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Havia, no princípio desse século, vários tipos de contadores: com múltiplas gavetinhas (figura 26), “com feição” de múltiplas gavetas (ver figura 10), ou com duas portas e repartições internas e gavetas por baixo. O primeiro tipo, isto é, o de múltiplas gavetinhas, foi o mais comumente usado. Aparecia sempre aos pares, com o número de gavetinhas variando de seis a dezessete ou dezoito. Os dois últimos tipos possuíam gavetinhas e gavetas um pouco maiores. Todos eles eram ornamentados com fechaduras e espelhos ou “escudos” de ferro estanhado ou de prata, com recortes à maneira mourisca. Apoiavam-se sobre pés altos, torneados com “rendas” na altura da união do compartimento das gavetinhas com os pés. Esse modelo vigorou até perto de 1745, pois exibe a mistura dos dois tipos de barroco setecentista, com ornamentos torneados e entalhados, contrastando com a parte superior, esta de aparência renascentista. É um dos móveis híbridos mais chamativos de origem ibérica usados na Bahia (figura 27). Não foram numerosos, mas havia contadores procedentes da Índia, distinguíveis pela presença do revestimento em charão ou marchetaria de marfim, além dos acharoados da Inglaterra. Esses contadores importados tiveram maior uso no século XVII, mas algumas peças similares foram executadas em Salvador nas primeiras décadas do século seguinte, pois os últimos exemplares só desapareceram nos inventários, quase completamente, já nos oitocentos. A presença dessas peças em Salvador foi testemunhada por Frei Manoel de Santa Inês. Em Carta Pastoral de 9 de junho de 1764, ele protestava contra a vaidade das religiosas do Convento de Santa Clara do Desterro, que, entre outros objetos de luxo, ornavam suas celas com móveis desse gênero, proibindo-as de usar ouro, prata e diamantes e orientando-as a se desfazer das papeleiras ricas, contadores e “outros trastes próprios de seculares e que só se use no Convento do que convém ao estado de pessoas pobres”30. 26 – Contador com múltiplas gavetas, séculos XVII/XVIII. Sede do Iphan- Cachoeira. 27 - Saia do contador, ligando o corpo superior com as pernas, século XVIII. Estilo híbrido, pernas e travessas do primeiro barroco, saia do segundo barroco. A parte superior provavelmente foi restaurada, especialmente as molduras com madeira de cor diversa. Acervo do Museu Carlos Costa Pinto. ~97~ M ó v e i s e m o b i l i á r i o Papeleiras As papeleiras, de modo geral, apareceram nos mesmos modelos das cômodas. Os primeiros exemplares desse móvel surgiram na primeira metade do século XVIII. Antes de se adaptarem às “cômodas ou armários”, eram chamadas “papeleiras de meio corpo”. Estas eram colocadas sobre uma mesa ou apoiadas em pés altos. As papeleiras mais ricas possuíam molduras de jacarandá, com fechaduras mouriscas de ferro. O modelo seguinte, que apareceu ainda na primeira metade do século, tinha dois corpos ou corpo inteiro (figura 28). Em raríssimas peças, na Bahia, apresentava oratório conjugado na parte superior, como se observa no exemplar do Museu da Casa Brasileira. As papeleiras mais comuns, de corpo inteiro, possuíam no meio corpo inferior dois gavetões e duas gavetas, à maneira das cômodas; em algumas, as gavetas eram substituídas por portas. No meio corpo superior possuíam repartimentos e gavetinhas, e não eram raras as papeleiras com segredo ou compartimento seguro para guardar peças ou documentos importantes. Dois tipos essenciais de papeleira foram usados durante a segunda metade do século. O primeiro, que apareceu um pouco antes, tinha gaveta de “volta” e o segundo, pés e colunas laterais entalhados, em modelo idêntico ao das cômodas. Para a execução desse último modelo, o “Regimento dos marceneiros”, de 1785, previa que os oficiais deviam cobrar “por cada papeleira lisa de volta, pilares entalhados, com quatro gavetas, três inteiras, e uma partida, cinqüenta mil réis, e daí para cima, a convenção das partes”31. O luxo e a escassez desse móvel na casa baiana são explicados por seu preço, mais alto que o de dois escravos. Encontravam-se, em Salvador, papeleiras com gavetas lisas e arremates de talha, mas o modelo preferido foi o de gaveta de volta simples, que ainda estava em uso por volta de 1830. Todos os exemplares encontrados, porém, já eram considerados “muito antigos” ou “muito usados”. As papeleiras tiveram o uso restrito à segunda metade do século XVIII e, antes do século terminar, foram substituídas pelas carteiras. Nesse período, surgiram raros exemplares com o meio corpo superior formando um armário, com portas envidraçadas. Eram peças luxuosas, pouco comuns. 28 – Papeleira de dois corpos, cômoda e escrivaninha. Acervo do Convento de Santo Antônio de Cairu/BA. ~98~ M o b i l i á r i o b a i a n o Carteiras As primeiras carteiras que aparecem nos inventários, no fim do século XVIII, provinham da Inglaterra ou da Índia. Como as primeiras papeleiras, eram pequenas, colocadas em cima de mesa ou banca. Logo, entretanto, foram adaptadas a “pés de grade” ou, mais raramente, aos “pés de volta”. Diferenciavam-se pouco, no meio corpo superior, das papeleiras. As divisões internas tornaram-se maiores e menos numerosas. Eram de fácil transporte. Existiram também as carteiras de mão ou portáteis e transportáveis. Como aconteceu com as mesas de abrir, algumas carteiras foram forradas internamente com pano verde. A esse modelo de carteira adaptaram-se os mochos – um ou dois –, feitos de vinhático com assento de palhinha ou madeira. Infelizmente, não se encontrou nas coleções nenhum exemplar que pudesse dar melhor idéia da forma desse móvel. As carteiras, com “pés de grade”, foram bastante utilizadas no final dos setecentos e princípio dos oitocentos. Ao lado destas, no século XIX, apareciam as secretárias “com dois gavetões e mais arranjos com a peça de cima envidraçada”32. Para os meados do século XIX, acrescentaram-se abas pelos lados da carteira com “pé de grade”, que ainda estava em uso. M ó v e i s d e d e s c a n s o Leitos, camas, catres e preguiceiros O móvel essencial para descanso era denominado leito ou cama. Leito era a designação dada, em geral, ao móvel mais luxuoso e de maiores proporções. Pela consulta feita nos inventários, notou-se que em Salvador dava-se o nome de leito àqueles móveis providos de balaústres e cortinado, enquanto os que não possuíam esses acessórios eram denominados catre ou cama. Nos documentos citados, porém, a distinção entre as duas designações não é muito clara. Parece, sobretudo, que se utilizava a palavra leito para designar o estrado e a palavra cama para designar o conjunto de estrado, cabeceira e pés. Entretanto, na primeira metade do século XVIII, todos esses móveis eram chamados leitos, indistintamente, com exceção das camas pequenas ou catres. A palavra catre, no século XVII, em Portugal, designava o “leito pequeno, o leito de campo ou camilha dobradiça, mas também o leito de coluna não suficientemente alta para suportar dossel”, segundo Nascimento33. Em Salvador serviu, especificamente, para designar camas pobres. A partir de meados do século XVIII, usou-se mais correntemente a palavra cama. O leito grande era pouco freqüente nas alcovas das residências baianas. Foi, muitas vezes, substituído pelo estrado, pela esteira, de influência indígena ou, simplesmente, por ~99~ M ó v e i s e m o b i l i á r i o colchões, preguiceiros, marquesas, redes e mesmo bancos e arquibancos (figura 29), como o exemplo do “arquibanco grande de madeira branca pintado com assento largo que serve de cama e nele duas caixas com fechaduras, de 1783”34. 29 - Leito. Estilo híbrido conjugando os dois estilos barrocos com torneados,