguiar Priscilla aMaral 1. INTRODUÇÃO Sob o olhar da doutrina da proteção integral, no âmbito internacional, a Convenção sobre os Direitos da Criança foi adotada pelas Nações Unidas em novembro de 1989, entrou em vigor em 1990, tendo sido ratificada pelo Brasil em 24 de setembro do mesmo ano, merecendo destaque o fato de que a referida convenção não aborda expressamente os adolescentes.1 Antes, contudo, precisamente em 05 de outubro de 1988 entrou em vigor a atual Constituição Cidadã de 1988, a qual tratou nos artigos 227, 228 e 229 sobre os direitos das crianças e adolescentes. Ademais, em outubro de 1990 entrou em vigor o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA)2, o qual trouxe uma nova concepção sobre os direitos fundamentais das crianças e adolescentes no país. Com efeito, o ECA conceitua criança como sendo “a pessoa até doze anos de idade incompletos”, e adolescente “aquela entre doze e dezoito anos de idade”.3 Vale mencionar que antes da Lei 8.069/90, o código que continha as normas sobre crianças e adolescentes não passava de um “Código Penal do Menor”4, haja vista que se preocupava apenas com sancionamentos, esquecendo- se os direitos e às normas protetivas às famílias. Nesta perspectiva, a Lei 8.069/90 trouxe como eixo principiológico estruturante os seguintes princípios: a) proteção integral aos direitos fundamentais da criança e do adolescente; b) prioridade absoluta (estabelece que os direitos das crianças e adolescentes devem ser protegidos em primeiro lugar em relação a qualquer outro grupo social, inclusive com a possibilidade de tutela judicial de seus direitos fundamentais). 1 FALSARELLA, Christiane. O impacto da Convenção sobre os Direitos da Criança no Direito Brasileiro. Revista de Direito Constitucional e Internacional, ano 21, v. 83, abr.-jun./ 2013, p. 412. 2 BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. 3 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência. 8.ed. São Paulo: Atlas, 2006, p. 2. 4 CASSANDRE, Andressa Cristina Chiroza. A eficácia das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente infrator. Disponível em: < http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/ article/viewFile/876/846 > Acesso em: 03 de out. de 2013. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 12 O presente artigo abordará inicialmente as medidas socioeducativas previstas na legislação brasileira, como limitação ou consequência ao ato infracional praticado. A seguir, serão abordadas as medidas socioeducativas em espécie, quais sejam: advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matricula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxilio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial e; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. No último capítulo serão estudados, ainda que de forma sucinta, os princípios específicos que regem as medidas socioeducativas, quais sejam: o princípio da brevidade (a internação tem um tempo determinado e o mais breve possível), o princípio da excepcionalidade (estabelece que uma medida somente se aplicará quando não for mais viável a aplicação das outras medidas ou quando estas não tiverem mais resultado) e, o principio do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Neste diapasão será utilizada como metodologia o tipo de pesquisa bibliográfico, enquanto método dedutivo, realizando a análise textual, temática e interpretativa de obras relacionadas ao tema, assim como o tipo de pesquisa documental, enquanto método indutivo, por meio da análise de legislações relacionadas à pesquisa. Enfim, o presente ensaio se dedicará a investigar a questão da (in) eficácia das medidas socioeducativas no Brasil, bem como as causas e consequências dessa (in) eficácia. 2. AS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS NO BRASIL De início, importante destacar que uma das diferenças jurídicas existentes entre crianças e adolescentes diz respeito às medidas passíveis de serem aplicadas em caso de prática de atos análogos a crimes, ou seja, enquanto às crianças serão atribuídas medidas de proteção, aos adolescentes são cabíveis as medidas socioeducativas. Outrossim, é possível a aplicação de medidas de proteção aos adolescentes, conforme disposto no artigo 112, inciso VII do ECA,5 excluindo- 5 BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial 13 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea se apenas o acolhimento institucional, a inclusão em programa de acolhimento familiar e a colocação em família substituta. Nota-se que a imposição de medidas socioeducativas representa uma limitação ou restrição de direitos, ou seja, são consequências à prática de atos infracionais.6 Portanto, para que ocorra a restrição de direitos é necessário que seja observado um artigo fundamentalda lei estatutária, que informa que “na interpretação desta lei levar-se-ão em conta os fins sociais e a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.” 7 Conclui-se que a criança ou o adolescente que comete infração está em desacordo com os princípios que norteiam o Estatuto da Criança e do Adolescente, uma vez que, ao praticar um ato infracional, conflita com os fins sociais a que a lei se destinam as normas de proteção, ou seja, o bem comum, os direitos individuais e coletivos e o que se entende por direitos de pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. Neste viés, é notório que algumas das medidas previstas como socioeducativas possuem certa semelhança com aquelas aplicadas na esfera penal, quais sejam, a advertência, a obrigação de reparar o dano, a prestação de serviços, a liberdade assistida, o regime de semiliberdade, e a internação.8 Exige-se, neste sentido, que a aplicação de medidas socioeducativas seja em consonância com os princípios norteadores do Estatuto da Criança e Adolescente, uma vez que o objetivo precípuo da Lei 8.069/90 é a proteção integral da criança e do adolescente. Convém ressaltar que o que será discutido no presente trabalho será a qualidade e a eficácia da execução das medidas impostas aos adolescentes autores de atos infracionais, pois enquanto muito se defende a respeito da vanguarda da legislação brasileira, podendo ser vista como legislação do primeiro mundo, no que tange ao sistema de proteção e execução existem muitos questionamentos. Portanto, pretende-se investigar qual a eficácia das medidas socioeducativas aplicadas no país, analisando se estão atingindo sua finalidade, ou se estão sendo desvirtuadas em punições cruéis a adolescentes autores de atos infracionais. da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. 6 MARINO, Adriana Simões. O ato infracional e as medidas de proteção – Entre garantia e restrição de direitos – Uma reflexão sobre o fundamento da lei em psicanálise. Revista Brasileira de Ciências Criminais, ano 21, v. 103, jul.-ago./ 2013, p. 168. 7 MARINO, Adriana Simões. O ato infracional e as medidas de proteção – Entre garantia e restrição de direitos – Uma reflexão sobre o fundamento da lei em psicanálise,p. 169. 8 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, p. 173. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 14 As medidas socioeducativas não têm a finalidade de punir o adolescente infrator, mas ressocializar o adolescente para que possa ser reintegrado em sociedade. Entretanto, muitas vezes o que se percebe é que os infratores acabam restando “presos”, em locais inapropriados, de forma incorreta e totalmente contrária ao esperado pelo Estatuto da Criança e Adolescente.9 3. MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM ESPÉCIE Como anteriormente aduzido, o adolescente que praticar qualquer ato infracional poderá se sujeitar à aplicação de quaisquer das medidas socioeducativas descritas no artigo 112 do ECA,10 quais sejam: de advertência; obrigação de reparar o dano; prestação de serviços à comunidade; liberdade assistida; inserção em regime de semiliberdade; internação em estabelecimento educacional; encaminhamento aos pais ou responsável, mediante termo de responsabilidade; orientação, apoio e acompanhamento temporários; matricula e frequência obrigatórias em estabelecimento oficial de ensino fundamental; inclusão em programa comunitário ou oficial de auxilio à família, à criança e ao adolescente; requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime hospitalar ou ambulatorial e; inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e tratamento a alcoólatras e toxicômanos. O que se deve ter em mente é que qualquer medida aplicada ao adolescente infrator levará em conta a sua capacidade para cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade do ato infracional; e que em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado e que, por fim, os portadores de doenças ou deficiência mental deverão receber tratamento individual e especializado, em local adequado às suas condições. Neste sentido, a primeira medida apreciada pelo Estatuto da Criança e do Adolescente11 é a advertência, consistente na admoestação verbal, com fins de demonstrar ao adolescente que o fato por ele praticado é grave, explicando as consequências que teve ou que poderia ter ocasionado. Será executada em audiência admonitória e reduzida a termo e assinada. Tal medida é uma ameaça de sanção mais severa caso o adolescente volte a delinquir. 9 CASSANDRE, Andressa Cristina Chiroza. A eficácia das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente infrator. Disponível em: < http://intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/ article/viewFile/876/846 > Acesso em: 03 de out. de 2013. 10 BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. 11 BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. 15 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea A obrigação de reparar o dano aplica-se às infrações em que resultar lesão ao patrimônio da vítima. Desta forma, se for o caso, a autoridade competente poderá determinar que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou, por outra forma, compense o prejuízo da vítima. Com relação à medida de prestação de serviços à comunidade, entende-se ser o exercício de tarefas de interesse geral, sem remuneração, por um período que não exceda a seis meses, em entidades assistenciais, escolas, hospitais, com jornada máxima de oito horas semanais, sem prejuízo da frequência à escola ou ao trabalho.12 Já a medida de liberdade assistida, de acordo com os artigos 118 e 119 do ECA13, é aplicada em casos de necessidade de acompanhamento, auxilio e educação, pelo prazo mínimo de seis meses, podendo a qualquer tempo ser prorrogada, revogada ou substituída por outra medida. Segundo Antônio Chaves, citado por Válter Kenji Ishida, “a liberdade assistida consiste em submeter o menor, após entregue aos responsáveis, ou após liberação do internato, à assistência (inclusive vigilância discreta), com o fim de impedir a reincidência e obter a certeza da reeducação”.14 Outra medida que pode ser aplicada ao adolescente infrator é o regime de semiliberdade, consistente na internação em estabelecimento adequado, possibilitando a realização de atividades externas, de escolarização e profissionalização, independentemente de autorização judicial.15 Em relação àquelas descritas no artigo 112, VII da Lei 8.069/90, serão aplicadas quando verificadas quaisquer das hipóteses previstas no artigo 98 do mesmo instituto, chamadas de situações de risco. Pode-se dizer que o artigo 98 do ECA será aplicado sempre que os direitos reconhecidos por esse dispositivo forem ameaçados ou violados, por ação ou omissão da sociedade ou do Estado, por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis ou, em razão de sua conduta. Neste sentido, quando verificadas quaisquer das hipóteses supramencionadas, deve-se aplicar as medidas de proteção elencadas no artigo 101 do Estatuto da Criança e do Adolescente16. Por fim, as medidas de internação aplicadas ao adolescente serão adaptadas à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento,possuindo 12 ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. 13 BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. 14 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, p. 181. 15 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, p. 173. 16 BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 16 o objetivo de prevenção e de reestruturação da personalidade para um bom convívio social. Conforme disposto no artigo 122 do Estatuto da Criança e do Adolescente17, a medida de internação somente poderá ser aplicada quando tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência à pessoa, por reiteração no cometimento de outras infrações graves, ou, ainda, por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta. Assim, entende-se ser a internação medida privativa de liberdade, que se submete aos princípios basilares da Lei 8.069/90, que serão abordados a seguir. 4. PRINCÍPIOS REITORES DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS Segundo o Estatuto da Criança e do Adolescente, com o objetivo de não lesar ou afastar os direitos do adolescente, a imposição de medidas socioeducativas é regida por três princípios basilares, quais sejam: o da brevidade, o da excepcionalidade e o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. A Constituição Federal de 198818 em seu artigo 227, § 3º, inciso V, assim como o artigo 121 do ECA consagram a garantia de obediência aos mencionados princípios. O princípio da brevidade é aquele que roga pela determinabilidade da medida, ou seja, deve perdurar somente no intrinsecamente necessidade à readaptação do adolescente. Estabelece o princípio da excepcionalidade, na medida de internação, que seja aplicada apenas quando não for mais viável a aplicação de quaisquer das outras medidas ou quando não mais obtiverem os resultados esperados. Assim, a excepcionalidade está ligada ao fato de que, havendo outras medidas, a internação será destinada para atos infracionais mais graves, praticados mediante violência à pessoa, ou em casos de reiteração na prática de outras infrações graves, ou ainda, ante o descumprimento injustificável e reiterado de medida anteriormente imposta, como preleciona o artigo 122 do ECA, desde que a liberdade do adolescente constitua notória ameaça à ordem pública, demonstrada a necessidade imperiosa da segregação, visto que o mencionado artigo em seu § 2° estipula que em nenhuma hipótese será aplicada a internação havendo outra medida adequada.19 17 BRASIL. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. 18 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. 19 PINOTI, Antonio Jurandir. Medidas socioeducativas e garantias constitucionais. Disponível em: 17 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea O que convém ressaltar é que se assemelha ao princípio da intervenção mínima que orienta e limita o poder incriminador do Estado na seara penal. Ora, se existirem outras medidas ou formas de controle social suficientes, são essas que devem ser aplicadas, devendo a internação ser a ultima ratio do sistema normativo. Outro princípio que merece relevo é o do respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, estabelecido no artigo 125 do Estatuto que diz que “é dever do Estado zelar pela integridade física e mental dos internos, cabendo-lhes adotar as medidas adequadas de contenção e segurança”. Neste viés, ressalta-se o princípio da proteção integral, que trata a criança e o adolescente com prioridade, ampliando o dever de protegê-los à família, à sociedade e ao Estado. Ocorre que o simples fato de aplicar ao infrator uma medida socioeducativa não será suficiente para ressocializá-lo. É necessário que se preocupe com a qualidade das medidas impostas, bem como com a recuperação do meio em que vive aquele infrator, recuperando não apenas o adolescente, mas todo o seu núcleo familiar. Além dos princípios abarcados, o artigo 111 do ECA20, assegura algumas garantias ao adolescente, quais sejam: a) pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente; b) igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa; c) defesa técnica por advogado; e) assistência judiciária gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei; f) direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente; g) direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento. Tal dispositivo atende aos princípios do devido processo legal e da igualdade entre as partes, do contraditório e da ampla defesa, estabelecendo mecanismos para que o adolescente possa alegar ou provar a sua inocência.21 Entretanto, as normas previstas no Estatuto da Criança e Adolescente para os casos de infrações praticadas por adolescentes somente são aptas a produzir resultado prático se forem aplicadas em local e forma adequadas, mediante rigorosa fiscalização, o que dificilmente ocorre no país. Sabe-se que faltam unidades adequadas para cumprimento de mandados judiciais de internações, bem como inexistem entidades aptas a executar medidas em meio aberto com a eficiência esperada pelo ECA, o que resulta na aplicação de medidas que são simplesmente descumpridas ou, quando são cumpridas, ocorrem em local e forma inadequadas a produzir eficácia prática. <www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_igualdade_19_2_1_5.php > Acesso em 17 de nov. de 2013. 20 PINOTI, Antonio Jurandir. Medidas socioeducativas e garantias constitucionais. Disponível em: <www2.mp.pr.gov.br/cpca/telas/ca_igualdade_19_2_1_5.php > Acesso em 17 de nov. de 2013. 21 ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: Doutrina e Jurisprudência, p. 169. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 18 5. CONCLUSÃO Diante de todo o exposto, o Estatuto da Criança e do Adolescente reconhece a doutrina da proteção integral, com base nos direitos e garantias destinados à criança e ao adolescente, podendo-se assim dizer que um de seus fundamentos é tratá-los como sendo sujeitos de direito frente à família, ao Estado e à sociedade. Da mesma forma, estão elencadas no Estatuto as medidas socioeducativas com a finalidade de ressocializar o adolescente para que ele possa voltar a viver em sociedade. Ocorre que se percebe, na realidade, que as medidas socioeducativas estão muito distantes de alcançar os seus objetivos, uma vez que os adolescentes não são tratados da forma como prevista em sua norma protetora (ECA), resultando na imposição de medidas a serem cumpridas em local e forma inadequadas. Assim, a norma não consegue efetivar o que ela realmente busca, que é a ressocialização do adolescente, acabando por resultar na completa ineficácia da norma. Conclui-se que para que as medidas socioeducativas provocassem seus efeitos esperados, imprescindívelque as instituições de execução e fiscalização dessas medidas fossem mais preparadas e estruturadas. Caso contrário, de nada adiantará existir no Brasil uma legislação de país desenvolvido, se na prática suas previsões normativas não forem concretizadas. 19 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea REFERÊNCIAS ALVES, Roberto Barbosa. Direito da Infância e da Juventude. São Paulo: Saraiva, 2005. BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2012. BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988. Diário Oficial da União. Brasília, 1988. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. ___________. Lei 8.069, de 13 de julho de 1990. Estatuto da Criança e do Adolescente. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm> Acesso em: 17 de novembro de 2013. CASSANDRE, Andressa Cristina Chiroza. A eficácia das medidas socioeducativas aplicadas ao adolescente infrator. Disponível em: < http:// intertemas.unitoledo.br/revista/index.php/Juridica/article/viewFile/876/846 > Acesso em: 03 de outubro de 2013. FALSARELLA, Christiane. O impacto da Convenção sobre os Direitos da Criança no Direito Brasileiro. 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O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 20 SERIAL KILLERS E OS CRIMES HEDIONDOS NO BRASIL: qual a sanção penal adequada? brunna Patrícia Moraes Peres Juliana aParecida 1. INTRODUÇÃO O presente trabalho tem como objetivo estudar a figura dos serial killers, caracterizados como psicopatas, observando seu grau de periculosidade no convívio social, bem como investigando quais as punições adequadas a esta espécie de criminoso, além de verificar qual a possibilidade de ressocialização. O estudo do aludido tema necessariamente perpassará pelo estudo dos crimes hediondos, ainda que de forma sucinta, uma vez que são as infrações penais geralmente praticadas pelos serial killers. O presente ensaio se justifica na medida em que cresce a cada dia o número de casos envolvendo esta espécie de criminoso, sendo que nem sempre as punições aplicadas a eles atingem seu fim esperado, resultando no fenômeno da reincidência. Assim, inicialmente será exposto o conceito de serial killer, assim como aspectos gerais históricos, além da verificação do meio social em que “surge” esse tipo de criminoso. A seguir será estudada, ainda que de forma breve, a Lei dos Crimes Hediondos brasileira (Lei 8.072/90), explicitando sua finalidade e principais características. Ademais, no último capítulo será tratada a questão da identificação e individualização da execução penal quanto aos psicopatas, apresentando qual a sanção penal adequada para tais criminosos. Utilizar-se-á como metodologia o tipo de pesquisa bibliográfico, enquanto método dedutivo, por meio da análise textual, temática e interpretativa de obras jurídicas, de medicina e de psicologia sobre o tema, na busca de melhor compreender essa figura dos serial killers, enquanto psicopatas, geralmente autores de crimes hediondos. 2. O SERIAL KILLER (ASSASSINO EM SÉRIE) No intuito de melhor compreender o tema, faz-se importante conhecer o conceito de serial killer, bem como aspectos gerais históricos, além de verificar o meio social em que surgem. 21 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 2.1 CONCEITO Inicialmente, faz-se necessária a diferenciação entre a figura do serial killer (assassino em série) e do assassino em massa, sendo o primeiro caracterizado pelo fato de cometer homicídios durante algum período de tempo, com pelo menos alguns dias de intervalo entre eles, enquanto o segundo por assassinar várias vítimas em uma única oportunidade, em questão de horas.22 Ademais, salienta Casoy23 que as vítimas do serial killer são escolhidas ao acaso e mortas sem nenhuma razão aparente; raramente tais indivíduos conhecem sua presa, representando um mero símbolo para eles. Acrescenta que são verdadeiros sádicos, pois procuram prazeres perversos ao torturar suas vítimas, chegando até a “ressuscitá-las” para poder “brincar” um pouco mais e disso retirar prazer, tendo necessidade de controlar, dominar e possuir a pessoa escolhida. Outrossim, no mesmo sentido, ensina o psicólogo canadense Robert Hare24: Ninguém nasce psicopata. Nasce com tendências para a psicopatia. A psicopatia não é uma categoria descritiva, como ser homem ou mulher, estar vivo ou morto. É uma medida, como altura ou peso, que varia para mais ou para menos. (...) Um psicopata ama alguém da mesma forma como eu, digamos amo meu carro, e não da forma como eu amo minha mulher. Usa o termo amor, mas não o sente da maneira como nós entendemos. Em geral, é um sentimento de posse, de propriedade. 2.2 ASPECTOS HISTÓRICOS É muito difícil identificar com certeza quando exatamente surgiu o primeiro serial killer no mundo, sendo certo apenas que eles assombram a humanidade já há muito tempo. O termo Serial Killer foi usado pela primeira vez por um agente aposentado do FBI (Departamento Federal de Investigação dos Estados Unidos da América) nos anos 70, Robert Ressler.25 Segundo Casoy26, um dos primeiros a ganhar destaque foi “Jack, o Estripador”, em plena Inglaterra Vitoriana, no final do século XIX. Não se pode deixar de citar também o famoso Adolf Hitler, que atuou na Segunda Guerra 22 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?. 6 ed. São Paulo: Madras, 2004, p.14. 23 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.15. 24 HARE, R. D. Psicopatas no divã. Revista Veja: paginas amarelas, 1º de Abril de 2009, disponível em: http://veja.abril.com.br/010409/entrevista.shtml. Acesso em: 02 de novembro de 2013. 25 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.14. 26 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.11. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 22 Mundial, matando inúmeras pessoas que ele considerava não ter sangue puro, entre elas judeus, negros e homossexuais. Portanto, o que se observa é que não se pode precisar um marco histórico ou momento exato para o surgimento da figura dos assassinos em série no mundo, podendo-se deduzir que sempre existiram, contudo eram simplesmente ignorados e/ou desconhecidos. O estudo e preocupação com esse criminoso apenas veio à tona recentemente, em especial a partir dos anos 70, em países como Estados Unidos da América e Canadá. 2.3 O QUE FAZ UMA PESSOA SE TORNAR UM SERIAL KILLER? Uma questão interessante no estudo deste tema é saber qual o contexto social e pessoal que leva uma pessoa a se tornar um assassino em série. A bibliografia especializada, dentre as quais se destaca a obra de Casoy, aponta que um dos principais motivos para se tornar um assassinoem série deriva do contexto social pelo qual viveu o indivíduo, podendo, em alguns casos, ser decorrente de um trauma vivenciado na infância. Analisando o passado de um serial killer, pode-se perceber que não há um fato sozinho que transforme determinada pessoa em um assassino em série. Entretanto, afirma-se que a tríade, a seguir apresentada, encontra-se no histórico da grande maioria deles: a) enurese (inconsistência urinaria sem conhecimento); b) abuso sádico de animais ou de outras crianças; c) destruição de propriedade e piromania (mania de atear fogo)27. Outrossim, quando adolescentes, demonstram isolamento familiar e social, dificuldade para interagir com outras pessoas, resultando no fato de se tornarem vitimas de bullyng28, o que acentua ainda mais o trauma dessa pessoa29. Na fase adulta, que é quando os serial killers geralmente começam a matar de fato, eles se tornam pessoas conceituadas como de dupla personalidade, ou seja, em sociedade são pessoas tidas como exemplo social, são educados, possuem uma boa carreira, comportando-se como cidadãos que jamais levantariam suspeitas. De outro lado, quando estão sozinhos com suas vitimas, se comportam como verdadeiros monstros.30 27 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.18. 28 Conjunto de maus-tratos, ameaças, coações ou outros atos de intimidação física ou psicológica exercido de forma continuada sobre uma pessoa considerada fraca ou vulnerável. 29 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.18. 30 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.18. 23 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 2.4 CONCEPÇÃO MÉDICA E JURÍDICA ACERCA DOS SERIAL KILLERS De início, cabe destacar que a medicina diagnostica os assassinos em série como psicopata e, nesse sentido, preleciona Ballone31: A maioria dos Assassinos Seriais é diagnosticada como portadora de Transtorno de Personalidade Anti-Social (sinônimo Dissocial, Psicopata, Sociopata). Embora esses assassinos possam não ter pleno domínio no controle dos impulsos, eles distinguem muito bem o certo do errado, tanto que querem sempre satisfazer seus desejos sem correr riscos de serem apanhados. Assim, a chamada personalidade psicopática foi introduzida no campo da medicina no final do século XVIII, explicando Jorge Trindade que seu surgimento foi “para designar um enorme grupo de patologias de comportamento sugestivas de psicopatologia, mas não classificáveis em qualquer outra categoria de desordem ou transtorno mental”. 32 O motivo que leva um serial killer a cometer homicídios somente faz sentido para ele mesmo. Na maioria dos casos, conforme já referido, percebe-se que eles passaram por algum trauma na infância, tiveram problemas familiares, foram abusados e muitas vezes abandonados por seus genitores. Entretanto, diversas pessoas passam por esses mesmos conflitos ou até piores e nem por isso se tornam assassinas em série. Por esse fato, muitos estudiosos acreditam que há uma conexão de fatores psicológicos com fatores biológicos. Segundo Dr. Christopher Patrick: “psicopatas tem menor taxa de mudanças cardíacas e de condução elétrica na pele como reação ao medo”.33 Outrossim, para Dr. Paul Bernhardt: “uma taxa alta de testosterona combinada com baixos níveis de serotonina pode causas resultados letais. Quando o equilíbrio entre a testosterona e a serotonina não existe, a frustração pode levar a agressividade e comportamentos sádicos”.34 31 BALLONE, Geraldo José. Da emoção a Lesão, um guia de medicina psicossomática. 2 ed. Manole, apud: SILVA, Melina Pelissari. Serial Killer, um condenado a custodia perpetua. Presidente Prudente, SP, v.1, n.1. 2004, p.75. 32 TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do direito. 6 ed. Livraria do advogado editor: Porto Alegre, 2012, p. 165. 33 Dr. Christopher J. Patrick – Artigo “Psycopaths: findings Point ro Brain Differences” – Department of Psychology Florida State University, apud: CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p. 33. 34 Dr. Paul C. Bernhart – Artigo “High Testosterone. Low Seretonine: Double Problem?’’ – Department of Educacional Psichology, University Utah, apud: CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p. 33. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 24 Ademais, conforme lições do Dr. Dominique La Pierre: “o córtex pré-frontal, área do planejamento em longo prazo, julgamento e controle de impulsos, não funciona normalmente em psicopatas”.35 Além destas evidências científicas, outro ponto importante é a incidência de acidentes na cabeça sofridos por alguns dos conhecidos serial killers, entre eles, por exemplo, Leonard Lake, David Berkowitz, Kenneth Bianchi e John Gacy.36 Assim, resta claro que para a medicina os assassinos em série devem ser vistos como psicopatas, pois segundo estudos realizados sobre o tema, 86,5% dos serial killers preenchem os critérios para a psicopatia.37 Sendo entendido como um psicopata, cabe agora investigar como a psicopatia é entendida para a medicina e para as ciências sociais. Conforme ensina Jorge Trindade, a personalidade psicopática refere- se a uma individual característica de modelos de pensamento, sentimento e comportamento, sendo uma característica interna da pessoa, mas que se manifesta globalmente, em todas as facetas do indivíduo. Enfim, é um modelo particular de personalidade.38 Quanto à questão da classificação da psicopatia como doença ou transtorno social, existe uma divergência doutrinária em que há estudiosos que entendem a psicopatia como uma doença mental, sendo que, etimologicamente, psicopatia significa doença da mente. Lado outro, parte expressiva dos profissionais da área da psiquiatria forense consideram que a parte cognitiva dos indivíduos psicopatas se encontra preservada, íntegra, tendo plena consciência dos atos que praticam (possuem, inclusive, inteligência acima da média da população), sendo que seu principal problema reside nos sentimentos (afetos) deficitários.39 No âmbito do Direito Penal brasileiro os assassinos em série são tratados, geralmente, como totalmente imputáveis, recebendo assim, quando condenados, uma pena e não uma medida de segurança. Por ser extremamente difícil descobrir se certo individuo é ou não portador de psicopatia, o magistrado deve, portanto, se valer de laudos psiquiátricos, determinando que seja realizado teste de cunho científico para verificar se existem sinais de psicopatia no referido 35 Dr. Dominique LaPierre – Artigo “The Psychopathic Brain: New Findings” – Psychologie UQAM – Montreal, Canada, apud: CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p. 34. 36 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.36. 37 MORANA, P. C. Hilda, STONE, H. Michael, FILHO, Abdalla Elias. Transtorno de personalidade, psicopatia e Serial killers. Rev Bras Psiquiatr. 2006;28 (Supl II):S74-9, p.5. 38 TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do direito, p 166. 39 SILVA, Ana Beatriz B. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado..., 2008. p. 18, apud: PALHARES, Diego de Oliveira e CUNHA, Marcus Vinicius Ribeiro. O psicopata e o Direito Penal Brasileiro, qual a sanção penal adequada? Disponível em:<http://www.fucamp.edu.br/ editora/index.php/praxis/article/view/255/214>. Acesso em: 02 de dezembro de 2013. 25 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea criminoso, com o objetivo de se definir o diagnóstico do infrator, como também o grau da possível psicopatia, sendo que o exame mais indicado nesse caso é denominado PCL, psychopathy checklist, porém ainda muito pouco usado no meio jurídico.40 3. DOS CRIMES HEDIONDOS NO BRASIL Importante destacar que o Legislativo brasileiro não adotou o sistema conceitual para a definição do queseja crime hediondo, mas sim o sistema enumerativo, onde será considerada hedionda a infração penal que assim for concebida pela Lei 8072/9041. Deste modo, veja-se: Não é hediondo o delito que se mostre repugnante, asqueroso, sórdido, depravado, abjeto, horroroso, horrível, por sua gravidade objetiva, ou por seu modo ou meio de sua execução, ou pela finalidade que presidiu ou iluminou a ação criminosa, ou pela adoção de qualquer outro critério valido, mas sim aquele crime que, por um verdadeiro processo de colagem, foi rotulado como tal pelo legislador. 42 A lei 8.072, de 25 de julho de 199043, enumerou taxativamente, em seu art. 1°, todos os crimes hediondos no Brasil. No entanto, sofreu algumas modificações44 operadas pelo art. 1° da Lei n. 8.930, de 6 de setembro de 1994, bem como sofreu acréscimos, determinados pela Lei n. 9.695, de 20 de agosto de 1998, e 12.015, de 7 de agosto de 2009. Assim, os crimes hediondos atualmente previstos na legislação pátria são: Homicídio, quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente e Homicídio qualificado, Latrocínio, Extorsão qualificada pela morte, Extorsão mediante sequestro e na forma qualificada, Estupro, Estupro de vulnerável, Epidemia com resultado morte, 40 PALHARES, Diego de Oliveira e CUNHA, Marcus Vinicius Ribeiro. O psicopata e o Direito Penal Brasileiro, qual a sanção penal adequada? Disponível em:<http://www.fucamp.edu.br/ editora/index.php/praxis/article/view/255/214>. Acesso em: 02 de dezembro de 2013. 41 BRASIL. Lei n° 8072, de 25 de julho de 1990. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em: 27 de novembro de 2013. 42 FRANCO, Aberto Silva. Crimes Hediondos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p.45, apud: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial, volume 4. 7 ed. São Paulo. Saraiva, 2012. p,198. 43 BRASIL. Lei n° 8072, de 25 de julho de 1990. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em: 27 de novembro de 2013. 44 CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial, p,195 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 26 Falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produtos destinados a fins terapêuticos ou medicinais e o Crime de genocídio45. A Lei dos crimes hediondos46 surgiu com a finalidade de conter a imensa onda de criminalidade que pairava sobre a sociedade brasileira à época, fazendo assim com que o legislador criasse, às pressas, atendendo ao clamor da população, a referida lei, que define os crimes classificados como desta natureza e determina outras medidas de natureza penal, processual penal e de execução da pena, bem como da tortura, do tráfico de entorpecentes e do terrorismo, considerados como equiparados aos hediondos.47 Observando-se o rol dos crimes hediondos e a figura dos assassinos em série pode-se concluir que os homicídios por eles geralmente praticados, quase sempre capitulados como qualificados, são infrações classificadas como hediondas para a legislação brasileira, submetendo-os às suas disposições legais mais restritivas ao infrator.48 4. DA IDENTIFICAÇÃO E INDIVIDUALIZAÇÃO DA EXECUÇÃO PENAL AOS SERIAL KILLERS Sabe-se que um dos mais relevantes princípios reitores do direito penal brasileiro é o da individualização das penas, o qual se revela primeiramente, quando o legislador elenca os fatos puníveis em suas respectivas sanções, estabelecendo seus limites e critérios de fixação da pena, seguida pela individualização judicial, elaborada pelo juiz na sentença condenatória, e por fim, a fase executória, a qual ocorre o cumprimento da pena.49 45 BRASIL. Lei n° 8072, de 25 de julho de 1990. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em: 27 de novembro de 2013. 46 BRASIL. Lei n° 8072, de 25 de julho de 1990. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em: 27 de novembro de 2013. 47 SANTOS, Simone Moraes. A coerção penal no âmbito da Lei dos Crimes Hediondos. Jus Navegandi, 12/2013. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4690/a-coercao-penal-no- ambito-da-lei-dos-crimes-hediondos>. Acesso em: 27 de outubro de 2013. 48 Citam-se, como exemplos de restrições existentes na Lei 8072/90, o (art. 2°, I) que veda a anistia, graça e indulto; (art. 2° II) fiança; (§ 1o) A pena por crime previsto neste artigo será cumprida inicialmente em regime fechado; (§ 2o) A progressão de regime, no caso dos condenados aos crimes previstos neste artigo, dar-se-á após o cumprimento de 2/5 (dois quintos) da pena, se o apenado for primário, e de 3/5 (três quintos), se reincidente; (§ 3o) Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade; (§ 4o) A prisão temporária, nos crimes previstos neste artigo, terá o prazo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período em caso de extrema e comprovada necessidade; (Art. 3) A União manterá estabelecimentos penais, de segurança máxima, destinados ao cumprimento de penas impostas a condenados de alta periculosidade, cuja permanência em presídios estaduais ponha em risco a ordem ou incolumidade pública. 49 SANTOS, Nildo Nery dos. Aplicação da pena. Revista Jus et Fides. Julho 2003-2004. Acesso 27 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea Segundo Francisco de Assis Toledo50: As formas de execução da pena privativa da liberdade, quando esta tiver de ser aplicada, deverá desdobrar-se em etapas progressivas e regressivas, para ensejar maior ou menor intensidade na sua aplicação, bem como maior ou menor velocidade na caminhada do condenado rumo a liberdade. E assim terá que ser para cumprirem-se as diretrizes da individualização. Sobre o principio da individualização das penas, Rogério Greco51 ensina: Tendo o julgador chegado à conclusão de que o fato praticado é típico, ilícito e culpável, dirá qual a infração penal praticada pelo agente e começará, agora, a individualizar a pena a ele correspondente. Inicialmente, fixará a pena base de acordo com o critério trifásico determinado pelo art. 68 do Código Penal, atendendo as chamadas circunstâncias judiciais; em seguida, levará em consideração as circunstâncias atenuantes e agravantes; por ultimo, as causas de diminuição e de aumento de pena. A questão se torna mais complicada quando se pretende concretizar a aplicação do princípio da individualização das penas quanto às sanções aplicadas em sentenças proferidas em face dos assassinos em série. Isso porque é bastante difícil para a medicina averiguar se determinada pessoa é ou não portadora de psicopatia, ainda mais se somando o fato de que no Brasil não existe um sistema eficaz para fazer essa distinção. O problema existe e não é recente, exigindo a criação de uma política criminal exclusivamente voltada para os indivíduos acometidos por esse transtorno de personalidade, como é o caso dos assassinos em série.52 Assim, pode-se entender que cada criminoso deve ser julgado de acordo com seu crime e receber a sanção especifica que atenda a gravidade do seu delito. Porém, uma pessoa inimputável não pode receber a mesma sanção de uma pessoa imputável, mesmo que tenham praticado a mesma espécie de infração penal. Resta averiguar, portanto, se o assassino em série é ou não inimputável. em: 5 de dezembro de 2013. 50 TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. Ed. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 71 51 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal - Parte Geral. 14. ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2012, p.70. 52 MILHOMEM, Mateus.Um grau acima da maldade – Estado x Psicopatas Brasileiros. Disponível em: <http://www.amb.com.br/portal/docs/artigos/Artigo%20Mateus%20Milhomem. pdf.> Acesso em: 03 de novembro de 2013. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 28 Ocorre que, conforme já referido linhas atrás, existe uma enorme dificuldade em se diagnosticar um infrator como psicopata ou não, até mesmo por não existirem testes hábeis sendo utilizados no Brasil53. Nesse sentido faz-se difícil o reconhecimento do assassino em série até mesmo pela sociedade, pois eles sabem muito bem como atrair suas vitimas, usam sua inteligência, possuem uma grande habilidade de mentir e sequer apresentam algum sentimento de culpa, senão veja-se: São sádicos por natureza e procuram prazeres perversos ao torturar suas presas, chegando até ressuscitá-las para brincar um pouco mais. Tem necessidade de dominar, controlar e possuir a pessoa. Quando a vitima morre, eles novamente são abandonados à sua misteriosa fúria e ódio por si mesmos 54 Fisicamente os assassinos em série não têm nenhuma característica física que possa nos permitir distingui-los das demais pessoas. A maioria tem um emprego, boa aparência e mostra ser uma pessoa educada e um exemplo social. Isso se dá porque esse tipo de assassino tem o que pode ser chamado de dissociação. Eles criam uma personalidade para viver em sociedade e outra para cometer seus terríveis crimes. Alguns deles, inclusive, quando são descobertos, mentem e juram com convicção que jamais fariam aquilo.55 Outra característica importante é o controle que necessitam ter sobre suas vitimas. Segundo Ilana Casoy: “um dos meios de o serial killer estabelecer o controle é degradar e desvalorizar a vitima por longos períodos de tempo”. 56Alguns veem esse momento como o auge de seu prazer e outros só encontram a verdadeira satisfação, quando matam. Ao contrário do que muitas pessoas acreditam, o serial killer sabe ter empatia com outro ser humano e é através desse fator que ele determina o que realmente é considerado humilhante e degradante para si mesmo, para poder justamente usar contra o próximo.57 Existe, contudo, uma tendência em considerar o psicopata e, portanto, o assassino em série, como imputável, ou seja, individuo não portador de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, que era ao tempo da ação ou omissão, inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento58. 53 Vide explicação à página 07 do presente artigo. 54 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.16. 55 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.21. 56 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.19. 57 CASOY, Ilana. Serial Killer: Louco ou Cruel?, p.24. 58 Conforme art. 26 do Código Penal brasileiro. 29 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea Nesse sentido, ensina Jorge Trindade59: Mesmo que a psicopatia seja considerada uma patologia social (pelo sociólogo), ética (pelo filósofo), de personalidade (pelo psicólogo), educacional (pelo professor), do ponto de vista médico (psiquiátrico) ela não parece configurar uma doença no sentido clássico, sendo que atualmente há uma tendência universal de considerar os psicopatas como plenamente capazes de entender o caráter lícito ou ilícito dos atos que pratica e de dirigir suas ações. Portanto, considerando o assassino em série (enquanto psicopata) como imputável, a sanção penal adequada em caso de condenação é a pena, caracterizada por reprovar o mal causado pelo agente, bem como prevenir futuras infrações penais. Nesse sentido, a pena se divide em três espécies, quais sejam: a) privativa de liberdade; b) restritivas de direitos; c) multa. 60 Lado outro, a medida de segurança, conforme destaca Basileu Garcia, “têm uma finalidade diversa da pena, pois se destina a cura, ou, pelo menos, ao tratamento daquele que praticou um fato típico e ilícito.” 61 Neste sentido, Rogério Greco62 explica: Assim sendo, aquele que for reconhecidamente declarado inimputável, deverá ser absolvido, pois o art. 26, caput, do Código Penal diz ser isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Portanto, enquanto infrator imputável verifica-se que a sanção penal adequada aos assassinos em série é a pena, com todas as suas características, fundamentos e finalidades. 5. CONCLUSÃO Os serial killers sempre desafiaram a justiça, principalmente devido a dificuldade em descobrir a psicopatia em determinada pessoa, o que atrapalha na aplicação da sanção penal adequada a estes criminosos. 59 TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do direito, p179. 60 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, p.473. 61 GARCIA, Basileu. Instituições de direito penal, v. L, t. II, p. 593-594. apud: GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal, p.664. 62 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal Parte Geral, p.385. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 30 O presente trabalho defende que o psicopata não deve ser considerado como inimputável, pois é certo que na prática do crime possuem conhecimento de sua conduta ilícita, devendo ser tratados como imputáveis. Ocorre que em razão da dificuldade em se diagnosticar casos de psicopatia em criminosos, existem muitos recebendo sanções penais inadequadas, bem como ganhando benefícios na execução de suas sanções sem o devido merecimento, haja vista a ausência de demonstração cabal de suas ressocializações. Desta forma, deveriam existir testes aptos a identificação da natureza do criminoso antes da imposição da sanção penal, permitido a aplicação da sanção penal adequada, a ser executada de acordo com as especificidades do sentenciado. Concluindo, necessita-se no Brasil de uma maior atenção aos casos de criminosos psicopatas, como os assassinos em série, por exemplo, no intuito de que esses infratores não retornem ao convívio social sem a esperada ressocialização, diminuindo a chance de que volte a delinquir, garantindo que a sanção cumpra seu objetivo principal que é preparar o sentenciado para o retorno do convívio social. 31 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea REFERÊNCIAS BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de direito penal: parte geral. 14. ed. rev., atual. e ampliada. São Paulo: Saraiva, 2009. BRASIL. Lei n° 8072, de 25 de julho de 1990. Diário Oficial da União. Brasília, 1990. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8072.htm>. Acesso em: 27 de novembro de 2013. CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: legislação penal especial. 7 ed. São Paulo. Saraiva, 2012. CARVALHO, Maria Cristina Neiva; FONTOURA, Telma MIRANDA; Vera Regina. 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O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 32 MIRABETE, Júlio Fabbrini. Manual de direito penal: parte geral. 24. ed. São Paulo: Atlas, 2007. NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de direito penal. 6 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009. PALHARES, Diego de Oliveira e CUNHA, Marcus Vinicius Ribeiro. O psicopata e o Direito Penal Brasileiro, qual a sanção penal adequada? Disponível em:<http://www.fucamp.edu.br/editora/index.php/praxis/article/ view/255/214>. Acesso em: 02 de dezembro de 2013. SÁ, Augusto Alvino. Criminologia Clinica e Psicologia Criminal. 1ª ed. São Paulo. Editora Revista dos Tribunais, 2007. SANTOS, Nildo Nery dos. Aplicação da pena. Revista Jus et Fides. Julho 2003- 2004. Acesso em: 5 de dezembro de 2013. SILVA, Ana Beatriz B. Mentes perigosas: o psicopata mora ao lado. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008. TOLEDO, Francisco de Assis. Princípios Básicos de Direito Penal. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. TRINDADE, Jorge. 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Com o grande clamor da sociedade, a qual era influenciada pela mídia nacional, buscava-se uma solução rápida para tal situação, motivo pelo qual o Congresso Nacional editou a Lei nº 9.695, de agosto 1998, que modificou o art. 273 e seus parágrafos do Código Penal brasileiro, trazendo para esse delito o status de crime hediondo (Lei 8.072/90). Torna-se relevante ressaltar que a vontade de sanar os conflitos da época de uma forma rápida resultou em imperfeições legislativas e rigor desproporcional, resultado da falta de discussão propícia e de uma análise específica da conduta punível. A presente pesquisa, portanto, tem como objetivo realizar uma análise sobre a (in) constitucionalidade do art. 273 do Código Penal brasileiro, fazendo uma leitura à luz dos princípios penais fundamentais, destacando-se os princípios da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade e da individualização das penas. Nesta perspectiva, foi utilizada como metodologia a pesquisa bibliográfica por meio de análises e interpretações de obras doutrinárias, enquanto típico método dedutivo. 2. PRINCÍPIOS PENAIS FUNDAMENTAIS A palavra princípio tem origem do latim principiu e tem como significado a ideia de começo, origem e início. Entretanto, no meio jurídico, destaca-se a definição de Celso Antonio Bandeira de Mello sobre princípio, qual seja: Princípio é por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que irradia sobre O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 34 diferentes normas compondo-lhes o espírito e serviço de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe da sentido harmônico.63 Assim, pode-se conceber os princípios como pontos centrais do sistema, uma vez que orientam toda interpretação jurídica, atribuindo a ele uma explicação lógica e coerente. Estabelece, portanto, o alcance em sentido amplo das normas existentes no ordenamento jurídico. No direito penal não é diferente, pois os princípios são elementos extremamente relevantes, servindo de norte de orientação no processo de interpretação da norma e dos institutos jurídicos. Nesta perspectiva, pode-se concluir que o direito penal é estruturado com base em seus princípios fundamentais, os quais legitimam suas normas e direcionam o processo de interpretação e aplicação dessas normas. Luiz Regis Prado descreve a força normativa dos princípios penais da seguinte forma: Os princípios penais constituem um núcleo essencial da matéria penal, alicerçando o edifício conceitual do delito- suas categorias teoréticas -, limitando o poder punitivo do Estado, salvaguardando as liberdades e os direitos fundamentais do indivíduo, orientando a política legislativa criminal, oferecendo pautas de interpretação e aplicação da lei penal conforme a Constituição e as exigências próprias de um estado democrático e social de direito. Em síntese servem de fundamento e limite a responsabilidade penal.64 Os princípios penais fundamentais podem ser classificados em explícitos e implícitos, sendo que ambos possuem idêntica força normativa, além de que similar função de limitar o ius puniendi,conforme ensina Luiz Regis Prado65. Dentre os princípios mais conhecidos, destacam-se: princípio da reserva legal ou legalidade, princípio da dignidade, princípio da igualdade, princípio da anterioridade da lei penal, princípio da irretroatividade da lei penal prejudicial, princípio da responsabilidade pessoal, princípio da humanidade, 63 MELLO, Celso Antonio Bandeira de. Elementos do Direito Administrativo. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 1991, p. 230. 64 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 4ªed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010, p. 146. 65 PRADO, Luiz Regis. Curso de Direito Penal Brasileiro. 35 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea princípio da individualização da pena, princípio da taxatividade, princípio da materialização do fato, princípio da exclusiva proteção dos bens jurídicos, princípio da intervenção mínima, princípio da insignificância, princípio da adequação social, princípio da ofensividade, princípio da responsabilidade subjetiva, princípio da culpabilidade, princípio da proporcionalidade e princípio da vedação da dupla punição pelo mesmo fato. 3. PRINCÍPIOS PENAIS FUNDAMENTAIS E O CRIME HEDIONDO DO ART. 273 DO CÓDIGO PENAL Conforme anteriormente já aduzido, pretende-se no presente trabalho realizar uma análise sobre a (in) constitucionalidade do art. 273 do Código Penal brasileiro, fazendo uma leitura à luz dos princípios penais fundamentais, destacando-se os princípios da intervenção mínima do direito penal, da proporcionalidade e da individualização das penas. 3.1 PRINCÍPIO DA INTERVENÇÃO MÍNIMA Aduz o princípio da intervenção mínima que o direito penal não deve se ocupar com a missão de tutelar todo e qualquer bem jurídico, mas apenas os mais relevantes, desde que outros ramos do ordenamento se mostrem incapazes de tutela-los satisfatoriamente, conforme dispõe Muñoz Conde, citado por Greco: O poder punitivo do Estado deve estar regido limitado pelo princípio da intervenção mínima. Com isso, quero dizer que o Direito Penal somente deve intervir nos casos de ataque muito grave aos bens jurídicos mais importantes. As perturbações mais leves no ordenamento jurídico são objetos de outros ramos do direito. 66 O presente princípio decorre do Estado Democrático de Direito, umavez que não se encontra explicito na Constituição Federal e nem no estatuto criminal brasileiro. Pode-se dizer que a intervenção mínima pregada por este princípio tem dois principais destinatários. O primeiro seria o legislador, que tem como função caracterizar as condutas que recebem punição criminal, bem como a descriminalização sobre os bens que não necessitam de sua intervenção. Ademais, o segundo destinatário é o próprio operador do direito, o qual deverá verificar, de forma proporcional, qual o ramo do ordenamento jurídico que deverá incidir para a proteção do bem jurídico em debate. 66 GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal. 4ª ed. Rio de Janeiro: Impetus, 2004, p. 52. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 36 Neste diapasão, o direito penal somente deverá intervir em último caso, quando não se mostrarem eficazes os controles sociais e os demais ramos do sistema jurídico, mantendo com isso a credibilidade do direito penal e evitando sua incidência em todo e qualquer caso, haja vista a gravidade de suas sanções. A questão a ser verificada no presente caso é se deve ser considerada legítima e adequada a intervenção do direito penal, com tamanha severidade, haja vista a pena prevista ao crime do art. 273 do Código Penal67, quanto a falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais. Será que não existem outros ramos do ordenamento, por exemplo, o direito administrativo e o direito civil, aptos a defender esse bem jurídico, seja por meio de fiscalizações e autuações de cunho administrativo, seja por meio de responsabilização civil dos responsáveis? O que se defende, portanto, não é a abolitio criminis, mas uma maior proporcionalidade da sanção penal em relação à importância do bem jurídico tutelado por este delito, bem como a utilização de outros ramos do sistema como meios mais adequados. 3.2 PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE O princípio da proporcionalidade é considerado um dos princípios mais importantes para o Direito como um todo, inclusive para o direito penal, consistindo em uma proteção do individuo contra intervenções estatais desnecessárias e/ou excessivas. Ademais, no âmbito penal, representa a exigência de proporcionalidade entre a sanção penal e a importância do bem jurídico tutelado, evitando a utilização do direito penal de forma excessivamente desmedida, como meio de proteção, em última análise, da dignidade da pessoa. No que tange especificamente ao objeto em debate no presente ensaio, busca-se verificar se a sanção prevista ao delito do art. 273 do Código Penal, bem como sua previsão no rol dos crimes hediondos, são proporcionais à relevância do bem jurídico tutelado. Ora, concebendo-se que para o crime de homicídio simples, o qual tutela o bem jurídico mais importante à sociedade, ou seja, a vida, a sanção penal varia de seis a vinte anos, é legítimo e proporcional prever sanção de dez a quinze anos para a infração do art. 273 do Código Penal? 67 “Art. 273 - Falsificar, corromper, adulterar ou alterar produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais: Pena - reclusão, de 10 (dez) a 15 (quinze) anos, e multa”. Disponível em: <http:// www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/del2848compilado.htm>. Acesso em: 10 de fevereiro de 2014. 37 O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 3.3 PRINCÍPIO DA INDIVIDUALIZAÇÃO DA PENA O princípio da individualização da pena consiste em um direito fundamental do cidadão em face do Estado, no sentido de impedir a fixação de sanções penais padronizadas e indiferentes às especificidades do caso concreto. Assim, de acordo com este princípio, a sanção penal deve ser individualizada tanto quanto à relevância do bem jurídico protegido pela norma, como no que se refere ao juízo de reprovabilidade em relação à conduta infracional cometida pelo agente. O princípio da individualização das penas está expresso no art. 5º, inciso XLVI, da Constituição Federal. Alexandre de Moraes, escrevendo sobre referido princípio, explica que: O princípio da individualização das penas exige estreita correspon- dência entre a responsabilidade da conduta do agente e a sanção a ser aplicada, de maneira que a pena atinja suas finalidades de prevenção e repressão. Assim, a imposição da pena depende do juízo individua- lizado da culpabilidade do agente.68 Outrossim, ainda sobre referido princípio, importante registrar as palavras de Guilherme de Souza Nucci: Individualização das penas tem o significado de eleger a justa e adequada sanção penal, quanto ao montante, ao perfil e os efeitos pendentes sobre o sentenciado, tornando o único e distinto dos demais infratores, ainda que coautores ou mesmo co-réus.69 A individualização das penas é um processo que ocorre em três momentos jurídicos bastante distintos, quais sejam: legislativo, judiciário e executório. A fase legislativa ocorre quando o legislador fixa os parâmetros para a fixação das penas, elaborando o tipo penal incriminador e fixando as penas mínimas e máximas suficientes e necessárias para a reprovação e prevenção daquele crime. Nesta fase, como antes já apresentado, deverá o legislador se valer do princípio da intervenção mínima e da proporcionalidade. A segunda fase ocorre quando do julgamento processual penal, onde o magistrado fixa a pena concreta ao infrator, devendo para isso considerar a gravidade da infração, bem como as características e condições pessoais do agente que praticou o crime. 68 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. São Paulo: Atlas, 2003, p. 326. 69 NUCCI, Guilherme de Souza. Individualização da Pena. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p 31. O DIREITO PENAL EM DEBATE: A eficácia do sistema criminal na sociedade contemporânea 38 Por fim, na etapa da execução da pena cabe ao magistrado fiscalizar o cumprimento da sanção imposta ao condenado, além de analisar os possíveis benefícios cabíveis quando da execução da pena, individualizando essa fase, visando à ressocialização do sentenciado. 4. O CRIME DO ART. 273 DO CÓDIGO PENAL E SUA (IN)CONSTITUCIONALIDADE Com a promulgação da Lei 9.677/98, foi alterada substancialmente a pena do art. 273 do Código Penal, passando para dez a quinze anos de reclusão, mantendo-se a multa, sendo que com a Lei 9.695/98 esse delito foi classificado como hediondo ao ser incluído no rol do art. 1° da Lei 8.072/90. Cabe ressaltar que no Brasil somente é hediondo o delito que a lei assim considerar, ou seja, optou-se não por conceituar o que seria crime hediondo, mas por detalhar quais são os delitos hediondos. Segundo a Carta Magna, os crimes hediondos são inafiançáveis e insuscetíveis de graça e anistia. Ademais, por eles, assim como para a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e o terrorismo, por eles respondem os mandantes, os executores e os que podendo evitá-los, se omitirem. Torna-se relevante investigar a proporcionalidade entre o fato descrito no tipo e a sanção penal prevista para o crime do art. 273 do estatuto criminal. Neste sentido, discorre Antonio Lopes Monteiro: O mais grave é que um governo tido como democrático tenha lançado mão do Direito Penal para equipar a potencialidade ofensiva a saúde pública de produtos com fins terapêuticos e medicinais, como outros que nada ou pouco têm que ver com saúde e a vida da pessoa humana.70 O Direito Penal brasileiro, com o objetivo de tutelar a saúde pública, incrimou diversas condutas no art. 273 do Código Penal, que trata da falsificação, corrupção, adulteração ou alteração de produto destinado a fins terapêuticos ou medicinais, incluindo-se nos produtos a que se refere esse artigo os medicamentos, as matérias-primas,
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