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Introdução à Linguagem Fromkin e Rodman (comprimido)

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Victória Fromkin Robert Rodman
University of California, Los Angeles North Carolina State Universíty, Raleigh
Introdução
.•......
a
Linguagem
Tradução de:'
ISABEL CASANOVA
Professora da Faculdade de Letras de Lisboa
LI ~O
r~31~b
C~
INFORMAT!ONAL ltda.
Importadora: Revistas e Livros Técnicos
Caixa Postal 9505-90441 Porto Alegre RS
Fone (051)334-4524 Fax:(051)334-4018
PRESERVE SUA FONTE
~HEC@.
LIVRARIA ALMEDINA
COIMBRA - 1993
-
Para Disa, Emily, e Zachary
AN INTRODUCfION TO LANGUAGE,
Third Edition by Victoria Frornkin and Robert Rodman
Copyright © 1983, 1978, 1974 by Holt, Rinehart and Winston, Inc.
Tradução de: Isabel Casanova
Execução Gráfica: G.c. - Gráfica de Coimbra, Lda.
Depósito Legal nº 72674/93
~.~ ... ~. #~C_-=*-'-'~.-'-'
PtJC ReJS
!j
L;;;;:~:i~;~
Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou por outro qualquer processo,
sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita e passível
de procedimento judicial contra os infractores.
Capítulo 1
o que é a linguagem?
Ao estudarmos a linguagem humana aproximamo-nos do que
se poderia chamar a "essência humana ", as qualidades
distintivas da mente que são, tanto quanto sabemos, exclusivas
do homem.
Noam Chomsky, Linguagem e pensamento
B.e. Johnny Hart
_~ll
.--. -
PARA QUÊ UMA NOVA?
NÃO TE CHEGAVAM OS
PROBLEMAS COM A VELHA?
DER SCHNCKI1Y
BlIMS ZA MILFER BLAT.
INVENTEI UMA NOVA LíNGUA
PARA QUE NINGUÉM SAIBA
O QUE ESTOU A DIZER
Com autorização de Johnny Hart and Field Enterprises, lnc.
Façam O que fizerem quando se encontram - joguem,
lutem, amem ou fabriquem automóveis - as pessoas também falam.
Falamos com os nossos amigos, colegas, mulheres e maridos, amantes,
professores, pais e sogros. Falamos com condutores de autocarros e pessoas
totalmente desconhecidas. Falamos frente a frente e pelo telefone. E toda a
gente responde falando. A televisão e a rádio intensificam esta torrente de
palavras. Assim, raro é o momento das nossas vidas em que, acordados,
estamos longe das, palavras e mesmo nos nossos sonhos falamos e falam
connosco. Até falamos sem termos quem nos responda. Alguns falam alto
enquanto dormem. Falamos com os animais e às vezes falamos mesmo para
nós próprios. Somos os únicos animais que fazemos isto - falar.
A posse da linguagem, mais do gue qualquer outro atributo, distingue
os seres humanos dos animais. Para compreendermos a nossa humanidade
teremos de compreender a linguagem que nos torna humanos. De. acordo
com a filosofia expressa nos mitos e religiões de muitos povos, é a lingua-
gem que constitui a fonte da vida humana e do poder. Para alguns africanos,
um recém-nascido é um kuntu; uma "coisa", não sendo ainda um muntu,
uma "pessoa". É apenas ao aprender a linguagem que a criança se trans-
forma num ser humano 1. Assim, de acordo com esta tradição, todos nós
nos tornamos "humanos" pois todos nós conhecemos pelo menos uma
língua. Mas o que significa "conhecer" uma língua?
1 Diabate, Massa-Makan. "Oral Tradition and Mali Literature ", in The Republic of
Mali (Mal i Information Center).
4 A Natureza da Linguagem Humana
Conhecimento Linguístico
Quando conhecemos uma língua, sabemos falar e somos
compreendidos p()_rtodos os que conhecem essa língua. Isto significa que
temos a capacidade de produzir sons portadores de certos significados e de
compree~der ou interpretar os sons produzidos pelos outros. Os surdos
produzem e compreendem linguagens de sinais tal como as pessoas que
ouvem bem produzem e compreendem linguagens faladas.
Todos nós conhecemos uma língua. Porquê então escrever um livro
inteiro sobre o que parece ser um tão simples fenómeno? Afinal, as crianças
aos c~nco anos são já capazes de falar e compreender quase tão bem como
os pais. No entanto, a capacidade de desenvolver a mais simples conversa
exige um conhecimento profundo do qual os falantes não estão conscientes.
Isto é tão verdadeiro para os falantes do japonês ou do inglês como para os
esquimós ou navajos. O facto de conhecermos algo de um modo incons-
cie~te não é exclusivo da linguagem. Um falante do inglês é capaz de pro-
duzir uma frase com duas orações relativas como
My goddaughter who lives in Sweden is named Disa, which was the name of
a Viking queen
sem no entanto saber o que é uma oração relativa. Isto equivale a saber
andar sem compreender ou saber explicar os mecanismos de controle
neurofisiológico que nos permitem fazê-lo.
O que sabemos nós então ao sabermos falar inglês ou quíchua ou
francês ou Mohawh ou árabe?
Muito provavelmente, sem disso termos consciência, conhecemos os
sons que fazem parte da nossa língua assim como os que não fazem. Este
conhecimento revela-se muitas vezes na forma como falantes de uma
!íng~a prom~J1ciam palavras de outra língua. Se apenas soubermos falar
inglês, por exemplo, podemos (e geralmente fazêmo-lo) substituir um som
não-inglês por um som inglês ao pronunciarmos palavras "estrangeiras".
Quantos de nós pronunciamos o nome Bach com um som final k? Não é
esta a pronúncia alemã. O som representado pelas letras ch em alemão não é
um som inglês. Se pronunciarmos como os alemães, estam os a recorrer a
um som estranho ao sistema de sons inglês. Já repararam que os franceses
ao falarem inglês pronunciam muitas vezes palavras como this e that como
se se escrevessem zis e zat? Isto acontece porque o som inglês representado
pelas letras th em início de palavra não faz parte do sistema de sons francês
e a má pronúncia francesa revela-nos o conhecimento inconsciente que os
falantes tem desse facto.
. O conhecÍl?1ento dos sons de uma língua inclui também o conhe-
cImept~ de quais os sons que podem iniciar uma palavra e surgir em
sequencia. O no~e de um antigo presidente do Gana era Nkrumah. O povo
do Gana pronuncia este nome com um som inicial idêntico ao som final da
palavra inglesa ~ing~(para a m~~or p~rte dos americanos). Mas a maior parte
dos falantes ~o lll~les pronuncia-Ia-Ia mal (segundo o modelo de linguagem
do Gana) a~ msenr uma vogal breve antes ou -depois do som n. Da mesma
fo~m~,.Ngl}-lOMarsh, nome próprio do escritor australiano de histórias de
rrustério, e geralmente mal pronunciado. Existe uma boa razão para tais
o que é a Linguagem 5
- .
"erros". Nenhuma palavra inglesa começa pelo som som ng. As cnanças
que aprendem inglês aper~ebem-se desta particularid~d.e da nossa língua,
tal como as crianças abongenes do Gana e da Austrália aprendem que as
palavras da sua língua podem começar pe~o som ng. - ,
O conhecimento dos sons e dos sistemas de sons da nossa hngua
constitui apenas uma parte do nosso conhecimento linguístico. Uma parte
bastante mais importante desse conhecimento consiste em saber qu~ certos
sons ou sequências de sons significam ou representam conceitos ou
"sianificados" diferentes. Isto é, se soubermos inglês, sabemos que boy
sig~ifica algo diferente de toy ou .girl ou pterodactyl. Conhecer un:;t~língua
consiste, pois, em conhecer o Sistema que assocl~ sons e SignIfIcados.
Se não conhecermos a língua, os sons que OUVIrmos serão bast~nt.e
incompreensíveis. Isto acontece porque a relação entre os sons e os sigru-
ficados que esses sons r~presentam ~'. na maior parte. dos casos, ~rbi-
trária. Temos de aprender (ao adquirirmos o conhecimento da Iíngua
inglesa) que os sons representados pelas letras house (na forma escrita
, da língua) significam o conceito iSi:J-; se soubermos francês, o mesmo
"significado" é representado por maison; se soubermos Twi, é representado
por :ldaIJ; se soubermos russo, por dom; se soubermos espanhol, por casa.
Do mesmo modo, o conceito ~ é representado por hand em inglês,
main em francês, nsa em Twi, e ruka em russo.
Apresentamos em seguida palavras com significados específicos em
algumas línguas diferentes. Quantos compreende?
a. kyinii
b. doakam
c.odun
d. asubuhi
e. toowq
f. boIna
g. wartawan
h. inaminatu
i. yawwaSe não conhecermos as línguas a que estas palavras pertencem, não
poderemos certamente saber que significam o seguinte:
a. um grande guarda-sol (numa língua do Gana, Twi)
b. ser vivo (numa língua índia-americana, papago)
c. madeira (em turco) :
d. manhã (em suaili)
e. está a ver (numa língua índia-americana da Califórnia, Luisefio)
f. falarüiuma língua paquistanesa, urdu); dor (em russo)
g. repórter (em indonésio) _ --
h. professor (numa língua índia-da Venezuela, Warao)
i. avante! (numa língua da Nigéria, hausá)
Estas diferentes palavras mostram que os sons das palavras apenas têm
significado ria língua em que ocorrem. A ideia de que algo se chama X
porque parece X ou se chama Y porque soa a Y foi satirizada por Mark
Twain no seu livro Eve's Diary:
o que é a Linguagem 7
6 A Natureza da Linguagem Humana duvidoso que sejamos capazes de compreender a mensagem que está a ser
transmitida (a não ser, evidentemente, que conheçamos esse sistema de
sinais). Um surdo que utilize a linguagem de sinais chinesa teria também
dificuldade em compreender mensagens transmitidas na linguagem de sinais
americana. Muitos dos sinais, é certo, podem consistir em imitações visuais
dos seus referentes; podem ser miméticos (semelhantes a mímica) ou
icónicos (com uma relacão não arbitrária entre forma e significado). Mas os
sinais também mudam ao longo da história e o valor icónico perde-se. Esses
sinais tornam-se então convencionais; tal como os sons das palavras não
reflectem o seu significado, também a forma oú movimento das mão, não
reflecte o significado dos gestos nas linguagens de sinais.
Assim, a natureza convencional e arbitrária da relação forma-
-significado nas linguagens - falada e de sinais - é universal.
Existe, no entanto, algum "simbolismo sonoro" na língua. Isto é,
existem palavras cuja pronúncia nos sugere o seu significado. Apenas um
pequeno grupo de palavras no vocabulário da maior parte das línguas é
"onomatopaico" - os sons das palavras "imitam" os sons da "natureza".
Mesmo nestes casos, os sons diferem de uma língua para outra, reflectindo
o sistema sonoro específico dessa língua. Em inglês diz-se cockadoodledoo
e em russo diz-se kukuriku para representar o canto do galo.
Existem também sequências sonoras específicas que parecem rela-
cionar-se com um conceito específico. Em inglês muitas palavras come-
çadas por gl relacionam-se com a vista, por exemplo glare, glint, gleam,
glitter, glossy, glaze, glance, glimmer, glimpse e glisten. Muitas rimas
começam por h: hoity-toity, harum-scarum, hotsy-totsy, higgledy-piggledy.
Mas estes casos constituem uma parte ínfima de qualquer língua e gl pode
não ter nada a ver com palavras referentes a "vista" em qualquer outra
língua. I
Quando sabemos inglês conhecemos estas palavras em gl, as onorna-
topeias, e todas as palavras que constituem o vocabulário básico da língua.
Conhecemos os sons e conhecemos os significados. E muito pouco
provável, evidentemente, que encontrçmos falantes de inglês que conheçam
as 450000 palavras do Webster:S Third New International Dictionary. Mas
mesmo que as conhecessem mas nada mais soubessem, não saberiam inglês.
Imaginemos o que será tentar aprender uma língua comprando um
dicionário e decorando palavras. Independentemente de quantas palavras
aprendêssemos; não seríamos capazes de formar as mais simples frases nem
?e compreender um falante dessa língua. Ninguém fala por palavras
Isoladas. (E evidente que poderíamos procurar no nosso guia turístico
palavras isoladas que nos permitissem dizer algo como "carro - gasolina
- onde?". Depois de muitas tentativas um falante dessa língua t-alvez
compreendesse a pergunta e apontasse na direcção de uma bomba de
gasolina. No entanto, se nos respondessem com uma frase, muito pro-
vavelmente não compreenderíamos nem conseguiríamos procurar no dicio-
nário o seu significado uma vez que não saberíamos onde começava nem
acabava cada palavra.)
O nosso conhecimento d~_umaJíngua-permite~nos_combina( palavras
de riiõ~Q_ª formarfrases. Infelizmente não podemos comprar um dicionário
comtodas as frases de uma língua uma vez que nenhum dicionário pode
apresentar todas as frases possíveis. Conhecermos uma língua significa
. . I d 't ha e to reflect aThe minute I set eyes on an animal I know what it is. on v. the
momento the right name comes out instantly.... I .seef. t~ kn~~ JU~~b~odo
shape of the criature and the way it acts :-vhat ammBat lItis. d heI·nm e I J.ust[Ad ] th ht it s a wildcat u save ....
o carne along he . am °lug 1 wad I ·d "w~ii I do declare if there isn'tspoke up 10 a qmet natura way ... an sal, tio 0
the dodo!" ,(}-l lM-l .Çuvrd.)t.\~L: 'O d=>P
Independentemente da opinião que possamo~ te: da perspicácia d~ Eva
da à de Adão não há dúvida de que nao e a forma ou qua quer
~~~g~t~ibuto físico o que determina. em qualquer língua os sons ou ~Oa~â!
da maior parte das criaturas ou objectos ~omo poderemos v~r na
desenhada de Herman. O pterodáctilo poderia ter-se chamado Rao.
HERMAN
Jjm Unger
QUE NOME VAMOS DAR ÀQUELA
ESPÉCIE DE PÁSSARO ENORME
??OM GRANDES ASAS?
©1981Universal Press Syndicate. Reprodução autorizada. R~servados todos os direitos.
·Esta relação arbitrária entre a forma (~~ns) e o ~ignificado de .u~a
palavra na linguagem falada também se verifica nas h,nguagens. de sinais
utilizadas pelos surdos. E poderemos facilmente prová-lo ..Se Vlf~OS ~m
intérprete de sinais na televisão e se tivermos o som desl_lgado~,~e_m:u~l~tO:"'__ J.__ ~__ ~__ ~~ ~----------~---~----
8 A Natureza da Linguagem Humana
sermos capazes de produzi~ fra~es nunca anteriormente ditas e compre~nder
A
frases nunca ouvidas. O linguista Noam Chomsky refere esta capacidade
como parte do "aspecto criativo" da prática linguística. Isto não significa
que todo o falante de uma língua possa criar literatura de relevo, mas
significa que todos os que sabem uma língua podem (e fazem-no com
frequência) "criar" frases novas cada vez que falam assim como são capazes
de compreender frases novas "criadas" pelos outros. Isto acontece porque a
prática linguística se não limita a um comportamento de estímulo-resposta.
Estamos "libertos" de imposições de acontecimentos ou estados de carácter
interno ou externo. Se alguém nos pisar, responderemos "automaticamente"
com um grito, um suspiro ou um gemido. Estas respostas não fazem, no
fundo, parte da língua; são reacções involuntárias a estímulos. Depois de
exclamarmos automaticamente podemos então dizer "Que desastrado, seu
grande idiota", ou "Muito obrigado por me ter pisado o dedo do pé pois eu
receava ter elefantíase e agora que sinto doer sei que não tenho" ou ainda
qualquer outra dentro de um número infinito de frases, uma vez que a frase
específica que produzimos não é controlada por qualquer estímulo.
Na realidade, até alguns dos nossos gritos involuntários se inserem no
nosso sistema linguístico e as pausas que articulamos durante uma conversa
- como er ou uh ou you know em inglês - apresentam muitas vezes sons
que apenas encontramos nessa língua. Os falantes franceses, por exemplo,
preenchem as suas pausas articulando o som vocálico que inicia a palavra
francesa que significa ovo - oeuf - não ocorrendo este som em palavras
inglesas ou em gritos ou pausas.
E evidente que saber uma língua implica também saber quais as frases
adequadas às diferentes situações; dizer "Hamburger costs $2.00 a pound"
depois de alguém lhe ter pisado o dedo do pé durante uma sessão sobre o
clima na Grã-Bretanha seria dificilmente considerado uma resposta ade-
quada, embora fosse uma resposta possíveL
Consideremos, por exemplo, a seguinte frase:
Daniel Boone decided to becorne a pioneer because he drearned of pigeon-
-toed giraffes and cross-eyed elephants dancing in pink skirts and green berets
onthe wind ~~ plains of the Midwest. ~'lU) ~*
Talvez não acredite na frase; podemos pôr em causa a sua lógica;
podemos mesmo interpretá-Iacom significados diferentes; mas compreen-
demos a frase, embora seja muito duvidoso que a tenhamos ouvido ou lido
anteriorm-ente.
É, pois, evidente que quando sabemos uma língua sabemos reco-
nhecer, compreender e produzir frases novas. Nem- todas precisam de ser
"loucas" como a de Daniel Boone. Na realidade, se ao lermos este livro
contarmos o número de frases que tínhamos visto ou ouvido antes, o
número será certamente muito reduzido. Da próxima vez que escrever uma
composição ou uma prova de exame ou uma carta veja quantas frases novas
escreveu. E impensável que todas as frases possíveis estejam guardadas no
nosso cérebro e que, ao falarmos, procuremos a frase que parece ajustar-se à
situação ou que, ao ouvirmos uma frase, a comparemos com alguma já
armazenada. Como será possível ter-se na memória uma frase que nunca
tínhamos ouvido anteriormente?
o que é a Linguagem 9
De facto, podemos provar que a simples memorização de todas as
frases possíveis de uma língua é, em princípio, impossível. Se com base em
cada frase de uma língua podemos sempre formar uma frase mais comprida,
não existirá então limite de comprimento para uma frase e, consequen-
temente, não existirá limite para o número de frases. Existe em inglês um
exemplo bem conhecido. Quando sabemos inglês sabemos que podemos
dizer:
This is the house.
ou
This is lhe house that Jack built,
ou
This is the rnalt that lay in the house that Jack built.
ou
This is lhe dog that chased the cat that killed the rát that ate lhe rnalt that lay
in the house that Jack built.
E nada nos obriga a parar aqui. Qual será então o comprimento da
frase mais comprida? Podemos também dizer:
The old rnan carne.
ou
The old, old, old, old, old rnan carne.
Quantos "old's" serão demais? Sete? Vinte e três?
Não negaremos que quanto mais compridas forem as frases menos
prováveis serão. Uma frase com 276 ocorrências de "old" seria muito pouco
provável, quer na fala, quer na escrita, mesmo que fosse para descrever
Matusalém. Mas tal frase é teoricamente possível. Isto é,- se soubermos
inglês, sabemos juntar qualquer número de adjectivos como modificadores
do nome, tal como mostra a banda desenhada do Feiticeiro de Oz:.
o FEITICEIRO DE OZ  Brant Parker e Hobnny Hart
PERTENCE-..t05 À P'RIMEIR!', SIN,A,GOGA E À
CAMINHADA DO sÉnMO DIA. SOMOS cr...ENTE5 ,.)5
LIVROS5~. CRI5TÃ05 EvANGElISTA$,
e.vDI51AS E 5mT05 t.4t55tONÁOO5 DO ÚLTIMO DIA..
00<1""005 DA GÁllA
Com autorização de Johnny Hart and Field Enterprises, lnc. 11
\
Memorizar e armazenar um conjbnto infinito de frases exigiria uma
capacidade de armazenamento infinita. Mas o cérebro é finito e mesmo que
o não fosse nunca poderíamos armazenar frases ainda completamente
desconhecidas.
Quando aprendemos uma língua aprendemos algo e esse algo tem de
ser finito. O vocabulário é finito (por muito vasto que seja) e pode ser
10 A Natureza da Linguagem Humana
armazenado. Se as frases de uma língua se formassem acrescentando
palavras umas às outras, o nosso conhecimento linguístico poderia s~r
descrito como um simples inventário de palavras. No entanto, tal nao
acontece, como se pode ver nas seguintes cadeias de palavras:
(1) a. John kissed the little old lady who owned the shaggy dog. -.
b. Who owned the shaggy dog John kissed the old lady. ~~ .
c. John is difficult to love. .
d. It is difficult to love John.
e. John is anxious to go.
f. It is anxious to go John.
g. John who was a student flunked his exams.
h. Exams his flunked student a was who John.
Se lhe pedissem que marcasse com uma estrela ou um asterisco os
exemplos que lhe parecessem "esquisitos" ou "impossíveis", quais
marcaria?2 O nosso. conhecimento "intuitivo" do que "é" ou "não é" uma
frase possível numa língua leva-nos a assinalar com asterisco as frases b, f e
h. Quais tinha assinalado?
É da nossa opinião quanto às frases seguintes?
(2) a. What he did was climb a tree.
b. *What he thought was want a sports car.
c. Drink your beer and go home!
d. *What are you drinking and go home?
e. 1expect them to arrive a week from next Thursday.
f. *1expect a week from next Thursday to arrive ~
g. Linus lost his security blanket.
h. *Lost Linus securit blanket his.
~
. Se assinalou com asterisco as mesmas que nós, torna-se evidente que
nem todas as cadeias de palavras constituem frases numa língua e o posso
conhecimento da língua diz-nos quaisas frases possíveis e impossíveis.
Assim, além de conhecermos as palavras de uma língua temos de conhecer
algumas "regras" que nos permitem formar frases e fazer juízos como os
que fizemos para os exemplos (1) e (2). Essas regras deverão ser finitas em
dimensão e finitas em número: de modo à poderem ficar armazenadas no
nosso cérebro. No entanto, deverão permitir-nos formar e compreender um
conjunto infinito de frases novas. No Capítulo 7 veremos como isso é
possível.
Podemos, pois, dizer que uma língua é constituída por todos os sons,
palavras e. frases possíveis. E quando sabemos uma língua conhecemos os
sons, as palavras e as regras que nos permitem combiná-Ios.
2 É actualmente habitual recorrer-se ao asíerisco para assinalar exemplos que os
falantes por qualquer razão rejeitam. Usaremos este sinal ao longo de todo o livro.
---
o que é a Linguagem 11
o que Sabemos e o que Fazemos:
Conhecimento Linguístico
e Realização
"WhalS one and one and one and one and one and one and
one and one and one and one?"
"I don 'I know; " said Alice. "I lost count. "
"She can 't do Addition, " the Red Queen interrupted.
Lewis Carroll, Through lhe Looking Glass
PEANUTS Charles Schulz
POIS NÃO PARECES! PARECES UM
M05aUlro IDIOTA SENTADO NUMA
ROCtV. " FINGIR QUE É UM FEROZ
LEÃO MONTANH~5 SENTADO NUMA
'ROCHA A ESPERA DE UM" viTIMA
EIS o FEROl
lEÃOMONTA-
NH~5 SENT"OO
NUMA ROCHA)..
ESPERA DE
UMA VÍTIMA ,
© 1964 United Feature Syndicate, lnc.
I.
Mencionámos alguns aspectos do conhecimento lin-
guístico dos falantes, tais como a capacidade de formar frases cada vez mais
compridas, juntando frases umas às outras ou juntando modificadores a uf!!
substantivo. Salientámos também que tais frases são teoricamente possíveis
mas pouco viáveis. Quer se limite na fala o número de adjectivos a três,
cinco ou dezoito, é impossível limitar o número que poderíamos utilizar se
quiséssemos. Isto mostra-nos que existe uma_dife.r.ença~_~~e-
cimento .necessário à produção de frases de um<i língua e ª forma como
. utilizamos esse conhecimento na nossarealização ou cº_rnpor:taU1~!lto
linguísticos. É a diferença entre o que sabemos, aquilo que alguns linguistas
designam por competência.ou capacidade, e a forma como utilizamos esse
conhecimento no nosso 'comportamento, que podemos designar por ~-
lizacão Iinguística, .
Como falantes, temos o conhecimento que nos permite compreender e
produzir frases muito compridas (na realidade, e como já observámos, é
impossível impormos limites ao comprimento de uma frase em qualquer
língua). Mas quando tentamos utilizar esse conhecimento - quando
realizamos linguisticamente - persistem razões de ordem fisiológica e
psicológica que nos levam a limitar _0- número de adjectivos, advérbios,
orações, etc. Podemos ficar sem fôlego; os nossos ouvintes podem aban-
donar a sala; podemos perder o fio à meada se a frase for demasiado longa e
sobrecarregar a nossa tão curta memória; e, como é evidente, não vivemos
eternamente.
Quando falamos temos uma mensagem a transmitir. Em certa fase do
processo de produção da fala, os nossos pensamentos encontram-se orga-
nizados em cadeias de palavras. Mas podem surgir erros. Todos nós produ-
zimos erros de fala ou "lapsos de língua" como o que surge no desenho de o
Feiticeiro de Oz.
12 A Natureza da Linguagem Humana
o FEITICEIRO DE OZ Brant Parker and Johnny Hart
Com autorização de Johnny Hart and Field Enterprises, Inc.
Estes erros mostram também a diferença entre o nosso conhecimentoe
a forma como utilizamos esse conhecimento. .
Ao analisarmos o que sabemos sobre a nossa língua convém repetir
que muito do nosso conhecimento não é consciente. Aprendemos o sist~ma
linguístico - os sons, estruturas, significados, palavras e regras para Jun-
tarmos tudo isto - sem ninguém nos ensinar e sem mesmo termos cons-
ciência de que estamos a aprender regras. Tal como podemos nã? ter
consciência das regras que nos fazem permanecer de pé ou andar, gatinhar
se quisermos, saltar ou apanhar uma bola, ou andar de bi.ci~leta, a nossa
capacidade inconsciente de falar ou compreender, de fazer JUiZOSacerca de
frases, revela o nosso conhecimento das regras da noss!l língua. Esse
conhecimento representa um sistema cognitivo complexo. E sobre a natu-
reza desse sistema que este livro se debruça.
r
o que é a Gramática?
Utilizamos o termo "gramática" com uma ambiguidade
sistemática. Por uma lado, o termo refere a teoria explícita
elaborada pelo linguista com o objectivo de descrever a
competência do falante. Por outro lado, o termo refere a
própria competência.
N. Chomsky e M. Halle, The Sound Pattern o] English
GRAMÁTICA DESCRITIVA
Ao aprendermos uma língua aprendemos os sons dessa língua, as
unidades básicas de significàdo, como,. pOLexemplo, as palavras' e' as' regras
, qU~:permifem~êórri~iriá ~Ias de modo a formar novas fras~s: ~~r~,l~!!l.:..e_~!~~~e
as.regrasconstituem a gramática 'deuiiiaIfngua. A gramatIca e, pOIS, o que
nós sabemos;représentã''::a-::.iíOssadfillpetência linguística. Para com-
preendermos a natureza da língua teremos de compreender a natureza deste
interiorizado e inconsciente sistema que faz parte da gramática de qualquer
língua. '
Todo o ser humano que fala uma língua sabe gramática. Ao pre-
tenderem descrever uma língua, os linguistas tentam descrever a gramática
,.. da línguapresente no espírito dos falantes. Podem, evidentemente, verificar-
-se algumas divergências' entre-o-coõheCimento que os vários falantes têm
o que é a Linguagem 13
da língua. Mas existe um conhecimento comum - a gramática - que
permite aos falantes falarem e compreen?erem-se. ~j~scrição. do linguista
será uma boa ou má descrição da gramática da língúa, ou mesmo da própria
língua, consoante CõõSTIrua oU--rut(}-um-=vcrdad-eiró modeloda capacidade
linguística dofalante. Esse modelo designa-se por gramática â-es-crífíva.
Estagráfriática não nos diz como devemos falar; apenas descreve o nosso
conhecimento linguístico básico; explica corno é possível falarmos e com-
preendermos e explica ainda o que sabemos sobre os sons, palavras, sin-
tagmas e frases da nossa língua.
Utilizámos a palavra gramática em dois sentidos: o primeiro dizendo
respeito à gramática que os falantes têm no cérebro; o segundo como
modelo ou descrição dessa gramática interiorizada. Há quase dois mil anos
o gramático grego Dionysius Thrax definiu gramática como aquilo que nos
permite i<lli!L uma .língua ,ou falar S?~.~.~_l!I1}~Jí!!Ku~·u,~partir de a9~ra
deixaremos de(hstmgli1refilre esfâs düas acepçoes uma vez que a gramática
descritiva do linguista visa uma descrição formal (ou teoria) da gramática
do falante. Referir-nos-ernos, num dos próximos capítulos, à regra que
estabelece que "toda a frase tem um sintagma nominal sujeito e um
sintagma verbal predicado"; ora esta regra faz parte siIl}~ltanea~ent~ da
gramática "mental" e do modelo que,a descre,:,e: a gramática d.o linguista,
Quando afirmamos que uma frase e gramatical queremos dizer que se
harmoniza com as regras das duasgràrriãticas; uma frase agrarndtical
(marcada com um asterisco) desvia-se de alguma forma dessas regras. Se,
no entanto, enunciarmos para o inglês uma regra que não esteja de acordo
com as nossas intuições de falante, então ou .existe algum erro na nossa
gramática ou a gramática que descrevemos diverge da gramática que
representa a nossa competência linguística; isto é, a nossa língua não é a
mesma que estamos a descrever. No entanto, se existir algum erro, ele
encontra-se certamente na nossa' gramática descritiva. Embora as regras da
nossa gramática possam diferir das regras da gramá~ica de outra pessoa; ~ão
se pode de forma alguma considerar que o erro existe na nossa grar:tatlca.
Isto acontece porque, segundo os linguistas, nenhuma língua ou vanedade
de uma língua (chamada dialecto) ~ superior a outra numa perspectiva
linguística. Toda a gramática é igualmente complexa e lógica e capaz de
produzir um número infinito de frases destinadas a exprimir qualquer
pensamento. Aquilo que nós conseguimos exprimir numa língua ou num
dialecto, podemos igualmente exprimi-Io em qualquer outra língua ou
dialecto embora tenhamos de recorrer a outros meios e a outras palavras.
Uma vez que são as gramáticas que determinam a natureza das ~íngu~s,
nenhuma gramática deverá ser preferida, excepto talvez por razoes nao
linguísticas.
Gramáticas Prescritivas
"I don't want to talk grammar. l want to talk like a iady."
G. B. Shaw, Pygmalion
Nem todos os gramáticos, contemporâneos ou do passado, partilham
. as ideias que expusemos sobre as gramáticas descritivas. Dos tempos
14 A Natureza da Linguagem Humana
,
8.
iHO
Y
© 1978 Los Angeles Times
antigos até hoje tem havido "puristas" que pensam que a mutação linguís-
tica é uma forma de corrupção e que defendem a existência de certas formas
correctas que todas as pessoas "educadas" deveriam utilizarna fala e-na
escrita: Os gregos de Alexandria no-século I; os eruditos árabes em Basra no
século VIII e inúmeros gramáticos ingleses nos séculos XVIII e XIX
defenderam esta perspectiva.,-Pretendiam_p[?,s:f1.:.eVeL_r:sg!ª~.@!!l~ticais, e,
~º-proPJiament~,deScreyê-Ias. Para isso se escreveram as gramáticas
prescritivas. ,- '
Com o incremento do capitalismo e o despontar de uma nova classe,
média surgiu o desejo, por parte deste novo grupo social, de que os seus
filhos fossem educados e aprendessem a falar o dialecto das classes
"superiores". E assim surgiram muitas gramáticas prescritivas. Em 1762 o
bispo Robert Lowth escreveu uma gramática de grandes repercussões:
A Short Introduction to English Grammar with Critica I Notes. Lowth,
influenciado pela gramática latina e por preferências de carácter pessoal,
o que é a Linguagem 15
prescreveu regras novas para o inglês. Antes da publicação desta gramática
quase toda a gente -:- falantes de todas as classes sociais - dizia I don 't
have none; You was wrong about that; e Mathilda is fatter than me. Lowth,
no entanto, decidiu que "duas negativas fazem uma positiva" e portanto
, deveria dizer-se I don 't have any; decidiu ainda que embora you seja
singular deverá ser seguido do plural were e que em construções com-
parativas a than deveria se~ui~-se I e não me, he e não him, theye não them,
etc. Porque Lowth era muito influente e porque a nova classe em ascensão
queria falar "correctamente" muitas destas novas "regras" foram decretadas
como gramática do inglês, pelo menos para o dialecto de "prestígio". Note-
-se que gramáticas como a que Lowth escreveu são muito diferentes das
gramáticas descritivas de que temos vindo a falar revelando-se menos
interessadas em descrever as regras que as pessoas sabem do que em lhes
dizer o que elas devem saber.
"Gramáticos" preocupados com o declínio da nossa língua não se
extinguiram com o bom bispo. Em 1908, um gramático americano, .Thomas
R. Lounsbury, escreveu: "Parece ter existido em todos os períodos do
passado, tal como agora, uma nítida apreensão no espírito de muitas pessoas
honradas quanto ao estado de quase colapso iminente da língua inglesa e
quanto à necessidade de constantemente se desenvolverem esforços árduos
que a salvem da destruição".
Hoje em dia as livrarias estão cheias de livros de "puristas" da língua
tentando fazer exactamente isso. Edwin Newman, por exemplo, nos seus
livros Strictly Speaking (com o subtítulo Will America Be the Death of
English?) e A Civil Tongue insurge-secontra os que, por exemplo, utilizam
a palavra hopefully no sentido de "I hope" como em "Hopefully it will not
rain tomorrow" em vez de a utilizarem "correctamente" com o sentido de
"with hope". Newman não reconhece que a língua evolui com o tempo e as
palavras mudam de significado; o significado de "hopefully" tornou-se, para
a maioria dos falantes do inglês, mais vasto passando a incluir estas duas
acepções. Outros "sábios" da língua inglesa acusam a televisão, as escolas e
o próprio Conselho Nacional de Professores de Inglês de não conseguirem
preservar a língua padrão e insurgem-se-contra os professores que defendem
que o "Black English" e outros dialectos são já línguas possíveis, vivas e
completas. Embora não haja referências concretas aos autores deste livro,
eles estão declaradamente com aqueles que os novos prescritivistas tanto
criticam.
Existe mesmo uma organização literária dedicada ao uso correcto da
língua inglesa, chamada Unicorn Society of Lake Superior State College,
que publica anualmente 'Uma "lista de descrédito" de palavras e expressões
que não .aprova e da qual faz parte o termo "medication": "Já não nos
po~emos dar a esse luxo ... E demasiado cara. Teremos de nos voltar para a
mais barata 'medicine'''3. Pelo menos estes guardiães da língua inglesa têm
algum sentido de humor mas tal como os outros puristas prescritivistas.
estão condenados ao fracasso. A língua é vigorosa e dinâmica. E mutável.
Todas as línguas e dialectos são expressivos, completos e lógicos tal como
já eram há 200 ou 2000 anos. Se as frases se apresentam confusas é porque
a língua constitui um instrumento poderoso de expressão dos nossos
pensamentos mas a capacidade execução de alguns falantes pode ser
3 L. A. Times, Jan. 2, 1978, Parte L p. 21.
16 A Natureza da Linguagem Humana
insuficiente. Os .prescritivistas deveriam preocupar-se mais com o que os
falantes pensam do que. com a língua que eles usam. "Hopefully" será este
livro uma amostra convincente. , .: .
Ao falarmos de gramática de uma língua estamos tambem a distinguir
gramática de gramática para o ensino, que é utili~ada com o intuito, de
ajudar os falantes a aprender outra língua ou outro dialecto. Nalguns paises
em que é económico ou socialmente vantajoso falar um dialecto "?e pres-
tígio", poderão algumas pessoas que o nao falam querer aprende-!o. As
gramáticas para o ensino enunciam expl~cit?mente ?s .regras ~a hng~~,
apresentam listas de. palavras' e a su~ pronuncI.a, constituindo, pOIS, auxílio
para quem quer aprender uma nova língua ou dla~ecto. , .
Neste livro não estaremos essencialmente interessados em gramáticas
prescritivas ou gramáticas para o ensino: Trataremo~, no ~ntant02 destes
temas no Capítulo 8 quando falarmos de dialectos padrao e nao padrao.
Universais Linguísticos
Numa gramática há partes que pertencem a todas as lín!5uas;
estes componentes formam aquilo a que se chama gramauca
geral ... Para além destas partes gerais (u~iversais) =.
também as que pertencem apenas a uma lingua especifica; e
estas constituem as gramáticas particulares de cada língua.
Du Marsais, c.1750
A acepção em que estam os a utilizar a palavra gramá~ica
difere num outro aspecto da acepção mais comum. ~o nosso se.ntldo,
gramática inclui tudo o que os falantes sabem da sua língua - o sistema
sonoro, chamado fonologia, o sistema de significados, chamado se~ân-
tica, o sistema de regras de formação de palavras, ch.amado morf?logla ,e o
sistema de regras de form~ção de frases, chama.d? sll!-t~xe. In~l~l tamb~m,
como é lógico, o vocabuláno de palavras - o dlclonan.o ou le~lco~ MUltas
pessoas pen~am que a gramática de uma língua apenas dIZ respeito as re,g:as
sintácticas. E'neste sentido que os estudantes falam das aulas de "gramática
inglesa". , .
O nosso objectivo consiste em defender o que o gra~atlco John F~!l
afirmou em 1784 na sua obra "Essay Towards an English Grammar :
É certamente trabalho de um gramático descobrir, e não fazer, as leis de
uma língua. É precisamente isto que os li~guist~s t.entam faZe~- descobrir
as leis de uma língua, assim como as leis que dizem respeito a todas as
línguas. Essas leis que dizem respeito a todas as línguas humanas, represen-
tando as propriedades de linguagem, constituem o que se poderá chamar
uma gramática universal. -
Ao longo dos tempos, filósofos e linguistas têm-se dividido quanto à
questão de saber se existem propriedades universais comuns a !oda.s as
línguas humanas e exclusivas dessas línguas. A maior parte dos linguistas
modernos estão do lado dos "universalistas" uma vez que se tem descoberto
propriedades comuns, universais, nas gramáticas de todas as línguas. Pode
dizer-se que essas propriedades constituem uma gramática "universal" da
linguagem humana.
o que é a Linguagem 17
Cerca de 1630, o filósofo alemão Alsted utilizou pela primeira vez o
termo gramática geral em oposição a gramática especial. Acreditava que a
função de uma gramática geral consistia em revelar as características
"relacionadas com o método e etiologia de conceitos gramaticais. São
comuns a todas as línguas". Ao salientar que a "gramática geral é o modelo
'norma' de qualquer gramática particular" exortou os "eminentes linguistas
a debruçarem-se sobre este assunto" 4.
Três séculos e meio antes de Alsted, o sábio Robert Kilwardby defen-
dia que os linguistas se deveriam preocupar com a descoberta da natureza
da linguagem em geral. E tão preocupado estava Kilwardby com a gramá-
tica universal que excluiu considerações sobre as características de línguas
particulares, que considerava "tão irrelevantes para uma ciência da gramá-
tica como a matéria de que é feita a fita métrica ou as características físicas
dos objectos o são para a geometria" 5. Em certo sentido, Kilwardby era
demasiado universalista uma vez que as propriedades particulares de línguas
específicas são relevantes para a descoberta de universais linguísticos e,
além disso, têm interesse por si mesmas.
A ênfase que estes estudiosos deram às propriedades universais da
linguagem poderá levar alguém que estude latim, grego, francês ou suaili
como línguas estrangeiras a pensar, com algum sentimento de frustração,
que esses sábios antigos estavam tão protegidos nas suas torres' de marfim
que confundiram realidade com pura especulação. No entanto, quanto mais
aprofundamos esta questão maior se torna a lista de "universais". O inven-
tário que se segue está longe de ser completo mas dá-nos uma ideia de
alguns factos universais da linguagem humana. Alguns dizem respeito à
linguagem humana em geral, outros referem características e propriedades
específicas das línguas de todo o mundo.
1. Onde existem seres humanos existe linguagem.
2. Não existem línguas "primitivas" - todas as línguas são igual-
mente complexas e igualmente capazes de exprimir uma ideia do
universo. O vocabulário de qiralquer língua pode ser alargado de
forma a incluir novas palavras para novos conceitos.
3. Todas as línguas evoluem através do tempo.
4. As relações entre sons e significados em linguagens faladas e entre
gestos (sinais) e significados em linguagens de sinais são, na maior
parte dos casos, arbitrárias.
5. Todas as línguas humanas utilizam um sistema finito de sons dis-
cretos (ou gestos) que se combinam formando elementos com
significação ou palavras que, por seu lado, constituem um sistema.
infinito de frases possíveis.
6. Todas as gramáticas apresentam regras semelhantes para a for-
mação de palavras e frases.
4 V. Salmon, recensão de Cartesian Linguistic de N. Chomsky, Journal of Linguistics
(1969) 5: 165-187.
5 V. Salmon, op. cit,
18 A Natureza da Linguagem Humana
7. Toda a língua falada inclui elementos sonoros,~liscret<?s,.corno p, n
ou a que podem ser definidos por um conjunto finito de pro-
priedades sonoras ou traços. Toda a língua falada apresenta urna
classe de vogais e urna classe de consoantes 6.
8. Em todas as línguasse encontram categorias gramaticais seme-
lhantes (por exemplo, nome, verbo).
9. Existem universais semânticos, corno "masculino" ou "feminino",
"animado" ou "humano", em todas as línguas do mundo.
10. Todas as línguas têm recursos para referir um tempo passado? .a
capacidade de negar, a capacidade de formular perguntas, ermttr
ordens, etc.
11. Falantes de todas as línguas são capaze~ de ~rod.uz~r ~ com-preen-
der um conjunto infinito de frases ..Universais sintácncos rev.elam
que todas as línguas apresentam meios de formar frases corno.
Linguistics is an interesting ~ubject.. .
I know that linguistics is an ínterestmg subject.
You know that I know that linguistics is an interesting sub~e<:t. .
Guinevere knows that you know that I know that linguistics IS an
interesting subject.
Is it a fact that Guinevere knows that you know that I know that
linguistics is an interesting subject?
12. Toda a criança normal, na~cida em qu~lquer ~arte do mu~do.' sej~
qual for a sua origem racial, geografIca, socla~ ou econormca, e
capaz de aprender qualquer língua com q~e esteja e_mcontacto. As
diferenças que encontramos entre as línguas nao se devem a
razões biológicas.
Parece que Alsted e Du Marsais (e P?deríamos citar m~itos mais
"universalistas" de todas as épocas) não teciam pensamentos vaos. Todos
nós falamos "linguagem humana".
No Princípio:
A Origem da Linguagem
Deus criou o mundo com uma Palavra, instantaneamente, sem
instrumento nem dor.
Talmude.
Nada seria sem dúvida mais interessante do que conhecer
através de documentos históricos o processo exacto pelo
qual o primeiro homem começou a articular as primeiras
palavras, para de uma vez por todas nos vermos livres das
teorias sobre a origem da fala.
M. Müller, 1871.
6 As linguagens de sinais dos surdos não recorrem, como é evidente, a sons. Delas
falaremos em capítulo mais adiante.
o que é a Linguagem 19
A universalidade da linguagem corno característica
exclusiva do ser humano levantou também a questão de corno terá surgido a
linguagem. Todas as religiões e mitologias contêm narrativas sobre a origem
da linguagem. Ao longo dos tempos os filósofos têm especulado sobre este
tema. Escreveram-se tratados sobre o assunto . Atribuiram-se prémios à
"melhor resposta" para este problema que suscita eterna perplexidade.
Teorias da origem divina ou do desenvolvimento da espécie ou ainda da
linguagem corno invenção humana: tudo se tem defendido.
Tanta especulação não é de admirar. A curiosidade do homem 7 sobre
si próprio conduziu-o à curiosidade sobre a linguagem. Muitas das pri-
mitivas teorias sobre a origem da linguagem resultaram do interesse do
homem pelas suas próprias origens e pela sua própria natureza. Porque o
homem e a linguagem estão tão intimamente ligados, pensou-se que
descobrindo corno, quando e onde nasceu a linguagem, talvez se viesse a
descobrir corno, quando e onde nasceu o homem.
As dificuldades inerentes à resolução destas questões acerca da
linguagem são imensas. Os antropologistas pensam que o homem existe há
pelo menos um milhão de anos e talvez mesmo há cinco ou seis milhões de
anos. Mas os primeiros registosescritos que foram decifrados datam apenas
de há seis mil anos: são os escritos dos sumérios de 4000 a.c. Estes registos
são tão tardios na história do desenvolvimento da linguagem que nada
esclarecem quanto à origem da linguagem.
Poderíamos concluir que a procura deste conhecimento está condenada
ao fracasso. A única evidência que temos de línguas antigas ~ a escrita; mas
a fala precede historicamente a escrita por um vastíssimo período de tempo
e mesmo hoje existem milhares de comunidades que falam línguas perfei-
tamente "actualizadas" que, porém, carecem de sistemas escritos. A língua
ou línguas que os nossos antecessores mais remotos falavam estão irreme-
diavelmente perdidas.
Assim, estudiosos dos finais do século XIX tão interessados estavam
numa ciência rigorosa que ridicularizaram, ignoraram e até banalizaram a
questão da origem da linguagem. Em 1866, a Sociedade Linguística de
Paris decidiu "proscrever" todos os artigos'dedicados a este assunto 8.
Esta interdição viria a ser reconfirmada em 1911 e defendida mais
tarde pelo presidente da Sociedade Filológica de Londres, Alexander ElIis,
que, dirigindo-se à Sociedade, concluiu:
... Faremos mais seguindo a evolução de uma só língua do que enchendo
cestos com resmas de papéis cobertos de especulações sobre a origem de
todas as línguas.
7 Em inglês assim como em muitas (a maior parte?) outras línguas, recorre-se às
formas masculinas dos substantivos e pronomes como termo genérico. Bem gostaríamos de o
evitar mas vimo-nos sempre constrangidos pelo uso comum. Se tivéssemos dito "A curio-
sidade da mulher sobre si própria conduziu-a à curiosidade sobre a linguagem" a frase seria
Interpretada como dizendo apenas respeito às mulheres. Ao usarmos a palavra "homem"
nesta frase e em outras frases ao longo deste livro, estamos certos de que a interpretação será
"homem e mulher". Sempre que referirmos "homem" ou "humanidade" ou outro termo
Igualmente genérico esperamos que o leitor considere estes termos genéricos como abran-
gendo toda a humanidade excepto evidentemente quando o seu significado possa dizer res-
peito especificamente aos membros machos da espécie.
S "La Société n'admet aucune communication concernant ... l'origine du langage ... "
("A Sociedade não aceita nenhuma comunicação que diga respeito à origem da lingua-
gem ...") La Société de Linguistique, Section 2, Statuts (1886).
20 A Natureza da Linguagem Humana
A prova de que tais afirmações não puseram fim a? in~eresse pela
questão está bem patente no facto de há alguns anos o linguista John P.
Hughes se ter sentido na necessidade de escrever:
...todo o trabalho sério em linguística deverá incluir uma ou duas palavras que
se oponham aos disparates crassos sobre este assunto que ainda é ventilado
em suplementos científicos de domingo. De acordo com esta loucura pseudo-
-evolutiva, baseada apenas em fértil imaginação, a linguagem terá surgido
quando algum dos ancestrais homens das cavernas tentou contar à tribo, até
então sem linguagem, que matara um lobo, vendo-se então obrigado a imitar
um lobo ... ou quando se magoou com o maço ao afiar uma lança de pedra e
ouch surgiu como a palavra que significa "dor" ... e outras histórias de
encantar. 9
Esta perspectiva afasta-se claramente da que o antropologista escocês,
Lord Monboddo havia proposto duzentos anos antes:
A origem de uma arte tão admirável e tão útil como a linguagem ... deverá ser
considerada tema, não só de grande curiosidade, mas também de grande
importância e interesse se considerarmos que está necessariamente ligado a
um estudo sobre a natureza original do homem e sobre o estado primitivo em
que se encontrava antes da invenção da língua ... IO
"Loucura pseudo-evolutiva" não surge apenas em suplementos de
domingo. Grandes linguistas e filósofos continuam a interessar-se por esta
questão e teorias especulativas sobre a origem da linguagem têm proposto
perspectivas importantes sobre a natureza e desenvolvimento da linguagem.
Assim, o estudioso Otto Jespersen afirmou que "a ciência linguística não
pode abster-se para sempre de se interrogar sobre a origem (e o destino) da
evolução linguística".
Examinaremos, neste capítulo, algumas ideias sobre a origem da
linguagem, não só porque talvez jorre alguma luz sobre a natureza da
linguagem, mas também porque a questão parece continuar a despertar
grande interesse.
DOM DIVINO PARA A HUMANIDADE?
E da terra o Senhor Deus formou todos os animais do campo e
todas as aves do céu; e conduziu-os até junto de A dão para
ver como ele os chamaria: e todos os seres vivos seriam
conhecidos pelos nomes que Adão lhes desse.
Génesis 2; 19
Segundo as crenças judaico-cristãs, Deus concedeu a Adão o poder de
dar nomes a todas as coisas. E por· todo o mundoencontramos crenças
semelhantes. Segundo os egípcios, o criador da fala foi o deus Tot. Segundo
os babilónios, a linguagem deve-se ao deus Nebo. Segundo os hindus,
devemos a nossa capacidade de linguagem a uma deusa; Brama foi o cria-
dor do universo, mas foi a sua mulher Sarasvati que nos deu a linguagem.
9 John P. Hughes. 1969. TheScience of Language (Random House. Nova lorque).
\O Jarnes Burnett, Lord Monboddo, Of the Origin and Progress of Language (1774).
o que é a Linguagem 21
A crença na origem divina da linguagem 'persistiu através dos tempos.
Cotton Mather escreveu a sua dissertação d_~rnestrado em H~rvard sobre
esta questão, apresentando uma defesa CUIdada dest.a ~eo~Ia; C~rc~ .de
trezentos anos mais tarde, Lester Grabbe, r~velan.do a eXIste~cIa de histórias
como as da Torre de BabeI em culturas muito antigas concluiu:
.,. ainda não foi proposta nenhuma teoria aceitável que ~xpliq~e satisfato-
riamente essa faculdade 'que o homem tem de falar - ~u _seja, a I~ngu.age.m-
sem a existência de um Criador. Por outro lado, a descnçao do Génesis ajusta-
-se inteiramente a todos os factos científicos conhecidos. 11
I.
I
\
A crença na origem divina da linguage~ sur~e .intimamente, ligada às
propriedades .mágicas que o homem tem associado a linguagem e a fala. Em
todas as culturas as crianças dizem palavras "mágic~s" como ,abracadabra
para afastar o demónio e trazer b?a sorte. Contranamente a lenga-lenga
infantil "Paus e pedras podem partir-me os ossos mas o~ nomes n~nca me
magoarão", chamar 'nomes é insultuoso, legalmente pun~vel e temido. Em
algumas culturas, ao ouvirem certas palavras, as p~ssoas tem de anular o se~
efeito "tocando em made.ira". Recorre-se à lInguagem para apelar a
maldição dos deuses. Oferecem-se orações e assim o homeI? recorre à
linguagem para conversar com os seus deuses. Segundo ~ BfblIa,_apenas o
verdadeiro Deus responde quando o chamam; os falsos Ido~os nao. co~he-
ciam a "palavra de Deus". O antropologis_ta B.r?nislaw Malinowski salien-
tou que em muitas culturas as palavras sao utilizadas para controlar aco~-
tecimentos e transformam-se em fontes de poder quando entoadas repeti-
damente: "Crê-se que a articulação repetida de certas palavras produz a
realidade pretendida". ".
Em todo o mundo encontramos palavras tabu. Nas SOCIedades OCIden-
tais somos incitados a não "invocar o santo nome de Deus em vão". Em
histórias populares encontramos nomes, como R,umpelstiltzkin, que quebr~m
feitiços se forem descobertos. Os nomes propnos apresentam tambem
propriedades especiais - uma criança judia não ~e~erá herdar? nome de
outra pessoa ainda viva e em certas cuJturas é proibido pronunc!ar o no~e
de alguém que já morreu. No antigo Egipto todas as pessoas tinham dOIS
nomes, um dos quais era secreto. Se o nome secreto fosse descoberto; a pes-
soa que o descobrisse teria poderes sobre a outra. E~ Atenas, n,o .seculo v
a.C., um ventríloquo chamado Euricles afirmou pOSSUIrum dernónio dentro
de si; atribuiram-se poderes especiais à voz do ventríloquo. Em As ~espas,
Aristófanes faz referência ao "astuto profeta Euricles" que "escondI~o na
barriga de outras pessoas dá origerna muito divertimento". A'
O linguista David Crystal refere que alguém está a tentar por a prova a
ideia de que omundo acabará quando os biliões nomes de Deus forem
proferidos, ligando urna roda a um sintetizado r de fala electrónico. 12.
A crença- na origem divina da linguagem. e nas. s~_aspropnedades
mágicas manifesta-se também no facto de em muitas religiões apen~s certas
,línguas poderem ser utilizadas em or<l:çõese.r.ituais. Os sa~er?otes ~Ind~s do
século v a.C. acreditavam que deven~ni u~Ihzar as pronuncias o:Ient~I~ do
sânscrito védico. Esta crença conduziu a Importantes estudos Iinguísticos
11 Lester Grabbe, "Origin of Languages", The Plain Truth (Ag-Set. 1970),
12 David Crystal, Linguistics (Penguin, Middlesex, Inglaterra. 1971).
Imagine the Lord talking FrenchlAside from a few odd words
in Hebrew, I took it completely for granted that God had never
spoken anything but the most dignified English.L- C_la_re_n_ce_D~a_Y,_L_~_e_w_im_F_a_m_e~r____ _ L- ~ ~ ~ _
22 A Natureza da Linguagem Humana
uma vez que a sua língua evoluira muito desde que os hinos dos vedas
haviam sido escritos. Até muito recentemente apenas o latim podia ser
utilizado na missa católica. Para os maometanos o Corão não podia ser
traduzido e era apenas lido em árabe; e o hebraico continua a ser a única
língua que os judeus ortodoxos de todo o mundou,tilizam nas suas orações.
Estes mitos, costumes e superstições não nos dizem muito acerca da
linguagem. Mas falam-nos da importância da linguagem e das suas
propriedades miraculosas que os homens lhe atribuem. Mais uma vez,
especulações acerca da origem divina da linguagem, embora não resolvam
satisfatoriamente a questão se pretendermos uma "prova científica", podem
abrir perspectivas quanto à natureza da linguagem humana.
Em 1756 um clérigo estatista prussiano, Johann Peter Suessmilch,
apresentou uma comunicação à Academia Prussiana na qual defendia que o
homem não poderia ter inventado a linguagem sem pensamento e que o
pensamento depende da existência prévia da linguagem. A única saída deste
paradoxo é presumir que Deus deve ter dado a linguagem ao homem.
Suessmilch, contrariamente a outros filósofos como Rousseau (cujas ideias
discutiremos), não considerou linguagens primitivas "menos desenvolvidas"
ou "imperfeitas". Sugeriu exactamente o contrário -- que todas as línguas
são "perfeitas" reflectindo, pois, a perfeição divina. Cita exemplos de
línguas europeias, de línguas semíticas e de línguas de povos "primitivos"
para provar a perfeição de toda a linguagem humana. Contrapondo à ideia
de que existem línguas primitivas, observou que as ideias grandes e abs-
tractas do Cristianismo podem ser discutidas até mesmo pelos "infelizes
groenlandeses" .
Suessmilch fez outras observações sofisticadas. Salientou que todas as
crianças são capazes de aprender perfeitamente a língua dos hotentotes
enquanto que os adultos não são, mostrando-se assim sensível à diferença
entre a aquisição de uma língua materna e de uma língua estrangeira. Esta
observação precedeu a actual "hipótese da idade crítica" que defende que a
partir de certa idade um ser humano é incapaz de aprender uma primeira
língua. Salientou também, como o haviam feito muitos filósofos da anti-
guidade, que todas as línguas têm gramáticas altamente regulares, caso
contrário as crianças seriam incapazes de as aprender.
Os argumentos apresentados por Suessmilch basearam-se em obser-
vações respeitantes à "universalidade" das propriedades linguísticas, na
relação entre as condições psicológicas e linguísticas e na interdependên-
cia da razão, e da linguagem. Apresentou argumentos poderosos mas que
mais diziam respeito à linguagem propriamente dita do qu~ à origem.da
linguagem. .
Neste momento não podemos "provar" nem "negar" a teoria da origem
divina, tal comO' não podemos argumentar cientificamente a favor ou contra
a existência de Deus.
A PRIMEIRA LÍNGUA
o que é a Linguagem 23
Despertou grande interesse entre os defensores da teoria da origem
divina saber que língua tinham falado Deus, Adão e Eva. Nem sempre os
homens se mostraram pessimistas na busca de uma resposta para esta
questão. Durante milénios, conceberam experiências "científicas" para
estudar as várias teorias da origem da linguagem. No século V a.c. o
historiador grego Heródoto narra que o Faraó egípcio Psamético (664-610
a.Ci) tentou determinar a linguagem "natural" mais primitiva, recorrendo a
métodos experimentais. Diz-se que o monarca isolou duas crianças numa
cabana na montanha, tratadas por um criado instruído no sentido de não
articular uma única palavra na sua presença sob pena de morte. O faraó
pensava que sem qualquer contacto linguístico exterior as crianças desen-
volveriam a sua própria linguagem e assim revelariama língua original do
homem. Os egípcios esperaram pacientemente que as crianças crescessem o
suficiente para falarem. Segundo as crónicas, a primeira palavra articulada
foi bekos. Consultaram-se os sábios e descobriu-se que bekos era a palavra
frígia para "pão", língua falada na província da Frígia (noroeste da moderna
Turquia). Esta língua remota, morta há muito, foi considerada, com base
nesta "experiência", a língua original. .
Não se sabe ao certo se Jaime IV da Escócia (1473-1513) tinha lido a
obra de Heródoto. Segundo consta, tentou uma repetição da experiência de
Psamético mas alcançou resultados bem diferentes. As crianças escocesas
cresceram e "falaram muito bom hebraico", constituindo a "evidência
científica" de que o hebraico era alíngua falada no Jardim do Paraíso.
Duzentos anos antes da "experiência" de Jaime IV, parece ter o impe-'
rador Frederico 11 de Hohenstaufen efectuado semelhante prova, mas sem
resultado; as crianças morreram antes de articularem uma única palavra.
A lenda de Psamético mostra que o faraó estava pronto a aceitar
"evidência" mesmo contrária aos interesses nacionais. Um sábio alemão,
J.G.Becanus (1518-1572) demonstrou um zelo verdadeiramente chauvi-
nista. Defendeu que o alemão foi certamente a língua primitiva uma vez
que a língua atribuída por Deus teria de ser uma língua perfeita e, portanto,
segundo ele, o alemão era a língua superiorde todo o mundo. Teria, pois, de
ser a língua falada por Deus e Adão. Bécanus levou os seus argumentos
ainda mais longe: o alemão continuava a ser á· língua perfeita porque os
antigos cimbros (que eram germanos) não haviam colaborado na construção
da Torre de BabeI. Mais tarde, segundo a sua teoria, Deus ordenou que o .
Antigo Testamento fosse traduzido de alemão para hebraico.
Mas surgiram outras propostas. Em 1830 o lexicógrafo Noah Webster
afirmou que a "proto-língua" deverá ter sido o caldaico (aramaico), a língua
falada em Jerusalém no tempo de Jesus. Em 1887, Joseph Elkins defendeu
. em The Evolution of the Chinese Language que "nenhuma outra língua
poderá com mais fundamento ser considerada a primeira língua falada na
CInzenta manhã do mundo do que o chinês ... Assim, o chinês é considerado
": a língua primitiva".
A crença de que todas as língua provêm de uma fonte comum encon-
tra-se no Génesis: " ... toda a terra era de uma só língua e de uma só fala".
Nesta e noutras descrições, a "confusão" das línguas precedeu a dispersão
dos povos. (De acordo com alguns estudiosos bíblicos, Babei deriva do
hebraico bilbel, que significa "confusão"; outros dizem que deriva do nome
Babilónia). O Génesis continua: "Por isso lhe foi dado o. nome de Babei;
24 A Natureza da Linguagem Humana
pois foi lá que o Senhor. confundiu a linguagem de tod~s os habitantes da
terra: e daí o Senhor os dispersou por toda a face da terra '. . .
A lenda dos Toltecas, descrita pelo historiador mexicano Ixtilxochitl,
apresenta uma explicação semelhante para a dive~sidade das .línguas: " ...
depois dos homens se terem multiplicado, confundiram-se as hngua?,ens e,
incapazes de se compreenderem, foram para diferentes partes da ~erra ;
Um estudo da história das línguas most.ra de facto que mm5as línguas
derivam de uma língua comum, como saíícntaremos em .cap,ltulos po_s-
teriores. Mas nestes casos conhecidos a "confucâo" é posterior a ~eparaçao
dos povos. Toda a teoria que defenda uma origem ~omum da lIngl!a&em
deverá explicar o número de famílias de línguas eXlst~ntes. A .Bíbha )us~
tifica-as como um gesto de Deus: em BabeI de u.m~ hngua cnou, ~nmtas,
todas essas línguas poderiam eventualmente constl~Ulr ramos especlflc?s de
famílias multilingues. A teoria monogenética da hngyagem -- ~ teona de
uma origem comum -- baseia-se n~ crença .da onge~ tambe~ mon?-
genética do homem. No entanto, mmto~ cientistas acreditam hoje em dl~
que o homem surgiu em diferentes locais. d~ terra. Se tal for. verda~~, tera
havido muitas preto-línguas que se multiplicaram nas actuais famílias de
línguas. u
Não estamos certamente mais próximos da descoberta de uma ingua
(ou línguas) original do que Psamétic? ao tenta.r~co.m os seus "~étodos
experimentais" responder a_esta guestao. ~xpenenclas d~stas. estao co~-
denadas ao fracasso. Por razoes evidentes nao tentaram os linguistas repeti-
-Ias -- embora possamos aplaudir as motivações do far~ó, nã? 'podere~os
deixar de condenar a sua falta de humanidade. Mas os infortúnios da Vida
podem ser tão cruéis como o faraó. Tê~-se verificado ~asos de crianças que
cresceram em ambientes de completo Isolamento social. Os caso~ conhe-
cidos remontam pelá menos, ao século XVIII. Em 1758, Carl Linneaeus
propôs o Homo terus (homem selvagem) ~o~o um.a .subdivisão do Homo
sapiens. Segundo Linnaeus, uma caractenst~c~ definidora do Homo ferus
era a ausência de linguagem de qualquer especie, Todos os casos estudados
comprovam esta perspectiva.
. Os casos mais dramáticos de crianças que cresceram isoladas são os
das crianças "selvagens" ou "meninos-lobos" ,que tê~ sido descritas como
crescendo com animais selyagens ou VIVendo sozinhos na floresta. Em
1920, foram encontradas na India duas crianças selvagens, Amala e Kamala
que, 'segundo se pensa, viveram entre .os lobos. ~ caso mais fa~oso,
documentado por François Truffaut no filme O Menino Selvagem, e o de
"víctor, "o menino selvagem de Aveyron" que .foi encontr~do em 1798.
Sabe-se que foi abandonado na floresta quando ainda era n;Ulto nov~ ~endo
sobrevivido. Foi descoberto quando era já adolescente. Têm-se v~nfIcado
também casos de crianças cujo isolamento resultou de esfor90s deliberados
de as manterem afastadas da vida social. Em 1970 descobriu-se o caso de
uma criança; a quem 'os relatórios científicos deraIl?-o no~e de Genie, que
tinha sido fechada mim pequeno quarto e que tinha tido o rmrumo de
contacto humano desde os dezoito meses até quase aos catorze ano~.
Nenhuma destas crianças, independentemente da causa do isolamento, sabia
falar ou conhecia qualquer linguagem quando foram reintegradas n.a
sociedade. Genie, no entanto, começou mesmo a adquirir linguagem depois
de ser recuperada.
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o que é a Linguagem 25
Estas histórias parecem mostrar que a capacidade humana de adquirir
linguagem requer um estímulo linguístico adequado. Uma criança afastada
do contacto humano nunca aprenderá a falar, nem frígio, nem "muito bom
hebraico" .
INVENÇÃO HUMANA OU GRITOS DA NATUREZA?
A linguagem nasceu nos primárdios da humanidade; imagino
os primeiros actos de fala como qualquer coisa entre as líricas
nocturnas dos bichanos nos telhados e as melodiosas canções
de amor do rouxinol.
Oito Jespersen, Language, Its Nature, Development and Origin.
Os gregos especularam sobre tudo o que faz parte do universo. Não é,
pois, de admirar que o primeiro tratado linguístico que se conhece seja o
Diálogo de Crátilo da autoria de Platão. Relativamente corrente entre os
clássicos gregos era a ideia de que em época muito remota existiu um
"legislador" que a tudo deu o nome correcto e natural. Platão, no seu,
diálogo, põe esta ideia na fala de Sócrates:
... não é todo o homem que pode dar um nome, mas apenas o criador de
nomes; e este é o legislador, que, de todos os artesãos do mundo, é o mais
raro ... apenas aquele que vê o nome que cada coisa tem e o que cada coisa é
por natureza poderá exprimir as formas ideais das coisas em letras [sons] e
sflabas.
Não foi nenhum dos seus muitos deuses que deu nomes a todas as
coisas mas sim este sábio "legislador" . A questão da, origem da linguagem
estava estreitamente relacionada com o debate entre os gregos sobre a
existência de uma verdade ou correcção nos "nomes" independentemente da
língua, em oposição à perspectiva de que as palavras ou nomes de coisas
resultavam de um simples acordo -- uma convenção -- entre os falantes.
Este debate entre naturalistas e convencionalistas constituía um dos
maioresproblemas linguísticos. No Diálogo de Crátilo, Sócrates analisa e
desenvolve etimologias para os nomes dos heróis homéricos, deuses gregos,
figuras mitológicas, estrelas e elementos e até mesmo qualidades abstractas
- os nomes próprios e comuns da língua. Nesta tentativa de justificar a
"verdade" ou "naturalidade" dós nomes, Sócrates parece reconhecer, pelo
menos em parte, o humor de uma tal abordagem pois diz que "as cabeças
dos criadores de nomes estavam a andar à roda e-por isso imaginavam que o
mundo estava a andar à roda". ' .
Na realidade, uma leitura deste encantador diálogo mostra que Platão
reconhece a "arbitrariedade" de algumas palavras, acreditando que na
linguagem existiam elementos naturais e convencionais. , '
Os naturalistas defendiam a existência de uma relação natural entre as
formas da linguagem e a essência das coisas. Faziam referência a palavras
onomatopaicas -- palavras cujos sons imitam o significado representado --
e sugeriam que essas palavras, constituiam a base da linguagem ou, pelo
menos, o âmago do vocabulário básico. .
A -ideia de que a forma primitiva de linguagem era imitativa ou
"ecoante" tem sido até hoje reiterada por muitos estudiosos. Segundo esta
26 A Natureza da Linguagem Humana
perspectiva, um cão que emita um som (que-se julga) "ão-ão" deveria ser
designado pela palavra. ão-ao. Refutando esta posição poderíam~s contra~or
que tais palavras constituem em todas as línguas um numero muito reduzido
e ainda que as palavras, por si sós, não formam uma língua. .
Na mesma linha, uma outra perspectiva defende que a linguagem
consistia inicialmente em manifestações emotivas de dor, medo, surpresa,
prazer, ira, etc. Esta teoria - de que as primeiras manifestaç?es de lingua-
gem consistiam em "gritos da natureza" que o homem partilhava com os
animais - foi proposta por Jean Jacques Rousseau em meados do século
XVIII. Rousseau, um dos fundadores do movimento romântico, interessou-se
pelo problema da natureza e origem da linguagem ao tentar compreen?er a
natureza do "bom selvagem". Dois dos seus tratados ocupam-se da.origem
da linguagem 13. Segundo Rousseau, o homem recorria quer a gritos em 0-
tivos, quer a gestos, mas os gestos mostraram-se insufi~ientes p~ra a coml!-~
nicação e então o homem criou a linguagem. Foi a parur dos gntos naturais
que o homem "construiu" as palavras. .
A posição de Rousseau era essencialmente a dos empiristas, que
defendiam que todo o conhecimento resulta da percepção de dados obser-
váveis. Assim, as primeiras palavras teriam sido nomes de objectos e as
primeiras frases seriam constituídas por uma só palavra. Nomes genéricos e
abstractos teriam surgido posteriormente, assim como as "diferentes partes
do acto de fala" e frases mais complexas. Rousseau apresentou esta ideia da
seguinte forma: quanto mais limitado é o conhecimento, tanto mais extenso
é o dicionário .... As ideias genéricas só podem ocorrer-nos com a ajuda das
palavras e só podem ser compreendidas com a ajuda de proposições. 14
É difícil compreender o seu raciocínio. Como poderia o homem ter
adquirido a capacidade de pensamento abstracto através da utilização de
palavras concretas se não se encontrava a priori apetrechado com
capacidades mentais especiais? Mas, segundo Rousseau, não é a capacidade
humana do pensamento que distingue o homem dos animais (perspectiva
defendida anteriormente pelo filósofo francês Descartes), mas sim o seu
"desejo de ser livre". Segundo Rousseau, foi esta liberdade que levou à
invenção da linguagem. Não explica, porém, como poderia esta liberdade
ter levado os falantes a associar certos sons a certos significados e a elaborar
um complexo sistema de regras que lhes permitem formar novas frases.
Rousseau partiu do pressuposto de que as primeiras línguas utilizadas pelos
seres humanos seriam línguas imperfeitas e primitivas "aproximadamente
como as que as diferentes nações selvagens ainda apresentam". E curioso
gue este homem, que toda a sua vida lutou contra a desigualdade, pudesse
assumir uma posição destas. Apenas um ano após o tratado de Rousseau,
Suessmilch, contra-argumentando Rousseau em prol de uma teoria da origem
divina da linguagem, defendeu a igualdade e perfeição de todas as línguas.
Quase duzentos anos após Rousseau ter proposto que os "gritos da
natureza" e os gestos constituiam a base do desenvolvimento da linguagem,
Sir Richard Paget argumentou a favor de uma "teoria do gesto oral":
13 Jean Jacques Rousseau, "Discourse on the Origin and Fundations ofInequality Among
Men" (1755) e "Essay ont the Origin of Languages" (publicado postumamente, 1822).
14 Rousseau, "Essay ont the Origin of Languages", in P. H. Salus, ed. 1969. On
Language: Plato to Von Humboldt (Holt, Reinehart and Winston. Nova lorque).
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o que é a Linguagem 27
-A fala humana nasceu da linguagem gestual pantonímica inconsciente e
generalizada - efectuada pelos membros e elementos fisionómicos em geral
(incluindo a língua e os lábios) - que se especializou em gestos dos órgãos
de articulação, devido ao facto de as mãos humanas (e olhos) estarem cada
vez mais ocupadas com o desenvolvimento dos utensílios. Os gestos dos
órgãos de articulação eram reconhecidos pelo ouvinte pois o ouvinte
reproduzia inconscientemente no seu espírito o gesto que de facto havia
produzido esse som. 15
E difícil saber exactamente como teriam a língua, os lábios e outros
órgãos vocálicos sido utilizados na produção de "gestos pantonímicos". Mas
é interessante salientar que alguns estudiosos aceitam hoje uma "teoria
motora da percepção da fala" que constitui uma versão sofisticada desta
última afirmação de Paget.
A ideia de que a linguagem humana provém de um sistema gestual
surge na obra de Gordon Hewes." Não reclama, porém, que fosse o único
sistema utilizado mas lembra os casos em que se recorre ao gesto sempre'
que se não pode recorrer à fala (como no caso dos surdos) ou quando a fala
se torna inútil (quando há muito barulho ou se falam línguasdesconhe-
cidas). .
Uma outra hipótese relativa ao desenvolvimento da linguagem humana
sugere que a linguagem nasceu de sons ritmados que os homens emitiam
quando trabalhavam em 'grupo. Em 1970, o afasiologista soviético A. .R.
Luria defendia esta ideia:
Tudo nos leva a crer que a fala tem a sua origem em actividade produtiva e
surgiu primeiro com a forma de moções curtas que representavam certas acti-
vidades no trabalho e gestos que permitiam aos homens apontar e comunicar.
... Apenas bastante mais tarde, como nos mostra a paleontologia da fala, se
desenvolveu a fala verbal. Só ao longo de um período historicamente muito
longo se verificou a dissociação do som e do gesto.'?
Uma das teorias mais encantadoras sobre a teoria da linguagem foi
proposta por Otto Jespersen. Formutou uma teoria que considerava a
linguagem derivada do canto como uma necessidade expressiva e não pro-
priamente comunicativa, sendo o amor o maior estímulo para o desenvol-
vimento linguístico: . .
. Tal' como sucedeu com as teorias da origem divina da linguagem.
muitas destas propostas são inconclusivas, quer defendam a ideiade que o
homem inventou a linguagem, quer defendam que esta surgiu no decurso do
desenvolvimento· humano - sob a forma de gritos da natureza, imitação
vocálica de gestos, canções de amor ou gritos de trabalho. O debate está
aberto e assim 'continuará. . .
15 Richard Paget. 1930. Human Speech (Harcourt, Brace. Nova lorque) ..
16 Gordon Hewes, "The Current Status of the Gestural Theory of Language ", Annals
N. Y.Acad. Science 280 (1976): 482·504. .
17 A. R. Luria. 1970. Traumatic Aphasia (Humanities Press. Nova Iorque) p. 80.
28 A Natureza da Linguagem Humana
A ORIGEM DO HOMEM É A ORIGEM DA LINGUAGEM
Mas a linguagem aconteceu. Aconteceu porque a linguagem é
a consequência mais lógica de um mundo de pessoas em que
os bébés palram e as mães respondem palrando -e em que obébé tem também a capacidade da metáfora.
Louis Carini
Em 1769, treze anos após a famosa defesa da origem divina da
linguagem a que Suessmilch contrapôs a teoria da "invenção", a Academia
Prussiana reabriu o debate. Ofereceram um prémio para o melhor artigo
sobre essa mesma questão. Johann Herder, filósofo e poeta alernão.vganhou
um prémio com uma comunicação que se opunha às duas perspectivas.
Herder argumentou contra a teoria de Rousseau de que a linguagem
consistia no desenvolvimento dos "gritos da natureza" que o homem parti-
lhava com os animais; apresentou as diferenças fundamentais entre a lin-
guagem humana e os gritos instintivos dos animais. Herder considerava que
a linguagem e o pensamento são inseparáveis e que o homem nasce com
uma capacidade para desenvolver ambos. Concordou com SuessmiIch
defendendo que sem a razão a linguagem não poderia ter sido inventada
pelo homem mas foi mais longe afirmando que, sem razão, Adão não
poderia ter aprendido a linguagem, nem mesmo pela mão do Pai Divino:
Os pais nunca ensinam linguagem às crianças sem que ao mesmo tempo estes
a inventem também.· Os pais apenas chamam a atenção das crianças para as
diferenças entre as coisas, através de alguns signos verbais, não sendo pois
por eles criados; através da linguagem apenas facilitam e aceleram o uso que
as crianças fazem da razão."
Estas observações perspicazes pressupunham a ideia, partilhada por
alguns linguistas de hoje, de que ninguám ensina regras de gramática às
crianças - são as crianças que as descobrem.
. O aspecto mais importante da comunicação de Herder era que a
linguagem é inata. Não se pode falar na existência do homem antes da
linguagem. A linguagem constitui parte da natureza essencial do ser
humano e, como tal, não foi inventada nem oferecida como uma dádiva.
Herder apresentou' a universalidade, ou uniformidade, de todas as línguas
humanas como argumento a favor da teoria mono genética da origem.
Segundo ele, todos nós descendemos dos mesmos 'pais, descendendo
também todas as línguas de uma mesma língua. Propôs esta teoria para
explicar .por que razão as línguas.capesar da sua diversidade, apresentam
propriedades universais comuns. 'Embora a teoria monogenética não seja
hoje em dia amplamente aceite, aceita-se a uniformidade das línguas
humanas e esta pode ser plausivamente explicada através do argumento de
Herder de que o homem é, por natureza; o mesmo em toda a face da terra.
Herder aceitava a posição racionalista cartesiana de que as línguas huma-
nas e os gritos dos animais são tão diferentes como o pensamento humano e
o instinto animal: "Não é a estrutura da boca que cria a linguagem uma vez
18 J. G. Herder, "Essay on lhe Origin of Language", in Salus, op. cit.
o que é a Linguagem 29
que se um homem for mudo toda a vida mas reflectir, então a linguagem
deve estar dentro da alma" .19  .
Linguagem e Evolução
Apesar das antigas "interdições" quanto à especulação
sobre a origem da linguagem humana, o interesse nesta questão tem vindo a
reacender-se. Duas sociedades académicas - a Associacão Antropológica
Americana e a Academia das Ciências de Nova Iorque - organizaram
debates no sentido de rever trabalhos recentes sobre este assunto (em 1974 e
1976). Investigação em curso em várias disciplinas tem vindo a fornecer
. elementos anteriormente desconhecidos e directamente relacionados com o
desenvolvimento da linguagem nas espécies humanas.
Os estudiosos mostram-se hoje interessados em saber qual a relação
entre a linguagem e o desenvolvimento evolucionário da espécie humana.
Alguns encaram a capacidade de linguagem como uma diferença qualitativa
entre os seres humanos e outros primatas; outros encaram a capacidade de
linguagem como um salto qualitativo. Os Iinguistas que, numa abordagem
evolucionária, defendem a perspectiva da "descontinuidade" acreditam que
a linguagem é "específica da espécie" e entre esses linguistas encontram-se
os que pensam que os mecanismos do cérebro subjacentes à capacidade de
linguagem são específicos da linguagem e não apenas um mero rebento de
capacidades cognitivas mais desenvolvidas. Esta última perspectiva defende
que todos os seres humanos estão equipados inata ou geneticamente com
uma capacidade única de aquisição de linguagem ou com mecanismos
neurológicos geneticamente determinados de carácter especificamente
linguístico.
Ao tentarem compreender o desenvolvimento da linguagem, os estu-
diosos de todos os tempos têm-se debruçado sobre o papel desempenhado
pelo aparelho fonador e pelo ouvido. O linguista Philip Lieberman sugere
que "os prima tas não humanos carecem dos mecanismos físicos necessários
à produção da variada fala humana't.é' Relaciona o desenvolvimento da
linguagem com o desenvolvimento evolucionário da produção da fala e dos
mecanismos de percepção. E evidente que tudo isto seria acompanhado de
modificações no cérebro e no sistema nervoso no sentido de uma maior
complexidade. A perspectiva de Lieberman implica que as línguas dos
nossos antecessores teriam sido, há milhões de anos, sintáctica e fonolo-
gicamente mais simples do que 'qualquer língua hoje conhecida. A questão,
no entanto, mantém-se uma vez 'que o conceito de "mais simples" continua
por definir. Uma, sugestão poderia ser que essa língua primária tivesse um
Inventário fonético mais restrito.
É certo que se deve ter verificado evolução no desenvolvimento do
aparelho fonador capaz de produzir a ampla variedade de sons utilizados na
linguagem humana assim como no desenvolvimento do mecanismo de
percepção e distinção desses sons. Esta evolução não é, no entanto, sufi-
ciente para explicar a origem da linguagem uma vez que existem espécies
19 Herder, op. cito .
20 Philip Liebennan, "Primate Vocalizations and Human Linguistic Ability ", J. Acous·
tical Soe. Am. (1976) 44: 1574-1584.
30 A Natureza da Linguagem Humana
de andorinhas e papagaios que também apresentam essa capacidade. No
entanto, essas imitações que esses pássaros fazem são meras repetições
imitativas (Ver Capítulo 11 sobre as linguagens animais).
A linguagem humana faz uso de um número muito restrito de sons que
se combinam em sequências lineares de modo a' formar palavras. Cada som
é reutilizado muitas vezes, tal como as palavras. Suessmilch salientou este
facto para provar a "eficiência" e "perfeição" de uma língua. De facto, C?
carácter discreto destes elementos linguísticos básicos - os sons - fOI
referido nos primeiros estudos sobre a linguagem.
As crianças aprendem desde muito cedo que a continuidade das
sequências sonoras, como bad e dad, pode ser "quebrada" em segmentos
discretos. Na realidade, as crianças que conhecem estas duas palavras
podem por si próprias produzir a palavra dab, embora nunca a tenham
ouvido antes. Algumas espécies de andorinhas são capazes de aprender a
produzir os sons bad e dad mas nenhum pássaro poderia produzir o som
dab sem realmente o ter ouvido.
Por outro lado, sabemos também que a capacidade de ouvir sons
articulados não é condição necessária para a aquisição e utilização da
linguagem. Seres humanos que nasceram surdos aprendem as linguagens de
sinais que à volta deles se utiliza e estas linguagens p.odem ser tão "cri~-
tivas" e complexas como as linguagens faladas. E as cnanças surdas adqui-
rem estas linguagens da mesma forma que as outras crianças - sem lhes
serem ensinadas - por mero contacto.
Talvez então a maior evolução no desenvolvimento da linguagem se
deva a alterações evolucionárias no cérebro. .
Embora estejamos bem longe de saber como nasceu a linguagem, e é
duvidoso que alguma vez o saibamos com certeza, fizemos na nossa busca
das origens muitos progressos na compreensão da natureza da linguagem
humana.
REsUMO
Todos nós conhecemos bem pelo menos uma língua. No entanto, pou-
cos são os que se preocupam com o que sabemos quando conhecemos. uma
língua. Nenhum livro contém a língua inglesa ou russa ou

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