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Victória Fromkin Robert Rodman University of California, Los Angeles North Carolina State Universíty, Raleigh Introdução .•...... a Linguagem Tradução de:' ISABEL CASANOVA Professora da Faculdade de Letras de Lisboa LI ~O r~31~b C~ INFORMAT!ONAL ltda. Importadora: Revistas e Livros Técnicos Caixa Postal 9505-90441 Porto Alegre RS Fone (051)334-4524 Fax:(051)334-4018 PRESERVE SUA FONTE ~HEC@. LIVRARIA ALMEDINA COIMBRA - 1993 - Para Disa, Emily, e Zachary AN INTRODUCfION TO LANGUAGE, Third Edition by Victoria Frornkin and Robert Rodman Copyright © 1983, 1978, 1974 by Holt, Rinehart and Winston, Inc. Tradução de: Isabel Casanova Execução Gráfica: G.c. - Gráfica de Coimbra, Lda. Depósito Legal nº 72674/93 ~.~ ... ~. #~C_-=*-'-'~.-'-' PtJC ReJS !j L;;;;:~:i~;~ Toda a reprodução desta obra, por fotocópia ou por outro qualquer processo, sem prévia autorização escrita do Editor, é ilícita e passível de procedimento judicial contra os infractores. Capítulo 1 o que é a linguagem? Ao estudarmos a linguagem humana aproximamo-nos do que se poderia chamar a "essência humana ", as qualidades distintivas da mente que são, tanto quanto sabemos, exclusivas do homem. Noam Chomsky, Linguagem e pensamento B.e. Johnny Hart _~ll .--. - PARA QUÊ UMA NOVA? NÃO TE CHEGAVAM OS PROBLEMAS COM A VELHA? DER SCHNCKI1Y BlIMS ZA MILFER BLAT. INVENTEI UMA NOVA LíNGUA PARA QUE NINGUÉM SAIBA O QUE ESTOU A DIZER Com autorização de Johnny Hart and Field Enterprises, lnc. Façam O que fizerem quando se encontram - joguem, lutem, amem ou fabriquem automóveis - as pessoas também falam. Falamos com os nossos amigos, colegas, mulheres e maridos, amantes, professores, pais e sogros. Falamos com condutores de autocarros e pessoas totalmente desconhecidas. Falamos frente a frente e pelo telefone. E toda a gente responde falando. A televisão e a rádio intensificam esta torrente de palavras. Assim, raro é o momento das nossas vidas em que, acordados, estamos longe das, palavras e mesmo nos nossos sonhos falamos e falam connosco. Até falamos sem termos quem nos responda. Alguns falam alto enquanto dormem. Falamos com os animais e às vezes falamos mesmo para nós próprios. Somos os únicos animais que fazemos isto - falar. A posse da linguagem, mais do gue qualquer outro atributo, distingue os seres humanos dos animais. Para compreendermos a nossa humanidade teremos de compreender a linguagem que nos torna humanos. De. acordo com a filosofia expressa nos mitos e religiões de muitos povos, é a lingua- gem que constitui a fonte da vida humana e do poder. Para alguns africanos, um recém-nascido é um kuntu; uma "coisa", não sendo ainda um muntu, uma "pessoa". É apenas ao aprender a linguagem que a criança se trans- forma num ser humano 1. Assim, de acordo com esta tradição, todos nós nos tornamos "humanos" pois todos nós conhecemos pelo menos uma língua. Mas o que significa "conhecer" uma língua? 1 Diabate, Massa-Makan. "Oral Tradition and Mali Literature ", in The Republic of Mali (Mal i Information Center). 4 A Natureza da Linguagem Humana Conhecimento Linguístico Quando conhecemos uma língua, sabemos falar e somos compreendidos p()_rtodos os que conhecem essa língua. Isto significa que temos a capacidade de produzir sons portadores de certos significados e de compree~der ou interpretar os sons produzidos pelos outros. Os surdos produzem e compreendem linguagens de sinais tal como as pessoas que ouvem bem produzem e compreendem linguagens faladas. Todos nós conhecemos uma língua. Porquê então escrever um livro inteiro sobre o que parece ser um tão simples fenómeno? Afinal, as crianças aos c~nco anos são já capazes de falar e compreender quase tão bem como os pais. No entanto, a capacidade de desenvolver a mais simples conversa exige um conhecimento profundo do qual os falantes não estão conscientes. Isto é tão verdadeiro para os falantes do japonês ou do inglês como para os esquimós ou navajos. O facto de conhecermos algo de um modo incons- cie~te não é exclusivo da linguagem. Um falante do inglês é capaz de pro- duzir uma frase com duas orações relativas como My goddaughter who lives in Sweden is named Disa, which was the name of a Viking queen sem no entanto saber o que é uma oração relativa. Isto equivale a saber andar sem compreender ou saber explicar os mecanismos de controle neurofisiológico que nos permitem fazê-lo. O que sabemos nós então ao sabermos falar inglês ou quíchua ou francês ou Mohawh ou árabe? Muito provavelmente, sem disso termos consciência, conhecemos os sons que fazem parte da nossa língua assim como os que não fazem. Este conhecimento revela-se muitas vezes na forma como falantes de uma !íng~a prom~J1ciam palavras de outra língua. Se apenas soubermos falar inglês, por exemplo, podemos (e geralmente fazêmo-lo) substituir um som não-inglês por um som inglês ao pronunciarmos palavras "estrangeiras". Quantos de nós pronunciamos o nome Bach com um som final k? Não é esta a pronúncia alemã. O som representado pelas letras ch em alemão não é um som inglês. Se pronunciarmos como os alemães, estam os a recorrer a um som estranho ao sistema de sons inglês. Já repararam que os franceses ao falarem inglês pronunciam muitas vezes palavras como this e that como se se escrevessem zis e zat? Isto acontece porque o som inglês representado pelas letras th em início de palavra não faz parte do sistema de sons francês e a má pronúncia francesa revela-nos o conhecimento inconsciente que os falantes tem desse facto. . O conhecÍl?1ento dos sons de uma língua inclui também o conhe- cImept~ de quais os sons que podem iniciar uma palavra e surgir em sequencia. O no~e de um antigo presidente do Gana era Nkrumah. O povo do Gana pronuncia este nome com um som inicial idêntico ao som final da palavra inglesa ~ing~(para a m~~or p~rte dos americanos). Mas a maior parte dos falantes ~o lll~les pronuncia-Ia-Ia mal (segundo o modelo de linguagem do Gana) a~ msenr uma vogal breve antes ou -depois do som n. Da mesma fo~m~,.Ngl}-lOMarsh, nome próprio do escritor australiano de histórias de rrustério, e geralmente mal pronunciado. Existe uma boa razão para tais o que é a Linguagem 5 - . "erros". Nenhuma palavra inglesa começa pelo som som ng. As cnanças que aprendem inglês aper~ebem-se desta particularid~d.e da nossa língua, tal como as crianças abongenes do Gana e da Austrália aprendem que as palavras da sua língua podem começar pe~o som ng. - , O conhecimento dos sons e dos sistemas de sons da nossa hngua constitui apenas uma parte do nosso conhecimento linguístico. Uma parte bastante mais importante desse conhecimento consiste em saber qu~ certos sons ou sequências de sons significam ou representam conceitos ou "sianificados" diferentes. Isto é, se soubermos inglês, sabemos que boy sig~ifica algo diferente de toy ou .girl ou pterodactyl. Conhecer un:;t~língua consiste, pois, em conhecer o Sistema que assocl~ sons e SignIfIcados. Se não conhecermos a língua, os sons que OUVIrmos serão bast~nt.e incompreensíveis. Isto acontece porque a relação entre os sons e os sigru- ficados que esses sons r~presentam ~'. na maior parte. dos casos, ~rbi- trária. Temos de aprender (ao adquirirmos o conhecimento da Iíngua inglesa) que os sons representados pelas letras house (na forma escrita , da língua) significam o conceito iSi:J-; se soubermos francês, o mesmo "significado" é representado por maison; se soubermos Twi, é representado por :ldaIJ; se soubermos russo, por dom; se soubermos espanhol, por casa. Do mesmo modo, o conceito ~ é representado por hand em inglês, main em francês, nsa em Twi, e ruka em russo. Apresentamos em seguida palavras com significados específicos em algumas línguas diferentes. Quantos compreende? a. kyinii b. doakam c.odun d. asubuhi e. toowq f. boIna g. wartawan h. inaminatu i. yawwaSe não conhecermos as línguas a que estas palavras pertencem, não poderemos certamente saber que significam o seguinte: a. um grande guarda-sol (numa língua do Gana, Twi) b. ser vivo (numa língua índia-americana, papago) c. madeira (em turco) : d. manhã (em suaili) e. está a ver (numa língua índia-americana da Califórnia, Luisefio) f. falarüiuma língua paquistanesa, urdu); dor (em russo) g. repórter (em indonésio) _ -- h. professor (numa língua índia-da Venezuela, Warao) i. avante! (numa língua da Nigéria, hausá) Estas diferentes palavras mostram que os sons das palavras apenas têm significado ria língua em que ocorrem. A ideia de que algo se chama X porque parece X ou se chama Y porque soa a Y foi satirizada por Mark Twain no seu livro Eve's Diary: o que é a Linguagem 7 6 A Natureza da Linguagem Humana duvidoso que sejamos capazes de compreender a mensagem que está a ser transmitida (a não ser, evidentemente, que conheçamos esse sistema de sinais). Um surdo que utilize a linguagem de sinais chinesa teria também dificuldade em compreender mensagens transmitidas na linguagem de sinais americana. Muitos dos sinais, é certo, podem consistir em imitações visuais dos seus referentes; podem ser miméticos (semelhantes a mímica) ou icónicos (com uma relacão não arbitrária entre forma e significado). Mas os sinais também mudam ao longo da história e o valor icónico perde-se. Esses sinais tornam-se então convencionais; tal como os sons das palavras não reflectem o seu significado, também a forma oú movimento das mão, não reflecte o significado dos gestos nas linguagens de sinais. Assim, a natureza convencional e arbitrária da relação forma- -significado nas linguagens - falada e de sinais - é universal. Existe, no entanto, algum "simbolismo sonoro" na língua. Isto é, existem palavras cuja pronúncia nos sugere o seu significado. Apenas um pequeno grupo de palavras no vocabulário da maior parte das línguas é "onomatopaico" - os sons das palavras "imitam" os sons da "natureza". Mesmo nestes casos, os sons diferem de uma língua para outra, reflectindo o sistema sonoro específico dessa língua. Em inglês diz-se cockadoodledoo e em russo diz-se kukuriku para representar o canto do galo. Existem também sequências sonoras específicas que parecem rela- cionar-se com um conceito específico. Em inglês muitas palavras come- çadas por gl relacionam-se com a vista, por exemplo glare, glint, gleam, glitter, glossy, glaze, glance, glimmer, glimpse e glisten. Muitas rimas começam por h: hoity-toity, harum-scarum, hotsy-totsy, higgledy-piggledy. Mas estes casos constituem uma parte ínfima de qualquer língua e gl pode não ter nada a ver com palavras referentes a "vista" em qualquer outra língua. I Quando sabemos inglês conhecemos estas palavras em gl, as onorna- topeias, e todas as palavras que constituem o vocabulário básico da língua. Conhecemos os sons e conhecemos os significados. E muito pouco provável, evidentemente, que encontrçmos falantes de inglês que conheçam as 450000 palavras do Webster:S Third New International Dictionary. Mas mesmo que as conhecessem mas nada mais soubessem, não saberiam inglês. Imaginemos o que será tentar aprender uma língua comprando um dicionário e decorando palavras. Independentemente de quantas palavras aprendêssemos; não seríamos capazes de formar as mais simples frases nem ?e compreender um falante dessa língua. Ninguém fala por palavras Isoladas. (E evidente que poderíamos procurar no nosso guia turístico palavras isoladas que nos permitissem dizer algo como "carro - gasolina - onde?". Depois de muitas tentativas um falante dessa língua t-alvez compreendesse a pergunta e apontasse na direcção de uma bomba de gasolina. No entanto, se nos respondessem com uma frase, muito pro- vavelmente não compreenderíamos nem conseguiríamos procurar no dicio- nário o seu significado uma vez que não saberíamos onde começava nem acabava cada palavra.) O nosso conhecimento d~_umaJíngua-permite~nos_combina( palavras de riiõ~Q_ª formarfrases. Infelizmente não podemos comprar um dicionário comtodas as frases de uma língua uma vez que nenhum dicionário pode apresentar todas as frases possíveis. Conhecermos uma língua significa . . I d 't ha e to reflect aThe minute I set eyes on an animal I know what it is. on v. the momento the right name comes out instantly.... I .seef. t~ kn~~ JU~~b~odo shape of the criature and the way it acts :-vhat ammBat lItis. d heI·nm e I J.ust[Ad ] th ht it s a wildcat u save .... o carne along he . am °lug 1 wad I ·d "w~ii I do declare if there isn'tspoke up 10 a qmet natura way ... an sal, tio 0 the dodo!" ,(}-l lM-l .Çuvrd.)t.\~L: 'O d=>P Independentemente da opinião que possamo~ te: da perspicácia d~ Eva da à de Adão não há dúvida de que nao e a forma ou qua quer ~~~g~t~ibuto físico o que determina. em qualquer língua os sons ou ~Oa~â! da maior parte das criaturas ou objectos ~omo poderemos v~r na desenhada de Herman. O pterodáctilo poderia ter-se chamado Rao. HERMAN Jjm Unger QUE NOME VAMOS DAR ÀQUELA ESPÉCIE DE PÁSSARO ENORME ??OM GRANDES ASAS? ©1981Universal Press Syndicate. Reprodução autorizada. R~servados todos os direitos. ·Esta relação arbitrária entre a forma (~~ns) e o ~ignificado de .u~a palavra na linguagem falada também se verifica nas h,nguagens. de sinais utilizadas pelos surdos. E poderemos facilmente prová-lo ..Se Vlf~OS ~m intérprete de sinais na televisão e se tivermos o som desl_lgado~,~e_m:u~l~tO:"'__ J.__ ~__ ~__ ~~ ~----------~---~---- 8 A Natureza da Linguagem Humana sermos capazes de produzi~ fra~es nunca anteriormente ditas e compre~nder A frases nunca ouvidas. O linguista Noam Chomsky refere esta capacidade como parte do "aspecto criativo" da prática linguística. Isto não significa que todo o falante de uma língua possa criar literatura de relevo, mas significa que todos os que sabem uma língua podem (e fazem-no com frequência) "criar" frases novas cada vez que falam assim como são capazes de compreender frases novas "criadas" pelos outros. Isto acontece porque a prática linguística se não limita a um comportamento de estímulo-resposta. Estamos "libertos" de imposições de acontecimentos ou estados de carácter interno ou externo. Se alguém nos pisar, responderemos "automaticamente" com um grito, um suspiro ou um gemido. Estas respostas não fazem, no fundo, parte da língua; são reacções involuntárias a estímulos. Depois de exclamarmos automaticamente podemos então dizer "Que desastrado, seu grande idiota", ou "Muito obrigado por me ter pisado o dedo do pé pois eu receava ter elefantíase e agora que sinto doer sei que não tenho" ou ainda qualquer outra dentro de um número infinito de frases, uma vez que a frase específica que produzimos não é controlada por qualquer estímulo. Na realidade, até alguns dos nossos gritos involuntários se inserem no nosso sistema linguístico e as pausas que articulamos durante uma conversa - como er ou uh ou you know em inglês - apresentam muitas vezes sons que apenas encontramos nessa língua. Os falantes franceses, por exemplo, preenchem as suas pausas articulando o som vocálico que inicia a palavra francesa que significa ovo - oeuf - não ocorrendo este som em palavras inglesas ou em gritos ou pausas. E evidente que saber uma língua implica também saber quais as frases adequadas às diferentes situações; dizer "Hamburger costs $2.00 a pound" depois de alguém lhe ter pisado o dedo do pé durante uma sessão sobre o clima na Grã-Bretanha seria dificilmente considerado uma resposta ade- quada, embora fosse uma resposta possíveL Consideremos, por exemplo, a seguinte frase: Daniel Boone decided to becorne a pioneer because he drearned of pigeon- -toed giraffes and cross-eyed elephants dancing in pink skirts and green berets onthe wind ~~ plains of the Midwest. ~'lU) ~* Talvez não acredite na frase; podemos pôr em causa a sua lógica; podemos mesmo interpretá-Iacom significados diferentes; mas compreen- demos a frase, embora seja muito duvidoso que a tenhamos ouvido ou lido anteriorm-ente. É, pois, evidente que quando sabemos uma língua sabemos reco- nhecer, compreender e produzir frases novas. Nem- todas precisam de ser "loucas" como a de Daniel Boone. Na realidade, se ao lermos este livro contarmos o número de frases que tínhamos visto ou ouvido antes, o número será certamente muito reduzido. Da próxima vez que escrever uma composição ou uma prova de exame ou uma carta veja quantas frases novas escreveu. E impensável que todas as frases possíveis estejam guardadas no nosso cérebro e que, ao falarmos, procuremos a frase que parece ajustar-se à situação ou que, ao ouvirmos uma frase, a comparemos com alguma já armazenada. Como será possível ter-se na memória uma frase que nunca tínhamos ouvido anteriormente? o que é a Linguagem 9 De facto, podemos provar que a simples memorização de todas as frases possíveis de uma língua é, em princípio, impossível. Se com base em cada frase de uma língua podemos sempre formar uma frase mais comprida, não existirá então limite de comprimento para uma frase e, consequen- temente, não existirá limite para o número de frases. Existe em inglês um exemplo bem conhecido. Quando sabemos inglês sabemos que podemos dizer: This is the house. ou This is lhe house that Jack built, ou This is the rnalt that lay in the house that Jack built. ou This is lhe dog that chased the cat that killed the rát that ate lhe rnalt that lay in the house that Jack built. E nada nos obriga a parar aqui. Qual será então o comprimento da frase mais comprida? Podemos também dizer: The old rnan carne. ou The old, old, old, old, old rnan carne. Quantos "old's" serão demais? Sete? Vinte e três? Não negaremos que quanto mais compridas forem as frases menos prováveis serão. Uma frase com 276 ocorrências de "old" seria muito pouco provável, quer na fala, quer na escrita, mesmo que fosse para descrever Matusalém. Mas tal frase é teoricamente possível. Isto é,- se soubermos inglês, sabemos juntar qualquer número de adjectivos como modificadores do nome, tal como mostra a banda desenhada do Feiticeiro de Oz:. o FEITICEIRO DE OZ Brant Parker e Hobnny Hart PERTENCE-..t05 À P'RIMEIR!', SIN,A,GOGA E À CAMINHADA DO sÉnMO DIA. SOMOS cr...ENTE5 ,.)5 LIVROS5~. CRI5TÃ05 EvANGElISTA$, e.vDI51AS E 5mT05 t.4t55tONÁOO5 DO ÚLTIMO DIA.. 00<1""005 DA GÁllA Com autorização de Johnny Hart and Field Enterprises, lnc. 11 \ Memorizar e armazenar um conjbnto infinito de frases exigiria uma capacidade de armazenamento infinita. Mas o cérebro é finito e mesmo que o não fosse nunca poderíamos armazenar frases ainda completamente desconhecidas. Quando aprendemos uma língua aprendemos algo e esse algo tem de ser finito. O vocabulário é finito (por muito vasto que seja) e pode ser 10 A Natureza da Linguagem Humana armazenado. Se as frases de uma língua se formassem acrescentando palavras umas às outras, o nosso conhecimento linguístico poderia s~r descrito como um simples inventário de palavras. No entanto, tal nao acontece, como se pode ver nas seguintes cadeias de palavras: (1) a. John kissed the little old lady who owned the shaggy dog. -. b. Who owned the shaggy dog John kissed the old lady. ~~ . c. John is difficult to love. . d. It is difficult to love John. e. John is anxious to go. f. It is anxious to go John. g. John who was a student flunked his exams. h. Exams his flunked student a was who John. Se lhe pedissem que marcasse com uma estrela ou um asterisco os exemplos que lhe parecessem "esquisitos" ou "impossíveis", quais marcaria?2 O nosso. conhecimento "intuitivo" do que "é" ou "não é" uma frase possível numa língua leva-nos a assinalar com asterisco as frases b, f e h. Quais tinha assinalado? É da nossa opinião quanto às frases seguintes? (2) a. What he did was climb a tree. b. *What he thought was want a sports car. c. Drink your beer and go home! d. *What are you drinking and go home? e. 1expect them to arrive a week from next Thursday. f. *1expect a week from next Thursday to arrive ~ g. Linus lost his security blanket. h. *Lost Linus securit blanket his. ~ . Se assinalou com asterisco as mesmas que nós, torna-se evidente que nem todas as cadeias de palavras constituem frases numa língua e o posso conhecimento da língua diz-nos quaisas frases possíveis e impossíveis. Assim, além de conhecermos as palavras de uma língua temos de conhecer algumas "regras" que nos permitem formar frases e fazer juízos como os que fizemos para os exemplos (1) e (2). Essas regras deverão ser finitas em dimensão e finitas em número: de modo à poderem ficar armazenadas no nosso cérebro. No entanto, deverão permitir-nos formar e compreender um conjunto infinito de frases novas. No Capítulo 7 veremos como isso é possível. Podemos, pois, dizer que uma língua é constituída por todos os sons, palavras e. frases possíveis. E quando sabemos uma língua conhecemos os sons, as palavras e as regras que nos permitem combiná-Ios. 2 É actualmente habitual recorrer-se ao asíerisco para assinalar exemplos que os falantes por qualquer razão rejeitam. Usaremos este sinal ao longo de todo o livro. --- o que é a Linguagem 11 o que Sabemos e o que Fazemos: Conhecimento Linguístico e Realização "WhalS one and one and one and one and one and one and one and one and one and one?" "I don 'I know; " said Alice. "I lost count. " "She can 't do Addition, " the Red Queen interrupted. Lewis Carroll, Through lhe Looking Glass PEANUTS Charles Schulz POIS NÃO PARECES! PARECES UM M05aUlro IDIOTA SENTADO NUMA ROCtV. " FINGIR QUE É UM FEROZ LEÃO MONTANH~5 SENTADO NUMA 'ROCHA A ESPERA DE UM" viTIMA EIS o FEROl lEÃOMONTA- NH~5 SENT"OO NUMA ROCHA).. ESPERA DE UMA VÍTIMA , © 1964 United Feature Syndicate, lnc. I. Mencionámos alguns aspectos do conhecimento lin- guístico dos falantes, tais como a capacidade de formar frases cada vez mais compridas, juntando frases umas às outras ou juntando modificadores a uf!! substantivo. Salientámos também que tais frases são teoricamente possíveis mas pouco viáveis. Quer se limite na fala o número de adjectivos a três, cinco ou dezoito, é impossível limitar o número que poderíamos utilizar se quiséssemos. Isto mostra-nos que existe uma_dife.r.ença~_~~e- cimento .necessário à produção de frases de um<i língua e ª forma como . utilizamos esse conhecimento na nossarealização ou cº_rnpor:taU1~!lto linguísticos. É a diferença entre o que sabemos, aquilo que alguns linguistas designam por competência.ou capacidade, e a forma como utilizamos esse conhecimento no nosso 'comportamento, que podemos designar por ~- lizacão Iinguística, . Como falantes, temos o conhecimento que nos permite compreender e produzir frases muito compridas (na realidade, e como já observámos, é impossível impormos limites ao comprimento de uma frase em qualquer língua). Mas quando tentamos utilizar esse conhecimento - quando realizamos linguisticamente - persistem razões de ordem fisiológica e psicológica que nos levam a limitar _0- número de adjectivos, advérbios, orações, etc. Podemos ficar sem fôlego; os nossos ouvintes podem aban- donar a sala; podemos perder o fio à meada se a frase for demasiado longa e sobrecarregar a nossa tão curta memória; e, como é evidente, não vivemos eternamente. Quando falamos temos uma mensagem a transmitir. Em certa fase do processo de produção da fala, os nossos pensamentos encontram-se orga- nizados em cadeias de palavras. Mas podem surgir erros. Todos nós produ- zimos erros de fala ou "lapsos de língua" como o que surge no desenho de o Feiticeiro de Oz. 12 A Natureza da Linguagem Humana o FEITICEIRO DE OZ Brant Parker and Johnny Hart Com autorização de Johnny Hart and Field Enterprises, Inc. Estes erros mostram também a diferença entre o nosso conhecimentoe a forma como utilizamos esse conhecimento. . Ao analisarmos o que sabemos sobre a nossa língua convém repetir que muito do nosso conhecimento não é consciente. Aprendemos o sist~ma linguístico - os sons, estruturas, significados, palavras e regras para Jun- tarmos tudo isto - sem ninguém nos ensinar e sem mesmo termos cons- ciência de que estamos a aprender regras. Tal como podemos nã? ter consciência das regras que nos fazem permanecer de pé ou andar, gatinhar se quisermos, saltar ou apanhar uma bola, ou andar de bi.ci~leta, a nossa capacidade inconsciente de falar ou compreender, de fazer JUiZOSacerca de frases, revela o nosso conhecimento das regras da noss!l língua. Esse conhecimento representa um sistema cognitivo complexo. E sobre a natu- reza desse sistema que este livro se debruça. r o que é a Gramática? Utilizamos o termo "gramática" com uma ambiguidade sistemática. Por uma lado, o termo refere a teoria explícita elaborada pelo linguista com o objectivo de descrever a competência do falante. Por outro lado, o termo refere a própria competência. N. Chomsky e M. Halle, The Sound Pattern o] English GRAMÁTICA DESCRITIVA Ao aprendermos uma língua aprendemos os sons dessa língua, as unidades básicas de significàdo, como,. pOLexemplo, as palavras' e' as' regras , qU~:permifem~êórri~iriá ~Ias de modo a formar novas fras~s: ~~r~,l~!!l.:..e_~!~~~e as.regrasconstituem a gramática 'deuiiiaIfngua. A gramatIca e, pOIS, o que nós sabemos;représentã''::a-::.iíOssadfillpetência linguística. Para com- preendermos a natureza da língua teremos de compreender a natureza deste interiorizado e inconsciente sistema que faz parte da gramática de qualquer língua. ' Todo o ser humano que fala uma língua sabe gramática. Ao pre- tenderem descrever uma língua, os linguistas tentam descrever a gramática ,.. da línguapresente no espírito dos falantes. Podem, evidentemente, verificar- -se algumas divergências' entre-o-coõheCimento que os vários falantes têm o que é a Linguagem 13 da língua. Mas existe um conhecimento comum - a gramática - que permite aos falantes falarem e compreen?erem-se. ~j~scrição. do linguista será uma boa ou má descrição da gramática da língúa, ou mesmo da própria língua, consoante CõõSTIrua oU--rut(}-um-=vcrdad-eiró modeloda capacidade linguística dofalante. Esse modelo designa-se por gramática â-es-crífíva. Estagráfriática não nos diz como devemos falar; apenas descreve o nosso conhecimento linguístico básico; explica corno é possível falarmos e com- preendermos e explica ainda o que sabemos sobre os sons, palavras, sin- tagmas e frases da nossa língua. Utilizámos a palavra gramática em dois sentidos: o primeiro dizendo respeito à gramática que os falantes têm no cérebro; o segundo como modelo ou descrição dessa gramática interiorizada. Há quase dois mil anos o gramático grego Dionysius Thrax definiu gramática como aquilo que nos permite i<lli!L uma .língua ,ou falar S?~.~.~_l!I1}~Jí!!Ku~·u,~partir de a9~ra deixaremos de(hstmgli1refilre esfâs düas acepçoes uma vez que a gramática descritiva do linguista visa uma descrição formal (ou teoria) da gramática do falante. Referir-nos-ernos, num dos próximos capítulos, à regra que estabelece que "toda a frase tem um sintagma nominal sujeito e um sintagma verbal predicado"; ora esta regra faz parte siIl}~ltanea~ent~ da gramática "mental" e do modelo que,a descre,:,e: a gramática d.o linguista, Quando afirmamos que uma frase e gramatical queremos dizer que se harmoniza com as regras das duasgràrriãticas; uma frase agrarndtical (marcada com um asterisco) desvia-se de alguma forma dessas regras. Se, no entanto, enunciarmos para o inglês uma regra que não esteja de acordo com as nossas intuições de falante, então ou .existe algum erro na nossa gramática ou a gramática que descrevemos diverge da gramática que representa a nossa competência linguística; isto é, a nossa língua não é a mesma que estamos a descrever. No entanto, se existir algum erro, ele encontra-se certamente na nossa' gramática descritiva. Embora as regras da nossa gramática possam diferir das regras da gramá~ica de outra pessoa; ~ão se pode de forma alguma considerar que o erro existe na nossa grar:tatlca. Isto acontece porque, segundo os linguistas, nenhuma língua ou vanedade de uma língua (chamada dialecto) ~ superior a outra numa perspectiva linguística. Toda a gramática é igualmente complexa e lógica e capaz de produzir um número infinito de frases destinadas a exprimir qualquer pensamento. Aquilo que nós conseguimos exprimir numa língua ou num dialecto, podemos igualmente exprimi-Io em qualquer outra língua ou dialecto embora tenhamos de recorrer a outros meios e a outras palavras. Uma vez que são as gramáticas que determinam a natureza das ~íngu~s, nenhuma gramática deverá ser preferida, excepto talvez por razoes nao linguísticas. Gramáticas Prescritivas "I don't want to talk grammar. l want to talk like a iady." G. B. Shaw, Pygmalion Nem todos os gramáticos, contemporâneos ou do passado, partilham . as ideias que expusemos sobre as gramáticas descritivas. Dos tempos 14 A Natureza da Linguagem Humana , 8. iHO Y © 1978 Los Angeles Times antigos até hoje tem havido "puristas" que pensam que a mutação linguís- tica é uma forma de corrupção e que defendem a existência de certas formas correctas que todas as pessoas "educadas" deveriam utilizarna fala e-na escrita: Os gregos de Alexandria no-século I; os eruditos árabes em Basra no século VIII e inúmeros gramáticos ingleses nos séculos XVIII e XIX defenderam esta perspectiva.,-Pretendiam_p[?,s:f1.:.eVeL_r:sg!ª~.@!!l~ticais, e, ~º-proPJiament~,deScreyê-Ias. Para isso se escreveram as gramáticas prescritivas. ,- ' Com o incremento do capitalismo e o despontar de uma nova classe, média surgiu o desejo, por parte deste novo grupo social, de que os seus filhos fossem educados e aprendessem a falar o dialecto das classes "superiores". E assim surgiram muitas gramáticas prescritivas. Em 1762 o bispo Robert Lowth escreveu uma gramática de grandes repercussões: A Short Introduction to English Grammar with Critica I Notes. Lowth, influenciado pela gramática latina e por preferências de carácter pessoal, o que é a Linguagem 15 prescreveu regras novas para o inglês. Antes da publicação desta gramática quase toda a gente -:- falantes de todas as classes sociais - dizia I don 't have none; You was wrong about that; e Mathilda is fatter than me. Lowth, no entanto, decidiu que "duas negativas fazem uma positiva" e portanto , deveria dizer-se I don 't have any; decidiu ainda que embora you seja singular deverá ser seguido do plural were e que em construções com- parativas a than deveria se~ui~-se I e não me, he e não him, theye não them, etc. Porque Lowth era muito influente e porque a nova classe em ascensão queria falar "correctamente" muitas destas novas "regras" foram decretadas como gramática do inglês, pelo menos para o dialecto de "prestígio". Note- -se que gramáticas como a que Lowth escreveu são muito diferentes das gramáticas descritivas de que temos vindo a falar revelando-se menos interessadas em descrever as regras que as pessoas sabem do que em lhes dizer o que elas devem saber. "Gramáticos" preocupados com o declínio da nossa língua não se extinguiram com o bom bispo. Em 1908, um gramático americano, .Thomas R. Lounsbury, escreveu: "Parece ter existido em todos os períodos do passado, tal como agora, uma nítida apreensão no espírito de muitas pessoas honradas quanto ao estado de quase colapso iminente da língua inglesa e quanto à necessidade de constantemente se desenvolverem esforços árduos que a salvem da destruição". Hoje em dia as livrarias estão cheias de livros de "puristas" da língua tentando fazer exactamente isso. Edwin Newman, por exemplo, nos seus livros Strictly Speaking (com o subtítulo Will America Be the Death of English?) e A Civil Tongue insurge-secontra os que, por exemplo, utilizam a palavra hopefully no sentido de "I hope" como em "Hopefully it will not rain tomorrow" em vez de a utilizarem "correctamente" com o sentido de "with hope". Newman não reconhece que a língua evolui com o tempo e as palavras mudam de significado; o significado de "hopefully" tornou-se, para a maioria dos falantes do inglês, mais vasto passando a incluir estas duas acepções. Outros "sábios" da língua inglesa acusam a televisão, as escolas e o próprio Conselho Nacional de Professores de Inglês de não conseguirem preservar a língua padrão e insurgem-se-contra os professores que defendem que o "Black English" e outros dialectos são já línguas possíveis, vivas e completas. Embora não haja referências concretas aos autores deste livro, eles estão declaradamente com aqueles que os novos prescritivistas tanto criticam. Existe mesmo uma organização literária dedicada ao uso correcto da língua inglesa, chamada Unicorn Society of Lake Superior State College, que publica anualmente 'Uma "lista de descrédito" de palavras e expressões que não .aprova e da qual faz parte o termo "medication": "Já não nos po~emos dar a esse luxo ... E demasiado cara. Teremos de nos voltar para a mais barata 'medicine'''3. Pelo menos estes guardiães da língua inglesa têm algum sentido de humor mas tal como os outros puristas prescritivistas. estão condenados ao fracasso. A língua é vigorosa e dinâmica. E mutável. Todas as línguas e dialectos são expressivos, completos e lógicos tal como já eram há 200 ou 2000 anos. Se as frases se apresentam confusas é porque a língua constitui um instrumento poderoso de expressão dos nossos pensamentos mas a capacidade execução de alguns falantes pode ser 3 L. A. Times, Jan. 2, 1978, Parte L p. 21. 16 A Natureza da Linguagem Humana insuficiente. Os .prescritivistas deveriam preocupar-se mais com o que os falantes pensam do que. com a língua que eles usam. "Hopefully" será este livro uma amostra convincente. , .: . Ao falarmos de gramática de uma língua estamos tambem a distinguir gramática de gramática para o ensino, que é utili~ada com o intuito, de ajudar os falantes a aprender outra língua ou outro dialecto. Nalguns paises em que é económico ou socialmente vantajoso falar um dialecto "?e pres- tígio", poderão algumas pessoas que o nao falam querer aprende-!o. As gramáticas para o ensino enunciam expl~cit?mente ?s .regras ~a hng~~, apresentam listas de. palavras' e a su~ pronuncI.a, constituindo, pOIS, auxílio para quem quer aprender uma nova língua ou dla~ecto. , . Neste livro não estaremos essencialmente interessados em gramáticas prescritivas ou gramáticas para o ensino: Trataremo~, no ~ntant02 destes temas no Capítulo 8 quando falarmos de dialectos padrao e nao padrao. Universais Linguísticos Numa gramática há partes que pertencem a todas as lín!5uas; estes componentes formam aquilo a que se chama gramauca geral ... Para além destas partes gerais (u~iversais) =. também as que pertencem apenas a uma lingua especifica; e estas constituem as gramáticas particulares de cada língua. Du Marsais, c.1750 A acepção em que estam os a utilizar a palavra gramá~ica difere num outro aspecto da acepção mais comum. ~o nosso se.ntldo, gramática inclui tudo o que os falantes sabem da sua língua - o sistema sonoro, chamado fonologia, o sistema de significados, chamado se~ân- tica, o sistema de regras de formação de palavras, ch.amado morf?logla ,e o sistema de regras de form~ção de frases, chama.d? sll!-t~xe. In~l~l tamb~m, como é lógico, o vocabuláno de palavras - o dlclonan.o ou le~lco~ MUltas pessoas pen~am que a gramática de uma língua apenas dIZ respeito as re,g:as sintácticas. E'neste sentido que os estudantes falam das aulas de "gramática inglesa". , . O nosso objectivo consiste em defender o que o gra~atlco John F~!l afirmou em 1784 na sua obra "Essay Towards an English Grammar : É certamente trabalho de um gramático descobrir, e não fazer, as leis de uma língua. É precisamente isto que os li~guist~s t.entam faZe~- descobrir as leis de uma língua, assim como as leis que dizem respeito a todas as línguas. Essas leis que dizem respeito a todas as línguas humanas, represen- tando as propriedades de linguagem, constituem o que se poderá chamar uma gramática universal. - Ao longo dos tempos, filósofos e linguistas têm-se dividido quanto à questão de saber se existem propriedades universais comuns a !oda.s as línguas humanas e exclusivas dessas línguas. A maior parte dos linguistas modernos estão do lado dos "universalistas" uma vez que se tem descoberto propriedades comuns, universais, nas gramáticas de todas as línguas. Pode dizer-se que essas propriedades constituem uma gramática "universal" da linguagem humana. o que é a Linguagem 17 Cerca de 1630, o filósofo alemão Alsted utilizou pela primeira vez o termo gramática geral em oposição a gramática especial. Acreditava que a função de uma gramática geral consistia em revelar as características "relacionadas com o método e etiologia de conceitos gramaticais. São comuns a todas as línguas". Ao salientar que a "gramática geral é o modelo 'norma' de qualquer gramática particular" exortou os "eminentes linguistas a debruçarem-se sobre este assunto" 4. Três séculos e meio antes de Alsted, o sábio Robert Kilwardby defen- dia que os linguistas se deveriam preocupar com a descoberta da natureza da linguagem em geral. E tão preocupado estava Kilwardby com a gramá- tica universal que excluiu considerações sobre as características de línguas particulares, que considerava "tão irrelevantes para uma ciência da gramá- tica como a matéria de que é feita a fita métrica ou as características físicas dos objectos o são para a geometria" 5. Em certo sentido, Kilwardby era demasiado universalista uma vez que as propriedades particulares de línguas específicas são relevantes para a descoberta de universais linguísticos e, além disso, têm interesse por si mesmas. A ênfase que estes estudiosos deram às propriedades universais da linguagem poderá levar alguém que estude latim, grego, francês ou suaili como línguas estrangeiras a pensar, com algum sentimento de frustração, que esses sábios antigos estavam tão protegidos nas suas torres' de marfim que confundiram realidade com pura especulação. No entanto, quanto mais aprofundamos esta questão maior se torna a lista de "universais". O inven- tário que se segue está longe de ser completo mas dá-nos uma ideia de alguns factos universais da linguagem humana. Alguns dizem respeito à linguagem humana em geral, outros referem características e propriedades específicas das línguas de todo o mundo. 1. Onde existem seres humanos existe linguagem. 2. Não existem línguas "primitivas" - todas as línguas são igual- mente complexas e igualmente capazes de exprimir uma ideia do universo. O vocabulário de qiralquer língua pode ser alargado de forma a incluir novas palavras para novos conceitos. 3. Todas as línguas evoluem através do tempo. 4. As relações entre sons e significados em linguagens faladas e entre gestos (sinais) e significados em linguagens de sinais são, na maior parte dos casos, arbitrárias. 5. Todas as línguas humanas utilizam um sistema finito de sons dis- cretos (ou gestos) que se combinam formando elementos com significação ou palavras que, por seu lado, constituem um sistema. infinito de frases possíveis. 6. Todas as gramáticas apresentam regras semelhantes para a for- mação de palavras e frases. 4 V. Salmon, recensão de Cartesian Linguistic de N. Chomsky, Journal of Linguistics (1969) 5: 165-187. 5 V. Salmon, op. cit, 18 A Natureza da Linguagem Humana 7. Toda a língua falada inclui elementos sonoros,~liscret<?s,.corno p, n ou a que podem ser definidos por um conjunto finito de pro- priedades sonoras ou traços. Toda a língua falada apresenta urna classe de vogais e urna classe de consoantes 6. 8. Em todas as línguasse encontram categorias gramaticais seme- lhantes (por exemplo, nome, verbo). 9. Existem universais semânticos, corno "masculino" ou "feminino", "animado" ou "humano", em todas as línguas do mundo. 10. Todas as línguas têm recursos para referir um tempo passado? .a capacidade de negar, a capacidade de formular perguntas, ermttr ordens, etc. 11. Falantes de todas as línguas são capaze~ de ~rod.uz~r ~ com-preen- der um conjunto infinito de frases ..Universais sintácncos rev.elam que todas as línguas apresentam meios de formar frases corno. Linguistics is an interesting ~ubject.. . I know that linguistics is an ínterestmg subject. You know that I know that linguistics is an interesting sub~e<:t. . Guinevere knows that you know that I know that linguistics IS an interesting subject. Is it a fact that Guinevere knows that you know that I know that linguistics is an interesting subject? 12. Toda a criança normal, na~cida em qu~lquer ~arte do mu~do.' sej~ qual for a sua origem racial, geografIca, socla~ ou econormca, e capaz de aprender qualquer língua com q~e esteja e_mcontacto. As diferenças que encontramos entre as línguas nao se devem a razões biológicas. Parece que Alsted e Du Marsais (e P?deríamos citar m~itos mais "universalistas" de todas as épocas) não teciam pensamentos vaos. Todos nós falamos "linguagem humana". No Princípio: A Origem da Linguagem Deus criou o mundo com uma Palavra, instantaneamente, sem instrumento nem dor. Talmude. Nada seria sem dúvida mais interessante do que conhecer através de documentos históricos o processo exacto pelo qual o primeiro homem começou a articular as primeiras palavras, para de uma vez por todas nos vermos livres das teorias sobre a origem da fala. M. Müller, 1871. 6 As linguagens de sinais dos surdos não recorrem, como é evidente, a sons. Delas falaremos em capítulo mais adiante. o que é a Linguagem 19 A universalidade da linguagem corno característica exclusiva do ser humano levantou também a questão de corno terá surgido a linguagem. Todas as religiões e mitologias contêm narrativas sobre a origem da linguagem. Ao longo dos tempos os filósofos têm especulado sobre este tema. Escreveram-se tratados sobre o assunto . Atribuiram-se prémios à "melhor resposta" para este problema que suscita eterna perplexidade. Teorias da origem divina ou do desenvolvimento da espécie ou ainda da linguagem corno invenção humana: tudo se tem defendido. Tanta especulação não é de admirar. A curiosidade do homem 7 sobre si próprio conduziu-o à curiosidade sobre a linguagem. Muitas das pri- mitivas teorias sobre a origem da linguagem resultaram do interesse do homem pelas suas próprias origens e pela sua própria natureza. Porque o homem e a linguagem estão tão intimamente ligados, pensou-se que descobrindo corno, quando e onde nasceu a linguagem, talvez se viesse a descobrir corno, quando e onde nasceu o homem. As dificuldades inerentes à resolução destas questões acerca da linguagem são imensas. Os antropologistas pensam que o homem existe há pelo menos um milhão de anos e talvez mesmo há cinco ou seis milhões de anos. Mas os primeiros registosescritos que foram decifrados datam apenas de há seis mil anos: são os escritos dos sumérios de 4000 a.c. Estes registos são tão tardios na história do desenvolvimento da linguagem que nada esclarecem quanto à origem da linguagem. Poderíamos concluir que a procura deste conhecimento está condenada ao fracasso. A única evidência que temos de línguas antigas ~ a escrita; mas a fala precede historicamente a escrita por um vastíssimo período de tempo e mesmo hoje existem milhares de comunidades que falam línguas perfei- tamente "actualizadas" que, porém, carecem de sistemas escritos. A língua ou línguas que os nossos antecessores mais remotos falavam estão irreme- diavelmente perdidas. Assim, estudiosos dos finais do século XIX tão interessados estavam numa ciência rigorosa que ridicularizaram, ignoraram e até banalizaram a questão da origem da linguagem. Em 1866, a Sociedade Linguística de Paris decidiu "proscrever" todos os artigos'dedicados a este assunto 8. Esta interdição viria a ser reconfirmada em 1911 e defendida mais tarde pelo presidente da Sociedade Filológica de Londres, Alexander ElIis, que, dirigindo-se à Sociedade, concluiu: ... Faremos mais seguindo a evolução de uma só língua do que enchendo cestos com resmas de papéis cobertos de especulações sobre a origem de todas as línguas. 7 Em inglês assim como em muitas (a maior parte?) outras línguas, recorre-se às formas masculinas dos substantivos e pronomes como termo genérico. Bem gostaríamos de o evitar mas vimo-nos sempre constrangidos pelo uso comum. Se tivéssemos dito "A curio- sidade da mulher sobre si própria conduziu-a à curiosidade sobre a linguagem" a frase seria Interpretada como dizendo apenas respeito às mulheres. Ao usarmos a palavra "homem" nesta frase e em outras frases ao longo deste livro, estamos certos de que a interpretação será "homem e mulher". Sempre que referirmos "homem" ou "humanidade" ou outro termo Igualmente genérico esperamos que o leitor considere estes termos genéricos como abran- gendo toda a humanidade excepto evidentemente quando o seu significado possa dizer res- peito especificamente aos membros machos da espécie. S "La Société n'admet aucune communication concernant ... l'origine du langage ... " ("A Sociedade não aceita nenhuma comunicação que diga respeito à origem da lingua- gem ...") La Société de Linguistique, Section 2, Statuts (1886). 20 A Natureza da Linguagem Humana A prova de que tais afirmações não puseram fim a? in~eresse pela questão está bem patente no facto de há alguns anos o linguista John P. Hughes se ter sentido na necessidade de escrever: ...todo o trabalho sério em linguística deverá incluir uma ou duas palavras que se oponham aos disparates crassos sobre este assunto que ainda é ventilado em suplementos científicos de domingo. De acordo com esta loucura pseudo- -evolutiva, baseada apenas em fértil imaginação, a linguagem terá surgido quando algum dos ancestrais homens das cavernas tentou contar à tribo, até então sem linguagem, que matara um lobo, vendo-se então obrigado a imitar um lobo ... ou quando se magoou com o maço ao afiar uma lança de pedra e ouch surgiu como a palavra que significa "dor" ... e outras histórias de encantar. 9 Esta perspectiva afasta-se claramente da que o antropologista escocês, Lord Monboddo havia proposto duzentos anos antes: A origem de uma arte tão admirável e tão útil como a linguagem ... deverá ser considerada tema, não só de grande curiosidade, mas também de grande importância e interesse se considerarmos que está necessariamente ligado a um estudo sobre a natureza original do homem e sobre o estado primitivo em que se encontrava antes da invenção da língua ... IO "Loucura pseudo-evolutiva" não surge apenas em suplementos de domingo. Grandes linguistas e filósofos continuam a interessar-se por esta questão e teorias especulativas sobre a origem da linguagem têm proposto perspectivas importantes sobre a natureza e desenvolvimento da linguagem. Assim, o estudioso Otto Jespersen afirmou que "a ciência linguística não pode abster-se para sempre de se interrogar sobre a origem (e o destino) da evolução linguística". Examinaremos, neste capítulo, algumas ideias sobre a origem da linguagem, não só porque talvez jorre alguma luz sobre a natureza da linguagem, mas também porque a questão parece continuar a despertar grande interesse. DOM DIVINO PARA A HUMANIDADE? E da terra o Senhor Deus formou todos os animais do campo e todas as aves do céu; e conduziu-os até junto de A dão para ver como ele os chamaria: e todos os seres vivos seriam conhecidos pelos nomes que Adão lhes desse. Génesis 2; 19 Segundo as crenças judaico-cristãs, Deus concedeu a Adão o poder de dar nomes a todas as coisas. E por· todo o mundoencontramos crenças semelhantes. Segundo os egípcios, o criador da fala foi o deus Tot. Segundo os babilónios, a linguagem deve-se ao deus Nebo. Segundo os hindus, devemos a nossa capacidade de linguagem a uma deusa; Brama foi o cria- dor do universo, mas foi a sua mulher Sarasvati que nos deu a linguagem. 9 John P. Hughes. 1969. TheScience of Language (Random House. Nova lorque). \O Jarnes Burnett, Lord Monboddo, Of the Origin and Progress of Language (1774). o que é a Linguagem 21 A crença na origem divina da linguagem 'persistiu através dos tempos. Cotton Mather escreveu a sua dissertação d_~rnestrado em H~rvard sobre esta questão, apresentando uma defesa CUIdada dest.a ~eo~Ia; C~rc~ .de trezentos anos mais tarde, Lester Grabbe, r~velan.do a eXIste~cIa de histórias como as da Torre de BabeI em culturas muito antigas concluiu: .,. ainda não foi proposta nenhuma teoria aceitável que ~xpliq~e satisfato- riamente essa faculdade 'que o homem tem de falar - ~u _seja, a I~ngu.age.m- sem a existência de um Criador. Por outro lado, a descnçao do Génesis ajusta- -se inteiramente a todos os factos científicos conhecidos. 11 I. I \ A crença na origem divina da linguage~ sur~e .intimamente, ligada às propriedades .mágicas que o homem tem associado a linguagem e a fala. Em todas as culturas as crianças dizem palavras "mágic~s" como ,abracadabra para afastar o demónio e trazer b?a sorte. Contranamente a lenga-lenga infantil "Paus e pedras podem partir-me os ossos mas o~ nomes n~nca me magoarão", chamar 'nomes é insultuoso, legalmente pun~vel e temido. Em algumas culturas, ao ouvirem certas palavras, as p~ssoas tem de anular o se~ efeito "tocando em made.ira". Recorre-se à lInguagem para apelar a maldição dos deuses. Oferecem-se orações e assim o homeI? recorre à linguagem para conversar com os seus deuses. Segundo ~ BfblIa,_apenas o verdadeiro Deus responde quando o chamam; os falsos Ido~os nao. co~he- ciam a "palavra de Deus". O antropologis_ta B.r?nislaw Malinowski salien- tou que em muitas culturas as palavras sao utilizadas para controlar aco~- tecimentos e transformam-se em fontes de poder quando entoadas repeti- damente: "Crê-se que a articulação repetida de certas palavras produz a realidade pretendida". ". Em todo o mundo encontramos palavras tabu. Nas SOCIedades OCIden- tais somos incitados a não "invocar o santo nome de Deus em vão". Em histórias populares encontramos nomes, como R,umpelstiltzkin, que quebr~m feitiços se forem descobertos. Os nomes propnos apresentam tambem propriedades especiais - uma criança judia não ~e~erá herdar? nome de outra pessoa ainda viva e em certas cuJturas é proibido pronunc!ar o no~e de alguém que já morreu. No antigo Egipto todas as pessoas tinham dOIS nomes, um dos quais era secreto. Se o nome secreto fosse descoberto; a pes- soa que o descobrisse teria poderes sobre a outra. E~ Atenas, n,o .seculo v a.C., um ventríloquo chamado Euricles afirmou pOSSUIrum dernónio dentro de si; atribuiram-se poderes especiais à voz do ventríloquo. Em As ~espas, Aristófanes faz referência ao "astuto profeta Euricles" que "escondI~o na barriga de outras pessoas dá origerna muito divertimento". A' O linguista David Crystal refere que alguém está a tentar por a prova a ideia de que omundo acabará quando os biliões nomes de Deus forem proferidos, ligando urna roda a um sintetizado r de fala electrónico. 12. A crença- na origem divina da linguagem. e nas. s~_aspropnedades mágicas manifesta-se também no facto de em muitas religiões apen~s certas ,línguas poderem ser utilizadas em or<l:çõese.r.ituais. Os sa~er?otes ~Ind~s do século v a.C. acreditavam que deven~ni u~Ihzar as pronuncias o:Ient~I~ do sânscrito védico. Esta crença conduziu a Importantes estudos Iinguísticos 11 Lester Grabbe, "Origin of Languages", The Plain Truth (Ag-Set. 1970), 12 David Crystal, Linguistics (Penguin, Middlesex, Inglaterra. 1971). Imagine the Lord talking FrenchlAside from a few odd words in Hebrew, I took it completely for granted that God had never spoken anything but the most dignified English.L- C_la_re_n_ce_D~a_Y,_L_~_e_w_im_F_a_m_e~r____ _ L- ~ ~ ~ _ 22 A Natureza da Linguagem Humana uma vez que a sua língua evoluira muito desde que os hinos dos vedas haviam sido escritos. Até muito recentemente apenas o latim podia ser utilizado na missa católica. Para os maometanos o Corão não podia ser traduzido e era apenas lido em árabe; e o hebraico continua a ser a única língua que os judeus ortodoxos de todo o mundou,tilizam nas suas orações. Estes mitos, costumes e superstições não nos dizem muito acerca da linguagem. Mas falam-nos da importância da linguagem e das suas propriedades miraculosas que os homens lhe atribuem. Mais uma vez, especulações acerca da origem divina da linguagem, embora não resolvam satisfatoriamente a questão se pretendermos uma "prova científica", podem abrir perspectivas quanto à natureza da linguagem humana. Em 1756 um clérigo estatista prussiano, Johann Peter Suessmilch, apresentou uma comunicação à Academia Prussiana na qual defendia que o homem não poderia ter inventado a linguagem sem pensamento e que o pensamento depende da existência prévia da linguagem. A única saída deste paradoxo é presumir que Deus deve ter dado a linguagem ao homem. Suessmilch, contrariamente a outros filósofos como Rousseau (cujas ideias discutiremos), não considerou linguagens primitivas "menos desenvolvidas" ou "imperfeitas". Sugeriu exactamente o contrário -- que todas as línguas são "perfeitas" reflectindo, pois, a perfeição divina. Cita exemplos de línguas europeias, de línguas semíticas e de línguas de povos "primitivos" para provar a perfeição de toda a linguagem humana. Contrapondo à ideia de que existem línguas primitivas, observou que as ideias grandes e abs- tractas do Cristianismo podem ser discutidas até mesmo pelos "infelizes groenlandeses" . Suessmilch fez outras observações sofisticadas. Salientou que todas as crianças são capazes de aprender perfeitamente a língua dos hotentotes enquanto que os adultos não são, mostrando-se assim sensível à diferença entre a aquisição de uma língua materna e de uma língua estrangeira. Esta observação precedeu a actual "hipótese da idade crítica" que defende que a partir de certa idade um ser humano é incapaz de aprender uma primeira língua. Salientou também, como o haviam feito muitos filósofos da anti- guidade, que todas as línguas têm gramáticas altamente regulares, caso contrário as crianças seriam incapazes de as aprender. Os argumentos apresentados por Suessmilch basearam-se em obser- vações respeitantes à "universalidade" das propriedades linguísticas, na relação entre as condições psicológicas e linguísticas e na interdependên- cia da razão, e da linguagem. Apresentou argumentos poderosos mas que mais diziam respeito à linguagem propriamente dita do qu~ à origem.da linguagem. . Neste momento não podemos "provar" nem "negar" a teoria da origem divina, tal comO' não podemos argumentar cientificamente a favor ou contra a existência de Deus. A PRIMEIRA LÍNGUA o que é a Linguagem 23 Despertou grande interesse entre os defensores da teoria da origem divina saber que língua tinham falado Deus, Adão e Eva. Nem sempre os homens se mostraram pessimistas na busca de uma resposta para esta questão. Durante milénios, conceberam experiências "científicas" para estudar as várias teorias da origem da linguagem. No século V a.c. o historiador grego Heródoto narra que o Faraó egípcio Psamético (664-610 a.Ci) tentou determinar a linguagem "natural" mais primitiva, recorrendo a métodos experimentais. Diz-se que o monarca isolou duas crianças numa cabana na montanha, tratadas por um criado instruído no sentido de não articular uma única palavra na sua presença sob pena de morte. O faraó pensava que sem qualquer contacto linguístico exterior as crianças desen- volveriam a sua própria linguagem e assim revelariama língua original do homem. Os egípcios esperaram pacientemente que as crianças crescessem o suficiente para falarem. Segundo as crónicas, a primeira palavra articulada foi bekos. Consultaram-se os sábios e descobriu-se que bekos era a palavra frígia para "pão", língua falada na província da Frígia (noroeste da moderna Turquia). Esta língua remota, morta há muito, foi considerada, com base nesta "experiência", a língua original. . Não se sabe ao certo se Jaime IV da Escócia (1473-1513) tinha lido a obra de Heródoto. Segundo consta, tentou uma repetição da experiência de Psamético mas alcançou resultados bem diferentes. As crianças escocesas cresceram e "falaram muito bom hebraico", constituindo a "evidência científica" de que o hebraico era alíngua falada no Jardim do Paraíso. Duzentos anos antes da "experiência" de Jaime IV, parece ter o impe-' rador Frederico 11 de Hohenstaufen efectuado semelhante prova, mas sem resultado; as crianças morreram antes de articularem uma única palavra. A lenda de Psamético mostra que o faraó estava pronto a aceitar "evidência" mesmo contrária aos interesses nacionais. Um sábio alemão, J.G.Becanus (1518-1572) demonstrou um zelo verdadeiramente chauvi- nista. Defendeu que o alemão foi certamente a língua primitiva uma vez que a língua atribuída por Deus teria de ser uma língua perfeita e, portanto, segundo ele, o alemão era a língua superiorde todo o mundo. Teria, pois, de ser a língua falada por Deus e Adão. Bécanus levou os seus argumentos ainda mais longe: o alemão continuava a ser á· língua perfeita porque os antigos cimbros (que eram germanos) não haviam colaborado na construção da Torre de BabeI. Mais tarde, segundo a sua teoria, Deus ordenou que o . Antigo Testamento fosse traduzido de alemão para hebraico. Mas surgiram outras propostas. Em 1830 o lexicógrafo Noah Webster afirmou que a "proto-língua" deverá ter sido o caldaico (aramaico), a língua falada em Jerusalém no tempo de Jesus. Em 1887, Joseph Elkins defendeu . em The Evolution of the Chinese Language que "nenhuma outra língua poderá com mais fundamento ser considerada a primeira língua falada na CInzenta manhã do mundo do que o chinês ... Assim, o chinês é considerado ": a língua primitiva". A crença de que todas as língua provêm de uma fonte comum encon- tra-se no Génesis: " ... toda a terra era de uma só língua e de uma só fala". Nesta e noutras descrições, a "confusão" das línguas precedeu a dispersão dos povos. (De acordo com alguns estudiosos bíblicos, Babei deriva do hebraico bilbel, que significa "confusão"; outros dizem que deriva do nome Babilónia). O Génesis continua: "Por isso lhe foi dado o. nome de Babei; 24 A Natureza da Linguagem Humana pois foi lá que o Senhor. confundiu a linguagem de tod~s os habitantes da terra: e daí o Senhor os dispersou por toda a face da terra '. . . A lenda dos Toltecas, descrita pelo historiador mexicano Ixtilxochitl, apresenta uma explicação semelhante para a dive~sidade das .línguas: " ... depois dos homens se terem multiplicado, confundiram-se as hngua?,ens e, incapazes de se compreenderem, foram para diferentes partes da ~erra ; Um estudo da história das línguas most.ra de facto que mm5as línguas derivam de uma língua comum, como saíícntaremos em .cap,ltulos po_s- teriores. Mas nestes casos conhecidos a "confucâo" é posterior a ~eparaçao dos povos. Toda a teoria que defenda uma origem ~omum da lIngl!a&em deverá explicar o número de famílias de línguas eXlst~ntes. A .Bíbha )us~ tifica-as como um gesto de Deus: em BabeI de u.m~ hngua cnou, ~nmtas, todas essas línguas poderiam eventualmente constl~Ulr ramos especlflc?s de famílias multilingues. A teoria monogenética da hngyagem -- ~ teona de uma origem comum -- baseia-se n~ crença .da onge~ tambe~ mon?- genética do homem. No entanto, mmto~ cientistas acreditam hoje em dl~ que o homem surgiu em diferentes locais. d~ terra. Se tal for. verda~~, tera havido muitas preto-línguas que se multiplicaram nas actuais famílias de línguas. u Não estamos certamente mais próximos da descoberta de uma ingua (ou línguas) original do que Psamétic? ao tenta.r~co.m os seus "~étodos experimentais" responder a_esta guestao. ~xpenenclas d~stas. estao co~- denadas ao fracasso. Por razoes evidentes nao tentaram os linguistas repeti- -Ias -- embora possamos aplaudir as motivações do far~ó, nã? 'podere~os deixar de condenar a sua falta de humanidade. Mas os infortúnios da Vida podem ser tão cruéis como o faraó. Tê~-se verificado ~asos de crianças que cresceram em ambientes de completo Isolamento social. Os caso~ conhe- cidos remontam pelá menos, ao século XVIII. Em 1758, Carl Linneaeus propôs o Homo terus (homem selvagem) ~o~o um.a .subdivisão do Homo sapiens. Segundo Linnaeus, uma caractenst~c~ definidora do Homo ferus era a ausência de linguagem de qualquer especie, Todos os casos estudados comprovam esta perspectiva. . Os casos mais dramáticos de crianças que cresceram isoladas são os das crianças "selvagens" ou "meninos-lobos" ,que tê~ sido descritas como crescendo com animais selyagens ou VIVendo sozinhos na floresta. Em 1920, foram encontradas na India duas crianças selvagens, Amala e Kamala que, 'segundo se pensa, viveram entre .os lobos. ~ caso mais fa~oso, documentado por François Truffaut no filme O Menino Selvagem, e o de "víctor, "o menino selvagem de Aveyron" que .foi encontr~do em 1798. Sabe-se que foi abandonado na floresta quando ainda era n;Ulto nov~ ~endo sobrevivido. Foi descoberto quando era já adolescente. Têm-se v~nfIcado também casos de crianças cujo isolamento resultou de esfor90s deliberados de as manterem afastadas da vida social. Em 1970 descobriu-se o caso de uma criança; a quem 'os relatórios científicos deraIl?-o no~e de Genie, que tinha sido fechada mim pequeno quarto e que tinha tido o rmrumo de contacto humano desde os dezoito meses até quase aos catorze ano~. Nenhuma destas crianças, independentemente da causa do isolamento, sabia falar ou conhecia qualquer linguagem quando foram reintegradas n.a sociedade. Genie, no entanto, começou mesmo a adquirir linguagem depois de ser recuperada. ----------------------------------- o que é a Linguagem 25 Estas histórias parecem mostrar que a capacidade humana de adquirir linguagem requer um estímulo linguístico adequado. Uma criança afastada do contacto humano nunca aprenderá a falar, nem frígio, nem "muito bom hebraico" . INVENÇÃO HUMANA OU GRITOS DA NATUREZA? A linguagem nasceu nos primárdios da humanidade; imagino os primeiros actos de fala como qualquer coisa entre as líricas nocturnas dos bichanos nos telhados e as melodiosas canções de amor do rouxinol. Oito Jespersen, Language, Its Nature, Development and Origin. Os gregos especularam sobre tudo o que faz parte do universo. Não é, pois, de admirar que o primeiro tratado linguístico que se conhece seja o Diálogo de Crátilo da autoria de Platão. Relativamente corrente entre os clássicos gregos era a ideia de que em época muito remota existiu um "legislador" que a tudo deu o nome correcto e natural. Platão, no seu, diálogo, põe esta ideia na fala de Sócrates: ... não é todo o homem que pode dar um nome, mas apenas o criador de nomes; e este é o legislador, que, de todos os artesãos do mundo, é o mais raro ... apenas aquele que vê o nome que cada coisa tem e o que cada coisa é por natureza poderá exprimir as formas ideais das coisas em letras [sons] e sflabas. Não foi nenhum dos seus muitos deuses que deu nomes a todas as coisas mas sim este sábio "legislador" . A questão da, origem da linguagem estava estreitamente relacionada com o debate entre os gregos sobre a existência de uma verdade ou correcção nos "nomes" independentemente da língua, em oposição à perspectiva de que as palavras ou nomes de coisas resultavam de um simples acordo -- uma convenção -- entre os falantes. Este debate entre naturalistas e convencionalistas constituía um dos maioresproblemas linguísticos. No Diálogo de Crátilo, Sócrates analisa e desenvolve etimologias para os nomes dos heróis homéricos, deuses gregos, figuras mitológicas, estrelas e elementos e até mesmo qualidades abstractas - os nomes próprios e comuns da língua. Nesta tentativa de justificar a "verdade" ou "naturalidade" dós nomes, Sócrates parece reconhecer, pelo menos em parte, o humor de uma tal abordagem pois diz que "as cabeças dos criadores de nomes estavam a andar à roda e-por isso imaginavam que o mundo estava a andar à roda". ' . Na realidade, uma leitura deste encantador diálogo mostra que Platão reconhece a "arbitrariedade" de algumas palavras, acreditando que na linguagem existiam elementos naturais e convencionais. , ' Os naturalistas defendiam a existência de uma relação natural entre as formas da linguagem e a essência das coisas. Faziam referência a palavras onomatopaicas -- palavras cujos sons imitam o significado representado -- e sugeriam que essas palavras, constituiam a base da linguagem ou, pelo menos, o âmago do vocabulário básico. . A -ideia de que a forma primitiva de linguagem era imitativa ou "ecoante" tem sido até hoje reiterada por muitos estudiosos. Segundo esta 26 A Natureza da Linguagem Humana perspectiva, um cão que emita um som (que-se julga) "ão-ão" deveria ser designado pela palavra. ão-ao. Refutando esta posição poderíam~s contra~or que tais palavras constituem em todas as línguas um numero muito reduzido e ainda que as palavras, por si sós, não formam uma língua. . Na mesma linha, uma outra perspectiva defende que a linguagem consistia inicialmente em manifestações emotivas de dor, medo, surpresa, prazer, ira, etc. Esta teoria - de que as primeiras manifestaç?es de lingua- gem consistiam em "gritos da natureza" que o homem partilhava com os animais - foi proposta por Jean Jacques Rousseau em meados do século XVIII. Rousseau, um dos fundadores do movimento romântico, interessou-se pelo problema da natureza e origem da linguagem ao tentar compreen?er a natureza do "bom selvagem". Dois dos seus tratados ocupam-se da.origem da linguagem 13. Segundo Rousseau, o homem recorria quer a gritos em 0- tivos, quer a gestos, mas os gestos mostraram-se insufi~ientes p~ra a coml!-~ nicação e então o homem criou a linguagem. Foi a parur dos gntos naturais que o homem "construiu" as palavras. . A posição de Rousseau era essencialmente a dos empiristas, que defendiam que todo o conhecimento resulta da percepção de dados obser- váveis. Assim, as primeiras palavras teriam sido nomes de objectos e as primeiras frases seriam constituídas por uma só palavra. Nomes genéricos e abstractos teriam surgido posteriormente, assim como as "diferentes partes do acto de fala" e frases mais complexas. Rousseau apresentou esta ideia da seguinte forma: quanto mais limitado é o conhecimento, tanto mais extenso é o dicionário .... As ideias genéricas só podem ocorrer-nos com a ajuda das palavras e só podem ser compreendidas com a ajuda de proposições. 14 É difícil compreender o seu raciocínio. Como poderia o homem ter adquirido a capacidade de pensamento abstracto através da utilização de palavras concretas se não se encontrava a priori apetrechado com capacidades mentais especiais? Mas, segundo Rousseau, não é a capacidade humana do pensamento que distingue o homem dos animais (perspectiva defendida anteriormente pelo filósofo francês Descartes), mas sim o seu "desejo de ser livre". Segundo Rousseau, foi esta liberdade que levou à invenção da linguagem. Não explica, porém, como poderia esta liberdade ter levado os falantes a associar certos sons a certos significados e a elaborar um complexo sistema de regras que lhes permitem formar novas frases. Rousseau partiu do pressuposto de que as primeiras línguas utilizadas pelos seres humanos seriam línguas imperfeitas e primitivas "aproximadamente como as que as diferentes nações selvagens ainda apresentam". E curioso gue este homem, que toda a sua vida lutou contra a desigualdade, pudesse assumir uma posição destas. Apenas um ano após o tratado de Rousseau, Suessmilch, contra-argumentando Rousseau em prol de uma teoria da origem divina da linguagem, defendeu a igualdade e perfeição de todas as línguas. Quase duzentos anos após Rousseau ter proposto que os "gritos da natureza" e os gestos constituiam a base do desenvolvimento da linguagem, Sir Richard Paget argumentou a favor de uma "teoria do gesto oral": 13 Jean Jacques Rousseau, "Discourse on the Origin and Fundations ofInequality Among Men" (1755) e "Essay ont the Origin of Languages" (publicado postumamente, 1822). 14 Rousseau, "Essay ont the Origin of Languages", in P. H. Salus, ed. 1969. On Language: Plato to Von Humboldt (Holt, Reinehart and Winston. Nova lorque). ---------------- -------- o que é a Linguagem 27 -A fala humana nasceu da linguagem gestual pantonímica inconsciente e generalizada - efectuada pelos membros e elementos fisionómicos em geral (incluindo a língua e os lábios) - que se especializou em gestos dos órgãos de articulação, devido ao facto de as mãos humanas (e olhos) estarem cada vez mais ocupadas com o desenvolvimento dos utensílios. Os gestos dos órgãos de articulação eram reconhecidos pelo ouvinte pois o ouvinte reproduzia inconscientemente no seu espírito o gesto que de facto havia produzido esse som. 15 E difícil saber exactamente como teriam a língua, os lábios e outros órgãos vocálicos sido utilizados na produção de "gestos pantonímicos". Mas é interessante salientar que alguns estudiosos aceitam hoje uma "teoria motora da percepção da fala" que constitui uma versão sofisticada desta última afirmação de Paget. A ideia de que a linguagem humana provém de um sistema gestual surge na obra de Gordon Hewes." Não reclama, porém, que fosse o único sistema utilizado mas lembra os casos em que se recorre ao gesto sempre' que se não pode recorrer à fala (como no caso dos surdos) ou quando a fala se torna inútil (quando há muito barulho ou se falam línguasdesconhe- cidas). . Uma outra hipótese relativa ao desenvolvimento da linguagem humana sugere que a linguagem nasceu de sons ritmados que os homens emitiam quando trabalhavam em 'grupo. Em 1970, o afasiologista soviético A. .R. Luria defendia esta ideia: Tudo nos leva a crer que a fala tem a sua origem em actividade produtiva e surgiu primeiro com a forma de moções curtas que representavam certas acti- vidades no trabalho e gestos que permitiam aos homens apontar e comunicar. ... Apenas bastante mais tarde, como nos mostra a paleontologia da fala, se desenvolveu a fala verbal. Só ao longo de um período historicamente muito longo se verificou a dissociação do som e do gesto.'? Uma das teorias mais encantadoras sobre a teoria da linguagem foi proposta por Otto Jespersen. Formutou uma teoria que considerava a linguagem derivada do canto como uma necessidade expressiva e não pro- priamente comunicativa, sendo o amor o maior estímulo para o desenvol- vimento linguístico: . . . Tal' como sucedeu com as teorias da origem divina da linguagem. muitas destas propostas são inconclusivas, quer defendam a ideiade que o homem inventou a linguagem, quer defendam que esta surgiu no decurso do desenvolvimento· humano - sob a forma de gritos da natureza, imitação vocálica de gestos, canções de amor ou gritos de trabalho. O debate está aberto e assim 'continuará. . . 15 Richard Paget. 1930. Human Speech (Harcourt, Brace. Nova lorque) .. 16 Gordon Hewes, "The Current Status of the Gestural Theory of Language ", Annals N. Y.Acad. Science 280 (1976): 482·504. . 17 A. R. Luria. 1970. Traumatic Aphasia (Humanities Press. Nova Iorque) p. 80. 28 A Natureza da Linguagem Humana A ORIGEM DO HOMEM É A ORIGEM DA LINGUAGEM Mas a linguagem aconteceu. Aconteceu porque a linguagem é a consequência mais lógica de um mundo de pessoas em que os bébés palram e as mães respondem palrando -e em que obébé tem também a capacidade da metáfora. Louis Carini Em 1769, treze anos após a famosa defesa da origem divina da linguagem a que Suessmilch contrapôs a teoria da "invenção", a Academia Prussiana reabriu o debate. Ofereceram um prémio para o melhor artigo sobre essa mesma questão. Johann Herder, filósofo e poeta alernão.vganhou um prémio com uma comunicação que se opunha às duas perspectivas. Herder argumentou contra a teoria de Rousseau de que a linguagem consistia no desenvolvimento dos "gritos da natureza" que o homem parti- lhava com os animais; apresentou as diferenças fundamentais entre a lin- guagem humana e os gritos instintivos dos animais. Herder considerava que a linguagem e o pensamento são inseparáveis e que o homem nasce com uma capacidade para desenvolver ambos. Concordou com SuessmiIch defendendo que sem a razão a linguagem não poderia ter sido inventada pelo homem mas foi mais longe afirmando que, sem razão, Adão não poderia ter aprendido a linguagem, nem mesmo pela mão do Pai Divino: Os pais nunca ensinam linguagem às crianças sem que ao mesmo tempo estes a inventem também.· Os pais apenas chamam a atenção das crianças para as diferenças entre as coisas, através de alguns signos verbais, não sendo pois por eles criados; através da linguagem apenas facilitam e aceleram o uso que as crianças fazem da razão." Estas observações perspicazes pressupunham a ideia, partilhada por alguns linguistas de hoje, de que ninguám ensina regras de gramática às crianças - são as crianças que as descobrem. . O aspecto mais importante da comunicação de Herder era que a linguagem é inata. Não se pode falar na existência do homem antes da linguagem. A linguagem constitui parte da natureza essencial do ser humano e, como tal, não foi inventada nem oferecida como uma dádiva. Herder apresentou' a universalidade, ou uniformidade, de todas as línguas humanas como argumento a favor da teoria mono genética da origem. Segundo ele, todos nós descendemos dos mesmos 'pais, descendendo também todas as línguas de uma mesma língua. Propôs esta teoria para explicar .por que razão as línguas.capesar da sua diversidade, apresentam propriedades universais comuns. 'Embora a teoria monogenética não seja hoje em dia amplamente aceite, aceita-se a uniformidade das línguas humanas e esta pode ser plausivamente explicada através do argumento de Herder de que o homem é, por natureza; o mesmo em toda a face da terra. Herder aceitava a posição racionalista cartesiana de que as línguas huma- nas e os gritos dos animais são tão diferentes como o pensamento humano e o instinto animal: "Não é a estrutura da boca que cria a linguagem uma vez 18 J. G. Herder, "Essay on lhe Origin of Language", in Salus, op. cit. o que é a Linguagem 29 que se um homem for mudo toda a vida mas reflectir, então a linguagem deve estar dentro da alma" .19 . Linguagem e Evolução Apesar das antigas "interdições" quanto à especulação sobre a origem da linguagem humana, o interesse nesta questão tem vindo a reacender-se. Duas sociedades académicas - a Associacão Antropológica Americana e a Academia das Ciências de Nova Iorque - organizaram debates no sentido de rever trabalhos recentes sobre este assunto (em 1974 e 1976). Investigação em curso em várias disciplinas tem vindo a fornecer . elementos anteriormente desconhecidos e directamente relacionados com o desenvolvimento da linguagem nas espécies humanas. Os estudiosos mostram-se hoje interessados em saber qual a relação entre a linguagem e o desenvolvimento evolucionário da espécie humana. Alguns encaram a capacidade de linguagem como uma diferença qualitativa entre os seres humanos e outros primatas; outros encaram a capacidade de linguagem como um salto qualitativo. Os Iinguistas que, numa abordagem evolucionária, defendem a perspectiva da "descontinuidade" acreditam que a linguagem é "específica da espécie" e entre esses linguistas encontram-se os que pensam que os mecanismos do cérebro subjacentes à capacidade de linguagem são específicos da linguagem e não apenas um mero rebento de capacidades cognitivas mais desenvolvidas. Esta última perspectiva defende que todos os seres humanos estão equipados inata ou geneticamente com uma capacidade única de aquisição de linguagem ou com mecanismos neurológicos geneticamente determinados de carácter especificamente linguístico. Ao tentarem compreender o desenvolvimento da linguagem, os estu- diosos de todos os tempos têm-se debruçado sobre o papel desempenhado pelo aparelho fonador e pelo ouvido. O linguista Philip Lieberman sugere que "os prima tas não humanos carecem dos mecanismos físicos necessários à produção da variada fala humana't.é' Relaciona o desenvolvimento da linguagem com o desenvolvimento evolucionário da produção da fala e dos mecanismos de percepção. E evidente que tudo isto seria acompanhado de modificações no cérebro e no sistema nervoso no sentido de uma maior complexidade. A perspectiva de Lieberman implica que as línguas dos nossos antecessores teriam sido, há milhões de anos, sintáctica e fonolo- gicamente mais simples do que 'qualquer língua hoje conhecida. A questão, no entanto, mantém-se uma vez 'que o conceito de "mais simples" continua por definir. Uma, sugestão poderia ser que essa língua primária tivesse um Inventário fonético mais restrito. É certo que se deve ter verificado evolução no desenvolvimento do aparelho fonador capaz de produzir a ampla variedade de sons utilizados na linguagem humana assim como no desenvolvimento do mecanismo de percepção e distinção desses sons. Esta evolução não é, no entanto, sufi- ciente para explicar a origem da linguagem uma vez que existem espécies 19 Herder, op. cito . 20 Philip Liebennan, "Primate Vocalizations and Human Linguistic Ability ", J. Acous· tical Soe. Am. (1976) 44: 1574-1584. 30 A Natureza da Linguagem Humana de andorinhas e papagaios que também apresentam essa capacidade. No entanto, essas imitações que esses pássaros fazem são meras repetições imitativas (Ver Capítulo 11 sobre as linguagens animais). A linguagem humana faz uso de um número muito restrito de sons que se combinam em sequências lineares de modo a' formar palavras. Cada som é reutilizado muitas vezes, tal como as palavras. Suessmilch salientou este facto para provar a "eficiência" e "perfeição" de uma língua. De facto, C? carácter discreto destes elementos linguísticos básicos - os sons - fOI referido nos primeiros estudos sobre a linguagem. As crianças aprendem desde muito cedo que a continuidade das sequências sonoras, como bad e dad, pode ser "quebrada" em segmentos discretos. Na realidade, as crianças que conhecem estas duas palavras podem por si próprias produzir a palavra dab, embora nunca a tenham ouvido antes. Algumas espécies de andorinhas são capazes de aprender a produzir os sons bad e dad mas nenhum pássaro poderia produzir o som dab sem realmente o ter ouvido. Por outro lado, sabemos também que a capacidade de ouvir sons articulados não é condição necessária para a aquisição e utilização da linguagem. Seres humanos que nasceram surdos aprendem as linguagens de sinais que à volta deles se utiliza e estas linguagens p.odem ser tão "cri~- tivas" e complexas como as linguagens faladas. E as cnanças surdas adqui- rem estas linguagens da mesma forma que as outras crianças - sem lhes serem ensinadas - por mero contacto. Talvez então a maior evolução no desenvolvimento da linguagem se deva a alterações evolucionárias no cérebro. . Embora estejamos bem longe de saber como nasceu a linguagem, e é duvidoso que alguma vez o saibamos com certeza, fizemos na nossa busca das origens muitos progressos na compreensão da natureza da linguagem humana. REsUMO Todos nós conhecemos bem pelo menos uma língua. No entanto, pou- cos são os que se preocupam com o que sabemos quando conhecemos. uma língua. Nenhum livro contém a língua inglesa ou russa ou
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